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Durante as entrevistas realizadas na segunda etapa da atual pesquisa, questionei as professoras sobre os direitos humanos, partindo dos temas abordados neste trabalho:

122 Uma versão inicial da discussão que aqui apresento está disponível no capítulo intitulado "Inclusão, diferenças e educação: reflexões para possíveis ressignificações", do e-book "Minorias, direitos humanos e educação: caminhos propositivos em tempos difíceis", disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=001050541&opt=4>. Acesso em: 2 out. 2018.

Mediadora: [...] Quais crianças você pensa que deveriam ser amparadas

pelos direitos humanos?

Professora 5: [...] Acho que os direitos humanos é para todos. [...] Mas

assim ó, tem um grupo aqui que precisa... ser mais acolhido [...]. (Professora 5, Transcrição 5 - Entrevista 1).

No decorrer das entrevistas propus que as professoras indicassem imagens através de uma montagem para responder à questão. Diante disso, a Professora 5 além de verbalizar o que explicito acima, apresenta a seguinte montagem:

(Montagem 2, Professora 5, Transcrição 5 - Entrevista 1).

Conforme indicado no capítulo introdutório, o termo "montagem" é inspirado no trabalho de Bruno (2012). A autora propõe o uso da expressão para além das imagens cinematográficas, com as quais o termo é comumente utilizado. Ao usá-lo no âmbito de sua pesquisa com fotobiografias, Bruno propõe a libertação da expressão do confinamento cinematográfico ao qual é associado:

Seria [...] uma felicidade poder libertar e desdobrar, pensamos, essa noção que, longe de pertencer ao único universo das imagens – o cinema, a fotografia, o vídeo, a televisão, a infografia, os quadrinhos, os romances, os jornais, as revistas... –, é finalmente a “operação constitutiva” de um impressionante número de realidades que nos circundam diariamente: monta-se um ateliê, monta-se um romance, monta-se uma máquina, monta- se uma peça de teatro, monta-se a lona do circo, monta-se um álbum de fotografias. É necessário, desse modo, “desfazer” a “montagem”. (2012, p. 97).

Nós somos, segundo Bruno (2012), "complexas montagens de tempo e de espaço, um comprido filme (nossa existência) que tem, porém, "começo e fim"." (p. 98). Vivemos um "perpétuo processo" de montagem, desmontagem, remontagem. Didi-Huberman, citado por Bruno (2012), diz que "a montagem corta as

coisas habitualmente reunidas e conecta as coisas habitualmente separadas" (DIDI- HUBERMAN, 2007b, pp. 23-5; 2009, p. 133 apud BRUNO, 2012, p. 98).

Na montagem que apresenta, a Professora 5 explicita que apesar de serem para todos, como destaca logo de cara em sua narrativa, os direitos humanos não dão conta de todos. Na montagem destaca quem é o grupo que para ela está excluído desse âmbito. As indicações da professora me remetem a Santos (2013) quando o autor diz sobre a incontestabilidade da hegemonia dos direitos humanos como linguagem de dignidade humana nos dias de hoje: "[...] esta hegemonia convive com uma realidade perturbadora. A grande maioria da população mundial não é sujeito de direitos humanos. É objeto de discursos de direitos humanos." (p. 42). Santos sugere então que passemos a nos perguntar: "os direitos humanos servem eficazmente a luta dos excluídos, dos explorados e dos discriminados ou se, pelo contrário, a tornam mais difícil"? (2013, p. 42).

A reflexão que apresento ao leitor neste tópico, surge a partir dos meus encontros com leituras e discussões, durante os estudos do mestrado, que me levaram a identificar similitudes entre o discurso sobre os direitos humanos e a visão sobre inclusão e diferenças que este e outros trabalhos têm mostrado estar em pauta na sociedade de hoje. No âmbito da inclusão e das diferenças há uma visão hegemônica que se ancora no viés da constituição biológica dos sujeitos. A partir disso, a diferença é concebida pela perspectiva da anormalidade e da falta, como venho discutindo em conjunto com diversos autores no decorrer do texto. Apesar das tentativas de avançar nessa perspectiva, como mostram vários trabalhos encontrados no levantamento de estudos acadêmicos apresentado no tópico anterior, a perspectiva clínico-terapêutica ainda é fortemente presente. Diante de tudo isso entendo que a temática em pauta neste trabalho é também "objeto de discursos de direitos humanos": a criança, os incluídos/excluídos e os diferentes, que desviam do padrão da normalidade. Para além disso, são as possibilidades emancipatórias que as discussões em torno dos direitos humanos inspiram que chamam a minha atenção e me levam a pensar que elas podem também ser potentes para o âmbito da inclusão e das diferenças nas escolas e para além dele.

No mundo contemporâneo as preocupações e esforços em torno da definição de princípios reguladores das relações sociais, da identificação de limites aceitáveis, do estabelecimento de normas formais/explícitas ou informais/implícitas e da definição de formas de controle para a convivência em sociedade, tornam-se

mais complexos "[...] diante da pluralidade de interesses, visões de mundo, localidades que é necessário envolver." (RAMOS, 2011, p. 192). O discurso dos direitos humanos, que tem sido alvo de diversas polêmicas no Brasil e no mundo nos últimos tempos, está alocado nesse contexto de forma estratégica, segundo Ramos (2011). De acordo com a autora, desde a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), tal discurso "[...] destaca a articulação pelo estabelecimento de consensos internacionais com base na enunciação da universalidade dos seus temas." (RAMOS, 2011, p. 192). A Declaração Universal do Direitos Humanos (1948), originou-se do esforço da ONU de reconstruir os direitos humanos no período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial. No contexto do momento, a Organização tomou para si a tarefa de definir "[...] princípios que pudessem ser adotados por diferentes nações e, por encarnarem moralidade, ética e ideologia passíveis de serem assumidas universalmente ou [...] que fossem portadores de validade universal." (RAMOS, 2011, p. 192). Ancorada na tradição e ética moderna, a Declaração aborda questões pertinentes às sociedades ocidentais, garantindo como direito inalienável de todo ser humano "o acesso à cultura européia, seus valores, sua ética, sua forma de organização social, política e econômica" (RAMOS, 2011, p. 192). Esta observação não pretende desconsiderar a importância do documento na afirmação do tema dos direitos humanos como alvo de interesse internacional, que impõe limites à forma como o Estado moderno trata seus cidadãos. Contudo, segundo Ramos, considerar os direitos humanos como construção histórica, implica compreender que os "documentos produzidos para enunciar seus princípios expressam uma concepção que fala do seu tempo, na ótica do pensamento hegemônico de então." (RAMOS, 2011, p. 192-193) o que, por sua vez, "é expressão de uma localidade com pretensão de se afirmar como universal" (RAMOS, 2011, p. 193). Quando se declara a necessidade de reconhecer os direitos humanos como universais, se anula "a pluralidade de sentidos sobre a vida, dignidade, composição de família e relação familiar, morte, justiça e liberdade, entre outros, presentes em diferentes localidades."; anula-se as diferenças e ignora-se "a produção de novos significados possibilitados pelas hibridações culturais que o mundo globalizado intensifica." (RAMOS, 2011, p. 193).

Santos (2013) também destaca a universalidade a partir da qual os direitos humanos são concebidos na atualidade. A versão hegemônica, segundo o autor, os concebe como "[...] universalmente válidos independentemente do contexto

social, político e cultural em que operam e dos diferentes regimes de direitos humanos existentes em diferentes regiões do mundo" (SANTOS, 2013, p. 53-54). Para Santos é preciso abandonar o universalismo, pois "[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado - uma forma de globalização de-cima-para- baixo." (SANTOS, 1997, p. 18). Na concepção do autor, toda globalização pressupõe localização e não existe globalização genuína: "aquilo que chamamos de globalização é sempre a globalização bem sucedida de determinado localismo." (1997, p. 18). Nessa perspectiva, o localismo globalizado é o "[...] processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso." (SANTOS, 1997, p. 16). Para uma política contra-hegemônica dos direitos humanos, Santos indica a necessidade de "transformar a conceitualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado num projeto cosmopolita." (SANTOS, 1997, p. 21). O cosmopolitismo, segundo o autor, é a organização transnacional dos grupos sociais subordinados na defesa de interesses percebidos como comuns, usando o benefício da interação transnacional criada pelo sistema mundial.

A discussão em torno do universalismo que os autores mencionados postulam, é pertinente para o âmbito dos temas abordados neste trabalho, pois é um aspecto que perpassa todos eles. A infância, como discutimos no capítulo anterior, é concebida a partir de uma visão universalista que a considera como período singular, pressupondo que todas as crianças do mundo passem por etapas iguais de desenvolvimento, com menos ênfase aos fatores culturais, sociais e econômicos. A inclusão, por sua vez, é um imperativo biopolítico que também advém da preocupação da sociedade moderna de definir princípios reguladores que deem conta dos sujeitos nomeados como anormais. É algo que está posto, e regulamentado através de uma série de documentos legais, para normatizar a diferença. Qualquer pretensão de universalidade, segundo Ramos (2011), "é uma ficção criada para subjugar a diferença" (p. 195). Diante disso, as críticas feitas pelos autores mencionados, revelam possibilidades de avanço.

Outro aspecto que surge em meio às discussões sobre a ressignificação dos direitos humanos - e que também está ligado aos assuntos em pauta neste estudo - é a tensão entre o local e o global, presente no contexto mundial contemporâneo, que evidencia a imposição da questão do reconhecimento e direito à diferença em relação ao discurso da igualdade (RAMOS, 2011). De acordo com

Candau (2008) o tema da igualdade foi bastante enfatizado pela modernidade: "A igualdade de todos os seres humanos, independentemente das origens raciais, da nacionalidade, das opções sexuais, enfim, a igualdade é uma chave para entender toda a luta da modernidade pelos direitos humanos." (p. 46). Porém, atualmente parece ter ocorrido um deslocamento do centro de interesse, a partir do qual a igualdade não é negada, mas o foco de atenção volta-se para o tema da diferença. Falando sobre a tese de Pierucci (1999), a autora ressalta que até recentemente "[...] O direito à diferença não tinha ainda aparecido com a força que tem hoje." (CANDAU, 2008, p. 47). A afirmação da igualdade era o referencial fundamental. Atualmente, com a importância que assume, a questão da diferença torna-se direito, "não só o direito dos diferentes a serem iguais, mas o direito de afirmar a diferença." (CANDAU, 2008, p. 47).

A tensão entre igualdade e diferença está presente na fala dos gestores e professores envolvidos na pesquisa de 2013 e também no levantamento de trabalhos acadêmicos realizado durante esta pesquisa de mestrado, como já destacado. Concepções se dividem entre os que pensam que “todos são iguais” e os que dizem que “todos são diferentes”, de modo polarizado. Assim, os discursos dicotomizam igualdade e diferença, colocam-nas como conceitos opostos. Em meio a essa dicotomização, a igualdade acaba se convertendo em apagamento das diferenças em alguns discursos, como demonstrado acima. Na proposta que integra o objetivo deste trabalho, de propor reflexões que permitam observar possíveis (res)significações das representações sociais sobre inclusão e diferenças, essa discussão ganha destaque e importância: afinal, em busca de pensar inclusão e diferenças a partir de um viés que seja mais antropológico do que clínico- terapêutico, como trabalhar a igualdade na diferença?

Para que uma ressignificação cosmopolita dos direitos humanos aconteça nos dias atuais, Santos propõe alguns princípios. De modo resumido, aponta a necessidade de que o debate entre o universalismo e o relativismo cultural seja superado; indica que "todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos." (SANTOS, 2003, p. 442); diz ainda que as culturas são todas "incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana", tendo ainda "versões diferentes de dignidade humana, algumas mais profundas do que outras, algumas com um círculo de reciprocidade mais amplo do que outras, algumas mais abertas a outras culturas do

que outras." (SANTOS, 2003, p. 442); postula que as pessoas e grupos sociais são distribuídas, em todas as culturas, "entre dois princípios competitivos de vínculo hierárquico" (SANTOS, 2003, p. 442): o princípio da igualdade e o princípio da diferença.

De acordo com Santos (2006), são essas as premissas "de um diálogo intercultural sobre a dignidade humana que pode levar, eventualmente, a uma concepção mestiça de direitos humanos" (p. 447). O autor fala então sobre a hermenêutica diatópica, procedimento que julga "[...] adequado para nos guiar nas dificuldades a enfrentar, ainda que não para superá-las inteiramente." (SANTOS, 2003, p. 443). Na área dos direitos humanos e da dignidade humana, segundo Santos, somente se apropriadas e absorvidas pelo contexto cultural local "[...] a mobilização pessoal e social para as possibilidades e exigências emancipatórias que eles contêm" serão concretizáveis (SANTOS, 2003, p. 443/444).

Tal hermenêutica é baseada na ideia de que os topoi123 de uma determinada cultura "[...] são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem" (SANTOS, 2003, p. 444). Segundo o referido autor:

[...] Tal incompletude não é visível a partir do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade diatópica não é, porém, atingir a completude - um objetivo inatingível - mas, pelo contrário, ampliar o máximo a consciência de incompletude mútua por intermédio de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé em uma cultura e outro em outra. Nisto reside o seu caráter diatópico. (SANTOS, 2003, p. 444).

Sendo assim, "[...] a hermenêutica diatópica é um trabalho de colaboração intercultural e não pode ser levado a cabo a partir de uma única cultura ou por uma só pessoa." (SANTOS, 2003, p. 450). Reconhecer as incompletudes múltiplas, segundo Santos, "é condição sine qua non de um diálogo intercultural." (2009, p. 16).

As premissas enunciadas por Santos (2003) evidenciadas anteriormente estão voltadas para a articulação entre igualdade e diferença, "[...] da passagem da afirmação da igualdade ou da diferença para a da igualdade na diferença124." (CANDAU, 2008, p. 49), como acima apontado. Essa proposta está presente no imperativo transcultural proposto por Santos como pressuposto para a hermenêutica

123 “[...] são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos.” (SANTOS, 2003, p. 443).

diatópica: "temos o direito a ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza" (SANTOS, 2006, p. 462). Em meio a essa reflexão, a questão que se coloca, segundo Candau (2008), é "como trabalhar a igualdade na diferença." (p. 49).

É no ponto da "colaboração intercultural" que vejo proximidades entre os postulados de Santos e a proposta agonística de Ramos (2011). Tais propostas geram tensões, são colaborações conflituosas (RAMOS, 2011). Ambas as propostas não buscam consensos, mas possibilidades que sejam mais igualitárias sem ter que, para isso, negar a diferença.

Para pensar os direitos humanos a partir da afirmação da diferença, Ramos (2011) propõe uma abordagem inspirada em Mouffe (2001) que chama de

agonística, a partir da qual propõe uma busca de consenso através do diálogo conflituoso, diálogo este que "[...] ao não buscar a instituição de um único sentido,

preserva a possibilidade do sentido ambivalente que cede espaço à diferença. Nesse campo, admite-se a provisoriedade do consenso e da própria hegemonia [...]" (RAMOS, 2011, p. 193). Na abordagem agonística proposta, o confronto não é evitado pelo "apagamento do "outro" que ameaça - como um inimigo a ser eliminado -, pelo contrário, admite a diferença estimulando o pluralismo agonista por meio de uma relação política na qual o "outro" é o adversário a ser vencido." (RAMOS, 2011, p. 194). Na visão alternativa de direitos humanos de Ramos, o eixo da diferença é assumido, assim como "[...] a ótica da heterogeneidade do social e da democracia pluralista baseada no entendimento de que o conflito que a diferença produz é constitutivo do social e do político, o que a torna inerradicável." (RAMOS, 2011, p. 196). Tal visão parte da perspectiva da democracia radical de Mouffe, na qual uma pluralidade de projetos sociais e de cidadania com posições políticas conflitantes são admitidos e tem suas expressões "concebidas como as de adversários legítimos que compartilham valores e princípios éticos, nos quais o sentido está em disputa (agonismo), e não as de inimigos que devem ser destruídos ou subjugados (antagonismo)." (RAMOS, 2011, p. 196).

Nesse contexto, a autora critica o discurso da diversidade que, ao naturalizar a diferença,

[...] fertiliza as estereotipias que sustentam o discurso colonial (Bhabha, 2005) e camufla a dimensão de poder do processo que a constitui, o que cede espaço tanto para posturas de respeito formal ao outro (assentadas na

tolerância125) quanto para proposições da sua assimilação ao mesmo como modelo adotado como superior. (RAMOS, 2011, p. 196).

No tratamento da diferença como diversidade, segundo Ramos (2011), "[...] o discurso articulado converge para uma perspectiva condescendente, que admite a inclusão do outro sem, contudo, questionar a ordem na qual esse outro foi construído como tal [...]" (p. 209). Romper com as bases explicativas modernas é uma das condições para a ressignificação e para que isto aconteça, Ramos propõe o descarte do discurso da igualdade, o que implica admitir "[...] a diferença como uma construção discursiva politicamente orientada e não como descrição de distinção natural (étnica, geracional, de gênero, de origem regional etc.) ou de escolha individual (religiosa, de opção sexual, política etc.)." (2011, p. 196). Tomando esta proposta para o âmbito da inclusão e das diferenças, ao abandonar o discurso da igualdade e assumir a diferença como construção discursiva politicamente orientada, o viés biologizante que pauta a visão hegemônica moderna sobre a temática, começa a ser deixado de lado e abrem-se outros espaços para pensar os temas em pauta.

Partindo da perspectiva agonística, Ramos (2011) apresenta reflexões sobre as questões pedagógicas da educação em direitos humanos que ajudam a pensar em possibilidades emancipatórias para a escola no contexto dos “diferentes” e “incluídos”. A autora enuncia um sentido de escola, a partir da compreensão do espaço escolar "como arena de dissenso e de articulação de relações contingentes em que os sentidos precários vão sendo instituídos pela negociação da diferença126 – dinâmica descrita por Laclau e Mouffe (2004) como prática articulatória" (RAMOS, 2011, p. 197). Nessa proposta o discurso da igualdade, da inclusão e do universal são abandonados.

A autora propõe então dois elementos articuladores: o rompimento com a noção de modelo e a tendência prescritiva dos discursos voltados à escola. Na pesquisa de 2013 e em alguns dos trabalhos acadêmicos encontrados no levantamento realizado, essa noção de modelo e a tendência prescritiva mencionadas estão fortemente presentes. Na presente pesquisa de mestrado esse discurso também aparece. É interessante notar que na maioria das narrativas, a noção de modelo e a tendência prescritiva estão relacionadas aos sujeitos

125 Grifos meus. 126 Grifo meu.

chamados deficientes. Durante o primeiro grupo focal realizado com o grupo de participantes, as professoras 4 e 7 discutem sobre a estrutura física da escola em que trabalham e que receberá uma criança cadeirante: "[...] Professora 4: Não tem um banheiro especial pra ele.", "[...] Professora 7: Não tem profissionais adaptados pra trabalhar." (Quadro de análise nº 01). Durante o segundo grupo focal, perguntei se as professoras se sentiam mal preparadas com relação à formação em Pedagogia:

Professora 7: Quando fala: [...] "Sua sala vai ter um autista; sua sala vai ter

um deficiente auditivo". [...] Eu falo que assim [...]: "Nossa, como eu vou trabalhar com essa criança?", por que? Porque eu não fui formada pra isso, você entendeu? Eu não tive essa...

Professora 1: Mas, não te derem nenhum dia... Professora 7: Não é formada.

Professora 1: Então, é isso que eu tô falando. Professora 5: Não foi preparada pra ter isso, né. Professora 7: É!

Professora 1: Por quê? Porque antigamente não se tinha isso. Professora 5: A gente faz a faculdade... pra criança normal127.

Professora 7: Normal! (Quadro de análise nº 02).

Apesar de aparecerem com força quando as professoras falam dos sujeitos considerados deficientes, o discurso também surge nas narrativas sobre a diferença na escola:

A gente precisa muito de ajuda, de todos. De, de profissionais que possam vir128, conversar com os pais, porque as vezes a gente não sabe, né, como lidar. Então como, que a Professora-coordenadora falou, que a escola tem que abraçar tudo, mas a gente precisa ter apoio. (Professora 5, quadro de análise nº 02).

Quando fala sobre a necessidade de ter ajuda, a professora parece estar buscando um modelo para ser usado. É como se para lidar com a inclusão e as diferenças fosse necessária uma fórmula, um conhecimento único que pertence aos profissionais, aos especialistas que estão fora da escola e que, como revelam vários

127 Grifo meu. 128 Grifo meu.

dos discursos destacados no decorrer deste trabalho, são da área da saúde. Em outro momento, a mesma professora reitera a necessidade do modelo quando diz sobre o papel do professor de apoio:

Então, mas como chegar o professor lá e falar assim "Olha, essa criança precisa sentar aqui na primeira, na primeira fila", "Olha, com essa criança, quando você estiver dando tal coisa, tal coisa tem que fazer assim. Ele não pode ficar muito ocioso, então dá uma peça pra montar.". [...] Dar esse direcionamento, por que o que a gente percebe? Que alunos de, de inclusão, com necessidades, ficam ociosos na sala de aula andando pra lá e pra cá ou então fora dela. [...] E o professor da sala não sabe o que fazer.

Porque não tem direcionamento129. (Professora 5, quadro de análise nº 02).

Durante o segundo grupo focal, as professoras conversam sobre a formação do professor e a Professora-coordenadora questiona: "[...] Eu não fiz nenhuma formação específica da área. Mas eu fico pensando, será que se eu fizer, eu vou chegar "Ai, agora eu tô formada! Eu fiz especialização em inclusão, então eu

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