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Violência doméstica e familiar contra a mulher: a importância da vitimologia para proteção das vítimas e responsabilização dos agressores

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO GRADUAÇÃO EM DIREITO

GRACIELE PALÁCIO GRAÇA SOBRAL

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO

DOS AGRESSORES.

FORTALEZA 2019

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO DOS

AGRESSORES.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Dr. Raul Carneiro Nepomuceno.

FORTALEZA 2019

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Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

S66v Sobral, Graciele Palácio Graça.

Violência doméstica e familiar contra a mulher : a importância da vitimologia para proteção das vítimas e responsabilização dos agressores / Graciele Palácio Graça Sobral. – 2019.

63 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Violência doméstica. 2. Proteção da mulher. 3. Vitimologia. I. Título.

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER: A IMPORTÂNCIA DA VITIMOLOGIA PARA PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS E RESPONSABILIZAÇÃO DOS

AGRESSORES.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: __/__/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. (a) Dra. Gretha Leite Maia de Messias

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda Geórgia Oliveira Araújo

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Ao meu pai, Geraldo Felismino.

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Ao meu pai, Geraldo Felismino, que representa o meu amor maior de uma vida inteira. São 19 anos sem o senhor, mas não há um só dia em que eu não sinta a sua presença e o seu amor me guiando. Obrigada por ser meu anjo da guarda.

À minha mãe, Conceição, por toda a dedicação a mim e aos meus irmãos. Obrigada por ser meu porto-seguro e minha melhor amiga. Amo você de todo o meu coração.

Aos meus tios, Eudocia e Raimundo, que são como minha mãe e meu pai, bem como aos meus primos/irmãos, Cleyton e Erisvaldo, por terem cuidado de mim com tanto amor. Vocês são, sem dúvidas, um presente de Deus na minha vida. Gratidão por tudo.

Aos meus irmãos Gonçalo e Graziene que são meus maiores orgulhos. Amo tanto vocês, e sinto saudade das nossas implicâncias diárias.

Ao meu irmão Eduardo, por sua amizade e cumplicidade.

Aos meus queridos avós, Chico e Maria, bem como a minha amada avó Gracília.

À minha tia Rita pelo carinho e afeto de sempre, bem como aos meus primos Matheus, Isadora e Luís Guilherme. Amo vocês.

À minha prima Bruna, que tenho como uma irmã de coração, e à minha querida avó Beta.

A todos da minha família que sempre estiveram presentes na minha caminhada, e que tornam a vida tão mais leve e feliz, em especial aos meus sobrinhos amados, Teo, Yan e Bruno, e às minhas cunhadas, Indira, Diana e Brennda, por toda a amizade.

Ao Prof. Dr. Raul Carneiro Nepomuceno, orientador ímpar, grande responsável pelo meu contato com o Direito Penal. Ser sua aluna, monitora, e agora orientanda, foram presentes da graduação para mim. O senhor é um verdadeiro exemplo de dedicação ao magistério.

À Profa. Dra. Gretha Leite Maia, que me deixou muito feliz e honrada por aceitar o convite para participar da minha banca. Seus ensinamentos em Teoria do Direito foram valiosos durante a minha trajetória na graduação.

À Geórgia Oliveira Araújo, que gentilmente aceitou o convite para compor a banca, e me deixou lisonjeada por saber que alguém que nutre a mesma inquietação que eu sobre a condição da mulher, estaria presente na avaliação do meu trabalho.

Ao meu bem, Zenilton, por todo amor e companheirismo.

Às minhas amigas de infância, Bianka, Nalu, Flávia e Letícia, pela cumplicidade e amizade verdadeira durante todos esses anos. Vocês são luz na minha vida.

Aos meus amigos, Bruna Gabrielle e Fernando Paes, por cada momento compartilhado ao longo do curso. Vocês são um dos maiores presentes que a faculdade me proporcionou. Amo vocês.

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tão mais agradáveis. Sempre terei cada um de vocês em meu coração.

Aos amigos, Bruna Kelvia, Clara Marques, João Victor e Maria Taciane, por toda alegria e bons momentos já compartilhados.

Ao meu amigo Gabriel, por toda a ajuda e incentivo em cada projeto, bem como à minha amiga Débora por toda alegria e cumplicidade nos estudos do NECC.

A todos aqueles com quem tive o prazer de trabalhar quando bolsista na Procuradoria da UFC. Aos que conviveram comigo na 12ª Vara da Justiça Federal do Ceará, e que me proporcionaram valiosos aprendizados. Amo cada um de vocês.

Aos funcionários da Xerox, Caio, Xuxu e Marcelo, bem como ao Seu Odir, da Cantina, pela ajuda e pelas boas conversas. Vocês trazem alegria para essa faculdade.

Ao seu Osvaldo, que tanto me apoiou na escolha do tema, bem como a todos os funcionários da Faculdade de Direito que são sempre tão gentis e solícitos.

Às professoras e aos professores da Faculdade de Direito.

Aos meus professores do colégio, em especial à Antonella, a qual me ajudou muito para que eu pudesse alcançar os meus primeiros objetivos acadêmicos.

A todos aqueles com quem tive o prazer de conviver durante a graduação, pelos momentos valiosos de conversa e descontração, que tornaram os meus dias de estudo e trabalho tão mais gratificantes.

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amar-se em sua força e não em sua fraqueza; não para fugir de si mesma, mas para se encontrar; não para se renunciar, mas para se afirmar, nesse dia então o amor tornar-se-á para ela, como para o homem, fonte de vida e não de perigo mortal.”

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O presente trabalho tem por escopo analisar a sistemática de proteção conferida às mulheres, para garantia de seus direitos fundamentais, principalmente do direito à vida e à integridade física, sob a ótica da vitimologia. Verifica-se que há um aparato estatal voltado a essa proteção, contudo, este ainda se apresenta como ineficiente no combate e na prevenção desses casos. Isso se deve, principalmente, à construção social machista e patriarcalista, que propiciou, durante anos, a omissão, tanto por parte do Estado, como da sociedade, desse tipo de violência que acomete a vida de tantas mulheres. Assim, pautada na análise crítica da bibliografia especializada, a pesquisa se ateve à exposição e defesa de ideias que permitam uma aplicação das disposições penais referidas às mulheres, sob um enfoque garantista, demonstrando a importância da aplicação dos preceitos da vitimologia para tanto, visto que o Direito Penal é um ramo jurídico nitidamente voltado ao réu, com poucas disposições que versem efetivamente sobre os direitos das vítimas.

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This present work intends to analyze the systematic of protection directed to women to guarantee their fundamental rights, mainly the right of life and physical integrity under the victimhood optic. In fact, there is a status apparatus directed to this protection, however, it is still ineffective in the combat and prevention of these cases. It accrue, mostly, to the sexist and patriarchal social construction that provided, for years, the omission of the State as much as the omission of the society to this type of violence that assaults the life of many women. Thereby, based on the critical analysis of the specialized bibliography, the search was focused on the exhibition and defense of the ideias that allow an application of the criminal arrangements referred to women under a guarantor approach, demonstrating the importance of the application of the precepts of victimology for this purpose, since the Criminal Law is a juridical branch clearly focused on the defendant with feel arrangements that evidently discourse about the rights of the victim.

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Tabela 01 – Homicídio de Mulheres no Brasil……… 22

Tabela 02 – Violência praticada por parceiro íntimo……….… 23

Tabela 03 – Tipos de violência por gênero……….. 28

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1 INTRODUÇÃO …...………. 13

2 ANÁLISE SISTEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA MULHER……. 15

2.1 Ciclo de violência ...………. 15

2.1.1 Fase do Acúmulo de tensão ...……… 16

2.1.2 Fase da Agressão……….………...…….. 17

2.1.3 Fase da Reconciliação ………. 18

2.2. Tipos de violência praticados contra a mulher……….. 19

2.2.1 Violência Física……….………..……….. 21

2.2.2 Violência Sexual………..……….. 22

2.2.3 Violência Patrimonial……… 24

2.2.4 Violência Moral………. 26

2.2.5 Violência Psicológica………. 27

3 DIPLOMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO À MULHER……….. 31

3.1 Principais normatizações internacionais sobre o tema……….. 31

3.2 Constituição Federal………. 33

3.3 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)……….…… 34

3.3.1 Medidas Protetivas……….……… 36

3.3.2 Políticas Públicas para mulheres………..……… 38

3.4 Decisões dos Superior Tribunal de Justiça……… 40

3.5 Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015)……… 41

4. VITIMOLOGIA E SUA APLICAÇÃO COMO FORMA DE PROTEÇÃO DA MULHER………. 45

4.1. Conceito de Vitimologia……….. 46

4.2 Tipos de vitimização……… 48

4.3 Vítimas vulneráveis……….. 51

4.4 Previsões normativas que tratam da condição da vítima…..……… 52

4.5 Prevenção e Redução dos efeitos da vitimização da mulher………. 55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……….…….. 59

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de um estudo acerca da violência de gênero, com enfoque criminológico sobre as diferentes vitimizações sofridas pela mulher, e o papel que a vitimologia pode desempenhar nesses casos.

Para tanto, realizou-se uma breve exposição sobre o histórico sociocultural que propiciou esse quadro atual de violência e os possíveis desafios a serem enfrentados para reverter, ou ao menos frear, tal situação.

De início, alguns pontos a serem observados sobre o tema são a prevalência da cultura do patriarcado na sociedade, e como isso formou as bases para a atual conjuntura de preocupante e notório desrespeito aos direitos e garantias das mulheres. Concomitantemente, foi realizada uma breve análise das lutas feministas, abordando o papel determinante que elas desempenham para essa alteração de paradigma.

O estudo, então, foi dividido em três capítulos, de forma a abarcar questões gerais e específicas acerca da violência contra a mulher, elencando as previsões legais envolvidas.

O primeiro capítulo, cumpre o papel de nortear o leitor a respeito dos tipos de violência, e como ela se desenvolve. Foi feita uma avaliação de como se dá o ciclo de violência, pormenorizando cada uma de suas fases, ressaltando a importância de a mulher se desvencilhar do agressor ainda na fase de tensão, pois os riscos à sua vida e integridade são constantes.

Ademais, nesse mesmo capítulo, uma explicação conceitual pormenorizada de como se dá cada uma das espécies de violência, que são mais costumeiramente promovidas contra as mulheres, também foi promovido, com a apresentação de estudos que demonstram o quão grave é a situação dessas vítimas.

No segundo capítulo, a análise foi norteada pela defesa do cumprimento e aplicação dos direitos fundamentais que versam sobre igualdade de direitos, direito à vida e à integridade, bem como acesso à justiça, os quais apresentam primordial relevância na promoção de uma proteção efetiva das mulheres.

Foram aduzidos, ainda, breves comentários sobre as legislações que tratam do assunto, perpassando-se, tanto pelas convenções de âmbito internacional que versam sobre o

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tema, como pelas disposições constitucionais e infraconstitucionais nacionais.

Nesse contexto, um enfoque especial à Lei Maria da Penha foi dado, explicando-se como explicando-seus dispositivos, em especial aqueles que tratam das medidas protetivas e das garantias a um atendimento multidisciplinar, caracterizam um amparo especial e necessário às vítimas desse tipo de violência, as quais se encontram numa situação de extrema vulnerabilidade.

Por fim, no terceiro capítulo, após as relevantes considerações para um panorama de como ocorre a vitimização da mulher na sociedade, foi dado um enfoque ao âmbito criminológico, abordando os principais aspectos da vitimologia, explicando os tipos de vitimizações, bem como ressaltando o quão relevante pode ser a aplicação da lei mais direcionada à salvaguarda da mulher.

Ademais, é suscitada uma análise critica acerca do enfoque dispensado à vítima e não ao delinquente nos casos de violência contra a mulher, discutindo-se como isso pode auxiliar de forma efetiva no cumprimento adequado das políticas de proteção efetivamente a ela dispensada.

Quanto à metodologia adotada, consistiu, em síntese, na revisão bibliográfica, do tipo qualitativa, além da análise da legislação vigente, apresentando conceitos doutrinários e jurisprudenciais, e respostas coerentes às indagações presentes, de modo a conciliar todos os tópicos e subtópicos do trabalho.

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2 ANÁLISE SISTEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA MULHER

A violência de gênero é uma problemática bastante discutida e de notável relevância, não só para as Ciências Jurídicas, como também para diversos outros ramos do conhecimento social, como a Psicologia e a Sociologia.

Inúmeros são os casos de agressões de mulheres, por seus parceiros, seja no âmbito doméstico, ou não, e que, por serem praticados na esfera privada, são ainda considerados por muitos como um ato isolado e não como um problema social.

Nesse contexto, para melhor entendimento acerca do assunto, faz-se necessária uma breve consideração sobre o histórico de submissão e resistência das mulheres, bem como sobre a influência da cultura do patriarcado nesse cenário de violência.

Simone de Beauvoir, em seu livro, O Segundo Sexo1, defende que, na medida que o modelo de propriedade privada se desenvolve, o homem torna-se proprietário também da mulher, e que isso constitui a grande derrota histórica do sexo feminino, pois a atividade doméstica desempenhada por ela, que antes apresentava um grau de importância similar, senão superior à do homem, passa a ser menosprezada e tida como um mero anexo com a nova divisão do trabalho. A família patriarcal seria, portanto, uma consequência do modelo econômico. A autora defende, ainda, que a igualdade somente poderá ser restabelecida quando os dois sexos tiverem direitos juridicamente iguais, mas essa libertação exige a entrada de todo o sexo feminino na atividade pública.

Assim, essa estruturação cultural do papel que caberia ao homem e à mulher, limitando, em sua maioria, o poder de escolha dessa, desenvolveu uma ideia de superioridade do papel masculino e, com isso, um imaginário poder de mando sobre a mulher que, muitas vezes, se exprime por meio da violência.

Diante disso, alguns estudos acerca de como esse tipo de violência se estrutura na sociedade foram realizados, dentre os quais se destaca a teoria do ciclo de violência desenvolvida por Lenore Walker, a qual passará a ser analisada.

2.1 Ciclo de Violência

A teoria sobre o ciclo de violência foi inicialmente desenvolvida por uma pesquisadora e psicóloga chamada Lenore Walker, que desenvolveu seu estudo a partir da

1 BEAUVOIR, Simone de. Segundo Sexo. Tradução de Sérgio Milliet. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970, p. 74/75.

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análise de depoimentos de mulheres agredidas com quem trabalhava.2

Em 1979, ela apresentou as conclusões acerca dessa situação de violência e defendeu a existência de um ciclo, pois haveria um padrão similar de comportamento que se repetia em todas as situações de abuso observadas, o que se modificava era apenas o tempo e a intensidade de cada período. O ciclo de violência seria, assim, composto por três fases: a fase de formação da tensão, a de explosão ou de incidente grave de espancamento e a de pausa calma e amorosa, também denominada de reconciliação ou lua de mel.

2.1.1 Fase do Acúmulo de Tensão

A primeira fase é a de tensão, onde ocorrem muitos desentendimentos criando um ambiente de insegurança.3 A vítima tenta, muitas vezes, acalmar o agressor. Ela começa a aceitar o abuso como algo legítimo, como se fosse culpada pelo comportamento violento praticado por ele, ou então, muitas vezes, ela apresenta uma defesa psicológica denominada de negação, na qual passa a acreditar veementemente que aquela situação em que se encontra não é de agressão, que o autor da violência está somente passando por problemas externos momentâneos e que a conduta dele é corrigível se ela se mantiver inerte e fizer o possível para se esquivar dos momentos de confronto.4

Nesse momento, a mulher ainda acredita ter certo controle sobre o comportamento do agressor, e continua apresentando uma postura passiva diante da situação. Com isso, o homem acaba aprimorando sua conduta ofensiva e de opressão, como bem observa o livro Violência contra a Mulher, publicado pela Casa de Cultura da Mulher Negra:5

O espancador não tenta controlar-se, apoiado na aparente passividade da mulher diante de seu comportamento violento. A omissão social reforça no agressor a crença de que ele está no seu direito de disciplinar a sua mulher. Essa fase caracteriza-se, portanto, por ser marcada por uma violência psicológica intensa e situações iniciais de agressão física que já abrem espaço para a segunda fase do

2 O ciclo da violência de Lenore Walker. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/ciclo-da-violencia-lenore-walker/ Acesso em: 20 de maio de 2019.

3 LIMA, Milka Oliveira; SOUZA, Ellem Dayanne Rodrigues Vinhal; SILVA, Fábio Araújo. Violência doméstica: evolução do tipo penal. Rev. Cereus, v. 9, n. esp, p 189-205, ago-dez./2017, UnirG, Gurupi, TO, Brasil.

4 Violência contra a mulher. Saúde – Um olhar sobre a mulher negra. Casa da Mulher Brasielira. Disponível em: https://issuu.com/ccmnegra/docs/livro_-_viol__ncia_contra_mulher Acesso em: 01 de junho de 2019. 5 Idem.

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ciclo. O ideal seria que as mulheres conseguissem se desvincular dessa situação de abuso já nessa primeira fase. No entanto, isso dificilmente acontece, tanto pelo envolvimento afetivo que há nessas relações abusivas, com a consequente crença de que é possível conter a situação e o ofensor, quanto devido ao fato de haver uma errônea e perigosa ideia enraizada na sociedade de que violência precisa necessariamente estar ligada a algo físico, que esses abusos que tais mulheres alegam sofrer não poderiam ser caracterizados como tal. Contudo, essa visão oriunda de uma sociedade machista e patriarcal tem se modificado ao longo dos últimos anos, com a crescente e necessária atenção dada às mulheres nessas situações de vulnerabilidade.

Nesse sentido de mudança da condição de insegurança da mulher, principalmente nas questões que envolvem violência de outra natureza que não a física, o CNJ tem apresentado um papel relevante, com a edição de enunciados que devem pautar a atuação daqueles que trabalham com casos de violência doméstica, e, dentre eles, é possível destacar a importância do Enunciado de nº 45 que diz que:

ENUNCIADO 45: As medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, quando ausentes outros elementos probantes nos autos – APROVADO no IX FONAVID – Natal.6

Assim, mulheres em situação de violência psicológica ou moral podem gozar de uma atuação legal mais efetiva, não sendo necessário que ela aguarde pela prática da violência física, para que possa ter sua condição de vítima reconhecida e amparada pelas medidas protetivas.

2.1.2 Fase da Agressão

Na segunda fase, denominada de explosão, a agressividade se evidencia. Para conseguir manter a submissão, as formas de violência se multiplicam. Há um descontrole absoluto por parte do ofensor, e a vítima tende a isolar-se, tanto por medo, por temer pela sua vida e de seus familiares, quanto por vergonha, sentindo-se, muitas vezes, culpada e constrangida diante da situação de abuso.

Esse ainda é, no entanto, o momento no qual reside a maior possibilidade de a

6 JUSTIÇA, Conselho Nacional de. Enunciados. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/lei-maria-da-penha/forum/enunciados Acesso em: 01 de junho de 2019.

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vítima se desvincular do agressor, mas também é a fase de maior risco, pois é quando ocorre a maior incidência de feminicídios, seja porque durante as agressões perdeu-se o controle absoluto da situação, seja pelo fato de a mulher decidir sair da relação e o homem, muitas vezes, não querer aceitar essa decisão.

Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo demonstra que cerca de metade até 2/3 dos casos dos pedidos de ajuda para parentes, ocorrem após ameaças ou violências físicas, mas que, no máximo, 1/3 dessas, se tornam denúncias. Isso demonstra bem a subnotificação da violência contra a mulher, e como é nessa fase de agressão, que a vítima consegue ainda ter uma percepção da situação de abuso na qual está inserida.7

2.1.3 Fase da Reconciliação

Na terceira fase, logo após a explosão, ocorre a chamada lua de mel, onde o agressor demonstra arrependimento, culpa, e promete não repetir a conduta.

Em relato no seu livro “Sobrevivi...posso contar”, Maria da Penha fala sobre como essa fase se fez presente na relação abusiva que vivenciou durante anos:

A violência doméstica contra a mulher obedece a um ciclo, devidamente comprovado, que se caracteriza pelo “pedido de perdão” que o agressor faz à vítima, prometendo que nunca mais aquilo vai acontecer. Nessa fase a mulher é mimoseada pelo companheiro e passa a acreditar que violências não irão mais acontecer. Foi num desses instantes de esperança que engravidei, mais uma vez.8

Isso ocorre muitas vezes porque o agressor percebe que a mulher começa a se desvencilhar da relação. Ele se utiliza, então, de uma postura de bom marido arrependido e apaixonado para enganá-la, fazendo-a acreditar que aquelas ações violentas foram episódios isolados, que não votarão a acontecer.

No entanto, o que se percebe é que, após essa fase, volta-se à primeira, perpetuando assim o ciclo. Com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores, e as agressões passam a acontecer sem obedecer a essa ordem. Em alguns casos, o ciclo da violência termina com o feminicídio, que é o assassinato da vítima pela simples condição de gênero.9

7 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora JusPodivm, 2018. Pág. 31.

8 PENHA, Maria da. Sobrevivi...posso contar. 2 ed. – Fortaleza. Armazém da Cultura. 2012

9 Ciclo da violência. Instituto Maria da Penha. Disponível: http://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html Acesso em: 03 de junho de 2019.

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2.2. Tipos de violência praticados contra a mulher

A palavra violência é oriunda do termo latino vis, que significa força, ou seja, violência seria o uso da força contra alguém para fazê-lo agir contra sua vontade.10

A Organização Mundial da Saúde define violência como o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.11

Portanto, ao apresentar esse conceito, demonstrou-se a necessidade imediata de atenção e cuidado não só com as práticas que envolvem danos físicos, mas também com o estado psicológico de medo e tensão em que essas vítimas se encontram inseridas.

É importante ressaltar, também, que a violência não deve ser tratada como inata ao ser humano. Os atos de violência estariam ligados a uma ideia de escolha, de decisão. Os animais ditos irracionais é que seriam movidos pelo instinto, já os racionais teriam uma vida psíquica consciente, pautada por uma tomada de decisões.12

Assim, uma violência não deve justificar-se como sendo uma mera resposta instintiva a uma possível situação de risco, mas também como uma escolha do indivíduo em apresentar tal postura. Em relação aos casos que envolvem violência contra a mulher, inclusive, o que se percebe, muitas vezes, é que o indivíduo utiliza-se do seu maior porte físico, ou de outras condições que lhes sejam favoráveis, para sujeitar a mulher a uma condição de vulnerabilidade, situação essa vista, há não muito tempo, como algo aceitável pela sociedade patriarcal e misógina apresentada. Trata-se, portanto, muito mais de uma construção social do que propriamente de algo ligado a questões inatas ao ser humano.

A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, apresenta um conceito para o que seria essa violência doméstica perpetrada contra a mulher:

Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

10 VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Morais da. Violência doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 25.

11 BRASIL. OMS. Portal da Saúde. Tipologias e naturezas da violência. 2002. Disponível

em:<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto. cfm?idtxt=31079&janela> Acesso em: 30 de maio de 2019.

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I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Essa definição, trazida pela legislação reforça, portanto, a necessidade de compreensão da maior vulnerabilidade apresentada nesse tipo de violência, instituindo que, tanto a ação, como a omissão, nesses casos, devem ser apuradas e devidamente sancionadas.

Além disso, trouxe a ênfase necessária quanto a questão de gênero envolvida, pois, como será posteriormente abordado, tal previsão normativa veio para trazer uma proteção à mulher pela sua condição feminina, e que se encontre numa relação de abuso, seja essa relação num âmbito, ou não, de coabitação.

E, por fim, esse conceito ressalta ainda a importância que deve ser dada a afetividade envolvida nesses casos, pois é essa relação de afeto que, muitas vezes, dificulta a vítima de se desvincular do agressor ou até mesmo de perceber que se encontra numa situação de abuso.

Ademais, é importante que essa forma de violência seja vista como um grave problema de saúde pública, pois há estudos que indicam que as vítimas de violência doméstica e sexual têm mais problemas de saúde, custos significativamente mais altos de tratamento e consultas mais frequentes aos atendimentos de emergência durante toda a sua vida, do que os que não sofreram tais abusos, devido ao caráter de continuidade muitas vezes presente nessas situações, o que propiciaria uma repetição da violência sofrida, bem como pelo fato de deixar marcas profundas nos diversos âmbitos da vida de quem passa por isso.13

13 Linda L. Dahlberg. Etienne G. Krug. Violência: um problema global de saúde pública. Capítulo extraído com autorização do autor do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. OMS, Organização Mundial de Saúde. Genebra: OMS; 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0 Acesso em: 02 de junho de 2019.

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2.2.1 Violência Física

A violência física consiste, como bem definido na Lei 11.340/2006, em qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Ela se apresenta, portanto, por meio de tapas, socos, empurrões, bem como outras atitudes que permitam uma percepção mais tátil da violência.

Nesses casos, para aferição da responsabilidade, é indispensável a realização de exame de corpo de delito, sendo determinado, inclusive, pela Lei 13.721/2018, que altera o texto do Código de Processo Penal, que a mulher vítima de violência doméstica tenha prioridade na realização do exame, assim como crianças, adolescentes, idosos ou pessoas com deficiência que tenham sofrido violência.14

É importante dizer que essa medida representa um necessário avanço no tratamento digno e mais atento à condição de vulnerabilidade em que essas classes se encontram. Ela ressalta o cuidado que deve haver, principalmente, com as vítimas envolvidas nesses casos, e como essa sutil mudança no tratamento pode gerar uma sensação de maior eficácia para a vítima, tanto em sua proteção, como na punição dos agressores envolvidos.

Em estudo denominado de Mapas da Violência15, o qual utiliza o Sistema de Informações de Mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde como fonte básica para a análise dos homicídios no País, percebe-se que a violência física representa 48,7% dos tipos de violência notificados por mulheres no país, como se pode observar na tabela:

14 Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva: (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

15 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FRACSO, 2015.

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Tabela 01 – Homicídio de Mulheres no Brasil

Isso confirma a já citada dificuldade que elas possuem em sair do ciclo de violência ainda na fase inicial, só havendo a notificação das autoridades competentes quando a fase de agressão já se iniciou.

2.2.2 Violência Sexual

No Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, a violência sexual é definida como:

[…] qualquer ato sexual, tentativa de obter um ato sexual, comentários ou investidas sexuais indesejados, ou atos direcionados ao tráfico sexual ou, de alguma forma, voltados contra a sexualidade de uma pessoa usando a coação, praticados por qualquer pessoa independentemente de sua relação com a vítima, em qualquer cenário, inclusive em casa e no trabalho, mas não limitado a eles.16

No âmbito da violência doméstica, essa definição torna-se um pouco mais específica, direcionando-se, principalmente, às práticas perpetradas por parceiros íntimos ou quaisquer outros familiares ou pessoas com quem a vítima tenha vínculo afetivo, como bem o faz a Lei Maria da Penha:

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; […]

16 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002. Pag. 147.

(23)

Em breve análise de estudo da OMS sobre a saúde e a violência doméstica contra a mulher17, o qual apresenta um comparativo entre alguns países, percebe-se que, em alguns locais, foi constatado que cerca de 50% das entrevistadas sofreram, pelo menos alguma vez, um tipo de violência sexual, conforme a tabela a seguir:

Tabela 02 – Violência praticada por parceiro íntimo

Ademais, é importante observar que esses dados, apesar de preocupantes, ainda destoam muito da realidade. Isso porque muitas mulheres sequer denunciam a violência sexual para as autoridades competentes, seja por receio de serem estigmatizadas, ou por medo de serem desacreditadas, já que muitos dos agressores são seus parceiros íntimos.

Cabe ressaltar que, as consequências mais comuns advindas da violência sexual, são aquelas relacionadas à saúde reprodutiva, mental e ao bem-estar social. As mulheres que sofreram abuso e que relatam experiências de sexo forçado geralmente apresentam complicações ginecológicas, gravidez indesejada, bem como estão muito mais propensas a terem doenças sexualmente transmissíveis.

A violência e a desigualdade de gênero, inclusive, conforme dados da OMS/UNAIDS de 2010, são mais propensas a ampliar o risco de HIV através de vias

17 Garcia-Moreno C, Jansen HA, Ellsberg M, Watts CH. WHO multi-country study on women´s health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women´s response. Geneva: World Health Organization; 2005.

(24)

indiretas, incluindo relações cronicamente abusivas18 em que as mulheres são constantemente expostas ao mesmo indivíduo e são incapazes de negociar o uso de preservativos para o sexo seguro.19

Vale dizer, ainda, que elas estão sob um risco muito maior de depressão e estresse pós-traumático do que as mulheres que não sofreram abuso, além de estarem mais propensas ao suicídio.20

2.2.3 Violência Patrimonial

A violência patrimonial pode ser entendida como aquela ligada a questões econômicas, bem como ao livre exercício de atividades laborais da vítima:21

Compreende-se como patrimônio não apenas os bens de relevância patrimonial e econômico-financeira direta, mas também aqueles que apresentam importância pessoal (objetos de valor efetivo ou de uso pessoal) e profissional, os necessários ao pleno exercício da vida civil e que sejam indispensáveis à digna satisfação das necessidades vitais.22

Assim, esse tipo de violência se revela por meio da proibição de realização de trabalhos além do âmbito doméstico, bem como pela retenção de pertences pessoais e de dinheiro da vítima. Essas ações têm a finalidade de torná-la o mais dependente possível do agressor, o qual se aproveita da situação para que possa perpetuar ainda mais suas atitudes abusivas. Pensando na condição de vida dos filhos, bem como em seu sustento, inúmeras são aquelas que continuam em relacionamentos violentos por conta da sua precária condição financeira. Nesse sentido:

18 A Lei 11.340/2006, apresenta, para as mulheres que tenham sofrido esse tipo de violência uma previsão específica de acesso ao sistema de saúde necessário, conforme §3o., do art. 9o.: A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. […] §3o. A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

19 Organização Mundial da Saúde. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. p. 17.

20 Krug EG et al., eds. World report on violence and health. Geneva, World Health Organization, 2002.

21 Conforme a Lei 11.340/2006, a violência patrimonial é aquela entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo também os destinados a satisfazer as próprias necessidades.

22 PEREIRA, Rita de Cássia Bhering Ramos et al. O fenômeno da violência patrimonial contra a mulher: percepções das vítimas. p. 6.

(25)

É preciso aqui destacar que o empoderamento econômico das mulheres é um fenômeno recente, e que a retirada dos obstáculos legais, burocráticos e culturais para a livre disposição de seus bens, inclusive rendimentos, ainda está sendo conquistada. Disso decorre que, em muitas situações, os homens permanecem na condição de chefia da família, administrando os bens e monopolizando o poder econômico da comunidade familiar, o que pode ser considerado moeda de troca ou vantagem na imposição de sua vontade e manutenção de relação desigual de poder.23

No contexto da violência patrimonial, destaca-se como segmento mais vitimizado a pessoa idosa.24Isso porque inúmeros são os casos de relatos de idosos que têm seu dinheiro e pertences furtados por pessoas da própria família, mesmo que eles sejam, muitas vezes, os únicos provedores daquele lar.

Entretanto, cabe salientar, que no caso de mulheres idosas vítimas de violência patrimonial com caráter doméstico, a lei a ser aplicada não será o Estatuto do Idoso, mas sim a Lei Maria da Penha, que apresenta uma legislação mais específica quanto a esses casos.

Outra questão bastante preocupante e que envolve esse tipo de violência, é a previsão normativa dos artigos 181 e 182 do Código Penal Brasileiro que prevê as chamadas imunidades absolutas e relativas, especificamente referentes aos casos de crimes patrimoniais perpetrados entre cônjuges e pessoas ligadas por parentesco.

Há uma certa discussão sobre o fato de a aplicação desses dispositivos ter sido, ou não, revogada pela Lei 11.340/2006, ao prever esse tipo de violência patrimonial. No entanto, a interpretação jurisprudencial mais conservadora25, e ainda vigente, não recepcionou a tese de

que os artigos 181 e 182 do CP teriam sido derrogados pela Lei Maria da Penha, vale dizer, o entendimento no sentido de serem inaplicáveis os artigos 181 e 182 do CP aos crimes de violência doméstica e familiar.26

23 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de (organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Yuris, p. 201-213, 2011.

24 O estatuto do Idoso, também prevê proteção nesses casos: […] § 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.

25 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ESTELIONATO (ARTIGO 171, COMBINADO COM O ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CRIME PRATICADO POR UM DOS CÔNJUGES CONTRA O OUTRO. SEPARAÇÃO DE CORPOS. EXTINÇÃO DO VÍNCULO MATRIMONIAL. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DA ESCUSA ABSOLUTÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 181, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. IMUNIDADE NÃO REVOGADA PELA LEI MARIA DA PENHA. DERROGAÇÃO QUE IMPLICARIA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. PREVISÃO EXPRESSA DE MEDIDAS CAUTELARES PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. INVIABILIDADE DE SE ADOTAR ANALOGIA EM PREJUÍZO DO RÉU. PROVIMENTO DO RECLAMO. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/133488986/recurso-em-habeas-corpus-n-42918-rs-do-stj> Acesso em: 30/05/2019.

26 DELGADO, Mário. A invisível violência doméstica contra o patrimônio da mulher. Disponível em:

(26)

<https://www.conjur.com.br/2018-out-28/processo-familiar-invisivel-violencia-domestica-patrimonio-Alheia a essa discussão, a Lei 11.340/2006 prevê, em seu artigo 24, medidas que possibilitem a proteção patrimonial da mulher nesses casos:

Art. 24 Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. 2.2.4 Violência Moral

Deve ser considerada violência moral qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Para tanto, faz-se necessário conhecer a definição desses três delitos.

Calúnia, nos termos do artigo 138, do Código Penal, consiste em imputar falsamente a alguém, fato definido como crime.

Difamação seria imputar a alguém fato ofensivo a sua reputação. Assim, tanto na calúnia, quanto na difamação, a ofensa refere-se a honra objetiva, pois a consumação somente ocorre quando terceiros ficam cientes da imputação.

Já a injúria, no entanto, fere a honra subjetiva, pois consiste na atribuição de uma característica que atenta contra a sua dignidade ou decoro. Portanto, nesse caso, a consumação ocorre com o conhecimento da vítima, não de terceiros.

Esses delitos, quando perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena (CP art. 61, II, f)27:

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[…]

II – ter o agente cometido o crime: […]

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

mulher#_ftn3> Acesso em 20 de maio de 2019.

27 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora JusPodivm, 2018. p. 101.

(27)

Além disso, esse tipo de violência pode ensejar consequências na área cível, com imposição de danos morais e/ou materiais, os quais podem ser fixados já na sentença penal condenatória, conforme redação do artigo 387, IV, do CPP.28

A violência moral tem apresentado uma notoriedade devido ao maior uso das redes sociais e, por consequente, os danos advindos da exposição massiva de conteúdos ofensivos à honra de mulheres. Isso ficou bem explícito durante a candidatura e mandato da ex-Presidenta eleita Dilma Roussef, bem como na época das eleições de 2018, quando a então candidata à Vice-Presidência da República, Manuela Dávila, teve, em muitas ocasiões, fake

news compartilhadas na internet que iam de encontro veementemente à sua honra.

O que se constata, inclusive, é que essa tem sido uma ferramenta utilizada no meio político para desmerecer a figura da mulher. Muitos suscitam questões de cunho pessoal para atacar a figura feminina, questões essas que, quando atribuídas a um parlamentar do sexo oposto, não demonstram qualquer repercussão ou interesse, o que só ratifica a presença do machismo em diversos setores da sociedade.

2.2.5 Violência Psicológica

O conceito de violência psicológica foi incorporado ao de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica. Influenciada por essa convenção, a Lei Maria da Penha traz, no inciso II, do artigo 7º, uma definição do que configuraria essa forma de agressão:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

A violência psicológica foi considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a forma mais presente de agressão intrafamiliar à mulher, sua naturalização é apontada como estímulo a uma espiral de violência:

28 Art.387, CPP: O juiz, ao proferir sentença condenatória:(Vide Lei nº 11.719, de 2008)

[…] IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;(Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

(28)

Ainda que a força da correlação não seja expressiva, as variáveis mostram-se relacionadas, em alguma medida, apontando a relevância de considerar as experiências do sujeito em sua família de origem, além de outros aspectos envolvidos no fenômeno da violência no conjugal. A família, como o primeiro laboratório de relações interpessoais em que o ser humano é envolvido, parece oferecer as ferramentas que o auxiliarão no estabelecimento de relações na vida adulta. Diante disso, vivenciar, como vítima ou como testemunha, violência familiar na infância oferece ao sujeito um modelo a ser perpetuado, ainda que seja gerador de dor e um legado de sofrimento. Nesse sentido, promover, de modo preventivo e terapêutico, a interrupção de ciclos conjugais de violência apresenta-se como fator protetor não somente para o núcleo familiar atual, mas também para as gerações futuras.29

Conforme quadro abaixo, que demonstra uma pesquisa feita para apurar quais as violências mais recorrentes, pode-se aferir que a psicológica está, juntamente à violência física, dentre as mais praticadas:

Tabela 03 – Tipos de violência por gênero

No entanto, apesar de os números serem alarmantes, constata-se que, devido à subjetividade que permeia essa prática, há uma certa dificuldade no diagnóstico da violência psicológica e, como consequente, uma subnotificação das mesmas.

Há, muitas vezes, uma dificuldade da mulher em perceber que se encontra numa situação de abuso psicológico, pois muitas dessas atitudes se ocultam em posturas identificadas e aceitas socialmente como sendo uma mera forma de ciúmes, ou até mesmo de cuidado:

Geralmente, o abuso emocional acontece de forma gradual e sem que a vítima perceba. Com o passar do tempo, esses padrões abusivos aumentam, fazendo com que a vítima se torne cada vez mais dependente da relação e muitas vezes se isole de amigos e familiares. O abusador utiliza de técnicas que vão desde a negação dos fatos, como “eu não quero ouvir de novo” ou “nada disso aconteceu”, passando pela banalização dos sentimentos da vítima “nossa, como você é exagerada” e “não é motivo para tanto”.30

29 COLOSSI, P. M.; MARASCA, A. R., & FALCKE, D. De Geração em Geração: A Violência Conjugal e as Experiências na Família de Origem. Porto Alegre, v. 46, n. 4, pp. 493-502, out.-dez. 2015. p. 498/499.

(29)

Infelizmente o fenômeno da violência psicológica possui precedentes enraizados em uma cultura machista que se encontra sedimentada em conceitos primitivos sobre o papel da mulher na sociedade, em que não se aceita a evolução do papel feminino no contexto social:

O termo violência psicológica doméstica foi cunhado no seio da literatura feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a violência cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada. O movimento político-social que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da violência contra a mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971, na Inglaterra, tendo sido seu marco fundamental a criação da primeira "CASA ABRIGO" para mulheres espancadas, iniciativa essa que se espalhou por toda a Europa e Estados Unidos (meados da década de 1970), alcançando o Brasil na década de 1980. 31

O reconhecimento da prática dessa forma de violência, portanto, mostra-se, muitas vezes, como algo de difícil percepção para a própria vítima. Além de envolver uma condição probatória mais delicada, já que, muitas vezes, não há provas materiais da ocorrência do abuso, mas apenas a palavra da vítima. Com isso, as autoridades estatais responsáveis, muitas vezes, apresentam uma postura de indiferença à condição dessas mulheres:

Quando se trata de dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia para que a autoridade policial proceda ao registro de ocorrência e encaminhe o expediente à Justiça. Infelizmente não é o que ocorre diuturnamente. Quando não é imputada a prática de um crime, as delegacias têm se negado a fazer alguma coisa. Limitam-se a sugerir à vítima que procure um advogado ou a Defensoria Pública para que o pedido da medida protetiva seja formulado perante a vara de família. A prática é equivocada e abusiva.32

Neste contexto, apesar de não obrigatório, a utilização da perícia psíquica, que é um procedimento que serve para qualificar e materializar as provas advindas de crimes que não deixam vestígios ou lesões que possam ser visualizadas, sendo assim, plenamente cabível em casos de violência psicológica, surge como algo essencial para frear esse descaso estatal com as vítimas desses casos.33

Por fim, quanto à questão da violência psicológica, cabe ressaltar ainda, duas modalidades que têm crescido assustadoramente com o uso das redes sociais, quais sejam, o

30 VICENTE, Fernanda. 14 sinais de que você é vítima de Gaslighting – o abuso psicológico. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/14-sinais-de-que-voce-e-vitima-de-abuso-psicologico-o-gaslighting/>. Acesso em 06 de junho de 2019.

31 AZEVEDO, Maria Amélia.; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência psicológica doméstica: Vozes da Juventude. Lacri – Laboratório de Estudos da Criança. PSA/IPUSP, 2001.

32 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 5 ed. rev., ampl. E atual. - Salvador. Editora JusPodivm, 2018. Pág. 94.

33 PREUSS, Adriana de Abreu; PESSOA JUNIOR, Jeferson dos Reis. Violência Psicológica: Diagnóstico e tratamento jurídico, para o efetivo cumprimento da lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. p. 7.

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stalking e a pornografia de vingança.

O stalking relaciona-se à invasão, pelo agente, da esfera pessoal da mulher. Há, nesses casos, uma notória violação à privacidade, bem como à liberdade da vítima, a fim de monitorá-la. Para esses casos, a Lei Maria da Penha prevê a aplicação de medidas protetivas de urgência, tendo, inclusive, a possibilidade de adoção da prisão preventiva para os casos de contumácia ou persistência, mesmo após a ordem judicial.

A pornografia de vingança é a forma de violência que se materializa por meio do compartilhamento, na internet, de fotos e vídeos íntimos de mulheres pelos seus ex-cônjuges, companheiros, e namorados com o propósito de causar humilhação.

Tais condutas são passíveis de indenização, devido à violação da intimidade. No entanto, os danos gerados são tão intensos, que algumas vítimas chegam a cometer suicídio por não suportar a exposição tão vasta e intensa que é gerada pela divulgação dessas imagens, vídeos ou conversas.34

Recentemente, com o advento da Lei 13.718/2018, o Código Penal passou a tipificar tal conduta, no Título que trata dos crimes contra a dignidade sexual, por meio do artigo 218-C,§ 1º, o qual impõe aumento de pena quando há relação íntima de afeto ou quando há o intuito de vingança ou humilhação na divulgação.35

34 Em 2013, Giana Fabi, uma adolescente de16 anos, cometeu suicídio após ter fotos íntimas expostas na internet pelo seu ex-namorado, no Rio Grande do Sul. Tal fato ocorreu no dia 10 de novembro. Quatro dias depois, outra adolescente, de nome Julia Rebeca, e com apenas 17 anos, enforcou-se com o fio da chapinha de cabelo depois de ter um vídeo de sexo distribuído pelos celulares da cidade de Parnaíba, litoral do Piauí. 35 Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

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3 DIPLOMAS LEGAIS DE PROTEÇÃO À MULHER

Para compreender como se deu a edição desses diplomas legais, cabe analisar a luta dos movimentos feministas, que perpassa por três momentos distintos.36

No primeiro deles, entre o final do século XVIII até meados do século XIX, buscava-se uma igualdade entre os gêneros, o foco das ações e demandas era relativo à busca dos direitos políticos e civis das mulheres. Acreditava-se que, somente havendo uma maior representatividade, seria possível alcançar essa equitatividade de direitos e obrigações.

Num segundo momento, percebeu-se que essa mera igualdade formal era necessária, mas não seria suficiente para propiciar os direitos almejados. Foi então que os movimentos feministas passaram a pautar-se pela ideia da total diferença entre homens e mulheres. A partir disso, surgiu, posteriormente, por volta dos anos de 1970 e seguintes, o terceiro momento, o qual veio para estabelecer uma nova orientação dessas lutas, as quais deveriam ser direcionadas à busca pela igualdade na diferença, o que atualmente é bem difundido como igualdade material.

Como meio de alcançar esses direitos, garantindo um papel mais protecionista à condição de mulher, almejou-se um amparo legal que legitimasse essa luta e esses movimentos. Com isso, diversos instrumentos foram sendo aprimorados até que os principais deles começaram a ganhar força e aplicabilidade na norma interna de diversos países, como se passa a analisar.

3.1. Principais normatizações internacionais sobre o tema

A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW)37, em 1979, representou um marco importante nessa luta por garantias feministas.

Em seu texto, a CEDAW apresenta o conceito do que seria uma discriminação contra a mulher38, bem como determina a adoção de medidas pelos Estados-Partes, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher.

36 TÍLIO, Rafael De. Marcos legais internacionais e nacionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres: Um percurso histórico. Revista Gestão e Políticas Públicas.

37 Foi adotada pela Resolução 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU, em 18/12/1979. Foi assinada pelo Brasil, com reservas, em 1981, e ratificada apenas em 1984.

38 Art. 1 - […] significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto o resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

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Foi nesta convenção que a violência de gênero passou a ser reconhecida oficialmente como um crime contra a humanidade, além de, a partir de então, influenciar quase todas as políticas e iniciativas internacionais.39

Outro importante instrumento de proteção internacional à mulher, é a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, também denominada de Convenção Belém do Pará.40

Essa convenção traz um amplo conceito de violência, ressaltando o quanto ela afeta o pleno desenvolvimento dos direitos humanos, além de apresentar qual deve ser a postura adotada pelos Estados-Partes para o efetivo cumprimento dos preceitos previstos nesse instrumento.

Constata-se que o agente causador da violência pode ser qualquer pessoa, seja ela particular ou, até mesmo, o Estado e seus agentes.

Ela suscita ainda a necessidade de um olhar específico para cada uma das condições de vulnerabilidade em que a mulher se encontra, conforme bem explicita seu artigo 9º:

Para adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-Partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em consequência, entre outros, de sua raça ou de sua condição étnica, de migrante, de refugiada ou desterrada. No mesmo sentido se considerará a mulher submetida à violência quando estiver grávida, for excepcional, menor de idade, anciã, ou estiver em situação socioeconômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou privação de sua liberdade.

Cabe salientar que a Convenção de Belém do Pará propiciou a criação da legislação nacional mais protetiva direcionada à figura feminina, pois foi por meio dessa legislação que o caso conquistou repercussão internacional.41

39 Idem.

40 Aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, foi adotada pela ONU em 1994, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1995 e incorporada ao ordenamento jurídico apenas em 1996, por meio do Decreto 1973/96.

41 Artigo 12 – Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do "artigo 7º" da presente Concepção pelo Estado-Membro, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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3.2 Constituição Federal

A Constituição da República Federativa do Brasil42, apresentou-se como um marco na proteção da isonomia. Também conhecida por Constituição Cidadã, ela traz em seu art. 5º, inciso I, a igualdade como um dos seus direitos fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I-homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […]

Esse posicionamento adveio de inúmeras lutas feministas e reverberou a necessidade de preocupação com a situação de vulnerabilidade social e legal em que as mulheres se encontravam.

Ideias misóginas enraizadas na cultura permitiram uma construção familiar totalmente pautada no patriarcalismo, onde as mulheres tinham que ser autorizadas pelos maridos a realizar plenamente seus atos da vida civil.43

Além disso, durante muito tempo, homens puderam alegar legítima defesa da honra para que pudessem assassinar suas mulheres em supostos casos de traição, e isso era totalmente aceito do ponto de vista legal.44

Há, no entanto, muitos que afirmam que a criação de legislações específicas para tratar da condição da mulher, dos tipos de violência que sofre, propiciando um amparo legal mais efetivo a esses casos, seria uma afronta a essa suposta igualdade de direitos.

É importante dizer, no entanto, que essa postura apresenta-se como equivocada e destoante da real vontade do legislador originário. Isso porque essa isonomia não deve ser vista sob a ótica meramente formal, mas principalmente material. Ou seja, homens e mulheres

42 BRASIL, Constituição Federal Brasileira, 1988.

43 Artigo 6 do Código Civil de 1916: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: […] II-As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. [...]

44 É importante ressaltar o marco que foi o dia 10 de outubro de 1980, onde um grupo de mulheres se reuniu nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo para protestar contra a violência doméstica e todas as formas de agressão à mulher. Elas denunciavam a impunidade de agressões e assassinatos e a aceitação, nos tribunais, da tese da “legitima defesa da honra” – argumento de defesa utilizado por homens que se diziam traídos e matavam as companheiras e seus supostos amantes. Foram cobradas mudanças no Código Penal, para corrigir leis discriminatórias, e políticas públicas para combater efetivamente as agressões. A partir daquele ato público, que desencadeou uma série de outros no país, o 10 de Outubro passou a ser reconhecido como Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. Disponível: <http://memorialdademocracia.com.br/card/mulheres-reagem-quem-ama-nao-mata> Acesso em 03/06/2019.

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devem ter igualdade de condições na medida da sua desigualdade, como bem defende Maria Berenice Dias45:

Cada vez mais se reconhece a indispensabilidade da criação de leis que atendam a segmentos alvos da vulnerabilidade social. A construção de microssistemas é a moderna forma de assegurar direitos a quem merece proteção diferenciada.

A garantia a uma proteção nos casos de violência doméstica, os quais, muitas vezes, se inter-relacionam com a questão do gênero, mostra-se como uma situação em que se faz necessário um posicionamento que demonstre maior preocupação e respeito à condição da mulher, que em sua maioria é de vulnerabilidade.

Essa é uma atitude básica para o cumprimento do preceito da dignidade da pessoa humana, o qual é um direito basilar dentre os direitos humanos previstos constitucionalmente. Como poderia uma mulher apresentar uma vida digna, se muitas vezes o local onde reside está marcado pela violência?! Fez-se necessária, portanto, uma ação mais efetiva do legislador em apresentar um aparato legislativo que desenvolvesse essa ideia constitucional de promoção de direitos humanos.

O STF se posicionou sobre essa questão46 e declarou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, a qual seria, inclusive, uma boa aliada no cumprimento do preceito previsto no artigo 226, §8º, da Constituição Federal, que diz que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, por meio de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

3.3 Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)

A Lei Maria da Penha, ficou assim conhecida pelo famoso caso envolvendo a farmacêutica e bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, a qual passou por duas tentativas de homicídio perpetradas pelo próprio marido.

Na primeira ocasião foi baleada, o que fez que ela ficasse paraplégica. Num segundo momento, após quatro meses de tratamento, ao retornar para casa, ela foi mantida em cárcere privado por 15 dias, e Marco Antônio, que era seu esposo, tentou mais uma vez matá-la, só que dessa vez eletrocutada durante o banho.

45 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: lei constitucional e incondicional. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq(cod2_796)maria_da_penha_uma_lei_constitucional_e_inco ndicional.pdf> Acesso em: 04 de maio de 2019.

46 Ação Direta de Constitucionalidade – ADI 19-3/610, proposta quanto aos artigos 1º, 33 e 41 e Ação Direta Constitucionalidade de Inconstitucionalidade – ADI 4424, quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41, todos da Lei 11.340/2006.

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Esses fatos ocorreram em 1983, mas só em 1991 ocorreu o primeiro julgamento, e em 1996 o segundo, sendo que em nenhum deles o réu cumpriu a pena devido a meras questões processuais.

Diante disso, em 1998, Maria da Penha, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), e, ainda assim, o Estado brasileiro se mostrou inerte diante da situação, até que foi formalmente responsabilizado no âmbito internacional.47

Em 2002, foi formado então um Consórcio de ONGs Feministas48 para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, lei essa que seria sancionada apenas em 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Rompendo com a visão meramente punitivista, a lei incorporou as perspectivas da prevenção, assistência e contenção da violência, além de criar medidas protetivas de urgência e juizados especializados para o julgamento dos crimes praticados com violência doméstica e familiar.49

As preocupações contidas no presente dispositivo habitaram, inicialmente, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979, e ratificada pelo Brasil em 1984. O art. 6.º, b, da Convenção de Belém do Pará, de 1994, firmada pelo Brasil no ano de 1995, contém previsão semelhante:50

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação

sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

47 Instituto Maria da Penha. Quem é Maria da Penha. Disponível em: <http://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html > Acesso em: 10 de junho de 2019. 48 Esse consórcio de ONG´s Feministas era composto por: Centro Feminista de Estudos e Assessoria

(CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (THEMIS), além de feministas e juristas com especialidade no tema.

49 A CPMI da violência contra a mulhere a implementação da Lei Maria da Penha. Carmen Hein de Campos, Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 352, maio-agosto/2015. p. 2.

50 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – Artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein de (organizadora). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Yuris, 2011.

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