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A tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

BEATRIZ MELO DE SOUSA

A TOMADA DE DECISÃO APOIADA NO CONTRATO DE

TRABALHO

Salvador

2018

(2)

A TOMADA DE DECISÃO APOIADA NO CONTRATO DE

TRABALHO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia.

Orientadora: Prof. Ma. Adriana Brasil Vieira Wyzykowski

Salvador

2018

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A TOMADA DE DECISÃO APOIADA NO CONTRATO DE

TRABALHO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel

em Direito, Faculdade de Direito, da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 22 de fevereiro de 2018.

Adriana Brasil Vieira Wyzykowski (orientadora) _________________________

Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

Andréa Presas Rocha (1ª examinadora) _________________________________

Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Universidade Federal da Bahia

Isabela Fadul de Oliveira (2ª examinadora) ______________________________

Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo

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Este trabalho destina-se à análise dos reflexos do Estatuto da Pessoa com Deficiência ou, mais especificamente, do instituto da tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho. Para melhor compreender o tema, fez-se necessário, em primeiro lugar, elucidar, em relação à pessoa com deficiência, a terminologia utilizada, o conceito, as categorias existentes e a evolução histórica do tratamento a ela dispensado. Em seguida, reafirma-se o princípio da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal, basilar da atual política de inclusão social das pessoas com deficiência, da qual faz parte o Estatuto da Pessoa com Deficiência e as diversas alterações por ele trazidas, especialmente no que toca ao sistema de incapacidades. Posteriormente, é realizado o estudo do contrato de trabalho e suas peculiaridades: denominação, conceito, características, classificação e requisitos de validade. Por fim, apresenta-se o instituto da tomada de decisão apoiada, suas características e efeitos. Tecidas todas as considerações necessárias à concreção do objetivo deste trabalho, qual seja a análise dos reflexos da tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho, passa-se à análise da compatibilidade entre os dois institutos, a partir das características próprias de cada um, dada a omissão legislativa nesse aspecto. Ao final, analisa-se a eficácia da tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho em suas três faanalisa-ses: faanalisa-se pré-contratual, fase contratual e fase pós-contratual.

Palavras-chave: Direito do Trabalho, Lei n° 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, tomada de decisão apoiada, contrato de trabalho.

(5)

This study is intended to analyze the reflexes of the Statute of the Person with Disabilities or, more specifically, the institute of the decision-making supported in the contract of employment. In order to better understand the subject, it was first necessary to elucidate, in relation to the disabled person, the terminology used, the concept, the existing categories and the historical evolution of the treatment provided. Subsequently, the principle of equality is reaffirmed, as provided for in art. 5° of the Federal Constitution, the basis of the current policy of social inclusion of persons with disabilities, which includes the Statute of People with Disabilities and the various changes brought about by it, especially with regard to the disability system. Then, the work contract study and its peculiarities are carried out: denomination, concept, characteristics, classification and validity requirements. Next, the institute of supported decision-making is presented, its characteristics and effects. Having pondered all the considerations necessary to achieve the objective of this study, which is the analysis of the reflexes of the decision-making based on the work contract, we proceed to the analysis of the compatibility between the two institutes, based on their own characteristics, due to legislative omission in this matter. Finally, the effectiveness of decision-making supported by the employment contract is analyzed in its three phases: pre-contractual phase, contractual phase and post-contractual phase.

Key words: Labor Law, Law n° 13.146/2015, Disabled Persons Statute, supported decision- making, employment contract.

(6)

Art. CC CC/02 CF/88 CID CIF CLT CTPS EPD ONU OMS PCD STJ Artigo Código Civil Código Civil de 2002 Constituição Federal de 1988

Código Internacional de Doenças e de Problemas relacionados à Saúde Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde Consolidação das Leis do Trabalho

Carteira de Trabalho e Previdência Social Estatuto da Pessoa com Deficiência Organização das Nações Unidas Organização Mundial de Saúde Pessoa com deficiência

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1 INTRODUÇÃO ... 08

2 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 11

2.1 DA ELIMINAÇÃO À INCLUSÃO ... 11

2.1.1 A fase da eliminação ... 12

2.1.2 A fase do assistencialismo ... 13

2.1.3 A fase da integração ... 14

2.1.4 A fase da inclusão ... 15

2.2 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 16

2.2.1 Terminologia ... 16

2.2.2 Conceito ... 20

2.2.3 Categorias de deficiência ... 23

2.3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS ... 26

2.4 A CAPACIDADE CIVIL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ... 31

2.4.1 A teoria da incapacidade nos Códigos Civis de 1916 e 2002 ... 31

2.4.2 As alterações trazidas pelo Estatuto ... 36

3 O CONTRATO DE TRABALHO ... 40

3.1 DENOMINAÇÃO ... 40

3.2 CONCEITO ... 42

3.3 CARACTERÍSTICAS ... 45

3.3.1 Trabalho por pessoa física ... 46

3.3.2 Pessoalidade ... 48

3.3.3 Onerosidade ... 50

3.3.4 Permanência ou não eventualidade ... 52

3.3.5 Subordinação ... 56

3.4 CLASSIFICAÇÃO ... 59

3.5 REQUISITOS DE VALIDADE ... 61

3.5.1 Agente capaz ... 61

3.5.2 Objeto lícito, possível e determinado ou determinável ... 63

3.5.3 Forma prescrita ou não defesa em lei ... 65

(8)

4 A TOMADA DE DECISÃO APOIADA E O CONTRATO DE TRABALHO ... 72

4.1 A TOMADA DE DECISÃO APOIADA ... 72

4.1.1 Conceito ... 75

4.1.2 Características ... 77

4.1.3 Efeitos ... 81

4.2 ANÁLISE DA COMPATIBILIDADE ENTRE A TOMADA DE DECISÃO APOIADA E O CONTRATO DE TRABALHO ... 83

4.2.1 Análise a partir das características do contrato de trabalho ... 83

4.2.2 Análise a partir da classificação do contrato de trabalho ... 85

4.2.3 Análise a partir dos requisitos de validade do contrato de trabalho ... 86

4.3 A EFICÁCIA DO TERMO DE APOIO NO CONTRATO DE TRABALHO ... 88

4.3.1 Fase pré-contratual ... 88

4.3.2 Fase contratual ... 91

4.3.3 Fase pós-contratual ... 92

5 CONCLUSÕES ... 94

(9)

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, a pessoa com deficiência (PCD) sempre foi tratada como incapaz (com algumas variações, ao longo do tempo, em relação à terminologia e ao grau de incapacidade), sob o argumento da sua proteção, porém com claros prejuízos à sua autonomia e, até mesmo, à sua dignidade. Todavia, a sociedade está em constante transformação estrutural e ideológica, e, mais recentemente, em 2007, a necessidade de alterar a forma como eram tratadas as pessoas com deficiência culminou na assinatura da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 186, de 9 de julho de 2008, na forma do art. 5°, §3°, da Constituição Federal de 1988, isto é, com status de emenda constitucional, e promulgados pelo Decreto n° 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência1.

A referida Convenção, cujo texto foi fruto de reivindicações das próprias pessoas com deficiência, representou grande avanço nas questões terminológica e conceitual. Além disso, garantiu às pessoas com deficiência liberdades e direitos humanos universais, embora, por sua própria natureza normativa, através de previsões genéricas. Por essa razão, o Brasil, ao ratificá-la, comprometeu-se a implementar medidas para dar efetividade àqueles direitos.

Com esse objetivo é que foi publicada, em 07 de julho de 2015, a Lei n° 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, com vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias, cujo art. 1°, caput, consagra a destinação de assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais pela pessoa com deficiência, visando à sua inclusão e cidadania2.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, através do seu art. 115, também alterou o Título IV do Código Civil (CC), que passou a vigorar com a seguinte nomenclatura: Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada. E, logo em seguida, o art. 116 do referido Estatuto

1 GAGLIANO, Pablo Stolze. É o fim da interdição. In: Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 2016, 21. Disponível

em: http://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:V_uCL-NZEoQJ:scholar.google.com/+%C3%89+o+fim+da+interdi%C3%A7%C3%A3o&hl=pt-PT&as_sdt=0,5. Acesso em: 30 out. 2017.

2 BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência

(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 04 nov. 2017.

(10)

acrescentou ao Título IV do Livro IV da Parte Especial do Código Civil o Capítulo III, denominado “Da Tomada de Decisão Apoiada”, para regular este novo instituto jurídico3.

Dentre as normas que regulam a tomada de decisão apoiada, não existe, no entanto, previsão acerca da sua aplicabilidade ao Direito do Trabalho. Consequentemente, diversos questionamentos surgem acerca da compatibilidade entre o termo de apoio e compromisso, instrumento da tomada de decisão apoiada, e o contrato de trabalho, ainda mais por ser este um contrato dotado de peculiaridades. Portanto, faz-se necessário analisar a compatibilidade entre a tomada de decisão apoiada e o contrato de trabalho, a fim de levantar questões relevantes e ainda pouco debatidas no cenário jurídico brasileiro, o que será feito a partir de uma revisão de literatura sobre ambos os institutos.

O método utilizado será o indutivo, que consiste em um raciocínio por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas.

Em um primeiro momento, elucidar-se-á, quanto às pessoas com deficiência, a evolução história do tratamento a elas dispensado, a terminologia atualmente utilizada, o conceito vigente no ordenamento jurídico brasileiro e as categorias de deficiência, para, a partir daí, identificar os indivíduos que integram esse grupo de pessoas e que, consequentemente, poderão valer-se das prerrogativas previstas no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Em seguida, será analisado, sob o enfoque legal e doutrinário, o princípio da igualdade, em seus aspectos formal e material, bem como o papel das ações afirmativas na promoção da igualdade e da inclusão social das pessoas com deficiência. Além disso, será apresentada, como parte do regime jurídico especial destinado à proteção da pessoa com deficiência, a teoria da incapacidade, sua regulamentação nos Códigos Civis de 1916 e 2002 e as alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Já o segundo momento será destinado a destrinchar o contrato de trabalho. Assim, serão tecidas breves noções acerca da denominação adequada, do conceito mais amplamente aceito, das características (trabalho por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, permanência ou não eventualidade e subordinação), da classificação e dos requisitos de validade do contrato de trabalho (agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei e vontade livre e desembaraçada). Neste ponto, também será abordada a teoria das nulidades trabalhistas.

3 BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência

(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 04 nov. 2017.

(11)

Em seguida, identificada a pessoa com deficiência e traçadas as mais relevantes noções acerca do contrato de trabalho e suas particularidades, serão analisados os reflexos do dispositivo da tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho, partindo da apresentação desse novo instituto jurídico, seu conceito, características e efeitos.

Desvendadas as principais nuances da tomada de decisão apoiada, surgem diversos questionamentos acerca da sua compatibilidade com o contrato de emprego, especialmente no diz respeito à possibilidade de produção de efeitos em relação a terceiros, conforme determina o art. 1.783-A, §5º, do Código Civil, tendo em vista que o empregador é um perfeito exemplo de terceiro cuja esfera jurídica sofre repercussões da tomada de decisão apoiada.

Dessa forma, o último momento enfocará a eficácia da tomada de decisão apoiada nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual do contrato de trabalho. Esse tópico possui como objetivo, ainda, constatar que o uso do termo de apoio e compromisso na área trabalhista é possível e até mesmo vantajoso para o empregado e para o empregador.

(12)

2 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Antes de analisar os reflexos do Estatuto da Pessoa com Deficiência ou, mais especificamente, da tomada de decisão apoiada no contrato de trabalho, é necessário identificar os indivíduos que integram o grupo de pessoas com deficiência e que, consequentemente, poderão valer-se das prerrogativas previstas no referido diploma legal, aqui incluída a tomada de decisão apoiada. Assim, serão desvendadas, incialmente, a evolução história do tratamento a elas dispensado e, em seguida, a terminologia atualmente utilizada, o conceito de pessoa com deficiência vigente no ordenamento jurídico brasileiro e as categorias de deficiência.

Também será analisado, para melhor entender o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o princípio da igualdade, em seus aspectos formal e material, e o papel das ações afirmativas na promoção da igualdade e da inclusão social das pessoas com deficiência. Além disso, será apresentada, como parte do regime jurídico especial destinado à proteção da pessoa com deficiência, a teoria da incapacidade, sua regulamentação nos Códigos Civis de 1916 e 2002 e as alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.

2.1 DA ELIMINAÇÃO À INCLUSÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, em seu art. 5°, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza4. Mas esta nem sempre foi a regra, mesmo porque a noção de igualdade, que baliza o tratamento dado às pessoas com deficiência, varia de uma sociedade para outra ao longo do tempo.

Desde os primórdios, a pessoa com deficiência foi relegada à margem da sociedade, por ser considerada um indivíduo indesejável ao bem-estar e desenvolvimento social, devendo, por isso, ser eliminada ou excluída, por meio de simples confinamento ou através de tratamentos em estabelecimentos igualmente isolantes. Além disso, a pessoa com deficiência sempre foi tratada como incapaz (com algumas variações, ao longo do tempo, em relação à terminologia e ao grau de incapacidade), por vezes sob o argumento louvável de proteção, porém com claros prejuízos à sua autonomia e, até mesmo, à sua dignidade5.

As fases históricas do tratamento destinado à pessoa com deficiência são divididas em fase da eliminação, fase do assistencialismo, fase da integração e fase da inclusão, que serão

4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 01 nov. 2017.

(13)

abordadas pormenorizadamente. Ressalte-se, desde logo, que não se trata de fases rigidamente situadas em períodos da história, mas marcadas pela preponderância de determinado tratamento sobre os demais, com avanços e retrocessos em cada uma delas6, de modo que se considera, para a divisão, as seguintes características mais marcantes de cada período.

2.1.1 A fase da eliminação

A primeira fase é a fase da eliminação ou eugenia. A palavra eugenia vem do grego “eugenes” (eu = bem; genes = nascido) e quer dizer “Ciência que busca pesquisar o processo de aprimoramento genético da espécie humana”7.

Embora tenha marcado de forma menos acentuada a Idade Média, a era moderna (notadamente com a dogmática biologista do nazifascismo) e a pós-moderna (vide a adoção de abortos preventivos), a fase da eliminação ou eugenia preponderou na Antiguidade Clássica. Nessa época, a noção de igualdade estava atrelada a uma justiça distributiva e retificadora ou corretiva, segundo a qual a deficiência tinha um caráter de penalidade imposta pelos deuses em função dos pecados cometidos pela pessoa com deficiência ou seus ascendentes, naquela vida ou em vidas passadas8.

Ainda, o tratamento dispensado à pessoa com deficiência não poderia ser igualitário em relação às demais, já que, segundo a visão organicista da sociedade, a sua existência ia de encontro aos interesses e necessidades da polis, que deveriam prevalecer sobre o bem-estar e até mesmo a sobrevivência individual9.

Por essas razões, as pessoas com deficiência eram excluídas da sociedade e, em muitas das cidades antigas, destinadas pela própria lei à eliminação, se possível, ainda quando crianças. Convém ressaltar, entretanto, que o mesmo Estado grego que doutrinava a morte das crianças “defeituosas” conferia aos guerreiros feridos e seus familiares proteção e vantagens diversas, tais como o fornecimento de alimentação10.

Assim, na Antiguidade Clássica, valorizava-se a deficiência adquirida no campo de batalha, recompensando os esforços dos que foram mutilados na guerra, mas as crianças

6 LORENTZ, Lutiana Nacur. A norma da igualdade e o trabalho das pessoas portadoras de deficiência: (à luz da

Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, de 2006, e do Estatuto das Pessoas com Deficiência - Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015). 2. ed. São Paulo: LTr, 2016.

7 “Eugenia”, in Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/eugenia-2/. Acesso em:

06 nov. 2017.

8 LORENTZ, op. cit., p. 92. 9 Ibidem, p. 98.

10 MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional

(14)

nascidas deficientes eram atiradas do alto de precipícios, uma vez consideradas empecilhos à sobrevivência do grupo e ao desenvolvimento da sociedade.

2.1.2 A fase do assistencialismo

A segunda fase é a fase do assistencialismo. Afirma Maria Salete Fábio Aranha que, nessa fase, preponderante da era cristã ao período medieval, “todos passaram a ser igualmente considerados filhos de Deus, possuidores de uma alma e portanto merecedores do respeito à vida e a um tratamento caridoso”11. As pessoas com deficiência passaram a ser chamadas “as crianças do bom Deus”, o que demonstra a superação da coisificação característica da fase anterior, mas, ao mesmo tempo, o rebaixamento ao status de criança, dependente12.

Com efeito, a sociedade ainda confundia a deficiência com um castigo divino, porém, tendo em vista que matar era considerado pecado, e considerando a piedade, a culpa e a caridade cristãs, foi feita a opção pelo assistencialismo. Assim, as pessoas com deficiência passaram a ser segregadas em hospitais, casas de saúde, asilos, paróquias e afins, onde recebiam tratamento, normalmente por clérigos e outros religiosos13.

Tal tratamento, no entanto, implicava negação da deficiência, autodepreciação e uma extrema dependência das pessoas com deficiência em relação à sociedade, uma vez que a política assistencialista lhes era imposta. Além disso, remanescia a desigualdade entre as pessoas com deficiência, consideradas inferiores, objeto de piedade, e as pessoas ditas “normais”, que prestavam assistência àquelas baseadas em culpa e pecado14.

Assim, a fase do assistencialismo representou um avanço no tratamento destinado às pessoas com deficiência, tendo em que vista que passaram a ser enxergadas como seres humanos, porém a assistência a elas prestada continuou sendo uma forma de eliminação, senão fisicamente, visualmente, pois restavam isoladas das demais.

11 ARANHA, Maria Salete Fábio. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. Revista

do Ministério Público do Trabalho, 2001, 11.21: 160-173. Disponível em: http://devotuporanga.edunet.sp.gov.br/OFICINA/Educa%C3%A7%C3%A3oEspecial_PARADIGMAS_DA_RE LA%C3%87%C3%83O_DA%20SOCIEDADE_COM%20_AS_PESSOAS_COM_DEFICI%C3%8ANCIA_19a bril_2012.pdf. Acesso em: 30 out. 2017.

12 LORENTZ, op. cit., p. 108. 13 Ibidem.

(15)

2.1.3 A fase da integração

A terceira fase histórica do tratamento destinado às pessoas com deficiência é a chamada fase da integração, que se iniciou na época do Renascimento (entre o fim do século XIV e o início do século XVII). Chama-se fase da integração porque, nela, objetivava-se o convívio da pessoa com deficiência com o resto da sociedade, convívio que, no entanto, somente se daria após o tratamento e a cura da pessoa com deficiência15.

A fase da integração foi consequência direta das contribuições da medicina e da ciência em geral, que desmistificaram a ideia de deficiência como penalidade divina e, ainda, trouxeram à tona a preocupação de dar a essas pessoas com deficiência um atendimento médico-científico, mais especializado, não meramente assistencial. Foi, inclusive, nessa fase que Louis Braille aprimorou o alfabeto que até os dias de hoje permite às pessoas com deficiência visual a leitura e a escrita, através da combinação de pontos em relevo sobre uma superfície16.

Em contrapartida, merecem destaque alguns equívocos no novo tratamento destinado às pessoas com deficiência. O primeiro deles diz respeito à necessidade de tratar, medicinalmente, a pessoa com deficiência para, somente então, inseri-la na sociedade. Essa ideia traz consigo a noção de deficiência como doença, quando, na verdade, trata-se de uma condição inerente à pessoa, que demanda não a cura ou a normalização, mas a adaptação da sociedade, conforme veremos mais adiante, ao conceituar pessoa com deficiência.

O segundo equívoco está no fato de que, sendo evidente a ineficácia do tratamento médico destinado às pessoas com deficiência, já que não se trata de doença, estas passavam o resto de suas vidas confinadas nas chamadas escolas especiais, onde recebiam o tratamento, de modo que não houve profunda mudança da fase do assistencialismo para a fase da integração quanto ao isolamento desse grupo de pessoas. Não à toa, afirma Maria Salete Fábio Aranha que “O primeiro hospital psiquiátrico surgiu nessa época e se proliferou, mas da mesma forma que os asilos e conventos, eram lugares para confinar, ao invés de tratar as pessoas. Tais instituições eram pouco mais do que prisões”17, o que demonstra a continuidade da prática de confinamento

das pessoas com deficiência.

Este quadro, contudo, estava prestes a mudar com o início da fase da inclusão, na qual o convívio com a pessoa com deficiência passou a ser um objetivo mais concreto.

15 LORENTZ, op. cit., p. 116.

16 Biografia de Louis Braille. Disponível em:

http://www.projetoacesso.org.br/site/index.php/deficiencia-visual-conceituacao/braille/biografia-louis-braille. Acesso em: 15 jan. 2018.

(16)

2.1.4 A fase da inclusão

A quarta e última fase é a fase da inclusão, que se inicia após a Segunda Guerra Mundial na Europa e nos Estados Unidos, e, no Brasil, a partir da década de 1980. Nas sociedades pós-modernas, a partir da Segunda Guerra Mundial, passou a prevalecer o entendimento de que o direito não se justifica por intermédio de Deus, da natureza ou da tradição, mas sim através da ponderação entre os vários princípios, entre eles o da igualdade, a ser explorado no tópico 2.3.1. Isto porque seria esta – a ponderação de princípios – a única forma de compatibilizar os diversos projetos de vida concomitantes numa sociedade complexa e multicultural como a brasileira18.

Quanto à pessoa com deficiência, no Brasil, a principiologia da Constituição Federal de 1988 foi notadamente inclusiva no que concerne ao trabalho e à educação, e não assistencialista, o que se percebe tanto pela adoção de princípios de não discriminação negativa das pessoas com deficiência, quanto pela adoção de ações afirmativas no direito material. Com efeito, o art. 7°, XXXI, da CF/88 preceitua a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de admissão do trabalhador pessoa com deficiência”, assim como o art. 37, VIII, determina que “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e definirá os critérios de sua admissão”19.

Diferentemente da fase do assistencialismo, na fase da inclusão, a inserção da pessoa com deficiência na sociedade não depende da sua “cura”. O que acontece é justamente o oposto: é a sociedade que deve se “curar”, ou seja, educar-se, adaptar-se às necessidades das pessoas com deficiência. Exemplo disso é a Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que prevê, dentre outras medidas, adaptações de prédios públicos e privados para possibilitar o acesso da pessoa com deficiência20.

Nas palavras de Maria Salete Fábio Aranha21:

A inclusão parte do mesmo pressuposto da integração, que é o direito da pessoa com deficiência ter igualdade de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. Diferem, entretanto, no sentido de que o paradigma de serviços, onde se contextualiza a idéia da integração, pressupõe o investimento principal na promoção de mudanças do indivíduo, na direção de sua normalização. [...] Já o paradigma de suportes, onde se contextualiza a idéia da inclusão, prevê intervenções decisivas e incisivas, em ambos os lados da

18 LORENTZ, op. cit., p. 122.

19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 01 nov. 2017.

20 BRASIL. Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a

promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm. Acesso em: 09 nov. 2017.

(17)

equação: no processo de desenvolvimento do sujeito e no processo de reajuste da realidade social.

Além disso, no processo de tratamento, adaptação e/ou readaptação da pessoa com deficiência, que ocorre simultaneamente à sua inserção na sociedade, e não como pressuposto, ela “deve ser um agente condutor de sua autonomia e não mero recebedor passivo de prestações alheias”22, em outras palavras, “um sujeito ativo de todo o processo de sua própria emancipação

social, independência no trabalho, econômica etc”23.

Assim, busca-se a aceitação da pessoa com deficiência em lugar da mera tolerância, aceitação esta que implica a convivência com a diversidade e o fornecimento, pelas entidades públicas e privadas, de instrumentos arquitetônicos, jurídicos e sociais que propiciem à pessoa com deficiência maior autonomia.

2.2 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Feito um breve escorço histórico do tratamento destinado à pessoa com deficiência, emerge a necessidade de apresentar a sua atual definição. Para tanto, importa abordar a terminologia utilizada, o conceito de pessoa com deficiência vigente no ordenamento jurídico brasileiro, tópico em que serão exploradas algumas das alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, e as categorias de deficiência atualmente reconhecidas.

2.2.1 Terminologia

A terminologia utilizada para se referir à pessoa com deficiência é uma questão constantemente abordada nos livros, artigos científicos e demais produções literárias acerca do tema, com vistas a sanar a imprecisão terminológica que prejudica a exposição, a compreensão e, consequentemente, a construção do conhecimento científico.

Todavia, não se pode olvidar o fato de que a escolha da expressão mais adequada, assim como a definição do que vem a ser uma pessoa com deficiência, como será visto mais adiante, é uma questão subjetiva, na medida em que cada uma das expressões comumente utilizadas para se referir à pessoa com deficiência traz consigo uma carga semântica e também uma carga social que podem gerar conotações diferentes quando contrapostas ou a partir das impressões pessoais de cada intérprete.

22 LORENTZ, op. cit., p. 131. 23 Ibidem, p. 133.

(18)

Além disso, a terminologia utilizada para se referir à pessoa com deficiência assume contornos diversos de acordo com os valores vigentes na sociedade em cada época, de modo que algumas expressões realçam a incapacidade da pessoa com deficiência, enquanto outras ressaltam o conceito de pessoa, sugerindo a valorização do ser humano em detrimento da deficiência; outras, ainda, preferem não se referir diretamente à deficiência, utilizando-se, em nome do politicamente correto, de um eufemismo24.

Assim é que essas pessoas já foram chamadas, ao longo da história, de “inválidas”, “incapacitadas”, “defeituosas”, “deficientes”, “excepcionais”, “pessoas deficientes”, “pessoas portadoras de deficiência”, “pessoas com necessidades especiais”, “pessoas especiais”, “pessoas com deficiência” e, ainda, “portadores de direitos especiais”, o que resultou na atual diversidade terminológica dentro do ordenamento jurídico brasileiro25.

A Emenda Constitucional de 1969 referiu-se às pessoas com deficiência como “excepcionais”26. Essa expressão, embora possa ser encontrada nos dicionários com conotação

positiva, também carrega uma conotação pejorativa, uma vez que trata como anormal a pessoa com deficiência. Além disso, essa expressão foi bastante vinculada às pessoas com deficiência mental, restando, pois, insuficiente para denominar o grupo de todas as pessoas com algum tipo de deficiência. Nesse sentido, afirma Luiz Alberto David Araújo que a referida expressão “não tem grande aceitação para cuidar de deficiências físicas ou de deficiência do metabolismo. Seria difícil, por exemplo, chamarmos um portador do vírus da imunodeficiência humana de excepcional”27.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, em diversas passagens, consagrou a expressão “pessoa portadora de deficiência”, vide, apenas a título de exemplo, os arts. 23, II, 37, VIII, e 203, IV da carta constitucional28. A atitude do legislador constituinte, influenciada pelo Movimento Internacional de Pessoas com Deficiência, foi louvável, na medida em que, com a inclusão do conceito de pessoa na expressão, o foco passou a residir no ser humano e

24 ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 4. ed. Brasília:

CORDE, 2011, p. 15. Disponível em

http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/a-protecao-constitucional-das-pessoas-com-deficiencia_0.pdf. Acesso em: 01 nov. 2017.

25 SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência. SASSAKI, RK Vida independente;

História, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003, 12-16, p. 01-05. Disponível em: http://www.saberes.com.br/congressoSalto/oficinas/of-3-e-9-/Terminologia-de-deficienciaII-Romeu-sassaki.pdf. Acesso em: 30 out. 2017.

26 BRASIL. Emenda Constitucional n° 01, de 17 de outubro de 1969. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm. Acesso em: 02 nov. 2017.

27 ARAÚJO, op. cit., p. 15.

28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em

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não na deficiência. Em contrapartida, ter uma deficiência passou a ser considerado um valor agregado à pessoa, quando, na verdade, a deficiência faz parte do seu ser, no entendimento mais atual. O autor Sassaki29 melhor explica:

A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra ‘portadora’ como substantivo e como adjetivo. A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo ‘portar’ como o substantivo ou o adjetivo ‘portadora’ não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que faz parte da pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa é portadora de olhos verdes ou pele morena.

Assim, a despeito do avanço alcançado pela Constituição Federal de 1988 no que concerne à terminologia, não houve a consagração de uma expressão, de modo que alguns textos legais infraconstitucionais continuaram empregando expressões outras, mesmo aquelas consideradas pejorativas. É o caso da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais e traz em seu bojo, repetidamente, a expressão “inválido”30.

Propôs-se, então, alternativamente, o uso da expressão “pessoa com necessidades especiais”. Esta, todavia, trouxe novamente à tona a questão da insuficiência terminológica, desta vez porque a expressão abrange outras categorias de pessoas com necessidades especiais, além das pessoas com deficiência, como os obesos, os idosos, as crianças e os adolescentes31.

Finalmente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 06 de dezembro de 2006 e ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n° 186, de 09 de julho de 200832, e do Decreto Presidencial n°

6.949, de 25 de agosto de 200933, adotou, em seu art. 1°, a expressão “pessoa com deficiência”, que se consagraria no plano internacional e também nacional.

A adoção dessa nomenclatura foi fruto da reivindicação de porta-vozes das pessoas com deficiência, que tinham, com isso, os objetivos expressos de a) não esconder ou camuflar a deficiência; b) não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência; c)

29 SASSAKI, op. cit., p. 06.

30 BRASIL. Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis

da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm. Acesso em: 01 nov. 2017.

31 LORENTZ, op. cit., p. 168.

32 BRASIL. Decreto Legislativo n° 186, de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm. Acesso em: 06 nov. 2017.

33 BRASIL. Decreto n° 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 06 nov. 2017.

(20)

mostrar com dignidade a realidade da deficiência; d) valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; e) combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas dEficientes”, “pessoas especiais”, “é necessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos” e “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia”; f) defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência, atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; g) identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelo ambiente humano e físico contra as pessoas com deficiência)34.

De fato, a referida Convenção, ao adotar a expressão “pessoa com deficiência”, não só manteve o conceito de pessoa em destaque, mas também afastou a noção de deficiência como doença ou valor agregado, o que estava bastante presente na expressão “pessoa portadora de deficiência”, e substituiu o uso de outras expressões mais genéricas, tais como “pessoa com necessidades especiais”, que abarcavam categorias de pessoas além do pretendido35.

Frise-se que o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi ratificado, através do Decreto Legislativo n° 186, de 09 de julho de 2008, com força de emenda constitucional, uma vez aprovado em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, conforme preceitua o §3º do art. 5º da Constituição Federal36.

Embora deva ser acolhida toda terminologia que ressalte mais as diferenças do que as deficiências da pessoa, evidenciando-a como o ser humano detentor de direitos que é, por todos os argumentos expostos, a expressão “pessoa com deficiência” consagrou-se, merecidamente, no ordenamento jurídico brasileiro e será também utilizada no presente trabalho.

34 SASSAKI, op. cit., p. 05-06. 35 LORENTZ, op. cit., p. 169.

36 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O novo conceito constitucional de pessoa com deficiência: um ato de

coragem. Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/78834/2012_fonseca_ricardo_novo_conceito.pdf?sequence=. Acesso em: 30 out. 2017.

(21)

2.2.2 Conceito

Ultrapassada a questão terminológica, resta agora definir os contornos da expressão escolhida, isto é, o conceito de pessoa com deficiência. Quem pode ser assim considerado? Responder a esta pergunta é uma tarefa complexa, pois se trata de conceito amplo, tendo em vista os inúmeros fatores que podem gerar uma condição de deficiência.

Como dito no tópico anterior, definir o que vem a ser uma pessoa com deficiência é uma questão subjetiva, pois o conceito envolve, além do significado gramatical das palavras, uma forte carga social. Significa dizer que a questão não diz respeito apenas à deficiência, assim entendida como “perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente”37, mas também às restrições sociais que podem vir a

sofrer os indivíduos que a possuam.

Quanto à relação entre a amplitude conceitual e a falta de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, Sandro Nahmias Melo38 alerta:

Fizemos essa ressalva quanto à amplitude conceitual como uma advertência para aqueles que pretendem classificar as pessoas portadoras de deficiência em fórmulas estanques, inflexíveis. As hipóteses que podem se apresentar no plano concreto do nosso cotidiano são muito mais férteis que a criatividade dos legisladores e doutrinadores. Por isso, entendemos que o conceito de pessoa portadora de deficiência deve ser, com base em critérios razoáveis e sensatos, o mais amplo possível. Centrado, não apenas nas eventuais limitações físicas, mentais ou sensoriais, mas, também, nas limitações sociais.

O reconhecimento da carga social presente no conceito de pessoa com deficiência, todavia, é recente. No plano internacional, a Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 09 de dezembro de 1975, ainda apresentava um conceito de pessoa com deficiência calcado nas limitações atreladas à condição médica: “o termo ‘pessoas deficientes’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”39.

37 AMIRALIAN, Maria LT, et al. Conceituando deficiência. In: Revista de Saúde Pública, 2000, 34.1: 97-103. p.

03. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v34n1/1388. Acesso em: 30 out. 2017.

38 MELO, op. cit., p. 43.

39 ONU. Resolução n° 2.542/75. Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em:

http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pd f. Acesso em: 02 nov. 2017.

(22)

Da mesma forma, a Convenção n° 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1° de junho de 1983, cujo art. 1.1 prevê40:

Para efeito desta Convenção, entende-se por ‘pessoa deficiente’ todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada.

No plano nacional, o Decreto n° 914, de 06 de setembro de 1993, trouxe, pela primeira vez, a definição de pessoa com deficiência, in verbis41:

Art. 3° Considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

O Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamentando a Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para integração da pessoa portadora de deficiência, foi além, na medida em que especificou os critérios para a caracterização da deficiência. Da leitura dos seus arts. 3° e 4°42, observa-se que o referido Decreto, embasado na

conceituação adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), representou um grande

40 BRASIL. Convenção nº 159 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de 09 de outubro de 1998, sobre

Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0129.htm. Acesso em: 03 nov. 2017.

41 BRASIL. Decreto n° 914, de 06 de setembro de 1993. Institui a Política Nacional para a Integração da Pessoa

Portadora de Deficiência, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0914.htm. Acesso em: 02 nov. 2017.

42 Art. 3° Para efeitos deste Decreto, considera-se: I - deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura

ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o er humano; II - deficiência permanente - aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e III - incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. Art. 4° E considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; IV - deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f) lazer; e g) trabalho; V - deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências. BRASIL. Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em: 02 nov. 2017.

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avanço não somente na caracterização da pessoa com deficiência, mas também ao distinguir deficiência e incapacidade, tendo esta como uma consequência não necessária daquela.

A despeito disso, somente com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é que foi inserido no ordenamento jurídico, tanto no plano internacional quanto no plano nacional, um conceito social de pessoa com deficiência. Introduzindo este conceito, adverte a letra “e” do Preâmbulo43:

[...] que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Assim, o art. 1° da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tem a seguinte redação44:

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

A referida Convenção ainda merece o mérito de ter superado o modelo médico do Código Internacional de Doenças e de Problemas relacionados à Saúde (CID) e passado a adotar, concomitantemente, a Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde (CIF), que complementa o registro da enfermidade, pelo CID, com informações acerca de funcionalidade, destacando, assim, o potencial da pessoa com deficiência45.

O art. 2° da Lei n° 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 06 de julho de 2015, reproduziu o conceito acima transcrito, reiterando a sua validade no ordenamento jurídico brasileiro (pois já havia sido inserido através da ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência).

Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência definiu, em seu art. 2°, §1°, os critérios para a avaliação biopsicossocial, a ser feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar, quando necessário. São eles os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição

43 BRASIL. Decreto Legislativo n° 186, de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm. Acesso em: 06 nov. 2017.

44 Ibidem.

(24)

de participação46, o que demonstra o reconhecimento da amplitude da conceituação de pessoa com deficiência e da necessidade de analisar as circunstâncias do caso concreto para constatar a existência dessa condição, nos termos do conceito apresentado.

Finalmente, o novo conceito de pessoa com deficiência, constitucionalmente adotado pelo Brasil por força da ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e reproduzido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, superou os critérios meramente médico e assistencialista dos conceitos anteriores e reconheceu que a deficiência deve ser avaliada a partir da sociedade 47, ressaltando, assim, a necessidade de superar as barreiras sociais, políticas, tecnológicas e culturais.

2.2.3 Categorias de deficiência

Os arts. 4° do Decreto no 3.298, de 20 de dezembro de 199948, e 5°, §1°, do Decreto n°

5.296, de 02 de dezembro de 200449, com mesma redação, definem cinco categorias de deficiência – física, auditiva, visual, mental e múltipla:

É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que

46 BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência

(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 04 nov. 2017.

47 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O novo conceito constitucional de pessoa com deficiência: um ato de

coragem. Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/78834/2012_fonseca_ricardo_novo_conceito.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 out. 2017.

48 BRASIL. Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei n° 7.853, de 24 de outubro de 1989,

dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em: 02 nov. 2017.

49 BRASIL. Decreto n° 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de

2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 08 nov. 2017.

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significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60°; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV - deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança;

f) lazer; e g) trabalho;

V - deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências.

Tais artigos, anteriores à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e também ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, não foram revogados, expressa ou tacitamente. Todavia, devem ser interpretados de acordo com o novo conceito de pessoa com deficiência, que considera as dificuldades de interação com o meio físico e social.

Assim, por exemplo, entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a visão monocular (capacidade de visão em apenas um dos olhos), embora não abarcada pelo conceito de deficiência visual trazido pelos Decretos nos 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e 5.296, de 02 de dezembro de 2004, pode ser enquadrada como uma deficiência. Nesse sentido, vide o enunciado de Súmula n° 377 do STJ: “O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”50.

Da mesma forma, entende o referido Tribunal que a perda auditiva unilateral pode ser enquadrada como uma deficiência, desde que, nos termos do art. 2°, caput e §1°, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a avaliação biopsicossocial feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar constate que a condição do indivíduo, “em interação com diversas barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”51.

Por último, quanto à deficiência mental, preveem os Decretos nos 3.298, de 20 de

dezembro de 1999, e 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que sua manifestação se dá antes dos 18 (dezoito) anos de idade. Todavia, hoje, entende-se perfeitamente possível a caracterização, através de laudo pericial, da deficiência mental após essa idade, em decorrência de um acidente,

50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 377. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27377%27).sub. Acesso em: 08 nov. 2017.

51 BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência

(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em:

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por exemplo, uma vez constatados todos os requisitos constantes do novo conceito de deficiência52. Nesse sentido, já reconheceu a 16ª Vara Federal do Distrito Federal, na Ação Civil Pública n° 0064350-31.2011.4.01.3400, que a deficiência mental pode ser adquirida posteriormente, determinando à União que se abstivesse de dar efetividade à exigência constante dos arts. 4º do Decreto-Lei n° 3.298/89 e 5º do Decreto n° 5.296/04, qual seja, a necessidade de comprovação, pelos habilitandos ao Passe Livre com fundamento em deficiência mental, de que são portadores da deficiência desde momento anterior à idade de 18 (dezoito) anos53.

Além disso, conclui-se do novo conceito de pessoa com deficiência que os arts. 4° do Decreto n° 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e 5°, §1°, do Decreto n° 5.296, de 02 de dezembro de 2004, trazem um rol meramente exemplificativo das categorias de deficiência. Afinal, como já foi dito no tópico anterior, trata-se de conceito amplo, cujas hipóteses fogem à criatividade do legislador e, por isso, devem ser analisadas no caso concreto.

Um exemplo de deficiência que somente pôde ser enquadrada como tal com o advento do novo conceito de pessoa com deficiência é a dos chamados superdotados. Segundo Ana Claudia Vieira de Oliveira Ciszewski, são eles:

[...] os indivíduos possuidores de habilidades relevantes em níveis significativamente acima daquelas das pessoas em geral, habilidade que podem ser definidas a partir de escores em testes. Onde não exista teste reconhecido, pode-se presumir que os laudos periciais acerca das qualidades criativas de originalidade e imaginação demonstradas seriam o critério. Assim, existem superdotados em inteligência, criatividade, sociabilidade e liderança, psicomotricidade, artes plásticas, drama, música, habilidades acadêmicas, etc54.

Ainda segundo a autora, os superdotados, desde a primeira infância, precisam ser estimulados adequadamente para que a sua inteligência acima da média não seja usada “para fins destrutivos ou marginais”, ou mesmo para que não lhe acarrete um tratamento diferenciado negativo, causando-lhe, de uma forma ou de outra, dificuldade de integração social. Por isso, defende Alexsandro Rahbani Aragão Feijó que “os superdotados que apresentam problemas graves de integração social decorrentes de uma aguçada sensibilidade ou de uma dificuldade de expressão emocional, devem ser incluídos como portadores de deficiência mental”55.

52 LORENTZ, op. cit., p. 173.

53 DISTRITO FEDERAL. 16ª Vara Federal. Ação Civil Pública n° 0064350-31.2011.4.01.3400. Disponível em:

http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php. Acesso em: 15 jan. 2018.

54 CISZEWSKI, Ana Claudia Vieira de Oliveira. O trabalho da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: LTr,

2005, p. 31.

55 FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão. Direitos humanos e proteção jurídica da pessoa portadora de deficiência:

normas constitucionais de acesso e efetivação da cidadania à luz da Constituição Federal de 1988. Brasília:

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Conclui-se, dessa forma, que, embora previstas nos arts. 4° do Decreto no 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e 5°, §1°, do Decreto n° 5.296, de 02 de dezembro de 2004, as categorias de deficiência – física, auditiva, visual, mental e múltipla – devem ser interpretadas de acordo com o atual conceito de pessoa com deficiência.

2.3 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

Dentre os direitos e garantias fundamentais arrolados no art. 5° da Constituição Federal de 1988, faz-se necessário destacar o direito fundamental à igualdade, dada a sua relação com os direitos e garantias específicos da pessoa com deficiência.

A norma da igualdade está consubstanciada no art. 5°, caput, da CF/88, segundo o qual “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”56.

Da leitura do referido artigo, nota-se que o mandamento isonômico não se encontra nivelado aos demais direitos e garantias fundamentais individuais, mas assume o cabeçalho deste vasto rol. Apresenta-se, pois, como regra, vide, apenas a título de exemplo, os arts. 1°, 3°, IV, 5°, caput e I, e 37 da CF/88, e também como princípio constitucional, que deve, por sua própria natureza, condicionar todo o ordenamento jurídico brasileiro, exercendo as funções interpretativa, normativa própria ou supletiva e normativa concorrente57.

Convergem para este entendimento Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins58:

O atual artigo isonômico teve traslada a sua topografia. Deixou de ser um direito individual tratado tecnicamente como os demais. Passou a encabeçar a lista destes direitos, que foram transformados em parágrafos do artigo igualizador. Essa transformação é prenhe de significação. Com efeito, reconheceu-se à igualdade o papel que ela cumpre na ordem jurídica. Na verdade, a sua função é de um verdadeiro princípio a informar e a condicionar todo o restante do direito. É como se estivesse dito: assegura-se o direito de liberdade de expressão, respeitada a igualdade de todos perante este direito. Portanto, igualdade não assegura nenhuma situação jurídica específica, mas na verdade garante o indivíduo contra má utilização que possa ser feita da ordem jurídica.

56 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em: 01 nov. 2017.

57 ASSIS, Olney Queiroz; POZZOLI, Lafayette. Pessoa portadora de deficiência – direitos e garantias. 2. ed. São

Paulo: Damásio de Jesus, 2005, p. 216.

58 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, lves Gandra. Comentários à Constituição do Brasil – Promulgada em 5

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Para além de prever a igualdade como regra e princípio, a Constituição Federal de 1988 consagra no ordenamento jurídico brasileiro a chamada igualdade material. Significa dizer que a igualdade já não se confunde mais com a legalidade, isto é, que não basta, para a garantia da igualdade, que a lei seja geral, abstrata e genérica. Com efeito, a expressão “igualdade perante a lei”, até então bastante difundida, possui um cunho meramente formal, de abstenção estatal, de generalidade da lei, de aplicação igual da lei para todos, encontrando, diante da realidade social, cultural, econômica e política, inúmeras e incontáveis desigualdades fáticas59.

Atualmente, portanto, a norma da igualdade deve ser traduzida como “igualdade por meio da lei”, tendo em vista a necessidade, para alcançar a sua eficácia plena, de criar regras e princípios que prevejam tratamentos diferenciados para pessoas e grupos que apresentem desigualdades naturais ou sociais em relação ao resto da sociedade.

Tem-se, assim, a norma constitucional da igualdade em um dúplice enfoque: a chamada igualdade formal, no sentido de que o ordenamento jurídico não deve admitir qualquer privilégio aleatório, arbitrário ou caprichoso, tampouco qualquer discriminação nos mesmos moldes, e a chamada igualdade material, que possibilita a diferenciação dos direitos das pessoas e grupos que necessitam de proteção especial, dadas as suas circunstâncias e condições pessoais peculiares60. Nas palavras de Dirley da Cunha Júnior61:

O direito a igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material), pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

Nessa toada, a doutrina reconhece a existência de dois tipos de discriminação: positiva e negativa. A discriminação negativa acontece quando uma pessoa (ou um grupo de pessoas) é submetida a tratamento desigual ou injusto, que culmina em uma segregação social. Joaquim Barbosa esclarece que “a pessoa vítima de discriminação [negativa] é tratada de maneira desigual, menos favorável [...] única e exclusivamente em razão de sua raça, cor, sexo, origem ou qualquer outro fato que a diferencie da maioria dominante”62. Já a discriminação positiva ocorre quando essa mesma pessoa (ou grupo de pessoas) é tratada de forma desigual pelo direito, porém com o objetivo de recompensá-la por aquela situação injusta, buscando assim, a igualdade material.

59 LORENTZ, op. cit., p. 26. 60 MELO, op. cit., p. 107.

61 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 658. 62 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como

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A discriminação positiva pode ser concretizada através das chamadas ações afirmativas, que são mecanismos legais temporários que têm como objetivo o fomento da igualdade material entre os indivíduos de uma sociedade, para tanto tratando de forma desigual os desiguais, isto é, discriminando de forma positiva e legítima aqueles que foram socialmente segregados, para que possam reverter a situação injusta.

Joaquim Barbosa define as ações afirmativas como “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação [...], bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”63.

Por óbvio, tais mecanismos também não podem ser aleatórios, arbitrários, caprichosos, sob pena de se constituírem, ao revés, verdadeiras discriminações negativas. Consoante leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, para constatar, no caso concreto, a ocorrência de uma violação ao princípio da igualdade, é necessário investigar, “de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, [...] se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada”64.

Nesse sentido, o autor Manoel Jorge Silva Neto explica que nem toda discriminação é reprovada pelo ordenamento jurídico constitucional, mas distingue-se em legítima – quando é consumada em virtude de uma situação de fato que a determina – e ilegítima – quando não há correspondência lógica entre o fator de desequiparação utilizado e a circunstância de fato65.

O que a ordem jurídica pretende firmar, a partir do princípio da igualdade, é, portanto, “a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas”66. Significa que o princípio

da igualdade proíbe o tratamento desigual entre pessoas e grupos na mesma situação, e permite o tratamento desigual entre pessoas em situações comprovadamente diferentes, visando à “redução para patamares mais decentes dos níveis extremos de desigualdade presentes na sociedade brasileira, bem como a proteção dos mais débeis, diante da opressão exercida pelos mais fortes no cenário sócio-econômico e cultural”67.

63 GOMES, Joaquim B. Barbosa, op. cit., p. 40.

64 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,

2002. p. 21.

65 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.

539.

66 MELLO, op. cit., p. 18.

67 SARMENTO, Daniel. Políticas de Ação Afirmativa Étnico-Raciais nos Concursos do Ministério Público: o

Papel do CNMP. Disponível em:

Referências

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