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A DEMOCRACIA TRANSFORMADA. Continente sombrio

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9. A democracia transformada: a Europa

ocidental, 1950-75

O número de eleitores comunistas nos países europeus é inversamente pro-porcional ao número de moradias por mil habitantes.

Eberhard Wildermuth (ministro da Habitação da Alemanha Ocidental)'

Alto nível de emprego, rápido crescimento econômico e estabilidade agora são considerados normais no capitalismo ocidental.

Michael Kidron, 19682

A vastidão de seus desejos paralisou-os.

Georges Perec3

O R E S S U R G I M E N T O DA D E M O C R A C I A

Depois de 1945, a E u r o p a ocidental redescobriu a d e m o c r a c i a . Os r e m a n e s -centes da direita autoritária d o e n t r e g u e r r a s — a Espanha de Franco e P o r t u g a l de Salazar — f o r a m vistos c o m o seqüelas de u m passado indesejado e excluídos das novas o r g a n i z a ç õ e s i n t e r n a c i o n a i s — as N a ç õ e s Unidas, a C o m u n i d a d e E c o n ô

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MAZOWER, Mark. Continente sombrio: a Europa no séuclo XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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mica Européia (CEE) e até m e s m o o Plano Marshall — pelo m e n o s até q u e a G u e r r a Fria os convertesse n o v a m e n t e e m a m b í g u o s aliados do m u n d o livre. N o Reino Unido, na Irlanda, na Suécia e na Suíça suspenderam-se as restrições da época da g u e r r a e o P a r l a m e n t o r e t o m o u suas f u n ç õ e s n o r m a i s . Os baluartes antidemocrá-ticos da Nova O r d e m — França, A l e m a n h a e Itália — e n t e r r a r a m o passado e ela-b o r a r a m novos sistemas constitucionais. N a Grécia, a ela-b a n d o n o u - s e o legado auto-ritário da década de 1930, apesar de u m a g u e r r a civil, e restabeleceu-se o r e g i m e parlamentar.

Entretanto, esse r e n a s c i m e n t o da d e m o c r a c i a n ã o foi u m simples r e t o r n o a 1919; ao contrário, o q u e surgiu depois de 1945 foi algo p r o f u n d a m e n t e alterado e m f u n ç ã o das l e m b r a n ç a s da g u e r r a e da crise d e m o c r á t i c a nos anos anteriores ao conflito. O papel d o Parlamento, a n a t u r e z a dos partidos políticos e da própria polí-tica saíram t r a n s f o r m a d o s da luta contra o fascismo. Agora a d e m o c r a c i a engloba-va u m sufrágio mais a m p l o — j á que as m u l h e r e s h a v i a m c o n q u i s t a d o o direito de votar o n d e n ã o o t i n h a m (exceto na Suíça e e m Liechtenstein, socialmente atrasa-dos) — e u r r f g r a u m a i o r de c o m p r o m i s s o , e m t o d o o espectro político, c o m os ver-dadeiros direitos sociais e econômicos.4

C o m o depois de 1918, podia-se m a p e a r a m u d a n ç a de atitudes pelas r e f o r m a s c o n s t i t u c i o n a i s , q u e d e m o n s t r a v a m u m a p r e o c u p a ç ã o c o m direitos h u m a n o s resultante da a m a r g a experiência da g u e r r a e u m a consciência da necessidade de d e f e n d e r o indivíduo contra o p o d e r d o Estado. 'A República r e c o n h e c e e g a r a n t e os direitos invioláveis do h o m e m " , rezava o s e g u n d o artigo da Constituição italia-na de 1948. " O povo a l e m ã o [...] reconhece q u e os direitos h u m a n o s , invioláveis e inalienáveis, c o n s t i t u e m a base de t o d a c o m u n i d a d e h u m a n a " , afirmava o artigo p r i m e i r o da nova Lei F u n d a m e n t a l alemã, q u e fornecia m a i o r p r o t e ç ã o c o n t r a as a r b i t r a r i e d a d e s d o Estado, e s o b r e t u d o c o n t r a a polícia, q u e a C o n s t i t u i ç ã o de Weimar.5

C o n s i d e r a n d o a f i r m e convicção de q u e n o p e r í o d o de e n t r e g u e r r a s as assem-bléias s u p ê r p o d e r o s a s e litigantes d e s t r u í r a m a d e m o c r a c i a , n ã o s u r p r e e n d e q u e m u i t a g e n t e t a m b é m quisesse u m Executivo mais f o r t e . A A l e m a n h a O c i d e n t a l criou o q u e alguns c h a m a r a m de "democracia d o chanceler" e o u t r o s — mais con-t u n d e n con-t e m e n con-t e — de " D e m o k r a con-t u r " ( u m m i s con-t o de d e m o c r a c i a e d i con-t a d u r a ) . A França, p o r é m , m o s t r o u c o m o era difícil pedir aos p a r l a m e n t a r e s q u e renuncias-s e m v o l u n t a r i a m e n t e ao poder. Nerenuncias-srenuncias-se arenuncias-specto, a Q u a r t a República p o u c o diferia d e sua p r e d e c e s s o r a : c o n f e r i u mais p o d e r ao P a r l a m e n t o , e só e m 1958, c o m o

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apoio de u m a p o p u l a ç ã o exasperada, D e Gaulle conseguiu criar u m r e g i m e mais presidencial. N a Itália t a m b é m o n o v o r e f e r e n d o de 1946 aboliu a m o n a r q u i a , e n t r e t a n t o alterou p o u c a s f o r m a s do p r o c e d i m e n t o p a r l a m e n t a r pré-fascista.

A m o d e r a ç ã o e r a a n o v a v i r t u d e : e x p l i c i t a m e n t e na Itália e na A l e m a n h a ( o n d e os aliados p r e v i r a m f o r t e oposição da direita depois da g u e r r a ) e implicita-m e n t e e implicita-m o u t r o s países, os g o v e r n o s c o implicita-m p r o implicita-m e t e r a implicita-m - s e a repriimplicita-mir implicita-m o v i implicita-m e n t o s políticos antidemocráticos. A Lei F u n d a m e n t a l da A l e m a n h a Ocidental, p o r exem-plo, r e g u l a m e n t o u o papel d o p a r t i d o político, definiu sua e s t r u t u r a d e m o c r á t i c a e lhe i m p ô s a obrigação de o b e d e c e r à Constituição. E m alguns casos suas disposi-ç õ e s l e v a r a m a C o r t e F e d e r a l C o n s t i t u c i o n a l a b a n i r p a r t i d o s n e o n a z i s t a s . N o e n t a n t o , tais medidas n ã o d e v e m ter sido o principal m o t i v o do d e s e m p e n h o rela-t i v a m e n rela-t e m e d í o c r e da e x rela-t r e m a direirela-ta nas eleições d o pós-guerra. Mais significa-tivo, a l é m da antipatia popular, foi o sucesso da direita tradicional e m atrair para

*

suas fileiras os partidários naturais dos extremistas. A indulgência de A d e n a u e r e , dos democrata-cristãos italianos a j u d o u a neutralizar a extrema direita.

Apesar de toda a repulsa q u e essas táticas inspiram h o j e e m dia, n ã o é eviden-te que, n o l o n g o prazo, u m a c o m p l e t a marginalização da direita eviden-teria proporcio-n a d o m a i o r seguraproporcio-nça às proporcio-novas e fragilíssimas democracias. Cabe l e m b r a r q u e a direita antidemocrática p r e d o m i n a r a e m b o a p a r t e da E u r o p a nos anos 1930. N ã o parecia impossível q u e recuperasse sua popularidade n o pós-guerra imediato: as pesquisas de o p i n i ã o dos aliados i n d i c a v a m q u e os alemães n ã o t i n h a m g r a n d e apego à d e m o c r a c i a . R e f u g i a d o s nacionalistas da Prússia Oriental, da Silésia e dos Sudetos r e l u t a v a m e m r e n u n c i a r a seus s o n h o s de Heimat. "Os r e f u g i a d o s são p a r a u m d e m a g o g o o q u e o s a n g u e n a água é para u m tubarão, e o p r o b l e m a criado p o r eles é s u f i c i e n t e m e n t e g r a v e p a r a p r o v o c a r u m a s i t u a ç ã o r e v o l u c i o n á r i a " , The Times a l e r t o u e m d e z e m b r o de 1950, p e n s a n d o n o passado. A d e n a u e r p o d e t e r d a d o e m p r e g o e p r o t e ç ã o a u m n ú m e r o escandaloso de ex-nazistas (em 1952, cerca de 34% dos f u n c i o n á r i o s do Ministério do Exterior haviam sido m e m b r o s d o par-tido), m a s foi magistral e m d e s a r m a r o v o t o p o t e n c i a l m e n t e explosivo dos refugia-dos na década de 1950 e início da de 1960. Se n ã o tivesse d e s m a n t e l a d o o naciona-lista P a r t i d o dos R e f u g i a d o s e levado u m a de suas facções para a CDU, os milhões de a l e m ã e s p r o c e d e n t e s da E u r o p a oriental p o s s i v e l m e n t e t e r i a m a m e a ç a d o as próprias bases da nova República Federal.6

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ft óbvio q u e h o u v e m e n o s transigência c o m a e x t r e m a esquerda: na primeira década da G u e r r a Fria, g o v e r n o s de t e n d ê n c i a c o n s e r v a d o r a sentiram-se mais à v o n t a d e excluindo a esquerda q u e a direita. O Partido C o m u n i s t a foi proibido na f A l e m a n h a Ocidental e na Grécia e t o l e r a d o p o r é m hostilizado e m o u t r o s lugares. E m toda a E u r o p a ocidental os guardiães nacionais d o a n t i c o m u n i s m o — sobretu-do na polícia e nos serviços de segurança — a t u a r a m j u n t o c o m os c o m b a t e n t e s a m e r i c a n o s da G u e r r a Fria, c u j o centro, o D e p a r t a m e n t o de C o o r d e n a ç ã o Tática da CIA, viu seu o r ç a m e n t o passar de 4,7 milhões de dólares n o início de 1949 para 200 milhões e m 1953. O a n t i c o m u n i s m o era u m a indústria florescente.'/

/Os g o v e r n o s e u r o p e u s a j u d a r a m a j o v e m CIA a testar suas novas teorias de \ g u e r r a psicológica contra a esquerda, a t a c a n d o o c o m u n i s m o p o r m e i o de

anún-cios, publicações culturais, exposições itinerantes e filmes. Os partidos Socialista e Trabalhista r e c e b e r a m ajuda e m sua disputa c o m os c o m u n i s t a s pelo controle dos sindicatos. N o auge da G u e r r a Fria, t e m e n d o q u e os russos invadissem o Ocidente, os a m e r i c a n o s f o r n e c e r a m recursos a p o u c o s c o m u n i s t a s confiáveis para q u e orga-n i z a s s e m a resistêorga-ncia a r m a d a , e x a t a m e orga-n t e c o m o o c o r r e r a d u r a orga-n t e a o c u p a ç ã o nazista. Só n o final dos anos 1980 e início dos 1990 o público t o m o u c o n h e c i m e n -t o dessas células bizarras, de suas ligações c o m os serviços secre-tos na I-tália e na Bélgica e de seu e n v o l v i m e n t o c o m o t e r r o r i s m o de direita.8

Essa paranóia desapareceu ao t e r m i n a r a G u e r r a da Coréia, c o n t u d o muitas instituições do novo Estado de "segurança nacional" p e r m a n e c e r a m : os serviços de e s p i o n a g e m da E u r o p a ocidental expandiram-se e n o r m e m e n t e e o exame para car-gos públicos tornou-se praxe. N o Reino Unido, p o r exemplo, o g o v e r n o Attlee rejei-t o u proposrejei-tas de u m p a r l a m e n rejei-t a r conservador para f o r m a r u m a comissão parla-m e n t a r de i n q u é r i t o s o b r e atividades não-britânicas, parla-m a s criou u parla-m a c o parla-m i s s ã o secreta para investigar atividades subversivas e deu início à avaliação negativa" n o funcionalismo. A "avaliação positiva", m u i t o mais voltada para as opiniões e o pas-sado dos candidatos, iniciou-se e m 1950 p o r insistência dos americanos: u m proces-so o r i g i n a l m e n t e previsto para cerca de mil postos envolveu 68 mil deles e m 1982.9

A p o p u l a ç ã o n ã o d e m o n s t r o u g r a n d e p r e o c u p a ç ã o c o m as c o n s e q ü e n t e s violações das l i b e r d a d e s civis. E m p a r t e p o r q u e d e s c o n f i a v a das i n t e n ç õ e s dos soviéticos e m relação à E u r o p a ocidental e s o b r e t u d o p o r q u e achava q u e "todos os -ismos agora p e r t e n c e m a o passado". A g u e r r a lhe inspirara p r o f u n d a antipa-tia à política ideológica. Refleantipa-tiam isso as novas atitudes dos principais p a r t i d o s políticos, q u e se a f a s t a v a m da antiga radicalização p a r a a d o t a r a conciliação. A e s q u e r d a e a direita estavam se e n t e n d e n d o c o m a d e m o c r a c i a p a r l a m e n t a r e dei-x a n d o de lado suas ressalvas.10

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Para a esquerda o f i m da g u e r r a o r i g i n a l m e n t e a n u n c i o u o "período triunfal" do socialismo, nas palavras de L é o n Blum. "Depois de Hitler, nós!", p r o c l a m o u o social-democrata a l e m ã o Rudolf Breitscheid. N ã o seria b e m assim. A nova era de r e c o n s t r u ç ã o social n ã o se basearia e m princípios socialistas, c o m o Blum pensara. O fascismo fora d e r r o t a d o , p o r é m a a m e a ç a c o m u n i s t a apresentava sérios proble-m a s para os socialistas; fora d o Reino U n i d o o proble-m a r x i s proble-m o era o c o r d ã o uproble-mbilical q u e os unia, e até os socialistas a n t i c o m u n i s t a s — u m a raça cada vez mais c o m u m — a c h a v a m difícil cortá-lo. A l é m disso, t a n t o o capitalismo c o m o o conservadoris-m o revelaraconservadoris-m-se conservadoris-mais persistentes e até conservadoris-m e s conservadoris-m o conservadoris-mais populares na E u r o p a ociden-tal do q u e parecia possível na época t e n e b r o s a da o c u p a ç ã o nazista, e os socialistas t i n h a m de conviver c o m essa realidade. Assim, a euforia inicial da esquerda cedeu lugar a u m a d e m o r a d a revisão da relação entre socialismo, capitalismo e classe."

''Em alguns países o a f a s t a m e n t o d o m a r x i s m o c o m e ç o u p r a t i c a m e n t e quan-do a g u e r r a t e r m i n o u . N a H o l a n d a , p o r exemplo, o Partiquan-do Social-Democrata quan-dos T r a b a l h a d o r e s m u d o u o n o m e p a r a P a r t i d o Trabalhista Holandês, t e n t a n d o tor-nar-se mais a t r a e n t e e a t e n u a r seu caráter classista. N a A l e m a n h a Ocidental, na Suécia e na Áustria o processo o c u p o u os social-democratas e m fins da década de 1950 e nos anos 1960. A oposição a r e f o r m a s p e r d u r o u ainda mais na França e na Itália, c o m suas f o r t e s t r a d i ç õ e s marxistas, e s o b r e t u d o n o P a r t i d o Trabalhista inglês, esse b a l u a r t e d o n ã o - m a r x i s m o . E n t r e t a n t o , m e s m o nesses países os socia-listas tiveram de reconhecer, de u m m o d o o u de o u t r o , a verdade das u r n a s e da e c o n o m i a : o ú n i c o jeito de evitar a extinção gradativa consistia e m deixar o g u e t o da política classista e f i r m a r - s e e m b a s e s m a i s amplas.^Gaitskell, p o r e x e m p l o , advertiu q u e o Partido Trabalhista estava f a d a d o à d e r r o t a se n ã o considerasse o "caráter c a m b i a n t e da classe t r a b a l h a d o r a , o p l e n o e m p r e g o , o n o v o sistema habi-tacional, o n o v o estilo de vida c e n t r a d o na televisão, na geladeira, n o c a r r o e nas revistas enganosas". Por sua vez, Richard C r o s s m a n a r g u m e n t o u q u e o capitalis-m o c o n t r o l a d o n ã o conseguiria resultados equiparáveis aos da planificação à capitalis-m o d a soviética vigente na E u r o p a oriental; m a s na realidade n e m o P a r t i d o Trabalhista britânico n e m q u a l q u e r o u t r o m o v i m e n t o socialista de peso atacou r a d i c a l m e n t e as virtudes d o capitalismo d o pós-guerra.1 2

A direita explorou a G u e r r a Fria c o m m a i o r eficácia. M e n o s carregada de teo-rias e d o g m a s q u e a esquerda, capaz de abraçar o a n t i c o m u n i s m o c o m m a i o r faci-lidade e mais sintonizada c o m o desejo geral de tranqüifaci-lidade política, estabifaci-lidade familiar e privacidade na década de 1950, a direita p r a g m á t i c a r e c o n s i d e r o u seus

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i m p u l s o s a u t o r i t á r i o s e criou m o v i m e n t o s p o d e r o s o s , e m p e n h a d o s na d e m o -c r a -c i a e p a r t i l h a n d o m u i t a s das p r e o -c u p a ç õ e s so-ciais da e s q u e r d a . O P a r t i d o C o n s e r v a d o r britânico, cauteloso c o m a política fiscal n o entreguerras, sucumbiu ao toryism de " U m a só nação": os g o v e r n o s c o n s e r v a d o r e s da década de 1950 dedi-caram-se t a n t o q u a n t o os trabalhistas a u m a política nacional da habitação, p o r e x e m p l o . O n d e o liberalismo e c o n ô m i c o sobreviveu, c o m o na A l e m a n h a Oci-dental e na Itália, c o m p e t i u e conciliou-se c o m tradições m u i t o diferentes: pater-nalismo católico, p r e o c u p a ç ã o social, antimaterialismo. A ascensão dos partidos democráticos católicos foi crucial. A CDU alemã, p o r exemplo, p r o p ô s u m a "econo-mia de m e r c a d o socialmente c o m p r o m e t i d a " c o m o u m a terceira via entre o lais-sez-faire e a planificação estatal."

Assim, a velha polarização e o a n t a g o n i s m o de classes e n t r e a e s q u e r d a e a direita p o u c o a p o u c o c e d e r a m lugar à ênfase n o consenso. N o caso extremo, c o m o na Áustria, o resultado foi u m a g r a n d e coalizão de esquerda e direita (1945-66), cuja durabilidade refletiu a d e t e r m i n a ç ã o de evitar o conflito ideológico depois da guer-ra civil e m q u e a m b a s as partes se c o n f r o n t a r a m , na década de 1930: o Estado bipartidário de Viena revelouse, de fato, m u i t o mais invulnerável q u e o m o n o p a r t i -dário. A c o a l i z ã o t o r n o u - s e p r a x e n o s p a r l a m e n t o s ocidentais, u m a f o n t e de instabilidade na França, p o r é m n ã o e m países c o m o a Itália o u a Dinamarca, o n d e as f r e q ü e n t e s m u d a n ç a s de governo e n c o b r i a m a p e r m a n ê n c i a de pelo m e n o s u m d o s principais p a r t i d o s n o p o d e r . N a m é d i a , os g o v e r n o s da E u r o p a o c i d e n t a l f o r a m u m t a n t o e f ê m e r o s e m boa p a r t e do pós-guerra, m a s parece q u e isso n ã o p r o v o c o u insatisfação c o m a política democrática e h o u v e relativamente p o u c o s p r o t e s t o s o u explosões de violência popular. Essa tolerância pública — t ã o oposta à atitude hostil d o e n t r e g u e r r a s — d e v e u - s e p r i n c i p a l m e n t e a o fato de q u e o ressur-g i m e n t o da d e m o c r a c i a coincidiu c o m o p e r í o d o mais e x t r a o r d i n á r i o de cresci-m e n t o e c o n ô cresci-m i c o s u s t e n t a d o da história. E n q u a n t o a p o p u l a ç ã o vivia c o cresci-m cresci-mais c o n f o r t o e prosperidade, o sistema político colhia os frutos.1 4

O M I L A G R E D O C R E S C I M E N T O

A princípio n ã o foi fácil prever o extenso crescimento e c o n ô m i c o q u e trans-f o r m a r i a o O c i d e n t e nas duas décadas posteriores a 1950. L e m b r a n d o a experiên-cia dos anos q u e se s e g u i r a m à Primeira G u e r r a Mundial, a maioria dos espeexperiên-cialis-

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tas prognosticava u m boom n o pós-guerra e logo depois u m declínio. Caindo de 12% ao ano, e m 1947-8, para 5% e m 1949-50, a p r o d u ç ã o industrial da Europa oci-dental parecia c o n f i r m a r seu ceticismo. E m 1951, o Economist observou c o m tris-teza que "no terceiro ano do Plano Marshall, cujo êxito superou a expectativa, e m condições de prosperidade e recuperação de padrões de vida — e m suma, n o q u e devia ser u m b o m ano —, u m q u a r t o dos eleitorados francês e italiano v o t o u nos comunistas [...] Praticamente n i n g u é m partilha a crença dos russos e dos america-nos nas possibilidades de progresso".

O d e s â n i m o c o m o f u t u r o mais distante era evidente. O g o v e r n o holandês incentivou a emigração, considerando que o país provavelmente n ã o conseguiria resolver seu p r o b l e m a de d e s e m p r e g o p o r m e i o d o c r e s c i m e n t o i n t e r n o ; e m m e n o s de u m a década a Holanda estaria i m p o r t a n d o mão-de-obra. Na Alemanha Ocidental m u i t o s economistas p r o f e t i z a r a m que a perda de terras produtivas na Prússia Oriental e na Silésia acarretaria u m a escassez de alimentos crônica e que os desempregados percorreriam as ruas c o m o antes da guerra, carregando cartazes q u e indicavam seu desejo de e n c o n t r a r trabalho. O i m p a c t o da G u e r r a Fria na s e g u r a n ç a dos n e g ó c i o s refletiu-se n o ceticismo do agricultor f r a n c ê s Lucien Bourdin, que disse a u m estudioso americano: "Plantar u m p o m a r de abricó para os russos e os americanos o u s a r e m c o m o c a m p o de batalha? Muito obrigado. N ã o sou tão burro".1 5

/ E m 1953, a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa concluiu friamente que o "progresso geral da economia da Europa ocidental n ã o foi encora-j a d o r " / A s pressões dos balanços de p a g a m e n t o s freavam a expansão. A comissão m o s t r o u - s e pessimista q u a n t o às possibilidades de o c o r r e r u m c r e s c i m e n t o do e m p r e g o sem que a inflação fugisse ao controle no que c h a m o u de "economia da empresa privada". Até então o crescimento fora desigual e se baseara e m fatores internos, havendo poucos indícios de cooperação internacional, de m o d o que "não está claro que se tenha revertido a histórica tendência para a autarquia nacional".16

A experiência de alguns países da Europa ocidental c o n f i r m o u a sombria con-clusão. A "autarquia nacional" foi j u s t a m e n t e a estratégia e c o n ô m i c a a d o t a d a pelos fósseis autoritários da península Ibérica e pelo governo conservador católico da Irlanda. O resultado foi u m inequívoco fracasso, c o m crescimento lento e altos níveis de desemprego o u subemprego, o q u e chamava m e n o s a atenção à medida q u e a década avançava e o restante da Europa ocidental progredia. Exportar deze-nas de milhares de trabalhadores a n u a l m e n t e — c o m o esses países f i z e r a m — p a r a

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a p r o v e i t a r o boom e q u i v a l e u a r e c o n h e c e r a d e r r o t a . N o final dos a n o s 1950, a Irlanda e a Espanha d e r a m u m a guinada espetacular e a b r a ç a r a m a m o d e r n i z a ç ã o : P o r t u g a l — sob o governo de Salazar, seu professor de e c o n o m i a pré-keynesiana — manteve-se à margem.1 71!

y , A essa altura n ã o podia haver dúvida sobre a n a t u r e z a excepcional do cresci-m e n t o e c o n ô cresci-m i c o (cresci-mais rápido e fácil q u e n u n c a ) n o resto da E u r o p a ocidental. Entre 1913 e 1950, o crescimento per capita na região foi de 1% ao ano; entre 1950 e 1970, subiu para incríveis 4% J/Em geral, as oscilações nos negócios q u e t a n t o aba-l a r a m os e m p r e s á r i o s antes de 1939 c e d e r a m aba-lugar a f aba-l u t u a ç õ e s mais suaves. O d e s e m p r e g o maciço do pré-guerra parecia ter a c a b a d o para sempre: suas taxas caí-r a m de u m a m é d i a de 7,5% nos anos 1930 p a caí-r a m e n o s de 3% e m 1950-60 e pacaí-ra 1,5% na década seguinte. " H o j e e m dia, considera-se q u e 1 m i l h ã o de desemprega-dos, o u mais, é u m a possibilidade desastrosa", escreveu e m 1967 u m o b s e r v a d o r inglês. "Significaria decisivamente u m fracasso nacional." Logo se passou a ver o p l e n o e m p r e g o n ã o c o m o u m a conquista precária e difícil, e sim c o m o p a r t e natu-ral de u m a e c o n o m i a capitalista m o d e r n a e cientificamente administrada. "V

H o u v e substanciais diferenças de d e s e m p e n h o entre os países. N a Áustria, na A l e m a n h a Ocidental, na França, na Itália e na H o l a n d a o crescimento foi relativa-m e n t e rápido; na Inglaterra e na Bélgica foi u relativa-m p o u c o relativa-mais lento. A l g u relativa-m a s econo-mias saíram-se m e l h o r na década de 1950 q u e na de 1960; e m o u t r a s o c o r r e u o con-trário. O q u e r e a l m e n t e i m p o r t a , p o r é m , é q u e e m t o d o s os casos o crescimento s u p e r o u t o d o s os níveis registrados até então. M e s m o a vagarosa Inglaterra, cujo d e s e m p e n h o assustava os analistas locais, cresceu mais depois de 1950 — 3% ao a n o — q u e e n t r e 1913 e 1950, p e r í o d o e m q u e a m é d i a foi de 1,3%, o u q u e e n t r e 1870 e 1913 — c o m m é d i a de 1,9%."

Ainda se discutem c a l o r o s a m e n t e as causas dessa f a ç a n h a inédita, c h a m a d a "milagre e c o n ô m i c o " . U m a mão-de-obra a b u n d a n t e — na f o r m a de r e f u g i a d o s e c a m p o n e s e s d e s e m p r e g a d o s — p o d e ter m a n t i d o os salários baixos e estimulado os investimentos. Mas na península Ibérica n ã o b a s t o u para p r o m o v e r o crescimen-to, assim c o m o n ã o bastara para gerar prosperidade na década de 1930. Trata-se de u m f a t o r positivo, q u e contribuiu para o crescimento o n d e havia o u t r a s circunstân-cias favoráveis.

/ / C o m o capital o c o r r e u algo semelhante. A destruição de fábricas d u r a n t e a g u e r r a foi m u i t o m e n o r do q u e se acreditava a princípio. N a verdade, consideran-d o a t r e m e n consideran-d a expansão consideran-de capaciconsideran-daconsideran-de na época consideran-do conflito, r e s t a m p o u c a s consideran-

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v < , ,

das de q u e depois de 1945 a E u r o p a ocidental possuía u m e s t o q u e de capital m a i o r q u e e m 1939 e o via crescer r a p i d a m e n t e . O rígido c o n t r o l e de crédito e investim e n t o p o r p a r t e d o governo, b e investim c o investim o o r a c i o n a investim e n t o e o u t r a s f o r investim a s de p o u -pança compulsória, m a n t i n h a o c o n s u m o baixo e os investimentos altos — 1 6 , 8 % d o PNB e m 1950-70, c o n t r a 9,6% e m 1928-38. Entretanto, esse q u a d r o refletia n ã o só a disponibilidade de capital, m a s t a m b é m a disposição das autoridades p a r a dire-cionar seu e m p r e g o e a disposição da p o p u l a ç ã o para renunciar ao c o n s u m o p o r u m f u t u r o melhor.2 0

/ A mitologia da época g e r a l m e n t e atribuía a r e c u p e r a ç ã o e u r o p é i a a o Plano Marshall, a maciça contribuição financeira q u e n o verão de 1947 os Estados Unidos se p r o p u s e r a m a dar à E u r o p a o c i d e n t a l p o r iniciativa d o s e c r e t á r i o de E s t a d o G e o r g e Marshall. S e m dúvida, o sólido c o m p r o m i s s o e c o n ô m i c o , político e mili-tar dos Estados Unidos c o m a E u r o p a ocidental foi f u n d a m e n t a l para q u e a recu-p e r a ç ã o n o s e g u n d o recu-pós-guerra tivesse m a i o r sucesso q u e n o recu-primeiro. C o n t u d o , e m t e r m o s p u r a m e n t e quantitativos, h o j e está claro que, exceto na Grécia e, tal-vez, na Itália, o Plano Marshall teve m e n o s i m p o r t â n c i a e c o n ô m i c a q u e seus pro-pagandistas — o u seus opositores — alardearam. A m a i o r p a r t e dos investimentos e u r o p e u s foi gerada i n t e r n a m e n t e , e os índices de crescimento n ã o s u p e r a r a m os da E u r o p a oriental, cujos países, longe de u s u f r u i r o Plano Marshall, financiavam sua s u p e r p o t ê n c i a , da q u a l n ã o r e c e b i a m a j u d a n e n h u m a . O q u e os f u n d o s d o Plano Marshall r e a l m e n t e f i z e r a m foi m i n o r a r o p r o b l e m a das divisas, f o r n e c e n d o dólares escassos e p e r m i t i n d o a c o n t i n u i d a d e d o crescimento.2^'

.. Os a m e r i c a n o s a j u d a r a m a m u d a r o capitalismo e u r o p e u ( c o m e ç a r a m a fazê-lo antes da guerra), t r a n s f o r m a n d o as relações industriais, p r e g a n d o o evangelho da a d m i n i s t r a ç ã o científica e m o d e r n i z a n d o m é t o d o s de t r a b a l h o e e q u i p a m e n t o s . O a u m e n t o da produtividade, n u m a m é d i a de a p r o x i m a d a m e n t e 4% a o ano, s e m dúvida c o r r o b o r a v a o boom. Os artífices d o plano e o u t r o s propagandistas do "esti-lo a m e r i c a n o " criaram u m a infinidade de conselhos de produtividade, p r o g r a m a s de i n t e r c â m b i o de líderes sindicais e administradores, publicações e exposições. N o final da década de 1940, u m a época de considerável agitação e n t r e os trabalhado-res, exaltou-se a "produtividade" c o m o u m a alternativa ideológica p a r a a luta de classes, u m m e i o de a u m e n t a r salários e lucros.22

/ o

debate sobre o Plano Marshall evidenciou a i m p o r t â n c i a de o u t r o s aspec-tos da influência e c o n ô m i c a a m e r i c a n a — n ã o só o n o v o evangelho da produtividade c o m o atitudes relativas a política fiscal, estratégia de investimentos e h a r m o

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<s

nia social. Os planejadores g e r a l m e n t e t e n t a v a m incentivar os políticos d o Velho M u n d o a p r o m o v e r o a u m e n t o do c o n s u m o (para reduzir a insatisfação social e a possível disseminação do vírus do c o m u n i s m o ) e a libertar-se das rígidas hierar-quias sociais d o passado, n u m a espécie de N e w Deal e u r o p e u .

h Mais i m p o r t a n t e , talvez, n o l o n g o prazo, foi o i m p a c t o político da presença americana na E u r o p a ocidental. A G u e r r a Fria — q u e atingiu o auge n o início dos anos 1950 — p r o v o c o u m e d o e susto, m a s t a m b é m u m g r a u m a i o r de c o o p e r a ç ã o e n t r e os E s t a d o s - n a ç ã o da região. E u r o p e u s a s t u t o s , c o m o Bevin e S c h u m a n , A ç o d e m ter f r u s t r a d o a planificação c o o r d e n a d a q u e W a s h i n g t o n desejava para o Xv> ^ continente. Entretanto, os americanos n ã o o f e r e c e r a m dinheiro e segurança s e m i m p o r condições q u e — obrigando os beneficiários a alguma f o r m a de diálogo entre as nações — m u d a r a m o contexto e c o n ô m i c o internacional da E u r o p a ocidental. Principalmente, lançaram as bases da extraordinária revivescência d o comércio q u e esteve n o c e n t r o do boom ocorrido e m m e a d o s da década de 1950. Às voltas c o m seus dispendiosos c o m p r o m i s s o s imperiais, a França e s o b r e t u d o a Inglaterra estavam m e n o s p r o p e n s a s a aproveitar essas o p o r t u n i d a d e s q u e o Benelux, a A l e m a n h a Ocidental o u a Itália. Todavia, p o r i n t e r m é d i o da União Européia de P a g a m e n t o s e, mais tarde, da C o m u n i d a d e Econômica Européia — encorajadas p o r políticos ame-ricanos —, o comércio internacional floresceu n o Velho M u n d o . Assinalando a rapi-d e z c o m q u e os a l e m ã e s a b a n rapi-d o n a r a m suas obsessões p o r t e r r a e a u t a r q u i a , -AjtElizabeth W i s k e m a n n c o m e n t o u , e m 1956: ' N u m a E u r o p a q u e p r e t e n d e evitar .o*" g r a n d e s recessões n o comércio e suas conseqüências, q u e se esforça para chegar à integração pacífica e cujas comunicações p a r e c e m eliminar distâncias, o objetivo da auto-suficiência nacional, ao q u e t u d o indica, t o r n o u - s e irrelevante".23,.^

Os g o v e r n o s e u r o p e u s n ã o f o r a m , p o r é m , beneficiários passivos da generosi-d a generosi-d e a m e r i c a n a . C o n s e g u i r a m i m p e generosi-d i r u m r e t o r n o a o isolacionismo, a t r a i n generosi-d o n o v a m e n t e W a s h i n g t o n c o m suas histórias tenebrosas sobre a a m e a ç a c o m u n i s t a . Se agora os a m e r i c a n o s e r a m os imperialistas, estavam ali "a convite", s e g u n d o a expressão usada p o r Lundestad. Os e u r o p e u s t a m b é m t i n h a m suas prioridades e suas estratégias, e d e v e m o s analisar o boom d o p ó s - g u e r r a à luz de suas escolhas internas. P o r c e r t o as velhas p r e o c u p a ç õ e s c o m inflação ( e m especial d u r a n t e a G u e r r a da Coréia), balanço de p a g a m e n t o s e o r ç a m e n t o equilibrado n ã o se dissi-p a r a m : sobreviveram dissi-p a r t i c u l a r m e n t e e m dissi-países c o m o a Itália e a A l e m a n h a , q u e

*

y - saíram do passado recente c o m u m a p r o f u n d a desconfiança d o étatismefNa déca-r y. da de 1960, c o n t u d o , os g o v e déca-r n o s da E u déca-r o p a ocidental c o l o c a v a m o c o n t déca-r o l e da

r J ^ ,

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d e m a n d a , o pleno e m p r e g o e o crescimento e c o n ô m i c o acima da estabilidade de preço. E m outras palavras, dispunham-se, mais que nunca, a aceitar d e t e r m i n a d o nível de inflação e m troca da prosperidade. "Em todos os países e u r o p e u s o cresci-m e n t o e c o n ô cresci-m i c o tornou-se u cresci-m credo universal e u cresci-m a expectativa geral q u e os governos deviam acatar", escreveu Postan. "Nessa medida o crescimento econô-mico foi p r o d u t o da capacidade de crescer economicamente."2 4

P o d e m o s m a p e a r c o m razoável precisão o desenvolvimento do novo credo. N o início da década de 1950, os relatórios anuais da recém-criada OECE (Organização Européia de C o o p e r a ç ã o Econômica) ressaltaram a necessidade de a u m e n -tar a produtividade para viabilizar a expansão. E m 1956, utilizaram pela primeira vez o t e r m o "crescimento econômico". Q u a n d o se t r a n s f o r m o u na OCDE [Organi-zação de C o o p e r a ç ã o e Desenvolvimento Econômico], e m 1960, o artigo primeiro da carta de f u n d a ç ã o definiu seu objetivo nos seguintes t e r m o s : 'Alcançar o maior crescimento e c o n ô m i c o e o maior nível de e m p r e g o sustentáveis e u m padrão de vida a s c e n d e n t e n o s países-membros". O credo do c r e s c i m e n t o e n c o n t r o u seu e v a n g e l h o e m The stages of economic growth, de Walt Rostow. S u b i n t i t u l a d a "Manifesto não-comunista", a o b r a explica o "salto" para a prosperidade c o m o u m processo histórico universal.2|'

//A. "capacidade de crescer e c o n o m i c a m e n t e " n ã o se restringia aos círculos ofi-ciais. N o setor privado t a m b é m a incerteza do início dos anos 1950 cedeu lugar à confiança, e os investimentos particulares a u m e n t a r a m j u n t o c o m os públicos. Na verdade, o q u e há de s u r p r e e n d e n t e n o boom do pós-guerra é a maneira c o m o os setores público e privado c h e g a r a m a u m a simbiose m u t u a m e n t e aceitável e bené-fica. Ò espírito igualitário da libertação desapareceu, e o ataque socialista ao capi-talismo n ã o se materializou; a planificação cedeu lugar à nacionalização, depois à "direção" e à "orientação". A e c o n o m i a planificada q u e a CDU p r o m e t e r a à Ale-m a n h a n o c o Ale-m e ç o de 1947 se esvaiu a n t e o t r i u n f o da " e c o n o Ale-m i a de Ale-m e r c a d o social", de L u d w i g Erhard. N a Inglaterra, o n d e os trabalhistas pareciam inicial-m e n t e tão hostis ao setor privado, os einicial-mpregadores receberainicial-m u inicial-m t r a t a inicial-m e n t o res-peitoso q u e teria surpreendido, p o r exemplo, as autoridades holandesas, mais dire-tivas; até m e s m o na França a "planification" g o z o u de g r a n d e i n d e p e n d ê n c i a e n e m p o r isso teve m e n o s sucesso. A n d r e w Shonfield, talvez o analista mais arguto da nova e c o n o m i a européia, p e r g u n t o u : "O q u e fez o capitalismo passar do fracas-so cataclísmico q u e parecia ser na década de 1930 ao g r a n d e m o t o r da

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dade n o m u n d o do pós-guerra?". E respondeu: "O instável equilíbrio dos poderes público e privado".26

Contrariando os receios expressos em 1953 pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, as economias de livre empresa atingiram altos índi-ces de investimento e crescimento, rivalizando com as do Leste europeu. Empre-sários beneficiaram-se com o controle da demanda e a política de pleno emprego e p u d e r a m investir com maior segurança, cientes de que a administração contrací-clica da economia pelo Estado estava atenuando as flutuações do mercado que tinham infernizado a vida econômica do entreguerras. C o m o se acreditava que essa administração repousava em bases científicas, não surpreende que Shonfield con-cluísse, confiante, que não havia "motivo para supor que os padrões do passado [...] se reafirmem n o futuro". Política sensata, solidariedade social e cooperação insti-tucional adaptável garantiram à Europa ocidental u m a das mais notáveis realiza-ções de sua história.27

OS E S T A D O S D O B E M - E S T A R S O C I A L

fessa revivescência "inesperadamente estonteante" do capitalismo ocorreu > • n u m m u n d o que aceitava a extensão do poder do Estado não só na esfera econô-mica mas t a m b é m na área do bem-estar social. Muitos comentaristas da época viram estreita ligação entre u m a economia florescente e u m Estado assistencial extenso. "Sem o f u n d a m e n t o de políticas governamentais assistencialistas", afir-m o u o reforafir-mista social-deafir-mocrata Karl Schiller, "o sisteafir-ma econôafir-mico de livre mercado poderia ter soçobrado [...] O Estado do bem-estar social e a dinâmica eco-nomia de mercado são m u t u a m e n t e indispensáveis".28/

No período Thatcher tais idéias foram atacadas. Dizia-se que os gastos com o bem-estar social haviam retardado o crescimento econômico, ao invés de promo-vê-lo. O registro histórico não corrobora esse tipo de argumento, m e n o s condizen-te c o m a economia da década de 1950 que com a política da década de 1980. Na Inglaterra os gastos com o bem-estar social correspondiam a u m a proporção do PIB m e n o r que na Alemanha Ocidental, p o r exemplo. Baixos gastos c o m serviços sociais acompanhavam baixos índices de crescimento na Europa ocidental c o m o u m todo.29

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O e n v o l v i m e n t o do Estado n o b e m - e s t a r social coincidiu c o m a consolidação da d e m o c r a c i a européia, e p o r isso alguns d e f i n i r a m o Estado d o b e m - e s t a r social c o m o u m f e n ô m e n o essencialmente d e m o c r á t i c o . Afinal, o t e r m o surgiu e m opo-' r vy sição a Hitler. E m 1950 Attlee d e c l a r o u q u e seu g o v e r n o assentara "as bases d o

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Estado do b e m - e s t a r social", e ao cabo de p o u c o s anos a expressão popularizou-se. y

Parecia constituir u m m a r c o na relação e n t r e o Estado e o indivíduo e talvez, c o m o a p o n t o u o sociólogo T. H . Marshall, i n a u g u r a r u m novo e n t e n d i m e n t o da n o ç ã o de cidadania n u m a d e m o c r a c i a , c o m direitos sociais e e c o n ô m i c o s acrescentados aos políticos.30

» ^ / M a s essa c o n e x ã o e n t r e d e m o c r a c i a e b e m - e s t a r social, assinalada p o r Mar-shall, refletia as experiências específicas da Inglaterra e da Suécia. E m o u t r o s países a organização do bem-estar social n o pós-guerra demonstrava forte continuidade c o m os r e g i m e s c o n s e r v a d o r e s e fascistas a n t e r i o r e s a o conflito, e n q u a n t o na -rr E u r o p a oriental surgiu sob o c o m u n i s m o . C o n v é m l e m b r a r que o t e r m o "Estado g u a r d i ã o da vida", q u e o advogado constitucional Ernst Forsthoff introduziu nas discussões dos alemães ocidentais sobre política social, fora usado pela primeira vez — e de m o d o a p r o v a d o r — p o r ele m e s m o e m 1938, n o contexto d o Terceiro Reich. N a Itália do pós-guerra, os serviços sociais t a m b é m f u n c i o n a v a m basicamente p o r m e i o da rede de agências s e m i - a u t ô n o m a s criadas na época de Mussolini."y

/No e n t a n t o , a p e s a r dessas c o n t i n u i d a d e s de t r a d i ç ã o , a S e g u n d a G u e r r a M u n d i a l r e a l m e n t e s e p a r o u dois c o n t e x t o s políticos m u i t o diferentes. N o pós-g u e r r a o m u n d o do Estado d o b e m - e s t a r social e r a de p l e n o e m p r e pós-g o , rápido cres-c i m e n t o d e m o g r á f i cres-c o e relativa paz i n t e r n a e externa. A políticres-ca socres-cial d o entre-guerras, p o r é m , a t u a r a n u m cenário de d e s e m p r e g o maciço, receios de declínio p o p u l a c i o n a l , revolução, e x t r e m i s m o político e g u e r r a . E m a m b a s as é p o c a s o Estado t o m o u a iniciativa, mas, se antes de 1940 visava p r o t e g e r a saúde da coleti-vidade, da família e s o b r e t u d o da nação, depois de 1945 buscava p r i n c i p a l m e n t e x r

~ ~r l, expandir as o p o r t u n i d a d e s e as escolhas do cidadão c o m o indivíduo. C a d a p e r í o d o reagiu c o n t r a seu predecessor: o pós-1918 c o n t r a o individualismo liberalista de m e a d o s d o século xix; o pós-1945 c o n t r a o coletivismo d o e n t r e g u e r r a s . Nessa m e d i d a , Marshall a c e r t o u e m cheio ao enfatizar a cidadania.

v

O Estado d o b e m - e s t a r social do pós-guerra refletia, e m t o d a a E u r o p a ociden-' tal, a l g u m a s d i f e r e n ç a s reais n o t o c a n t e a f i l o s o f i a e i n s t i t u i ç ã o . E n q u a n t o a

2 9 4

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A l e m a n h a Ocidental, c o m o o Reino Unido, tinha u m a política habitacional ambi-ciosa e c o n s t r u í a a n u a l m e n t e c e n t e n a s de m i l h a r e s de m o r a d i a s p o p u l a r e s , o "saque de R o m a " e a selva de c o n c r e t o q u e se erguia ao r e d o r de Atenas atestavam o desinteresse d o Estado pela habitação na E u r o p a meridional. O sistema de b e m -estar social britânico era financiado pela tributação nacional, prestava serviços gra-tuitos e tinha p o r objetivo p r o p o r c i o n a r u m m í n i m o básico a todos os cidadãos. Já na França, na Bélgica e na A l e m a n h a o g o v e r n o apoiava planos de seguro voluntá-rios e m q u e as contribuições e r a m proporcionais à renda. Nesses sistemas, as con-dições d o bem-estar social p e r p e t u a v a m diferenças de renda e de status — e r a m , p o r t a n t o , b a s i c a m e n t e conservadoras e m seu i m p a c t o social —, ao passo q u e na Suécia o Estado atuava n o e x t r e m o oposto, i n t e r v i n d o para reduzir a desigualdade salarial. Assim havia, s e g u n d o u m estudioso, pelo m e n o s "três m u n d o s " o u m o d e -los de capitalismo do bem-estar social na E u r o p a ocidental: o católico conservador, o liberal e o social-democrata.

/ E m t o d a parte, p o r é m , as despesas do Estado c o m os serviços sociais a u m e n -tavam. N o Reino Unido, c o r r e s p o n d i a m a 11,3% d o PIB e m 1938,16,3% e m 1955 e 23,2% e m 1970. N o m e s m o período, o total dos gastos públicos passou de 30% d o PIB p a r a 47,1% e m 1970, s e n d o p r a t i c a m e n t e a m e t a d e c o m serviços sociais. N a m a i o r p a r t e da E u r o p a ocidental os gastos públicos cresceram p r o p o r c i o n a l m e n t e à r e n d a n a c i o n a l , e ao m e s m o t e m p o sua c o m p o s i ç ã o m u d o u : a p o r c e n t a g e m reservada à defesa baixou e a destinada a o b e m - e s t a r social subiu. C o m o a renda nacional a u m e n t a v a r a p i d a m e n t e , e m f u n ç ã o d o boom, as despesas c o m o b e m -estar social per capita dispararam, s o b r e t u d o n a década de 1960, v o l t a n d o a cair n o c o m e ç o da década seguinte. Ademais, d u r a n t e os dois decênios d o boom e c o n ô m i -co as diferenças e n t r e vários países t o r n a r a m - s e m e n o s evidentes. E m 1950, p o r exemplo, só na Dinamarca, na Inglaterra, n a N o r u e g a e na Suécia a p r o p o r ç ã o de trabalhadores c o m c o b e r t u r a contra acidente, saúde, velhice e d e s e m p r e g o supe-rava 70%; e m 1970, esse n ú m e r o fora alcançado e m toda a E u r o p a ocidental, exce-t o na Grécia, e m P o r exce-t u g a l e na Espanha.'2

Generalizando, a g u e r r a parecia ter criado — o u i n t e n s i f i c a d o — u m a d e m a n -da de soli-darie-dade social, e n q u a n t o o crescimento e c o n ô m i c o gerava os recursos q u e s u s t e n t a v a m esse q u a d r o . N ã o se deve esquecer, n a t u r a l m e n t e , q u e a m u d a n -ça de a t i t u d e s se aplicava à receita, b e m c o m o aos g a s t o s : e m o u t r a s palavras, depois de 1945 as pessoas q u e c o n t a v a m c o m a segurança do p l e n o e m p r e g o acei-t a v a m índices acei-t r i b u acei-t á r i o s i m p e n s á v e i s dez o u v i n acei-t e a n o s anacei-tes. O m o acei-t i v o dessa

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aceitação continua sendo u m a incógnita para os historiadores — a história da tri-butação n ã o é das mais sedutoras —, p o r é m constitui u m a característica funda-m e n t a l da evolução da sociedade européia ocidental do pós-guerra, estabelecendo a distinção entre sua experiência do capitalismo e a dos Estados Unidos ou da Asia.33

Curiosamente, talvez, a expansão das responsabilidades do Estado nos anos 1950 e 1960 fez-se a c o m p a n h a r de u m a crescente desilusão. "Todos os impulsos e ideais de recriar, reconstruir e replanejar, presentes na década de 1940, desapare-c e r a m " , l a m e n t o u o teóridesapare-co sodesapare-cial Ridesapare-chard Titmuss. As expedesapare-ctativas desapare-cresdesapare-centes decerto alimentaram as esperanças e as d e m a n d a s e elevaram os limiares da pobre-za. E n t r e t a n t o , n ã o f o r a m i n t e i r a m e n t e responsáveis pela " r e d e s c o b e r t a da pobreza", n o início dos anos 1960, n e m pela preocupação mais c o m u m c o m a natu-reza do bem-estar social disponível. Os limites da nova democracia do bem-estar social tornavam-se claros.34

À m e d i d a q u e se e v a p o r a v a m as esperanças igualitárias da década de 1940, ' y constatava-se que o Estado assistencial p o u c o fizera para atenuar as desigualdades econômicas. A distribuição de renda n ã o se alterou significativamente (fora da

• *

Escandinávia), já que n ã o h o u v e maiores tentativas de utilizar os impostos o u o sis-f'" f* '

t e m a de benefícios para u m a redistribuição mais ampla. Então para q u e m foi cria-(

do o Estado do bem-estar social? Parecia cada vez mais q u e não para os pobres, e sim para os abastados, para a classe média e para aqueles elementos do velho pro-f -x v j letariado q u e d e s f r u t a v a m o pleno emprego. Essa suspeita c o r r o b o r a u m a nova

visão das origens do Estado assistencial, q u e se t e n d e a considerar h o j e c o m o o resultado n ã o t a n t o da pressão do heróico proletariado q u a n t o de g r u p o s de inte-resse da classe média, de intelectuais paternalistas e da aversão a riscos de todas as camadas sociais.3^

O q u e isso tinha de tão surpreendente? Era apenas mais u m exemplo de c o m o a classe média do pós-guerra estabilizara a democracia na Europa ocidental utili-zando agendas radicais e m benefício próprio. "À primeira vista p o d e parecer q u e a bourgeoisie s u r r u p i a r a , c o m o s e m p r e , o q u e deveria ir p a r a os t r a b a l h a d o r e s " , Marshall escreveu. " E m tais circunstâncias, contudo, isso acabaria a c o n t e c e n d o n u m a democracia livre e provavelmente continuará a c o n t e c e n d o n o Estado do bem-estar social. Pois o Estado do bem-estar social n ã o é a ditadura do proletaria-do n e m se c o m p r o m e t e u a liquidar a bourgeoisie."36

O q u e alguns viam c o m o f r u t o do individualismo, da irresponsabilidade e do egoísmo vigentes na década de 1950 outros, mais neutros, v i a m c o m o u m g r a u yV

f

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m a i o r de c o n s u m i s m o e afluência. C o n t u d o , o s u r g i m e n t o da sociedade afluente p r o p ô s novos desafios ao Estado do bem-estar social, associado p o p u l a r m e n t e aos anos de austeridade e baseado n u m princípio de universalidade que, e m face da ele-vação dos padrões de vida, parecia m e n o s u r g e n t e e até " m e i o b o b o " . 'A socieda-de c o n s u m i s t a conseguiu expandir suas fronteiras e converter a seu próprio credo seus antagonistas naturais", concluiu Marshall.

M O B I L I Z A Ç Ã O I N D I V I D U A L I S T A DA E U R O P A

"Muita g e n t e de m i n h a geração, q u e na década de 1930 considerava irremo-vível o caráter deletério do capitalismo, viveu u m a i m p o r t a n t e experiência pessoal ao t e s t e m u n h a r a m e t a m o r f o s e do sistema após a g u e r r a " , Shonfield escreveu e m 1965. Essa m e t a m o r f o s e podia ser i n t e r p r e t a d a n e g a t i v a m e n t e — p o r socialistas desiludidos — e m t e r m o s de u m a decrescente responsabilidade social e do declí-nio dos objetivos igualitários da época d o conflito; e t a m b é m podia ser vista sob u m a luz mais positiva, c o m o p a r t e de u m a p r o f u n d a t r a n s f o r m a ç ã o social — q u e Alessandra P i z z o r n o c h a m o u de "mobilização individualista" da E u r o p a . O suces-so d o capitalismo desgastou as rivalidades e n t r e as classes e substituiu a política de massas d o entreguerras, ativista e visionária, p o r u m a política de c o n s u m o e admi-nistração mais fria. As pessoas q u e r i a m bens, n ã o d e u s e s .3/

É claro q u e as o r i g e n s da sociedade de c o n s u m o e u r o p é i a são a n t e r i o r e s à Segunda G u e r r a Mundial. Se os Estados Unidos de H e n r y Ford c o n s t i t u í r a m o pro-tótipo, j á na E u r o p a d o e n t r e g u e r r a s p o d i a m - s e o b s e r v a r os p r i m e i r o s sinais da m u d a n ç a nas atitudes e aspirações que se t o r n a r i a t ã o evidente nas décadas de 1950 e 1960. Ao i n a u g u r a r o Salão do A u t o m ó v e l de Berlim, e m 1934, Hitler declarara:

Visto que o automóvel continua sendo um meio de transporte exclusivo de círculos particularmente privilegiados, milhões de indivíduos obedientes, diligentes e com-petentes, que em muitos casos levam uma vida de oportunidades restritas, constatam com azedume que lhes é vedado o acesso a um modo de transporte capaz de propor-cionar-lhes u m prazer desconhecido, sobretudo aos domingos e feriados. [...] É pre-ciso retirar do automóvel o caráter de distintivo—e, portanto, de divisor—social que lhe foi atribuído; o carro tem de deixar de ser um objeto de luxo para se tornar u m objeto de uso!38

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Esse tipo de declaração esbarrava, p o r é m , nas realidades dos anos 193.0. As dificuldades e c o n ô m i c a s e a mobilização para a g u e r r a i m p e d i r a m q u e se vendes-se u m ú n i c o Volkswagen aos h a b i t a n t e s d o Terceiro Reich. T e r m i n a d a a g u e r r a , e n t r e t a n t o , a tolerância p o p u l a r c o m o r a c i o n a m e n t o e a austeridade desapareceu r a p i d a m e n t e . E m b o r a reconhecesse o r a c i o n a m e n t o c o m o justo, o povo cada vez mais exigia seu f i m e o r e s t a b e l e c i m e n t o do m e r c a d o . A partir de 1950, q u a n d o os controles da época d o conflito c a í r a m p o r terra, as características da nova cultura de c o n s u m o t o r n a r a m - s e mais claras.

À p r o d u ç ã o de desejos p r e c e d e u a aquisição de mercadorias. M u i t o antes de u m a m i n o r i a c o n s e g u i r c o m p r a r os novos b e n s duráveis, publicitários e lojistas r e v o l u c i o n a r a m suas práticas. E m 1953, o Guia d o Gerente, de B u r t o n , aconselha-va: "Crie u m desejo de possuir f o r t e o bastante para superar u m a aversão n a t u r a l a gastar dinheiro, e você fará u m a venda após o u t r a " . O v e n d e d o r tradicional trans-f o r m o u - s e . As m u l h e r e s , l o n g e d e ser i g n o r a d a s , r e c e b e r a m d e s t a q u e c o m o o " m o t o r " da "vida m o d e r n a " : na década de 1950, os anunciantes viam-nas basica-m e n t e c o basica-m o donas-de-casas e nesses t e r basica-m o s p r o c u r a v a basica-m atingi-las. "Você n ã o p o d e mais viver s e m eletricidade, café expresso e Coca-Cola", dizia u m a n ú n c i o ^ . " a l e m ã o . "Mas p o d e viver s e m cozinhar! Todas essas maravilhas a g o r a são suas, querida dona-de-casa! O q u e sua avó e sua m ã e p a d e c i a m p a r a fazer c o m as pró-prias m ã o s , u m a p e q u e n a m á q u i n a m i r a c u l o s a conseguirá f a z e r e m q u e s t ã o de s e g u n d o s [...] M a n d e seu m a r i d o p ô r a m ã o n o bolso c o m u m p o u c o mais de entu-siasmo!" "Para m i m a m u l h e r vinha e m p r i m e i r o lugar", c o m e n t o u u m empresá-rio italiano; "depois dela, o cachorro, o cavalo e p o r f i m o h o m e m . " N o c o m e ç o da década de 1960 a publicidade passou a distinguir as "mãezinhas" das "garotas tími-das" e da j o v e m sexy, solteira, "cosmopolita", q u e as m o d e l o s p o p u l a r i z a v a m c o m o novo estilo "saltitante".3®

//O anúncio e s n o b e e antiquado, q u e de certo m o d o reconhecia a p e r m a n ê n c i a d o status e das diferenças sociais, agora competia c o m o anúncio q u e fazia o comp r a d o r acreditar na compossibilidade de subir alguns d e g r a u s na escala social. Os m é t o

dos publicitários "americanos" visavam aos "novos caçadores de status [...] aos tra-r- balhadores s u b u r b a n o s q u e t o m a m cerveja envelhecida e m vez de cerveja c o m u m ,

f u m a m cigarro c o m filtro e m vez de cigarro simples, c o m e m chocolate c o m u m e m vez de chocolate a o leite, e aos jovens executivos q u e a c a b a r a m de adquirir u m a casa c o m j a r d i m n o s s u b ú r b i o s " . E m 1937, a p e n a s q u a t r o agências a m e r i c a n a s

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t i n h a m filiais fora dos Estados Unidos; e m 1960, esse n ú m e r o saltou para 36, c o m mais de 280 endereços.4 0

Suas técnicas de classificar os c o m p r a d o r e s potenciais baseavam-se e m novas disciplinas — pesquisa de m e r c a d o , testes e psicologia aplicada —, dissecadas p o r ' Georges Perec e m Les choses, r o m a n c e sobre o c o n s u m i s m o dos anos 1960. "A

psi-cologia, ciência q u e p e n s á v a m o s estar a serviço da educação, t e m sido prostituída para servir aos objetivos do vendedor, o m a n d a - c h u v a da e c o n o m i a inflada", escre-veu u m o b s e r v a d o r assustado. Vozes c o m o essa c l a m a v a m n o deserto: a publicida-de p e r d e u a m á r e p u t a ç ã o q u e t i n h a a n t e s da g u e r r a e se t o r n o u u m a atividapublicida-de e m p o l g a n t e e até glamourosa.4 1

A revolução da publicidade alastrou-se pelos novos meios de comunicação: o comercial de televisão surgiu e m m e a d o s da década de 1950, e n q u a n t o o n ú m e r o c r e s c e n t e dos assinantes de t e l e f o n e e s t i m u l o u o a p a r e c i m e n t o das P á g i n a s A m a r e l a s , n o início dos a n o s 1960. N o m e s m o p e r í o d o , os j o r n a i s de d o m i n g o c o m e ç a r a m a publicar s u p l e m e n t o s coloridos c o m artigos e anúncios q u e exalta-v a m os noexalta-vos "estilos de exalta-vida" disponíexalta-veis. E o c o m p r a d o r ansioso até recebia ajuda para se situar e m m e i o a essa proliferação de bens. E m 1957 a nova Association for C o n s u m e r Research, apoiada pela A m e r i c a n C o n s u m e r s ' Union, passou a publicar Which?, q u e e m p o u c o s anos conquistou quase m e i o m i l h ã o de leitores.

\</> / S a t i s f a z i a m - s e mais depressa q u e antes os novos desejos assim criados e difun-didos. As atitudes c o m relação a crédito e d é b i t o estavam m u d a n d o . O agricultor francês via o crediário c o m o " u m a chaga p u r u l e n t a n o c o r p o do comércio", m a s sua opinião e r a contestada n ã o só pela d i f u s ã o dos planos de vendas a p r a z o c o m o pelos p r ó p r i o s bancos, p o r m e i o do " m e r c h a n d i s i n g ativo de u m a série de serviços cada vez mais voltados para clientes q u e n u n c a tiveram conta bancária". Graças a essas i n o v a ç õ e s financeiras, teve início a r e v o l u ç ã o d o c o n s u m o . U m a inflação m o d e r a d a a t u o u c o m o incentivo. " D o jeito c o m o os preços c o n t i n u a m subindo, é b u r r i c e n ã o c o m p r a r o q u e se q u e r q u a n d o se q u e r — d e n t r o do razoável, é claro", sentenciou e m 1961 u m cauteloso aldeão francês. njf

O " b e m viver" c o m e ç a v a e m casa: t u d o indica q u e a c o m p r a de geladeira, m á q u i n a de lavar, televisor e o u t r o s e l e t r o d o m é s t i c o s constituía p r i o r i d a d e . As vendas d o setor a u m e n t a r a m r a p i d a m e n t e , ressaltando-se, p o r é m , q u e as c a m a d a s mais p o b r e s d e m o r a r a m a d e s f r u t a r tais p r o d u t o s . Nesse aspecto, os anúncios da década de 1950 e início da de 1960 n ã o r e t r a t a v a m a realidade t a n t o q u a n t o p r o p u -n h a m o f u t u r o . E m 1959, p o r exemplo, cerca de três q u a r t o s dos executivos fra-n- fran-J*

A V

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ceses t i n h a m carro, u m b e m acessível a u m q u i n t o dos trabalhadores u r b a n o s e a u m oitavo dos agricultores; m e n o r ainda era a p r o p o r ç ã o das pessoas q u e p o s s u í a m televisor, u m aparelho q u e só se d i f u n d i u a m p l a m e n t e n o final dos anos 1960.

O c a r r o era talvez o b e m de c o n s u m o mais i m p o r t a n t e . A p r o d u ç ã o anual da indústria automobilística da E u r o p a ocidental saltou de 500 mil unidades e m 1947 para mais de 9 milhões e m 1967. Os proprietários passaram de 51 314 e m 1950 para 404 042 e m 1960 e p a r a 876 913 e m 1966 na Áustria; de 342 mil p a r a 4,7 m i l h õ e s n a Itália e n t r e 1950 e 1964; de 1,4 m i l h ã o e m 1949 para 9,5 m i l h õ e s e m 1962 na A l e m a n h a Ocidental. C o m o declínio d o u s o das ferrovias, a rede rodoviária expan-diu-se e m t o d o o c o n t i n e n t e . As o b r a s da Paris P é r i p h é r i q u e iniciaram-se j á e m 1956; as da via expressa na m a r g e m direita d o Sena, e m 1967; e m o u t u b r o de 1964, o arcebispo de Florença celebrou n u m p o s t o de gasolina, ao n o r t e da cidade, u m a ação de graças pela conclusão da Autostrada dei Sole, q u e u n e Milão e Nápoles.4 3/ Os c o n g e s t i o n a m e n t o s c r i a r a m a necessidade de especialistas e m planeja-m e n t o de tráfego — q u e c o planeja-m p e t e planeja-m c o planeja-m os b o planeja-m b a r d e i r o s da época da g u e r r a na devastação dos centros históricos das cidades européias —, de guardas de trânsito, p a r q u í m e t r o s (que a p a r e c e r a m p o r volta de 1959) e sinalização de e s t a c i o n a m e n t o p r o i b i d o / Â p a r t i r do final da d é c a d a de 1960, os c a r r o s t a m b é m e s t i m u l a r a m o d e s e n v o l v i m e n t o de c o m p r a s f o r a das cidades, a t i n g i n d o p e q u e n o s lojistas n o s centros u r b a n o s e r e f o r ç a n d o a difusão dos novos s u p e r m e r c a d o s . N a França, p o r J ^ exemplo, havia apenas q u a r e n t a s u p e r m e r c a d o s e m 1960 e mais de mil e m 1970:

chegara a era dos Prisunic e dos M o n o p r i x / /

/ A elevação do p a d r ã o de vida t a m b é m e s t i m u l o u os gastos c o m lazer. N ã o foi p o r acaso q u e a Coca-Cola m a n t e v e d u r a n t e duas décadas seu slogan dirigido ao y X* c o n s u m i d o r alemão: "Mach m a l Pause" ("Faça u m a pausa"). E m 1948, cerca de 3,1 m i l h õ e s de o p e r á r i o s ingleses t i n h a m d u a s s e m a n a s de d e s c a n s o r e m u n e r a d o p o r ano; e m m e a d o s dos anos 1950, esse n ú m e r o c h e g o u a 12,3 m i l h õ e s — pratica-m e n t e t o d a a força de t r a b a l h o braçal. U pratica-m n ú pratica-m e r o pratica-m a i o r de pessoas tirava férias e gastava mais c o m isso. A partir do final da década de 1960, pacotes de v i a g e m para

/

o e x t e r i o r p o p u l a r i z a r a m - s e : e m 1971, a p e n a s u m t e r ç o d o s i n g l e s e s a d u l t o s j á havia v i a j a d o p a r a f o r a d o país; e m 1984, a p e n a s u m t e r ç o n ã o havia viajado.

C o m o as N a ç õ e s Unidas r e c o n h e c e r a m ao p r o c l a m a r 1967 " O A n o Internacional d o Turista", o t u r i s m o era agora u m a indústria i m p o r t a n t e , e a E u r o p a estava e m seu centro, f o r n e c e n d o e r e c e b e n d o o m a i o r n ú m e r o de turistas mundiais. Para a OCDE, o t u r i s m o era " u m dos aspectos mais espetaculares da 'civilização do lazer'

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q u e p o u c o a p o u c o se desenvolve n o m u n d o ocidental". T a m b é m era redistributi-vo, c a n a l i z a n d o d i n h e i r o — c o m a l g u m c u s t o p a r a o m e i o a m b i e n t e — p a r a as áreas q u e n ã o a c o m p a n h a r a m o boom, lugares c o m o a orla meridional d o continen-te, a g o r a c o b e r t a de novos e s t a b e l e c i m e n t o s turísticos, o u p a r a suas paisagens rurais, antes intatas e agora tão trabalhadas q u a n t o visitadas.45/

Esses turistas e r a m presa fácil para os críticos culturais, q u e r a r a m e n t e admi-tiam q u a l q u e r m é r i t o do t u r i s m o e m acabar c o m provincianismos d o passado. O a m e r i c a n o Paul Fussell o p ô s o "viajante" e d u c a d o e sensível da safra a n t e r i o r à .. g u e r r a aos m o d e r n o s b á r b a r o s dos pacotes. E m sua Theorie des tourismus, H a n s

M a g n u s Enzensberger considera inútil e f u n d a m e n t a l m e n t e b u r g u ê s o e m p e n h o dos turistas e m tentar libertar-se das a g r u r a s da sociedade industrial. Para outros, eles apenas i n t e g r a v a m aquela " f u g a da liberdade" que, s e g u n d o Erich F r o m m , denunciava a suscetibilidade da burguesia a o fascismo.46

Esses ataques inclementes, n o entanto, faziam p a r t e de u m a investida m u i t o m a i o r c o n t r a o n o v o c o n s u m i s m o q u e reunia o clero católico, assustado c o m a a m e a ç a à "família e à o r d e m moral", e marxistas desprendidos, c o m o Pasolini, q u e desprezavam o fetichismo dos bens materiais. N a Espanha de Franco, os conserva-dores a c h a v a m q u e o boom dos anos 1960 estava c o r r o e n d o sua " d e m o c r a c i a orgâ-nica", afastando dos velhos valores católicos os novos " c o n s u m i d o r e s viciados e m televisão". C o n t u d o , m e s m o nas democracias autênticas, as dramáticas repercus-sões sociais d o "milagre e c o n ô m i c o " alimentavam o m e d o e t a m b é m a satisfação. E m La scoperta delVItalia [A descoberta da Itália] (1963), Giorgio Bocca descreve a "Itália [...] t r a n s f o r m a d a , hipnotizada pela benessere [prosperidade]".

" ^ <* O c o n s u m i d o r — o b j e t o passivo e c o n f o r m i s t a das pressões comerciais — parecia ter substituído o cidadão ativo q u e os teóricos sociais i m a g i n a r a m nos anos

fcí1

1940. Agora — nesse admirável m u n d o novo da pesquisa de m e r c a d o e d o comer-/ c i a l da televisão — talvez n e m os desejos das pessoas f o s s e m r e a l m e n t e seus. Para ' . / os p r i m e i r o s e influentes teóricos do c o n s u m i s m o , c e n t r a d o s e m t o r n o da escola > < v marxista de F r a n k f u r t , a "sociedade de massas" p e r m i t i a q u e as forças do

capitalis-m o capitalis-m o d e r n o j o g a s s e capitalis-m c o capitalis-m a "falsa consciência" das pessoas c o capitalis-m u n s . S e g u n d o esses elitistas da esquerda, as m e s m a s massas q u e antes da g u e r r a r e n u n c i a r a m ao p r ó p r i o j u l g a m e n t o para seguir Hitler agora a c o r r i a m e s t u p i d a m e n t e às lojas.

Tais i n t e r p r e t a ç õ e s estribavam-se n o e s n o b i s m o e exageravam as tendências

t / / h o m o g e n e i z a d o r a s e c o n f o r m i s t a s do novo c o n s u m i s m o ; na v e r d a d e — c o n f o r m e

y " assinalaria u m a g e r a ç ã o p o s t e r i o r de críticos c u l t u r a i s — , o m e r c h a n d i s i n g d o ? J

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"estilo de vida" na década de 1960 estava d e s t r u i n d o a estandardização dos anos 1950. Para alguns otimistas, c o m o Baudrillard e Bourdieu, as culturas do c o n s u m o r e a l m e n t e p r o p o r c i o n a v a m às pessoas a liberdade de se d e f i n i r e m e de m o l d a r a própria identidade.

/ O s u r g i m e n t o do n o v o individualismo a p a r e n t e m e n t e m i n a r a as solidarieda-des coletivistas d o passado. A o n d a de greves q u e o c o r r e u n o final dos anos 1940 — - i r ;

p a r t i c u l a r m e n t e na França e na Bélgica — refluiu na d é c a d a seguinte. " N ã o há m u i t o m o t i v o para falar do 'proletariado' [...] p o r q u e ele s i m p l e s m e n t e deixou de existir", c o m e n t o u u m o b s e r v a d o r e m 1958. C o m o u m ex-mineiro explicou a u m jornalista a m e r i c a n o : " O l h o a m i n h a volta, aqui e m Doncaster. Até p o u c o t e m p o

atrás e u via g e n t e m a l n u t r i d a , m a l v e s t i d a , m o r a n d o e m casas m a l e q u i p a d a s . \f y* A g o r a vejo as pessoas b e m vestidas, b e m alimentadas, c o m a casa b e m decorada; elas t ê m piano, tapete, rádio; a l g u m a s estão c o m p r a n d o televisor. T u d o mudou",4 7

T a n t o o o p e r a r i a d o q u a n t o a classe m é d i a dividiram -se e m duas categorias: a dos q u e p o d i a m u s u f r u i r a nova riqueza e a dos q u e viviam a o deus-dará. O setor a d m i n i s t r a t i v o expandiu-se, e o agrícola e n c o l h e u r a p i d a m e n t e . E m seu e s t u d o sobre o t r a b a l h a d o r inglês, F e r d y n a n d Z w e i g c o n s t a t o u q u e a c o n o t a ç ã o de "clas-se" estava m u d a n d o . O t e r m o era "invariavelmente relacionado c o m esnobismo, p o r é m r a r a m e n t e o u n u n c a c o m luta de classes". Seu leque de associações dimi-nuíra, restringindo-se cada vez mais a o local de t r a b a l h o . "Sou p r o l e t á r i o só n a fábrica; fora dela sou igual a q u a l q u e r o u t r o " , disse u m operário a Z w e i g . As classes .' n o sentido antigo — e n v o l v e n d o ação coletiva, identidades e atividades d e n t r o e

f o r a da fábrica — e s t a v a m d e s a p a r e c e n d o . P a d r õ e s de c o n s u m o (e r e p r o d u ç ã o ) ^ V convergentes estavam e l i m i n a n d o as velhas fronteiras sociais.'18

Os o b s e r v a d o r e s alemães p a r e c i a m p a r t i c u l a r m e n t e conscientes dos perigos de u m a sociedade q u e passara de u m e x t r e m o — f a n a t i s m o político, violência — a o u t r o — passividade, apatia. U m a s o c i e d a d e a n t e s dividida pela l u t a de classes agora parecia a d o r m e c i d a . Karl Bracher c h a m o u a atenção para "a i m a g e m assust a d o r a de u m a assustecnocracia" levando a u m a " r e f o r m u l a ç ã o auassustoriassustária da d e m o c r a -cia p a r l a m e n t a r " . S e m cidadãos ativos a E u r o p a degeneraria n u m a "peritocra-cia e n f a t u a d a " q u e d e p o s i t a v a t o d a a sua fé e m s o l u ç õ e s a d m i n i s t r a t i v a s . J ü r g e n H a b e r m a s dizia q u e a tecnologia e a ciência converteram-se n u m a espécie de ideo-logia "que p e n e t r a na consciência das massas despolitizadas". Os cientistas políti-cos a m e r i c a n o s q u e s a u d a r a m o "fim da ideologia" falavam d o m e s m o processo, p o r é m de m o d o mais positivo.49

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Se os americanos p r e t e n d i a m de fato eliminar as tensões sociais da E u r o p a oci-dental p o r m e i o de sua "política da produtividade", a p a r e n t e m e n t e — na década de

1950 — a l c a n ç a r a m seu objetivo. E m 1947, u m f u n c i o n á r i o a m e r i c a n o na Itália declarara: " E n q u a n t o os italianos n ã o c o m e ç a r e m a se interessar mais pelos respec-tivos méritos dos flocos de milho e dos cigarros q u e pelas habilidades relativas de seus líderes políticos, há p o u c a esperança de q u e c h e g u e m a u m a situação de pros-peridade e calma interna". Agora essa esperança se concretizara? A E u r o p a ociden-tal a b a n d o n a r a a política e se t r a n s f o r m a r a na sociedade de "escravos felizes" que, s e g u n d o os franceses antiamericanos, existia n o o u t r o lado do Atlântico?50

A A M E R I C A N I Z A Ç Ã O DA E U R O P A ?

"Dez anos atrás ainda p o d í a m o s torcer o nariz para as lanchonetes, os super-m e r c a d o s , as casas de strip-tease e toda a sociedade consusuper-mista", escreveu u super-m

críti-0 i 3

CO francês e m 1960. 'Agora t u d o isso está t o m a n d o conta da Europa. Essa socieda-de ainda n ã o é a nossa, m a s ela — o u u m a parecida — p o d e r á ser a socieda-de nossos filhos. Os Estados Unidos são u m l a b o r a t ó r i o de f o r m a s de vida n o qual e n t r a m o s ,

que-o

r e n d o o u não.'

N a década de 1950, a h o m o g e n e i z a ç ã o dos p a d r õ e s de vida além das frontei-ras nacionais e sociais sinalizava para m u i t a g e n t e u m a perda de identidade e a evo-lução de u m m o d e l o de sociedade t i p i c a m e n t e americano. Se o c o n s u m o de mas-sas era u m a invenção americana, a d i f u s ã o d o carro, da Coca-Cola e da televisão n ã o a n u n c i a v a m o f i m da individualidade européia? " O q u e v e m o s aqui é a t e n d ê n -cia de u m a nova era, q u e nos p e r m i t e divisar o p a d r ã o de f u t u r a s sociedades, o u apenas u m v i s l u m b r e passageiro, ao qual sucederá provavelmente o r e t o r n o dos velhos p r o b l e m a s e impasses, das velhas c o n t r a d i ç õ e s e conflitos?", p e r g u n t o u Pizzorno.5 2

, Para a m a i o r i a dos políticos a m e r i c a n o s , a a m e r i c a n i z a ç ã o constituía

real-y ^ /m e n t e o objetivo. E m o u t r a s palavras, eles a c r e d i t a v a m q u e os Estados U n i d o s f o r n e c i a m u m m o d e l o p a r a a resolução de conflitos sociais e e c o n ô m i c o s que, se possível, deveria ser f i e l m e n t e aplicado à E u r o p a ocidental: nessa convicção basea-v a m - s e o e basea-v a n g e l h o da p r o d u t i basea-v i d a d e , a p r o m o ç ã o d o f e d e r a l i s m o e d o libasea-vre- livre-c o m é r livre-c i o e a defesa de novos tipos de telivre-cnologia ( livre-c o m o a televisão) e m a r k e t i n g (administração científica, publicidade agressiva)

Referências

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