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Quando opto por usar palavras que não afirmam, determinam e/ou classificam as falas das professoras, o faço devido ao entendimento que hoje tenho de que é um risco olhar para o outro a partir de territórios demarcados. Preciso relativizar o discurso, pois não o assumo como algo que representa o sujeito, mas sim como algo que também está em movimento e que é atravessado pela forma como eu vejo/ significo essas narrativas. Desta forma, o que trago aqui são tendências, oriundas desse meu olhar, carregado de experiências e abandonos, diferente de outros olhares. Com isso, proponho uma forma de pesquisa que se configura como uma cartografia.

Oliveira e Paraíso (2012) dizem que a cartografia "[...] é uma figura sinuosa, que se adapta aos acidentes do terreno, uma figura do desvio, do rodeio, da divagação, da extravagância, da exploração." (p. 163). Costa, L. (2014) explica que o conceito foi retirado inicialmente da geografia e deslocado para os campos da filosofia, política e subjetividade. Com isso, os filósofos querem que a realidade seja pensada "[...] através de outros dispositivos que não os apresentados tradicionalmente pelos discursos científicos, valorizando aquilo que se passa nos intervalos e interstícios, entendendo-os como potencialmente formados e criadores de realidade." (COSTA, L., 2014, p. 70). O pesquisador-cartógrafo, segundo o autor, precisa ter posturas singulares: "Não coleta dados; ele os produz. Não julga; ele coloca em questão as forças que pedem julgamento." (COSTA, L., 2014, p. 71).

Diante do objetivo deste trabalho, de identificar as representações sobre os temas em questão e problematizá-las junto ao grupo participante de professores, de modo a observar como as reflexões propostas podem contribuir para a (res)significação das representações sociais sobre inclusão e diferenças, proponho uma atenção sobre as representações sociais.

Assim, Duveen (2015) explica que, no interior de qualquer cultura, há pontos de tensão, de fratura e que é em torno desses pontos de divisão no sistema representacional de uma cultura que surgem novas representações. Segundo o autor:

[...] nestes pontos de clivagem há uma falta de sentido, um ponto onde o não-familiar aparece. E, do mesmo modo que a natureza detesta o vácuo, assim também a cultura detesta a ausência de sentido, colocando em ação algum tipo de trabalho representacional para familiarizar o não-familiar, e assim restabelecer um sentido de estabilidade. (DUVEEN, 2015, p. 16).

De acordo com Moscovici, “[...] a finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade” (2015, p. 54). Nos universos consensuais que abrangem o conhecimento produzido pelo senso comum, queremos nos sentir confortáveis, livres de riscos, atritos ou conflitos. Almejamos que nesse domínio, aconteçam sempre e novamente os mesmos acontecimentos, semelhantes atitudes, pensamentos, entre outros (MOSCOVICI, 2015). Segundo o autor, “A mudança como tal somente é percebida e aceita desde que ela apresente um tipo de vivência e evite o murchar do diálogo, sob o peso da repetição” (MOSCOVICI, 2015, p. 55). Sendo assim, “[...] a dinâmica das relações é uma dinâmica de familiarização, onde os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas.” (MOSCOVICI, 2015, p. 55).

A não-familiaridade pode ser caracterizada como “a presença real de algo ausente” alguma coisa que aparenta ser visível sem o ser, semelhante apesar de diferente, acessível e ainda sim, inacessível (MOSCOVICI, 2015). O não-familiar é ao mesmo tempo intrigante e alarmante para as pessoas e comunidades. Segundo Moscovici, “[...] O medo do que é estranho (ou dos estranhos) é profundamente arraigado.” (2015, p. 56). Revela-se como uma tensão insuportável “[...] a ameaça de perder os marcos referenciais, de perder contato com o que propicia um sentido de continuidade, de compreensão mútua” (MOSCOVICI, 2015, p. 56). Sendo assim, “[...] quando a alteridade é jogada sobre nós na forma de algo que “não é exatamente” como deveria ser, nós instintivamente a rejeitamos, porque ela ameaça a ordem estabelecida.” (MOSCOVICI, 2015, p. 56).

[...] os doentes mentais, ou as pessoas que pertencem a outras culturas, nos incomodam, pois estas pessoas são como nós e contudo não são como nós; assim nós podemos dizer que eles são “sem cultura”, “bárbaros”, “irracionais” etc. De fato, todas as coisas, tópicos ou pessoas banidas ou remotas, todos os que foram exilados das fronteiras concretas de nosso universo possuem sempre características imaginárias; e pré-ocupam e incomodam exatamente porque estão aqui, sem estar aqui; eles são percebidos, sem ser percebidos; sua irrealidade se torna aparente quando nós estamos em sua presença; quando sua realidade é imposta sobre nós – é como se nos encontrássemos face a face com um fantasma ou com um personagem fictício na vida real; ou como a primeira vez que vemos um computador jogando xadrez. Então, algo que nós pensamos como imaginação se torna realidade diante de nossos próprios olhos; nós podemos ver e tocar algo que éramos proibidos. (2015, p. 56).

Um meio de transferir o que nos perturba, de tornar próximo o que está distante é o ato que Moscovici (2015) chama de “re-apresentação”. Isso se efetiva na medida em que conceitos e percepções comumente interligadas são separados e realocados em contextos nos quais “[...] o incomum se torna comum, onde o desconhecido pode ser incluído em uma categoria conhecida.” (MOSCOVICI, 2015, p. 57). No que diz respeito a não-familiaridade nos grupos, Moscovici (2015) conta que em muitos casos que observou, a direção e o expediente iniciais a partir dos quais determinado grupo procura se acertar com o não-familiar, são impostos pelas imagens, ideias e linguagem compartilhadas nele.

Em nossos universos consensuais, a tensão entre o familiar e o não- familiar está sempre instituída. Segundo Moscovici (2015), o resultado de nosso esforço contínuo de tornar comum e real o que é não-familiar, ou o que provoca em nós o sentimento de não-familiaridade, são as representações que criamos. É através delas, segundo o referido autor, que

[...] nós superamos o problema e o integramos em nosso mundo mental e físico, que é, com isso, enriquecido e transformado. Depois de uma série de ajustamentos, o que estava longe, parece ao alcance de nossa mão; o que parecia abstrato, torna-se concreto e quase normal. (MOSCOVICI, 2015, p. 59).

Transformar ideias, seres, palavras não-familiares em termos usuais, próximos e atuais não é fácil. Para que algo estranho passe a ser familiar é preciso recorrer “[...] a dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas” (MOSCOVICI, 2015, p. 60). Segundo Moscovici:

Esses mecanismos transformam o não-familiar em familiar, primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de compará-lo e interpretá-lo; e depois, reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e tocar, e, consequentemente, controlar. (MOSCOVICI, 2015, p. 61).

Trata-se da ancoragem e da objetivação. São esses mecanismos que criam as representações sociais. A ancoragem, segundo Moscovici:

[...] é um processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada. É quase como que ancorar um bote perdido em um dos boxes (pontos sinalizadores) de nosso espaço social. [...] Nos momentos em que determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre nela. Se a classificação, assim obtida, é geralmente aceita, então qualquer opinião que se relacione com a categoria irá se relacionar também com o objeto ou com a ideia. (2015, p. 61).

Moscovici (2015) ilustra o mecanismo de ancorar com o exemplo de uma pessoa religiosa que tenta relacionar uma teoria nova ou um comportamento que lhe é estranho a uma categoria de valores religiosos. Ancorar, para o referido autor, “[...] é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras.” (MOSCOVICI, 2015, p. 61).

Quando não somos capazes de descrever algo ou avaliá-lo, seja para nós mesmos ou para outras pessoas, experimentamos uma resistência, um distanciamento, que poderá ser superado à medida que dermos o primeiro passo de “[...] colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de rotulá-lo com um nome conhecido.” (MOSCOVICI, 2015, p. 62). Ao conseguir falar sobre algo, analisá-lo e discuti-lo, podemos então, “[...] representar o não-usual em nosso mundo familiar, reproduzi-lo como uma réplica de um modelo familiar. Pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de se dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo.” (MOSCOVICI, 2015, p. 62). Guareschi (1996, p. 18), diz que na maioria das vezes o processo de ancoragem acarreta um juízo de valor, pois “[...] quando 'nomeamos', classificamos alguém, já o [...] classificamos dentro de categorias que historicamente comportam essa dimensão valorativa.”.

Quando classificamos algo, nós o circunscrevemos num conjunto de regras e comportamentos que ditam o que é ou não permitido no que diz respeito a todos os pertencentes a essa classe (MOSCOVICI, 2015). Ao categorizar algo ou alguém, escolhemos uma das referências armazenadas em nossa memória e instauramos uma relação positiva ou negativa com ela (MOSCOVICI, 2015). Preponderantemente, as classificações são feitas “[...] comparando as pessoas a um protótipo, geralmente aceito como representante de uma classe e que o primeiro é definido através da aproximação, ou da coincidência com o último.” (MOSCOVICI, 2015, p. 64). Por conta disso, estamos propensos a identificar e distinguir as características que são mais representativas desse modelo (MOSCOVICI, 2015). Ancorar envolve a precedência do “veredicto sobre o julgamento” e do “predicado sobre o sujeito”. Segundo Moscovici, “[...] O protótipo é a quintessência de tal prioridade, pois favorece opiniões já feitas e geralmente conduz a decisões superapressadas.” (MOSCOVICI, 2015, p. 64). Comumente, essas decisões são conseguidas generalizando ou particularizando.

Generalizando, reduzimos distâncias, de acordo com Moscovici, pois desta forma:

[...] selecionamos uma característica aleatoriamente e a usamos como uma categoria; judeu, doente mental, novela, nação agressiva, etc. A característica se torna, como se realmente fosse, coextensiva a todos os membros dessa categoria. Quando é positiva, nós registramos nossa aceitação; quando é negativa, nossa rejeição. (MOSCOVICI, 2015, p. 65).

Fazemos o contrário, particularizando, pois dessa forma “[...] mantemos a distância e mantemos o objeto sob análise, como algo divergente do protótipo. Ao mesmo tempo, tentamos descobrir que característica, motivação ou atitude o torna distinto.” (MOSCOVICI, 2015, p. 65). A tendência para classificar de um modo ou de outro, reflete a atitude específica de tentar definir o objeto como “normal ou aberrante” (MOSCOVICI, 2015). Segundo Moscovici:

[...] É isso que está em jogo em todas as classificações de coisas não- familiares – a necessidade de defini-las como conformes, ou divergentes, da norma. Ademais, quando nós falamos sobre a similaridade ou divergência, identidade ou diferença, nós estamos já dizendo precisamente isso, mas de uma maneira descomprometida, que está desprovida de consequências sociais. (2015, p. 65).

Ao fazer as comparações com um protótipo e tentar definir se o objeto comparado é normal ou anormal, Moscovici indica que tendemos a responder a seguinte questão: “É ele como deve ser, ou não?” (MOSCOVICI, 2015, p. 66). Segundo o autor, essa divergência tem consequências práticas:

[...] se minhas observações estão corretas, então todos nossos “preconceitos”, sejam nacionais, raciais, geracionais ou quaisquer que alguém tenha, somente podem ser superados pela mudança de nossas representações sociais da cultura, da “natureza humana” e assim por diante. (MOSCOVICI, 2015, p. 66).

Moscovici (2015) explica que classificar sem dar nomes é impossível; nomear algo é libertá-lo de um anonimato perturbador, “[...] para dotá-lo de uma genealogia e para incluí-lo em um complexo de palavras específicas, para localizá- lo, de fato, na matriz de identidade de nossa cultura.” (MOSCOVICI, 2015, p. 66, grifo do autor). Segundo as observações do referido autor, as consequências dessa nomeação são tríplices:

a) uma vez nomeada, a pessoa ou coisa pode ser descrita e adquire certas características, tendências etc.; b) a pessoa, ou coisa, torna-se distinta de outras pessoas ou objetos, através dessas características e tendências; c) a pessoa ou coisa torna-se o objeto de uma convenção entre os que adotam e partilham a mesma convenção. (MOSCOVICI, 2015, p. 67).

Neste sentido, Moscovici destaca que há uma “tendência nominalística”:

[...] uma necessidade de identificar os seres e as coisas, ajustando-os em uma representação social predominante. [...] Com isso, os que falam e os de quem se fala são forçados a entrar em uma matriz de identidade que eles não escolheram e sobre a qual eles não possuem controle. (MOSCOVICI, 2015, p. 68).

A objetivação, segundo mecanismo que cria representações sociais conforme mencionado anteriormente,

[...] une a ideia de não-familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade. Percebida primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objetivação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessível. Sob esse aspecto, estamos legitimados ao afirmar, com Lewin, que toda representação torna real [...] um nível diferente da realidade. [...] objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. (MOSCOVICI, 2015, p. 71-72).

Nosso meio é composto por imagens “[...] e nós estamos continuamente acrescentando-lhe algo e modificando-o, descartando algumas imagens e adotando outras.” (MOSCOVICI, 2015, p. 74). O processo de objetivação, segundo Guareschi (1996, p. 18), “[...] consiste fundamentalmente em tornar “concreta”, como que visível, uma realidade que procura nos escapar das mãos.”.

Falando sobre a cultura e a transformação das representações em realidade, Moscovici diz que cada cultura131 possui seus próprios instrumentos para realizar essa transformação. Contudo:

[...] Nenhuma cultura [...] possui um instrumento único, exclusivo. E devido ao fato de que o nosso instrumento está relacionado com os objetos, ele nos encoraja a objetivar tudo o que encontramos. Nós personificamos, indiscriminadamente, sentimentos, classes sociais, os grandes poderes, e quando nós escrevemos, nós personificamos a cultura, pois é a própria linguagem que nos possibilita fazer isso. (MOSCOVICI, 2015, p. 76).

Quando se fala sobre a criação de representações sociais, é importante comentar sobre o conceito denominado por Moscovici de Themata, que significa “tema”. Amaral e Alves (2013), em artigo no qual discutem a formulação, compreendem-no como ““princípio organizador”, “máxima”, “ideia central (ou universal)” de onde podemos criar uma Representação Social” (AMARAL; ALVES, 2013, p. 69). As autoras explicam que apesar de ser um conceito originado com outro autor132, é Moscovici, em um trabalho conjunto com Vignaux (2015), que esclarece a discussão em torno dele. Elas esclarecem que

[...] para esses dois autores “toda representação social é constituída como um processo em que se pode localizar uma origem” (MOSCOVICI; VIGNAUX, 2003, p. 218). Essa origem, no entanto, é sempre inacabada, uma vez que outros fatos e discursos a nutrem, a “corrompem”, enfim, a transformam. (AMARAL; ALVES, 2013, p. 70).

No artigo, as autoras mencionam ainda que Moscovici e Vignaux (2015) entendem que:

as representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um "referencial de um pensamento preexistente"; sempre

131 Neste trabalho, não temos como objetivo uma discussão sobre os meandros em torno do conceito de “cultura” como fronteira ou modo “reacionário” de disputa por lugares sociais/políticos, na direção do que apontaram, por exemplo, Guattari e Rolnik (1996) ou até mesmo da discussão sobre a cultura no plural (GEERTZ, 1973), entre outras possibilidades de reflexão (CERTEAU, 2013).

dependentes, por conseguinte, de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. (MOSCOVICI; VIGNAUX, 2015, p. 216).

A esse “pensamento preexistente” é assegurado o papel das “ideias” que, por sua vez, possuem a posição de princípio organizativo, “assumido em determinado momento histórico para certo tipo de objeto ou situação” (AMARAL; ALVES, 2013, p. 70). A Themata [...] corresponde a ideias centrais, Temas gerais, a partir dos quais se cria uma RS. São ideias universais que se perdem no decorrer do tempo das sociedades; em certa medida, são autônomas e dissociadas da estrutura social. (AMARAL; ALVES, 2013, p. 71). Para Alexandrino (2009) que discute o conceito de Themata em sua dissertação de mestrado,

O tema de uma representação está relacionado [...] com imagens, conteúdos e arquétipos que são recorrentes, uma vez que eles se renovam e são repostos em diferentes culturas, como se estivessem numa busca pelo conhecimento absoluto. Ele se apresenta de maneira diferente em diferentes discursos, considerando as várias representações que existem sobre ele. O interessante é observar como esse tema vai se compondo, se reeditando, em diferentes organizações sociais. (ALEXANDRINO, 2009, p. 45).

Moscovici e Vignaux (2015) postulam que os sujeitos agem através de suas representações sociais da realidade e continuamente as reformulam. Segundo os autores:

Estamos sempre em uma situação de analisar representações de representações! Isso implica, metodologicamente falando, compreender como os sujeitos, na maneira como cada um de nós age, chegam a operar ao mesmo tempo para se definir a si mesmos e para agir no social. (MOSCOVICI; VIGNAUX, 2015, p. 218).

Por serem sociais e subjetivas, as representações de um mesmo fenômeno podem ser diferentes (ALEXANDRINO, 2009). Alexandrino (2009) ressalta ainda que um conjunto de representações sociais não possui, necessariamente, um tema.

Apresentei, no decorrer do trabalho, tendências que indicam o que os professores atuantes no contexto da Educação Infantil vêm pensando sobre inclusão, diferenças, normas e infância(s). Como discutido no Capítulo 1, a infância aparece tomada por uma tendência prescritiva determinada pelos adultos em várias das narrativas dos professores, nas quais a escola destaca-se como espaço

educativo privilegiado e local onde a infância se desenvolve. A Educação Infantil é tida como base, alicerce, tempo de preparação para as etapas seguintes: a alfabetização e o Ensino Fundamental. Nesse contexto, as narrativas indicam uma representação de infância singular e universal, baseada em etapas de desenvolvimento. Muitas professoras consideram a importância de respeitar o tempo das crianças na Educação Infantil. Contraditoriamente, as mesmas participantes indicam que a criança precisa ser encaminhada para especialistas do âmbito da saúde, quando não atingir os objetivos esperados (e determinados) pela escola. Nessa busca por avaliações diagnósticas que determinarão o que, como e quando aprender, a infância é patologizada, pois se considera que falta algo a todas as crianças que não atingem o que é esperado. Os laudos médicos ganham importância e as nomeações e classificações parecem ser determinantes para o trabalho com as crianças consideradas diferentes no contexto escolar.

Nesse ínterim, através das narrativas das professoras, observa-se que há uma relação direta entre as representações sociais sobre inclusão e diferenças e as RS de criança, infância, normalidade/anormalidade (na escola e fora dela). Esta relação está ligada ao constructo previsto pela Teoria das representações sociais que postula que com o estranhamento sentido diante do diferente emerge a tentativa de classificá-lo dentro de categorias conhecidas. É isto que acontece quando as professoras pensam nas diferenças e nas crianças (no projeto educativo a elas oferecido). Estão sempre tentando responder a questão mencionada anteriormente "É ele como deve ser, ou não?" (MOSCOVICI, 2015, p. 66). Desta forma, a tendência clínico-terapêutica que se destacou no levantamento de trabalhos acadêmicos, apresentada no Capítulo 2 e nos dados referentes à pesquisa de 2013, também está fortemente presente nas narrativas das professoras. A necessidade de classificar o outro a partir do que lhe falta dentro de um padrão de normalidade, aparece com frequência. Mesmo tentando ampliar a noção de inclusão, esta ainda aparece na maioria dos discursos associada a ideia de "deficiência" e consequentemente ligada às representações da normalidade/anormalidade dos sujeitos. Aparece ainda associada ao problema ou falta, principalmente de recursos do âmbito econômico-social. Quando questionada sobre quais crianças caberiam na proposta da inclusão, a Professora 2 diz: "A gente sempre pensa na deficiência [...] Uma criança com uma certa deficiência. [...] Inclusão. Então, são as crianças com

deficiência133 [...]." (Quadro de análise nº 06). Diante da pergunta que faço sobre o que seria a inclusão na sua concepção, a Professora 1 começa dizendo pensar "que todas as crianças devem ser incluídas. [...] Não só os com... Não sei se tem o certo?

Deficiência, algum problema134." (Quadro de análise nº 07). Porém, quando continua falando sobre a ideia, diz:

[...] Porque assim, eu tenho que incluir aquele meu aluno que a gente fala que é normal, mas tem um problema de relacionamento [...] Porque embora, é... Ele tenha assim, nenhuma, nenhum laudo, mas às vezes ele tem problema de relacionar [...], tem problema de aceitar a opinião do outro. Então, também vou ter que fazer ele incluir. Mas, assim, o mais assim na inclusão, eu acho que seria isso mesmo. [...] Crianças assim que... Que são

laudadas, com algum tipo de problema135. Não sei... (Professora 1, quadro de análise nº 07).

Quando peço que indique através das imagens quais crianças caberiam na proposta da inclusão, ela apresenta a seguinte montagem:

Montagem 1, Transcrição 7 - Entrevista 3.

As figuras escolhidas pela professora em sua maioria retratam sujeitos com as ditas deficiências e em situações de desigualdade socioeconômica. Enquanto realiza a montagem, a participante diz: "Porque a gente sempre escuta

133 Grifo meu. 134 Grifo meu. 135 Grifo meu.

falar, pelo menos eu, que a inclusão é aquela criança que tem problema136 [...]"

(Professora 1, quadro de análise nº 07). Os discursos evidenciam que as professoras pensam as diferenças e a inclusão a partir da ideia da falta, da necessidade de correção dos corpos considerados diferentes, “deficientes”. Todo diferente precisa ser ajustado, pois está fora do padrão. Isso fica evidente quando a Professora 1 diz: "a inclusão é aquela criança que tem problema137 [...]" e além das

imagens de crianças com alguma "deficiência", seleciona figuras de sujeitos em situação de vulnerabilidade social e relacionadas a homoafetividade. Porém, parece que nem todas as diferenças apresentadas através das imagens138 requerem preocupações, na ideia explicitada pela educadora. Quando a professora seleciona as crianças que caberiam na proposta da inclusão, desconsidera todas as outras diferenças representadas nas figuras e revela uma RS de inclusão que não é para todo diferente, mas para algumas diferenças.

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