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ESCOLHIDO O CRIMINOSO, CORREM ATRÁS DO CRIME resenha de: ROVAI, Renato. (0rg). Golpe 16. São Paulo: Edições Forum, 2016, 224p

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Revista de Humanidades e Letras ISSN: 2359-2354 Vol. 2 | Nº. 2 | Ano 2016

João Wanderley Geraldi UNICAMP

RESENHA

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ESCOLHIDO O CRIMINOSO,

CORREM ATRÁS DO CRIME

resenha de:

ROVAI, Renato. (0rg). Golpe 16. São Paulo:

Edições Forum, 2016, 224p

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Site/Contato

www.capoeirahumanidadeseletras.com.br

capoeira.revista@gmail.com

Editores deste número Marcos Carvalho Lopes

marcosclopes@unilab.edu.br

Tulio Muniz

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ESCOLHIDO O CRIMINOSO,

CORREM ATRÁS DO CRIME

ROVAI, Renato. (0rg). Golpe 16. São Paulo: Edições Forum, 2016, 224p.

Esta é uma breve nota sobre um livro que registra a história enquanto ela ocorre. Como toda tarefa de registro do presente, também esta nota sofre as mesmas urgências de tempo. Assim, mais do que uma resenha, aqui se faz uma apresentação deste importante documento histórico.

O livro foi editado e publicado antes do afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff. Organizado nos meses que se seguiram ao 12 de maio de 2016, quando do afastamento provisório da presidente e começo do mandato do golpista Michel Temer como interino prevendo desde sempre que se tornaria definitivo independentemente de haver ou não crime de responsabilidade, este volume se tornará histórico por duas razões: primeiro porque é documento com um conjunto de trabalhos elaborados enquanto aconteciam os fatos; segundo por sua abrangência passando pelos temas fundamentais que levaram ao golpe e à imposição ao país de uma política subalterna de cunho neoliberal.

O Golpe 16 abre com um prefácio de Luiz Inácio Lula da Silva, o político mais perseguido e caça desejada pelas forças que se congregaram para o encerramento do ciclo de políticas de integração social: a elite, os partidos políticos de direita, a imprensa tradicional, as polícias militares (federal e estaduais), o ministério público e o silêncio olímpico do judiciário a propósito dos desmandos e ilegalidades tanto na condução de uma suposta guerra à corrupção (a Lava Jato) quanto nos julgamentos realizados pela Câmara e pelo Senado.

Renato Rovai, organizador do volume, editor da Revista Fórum, blogueiro habituado a escrever enquanto as coisas acontecem, demostra que um golpe não é, um golpe vai sendo... E retoma essa história a partir das eleições de 2010, eleições em que o PMDB se tornou aliado circunstancial do PT indicando Michel Temer como candidato a vice-presidente. José Serra, o oponente, sabia que não poderia discutir os projetos de país que se contrapunham naquelas eleições e “deixou de lado qualquer tipo de escrúpulos democráticos em nome de seu sonho presidencial”. E a candidatura Dilma/Temer foi engolida pela estratégia da elite: em vez de continuar a discutir os projetos, “saiu desfilando com padres e pastores retrógrados assumindo compromissos neste campo”. Em seis “capítulos” desta história recente, Rovai mostra como a direita se articulou sem deixar de apontar para descuidos políticos cometidos pelo campo progressista. Ressalto aqui um aspecto fundamental: a proposta de desenvolvimento econômico

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governo à redução dos juros que chegaram à taxa de 7,25% em 2011. Acontece que o chamado “setor produtivo” (a FIESP em particular) já não professava mais um capitalismo de produção, mas se aliara ao financismo e se tornara rentista. Começou a grande oposição da elite ao governo Dilma que, no começo do segundo mandato, tentou recuperar-se no setor aplicando uma política de reajuste fiscal para beneficiar precisamente o rentismo. Já era tarde. O golpe já avançara muito além do que imaginava todo governo, com Michel Temer articulando abertamente contra a presidenta.

Seguem-se 22 textos, em sua maioria textos curtos, mas extremamente densos, que passam pelas principais temáticas que se encorpam necessariamente numa compreensão do Golpe 16, não mais um livro mas uma realidade política inarredável e com a qual teremos que aprender a conviver e contra a qual teremos que lutar, pois ela representa um retrocesso social na construção de uma nação brasileira com história e futuro.

Como o objetivo aqui é apresentar este grande conjunto de textos, farei isso tomando cada um deles pelo seu tema, seu autor e por no mínimo uma parca referência ao tratamento dado pelo autor à questão.

Adriana Delorenzo focaliza as redes sociais mostrando o predomínio do pensamento de direita que por elas circulou, onde “pautas conservadoras conseguiram maiores engajamentos do que as do campo progressista”, para concluir que “Quem não dava importância para as redes sociais, pode estar certo, elas podem ajudar a derrubar um presidente.”

A resistência na blogesfera ficou por conta de Altamiro Borges que demonstra a força do ativismo digital para recolocar a verdade descartada pela grande imprensa. Recupera dois momentos exemplares desta resistência, o da “bolinha de papel” que a Rede Globo transformara num petardo contra José Serra, e a questão do aborto, uma temática trazida à campanha eleitoral pelo conservadorismo de Serra. Em poucos minutos a acusação de Mônica Serra de que Dilma era “abortista” se desfez pelo publicização de fato privado de que a própria “denunciante” praticara aborto! Mas o autor não é ingênuo, e sabe que a luta na blogesfera é uma luta de Davi contra Golias. Se as táticas de Davi lhe permitem sobrevivência, a estratégia de Golias engolfa a todos e repercute ideologicamente inclusive entre aqueles beneficiados pelos programas sociais a serem suspensos. Aqui, Davi não ganha de Golias. Golias engole: tem a bocarra da mesquinhez das elites.

Bia Barbosa centra-se na resistência no interior do Parlamento brasileiro, protagonizada pelo Comitê Pró-Democracia composto essencialmente por servidores e assessores técnicos a que se aliaram políticos progressistas. Ao contar esta história, mostra as truculências das

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mesas-diretoras tanto da Câmara quanto do Senado. Eduardo Cunha chegou a proibir a presença de servidores no interior da Câmara nos dias de votação da admissibilidade do impeachment.

O ódio tornado discurso político é tema enfrentado por Conceição Oliveira. Como somos o povo que mais tempo permanece conectado, este ódio se revelou nas redes sociais (embora tenha chegado à realidade concreta dos ataques até mesmo a bebês que estavam usando roupinhas vermelhas!). Vale a pena conferir um destes fatos:

Ênio Barroso Filho, blogueiro, cadeirante, portador de uma doença degenerativa grave, foi uma das vítimas destes fascistas na campanha de 2014. Ele estava no centro da cidade de São Paulo vestido de camiseta vermelha, adesivos pró-Dilma e uma estrelinha do PT que carrega no peito desde a fundação do partido em 1980. Um Pajero com adesivos do candidato Aécio Neves (PSDB) e outro com as inscrições “FORA DILMA e leve o PT junto” estacionou na calçada, seus ocupantes desceram e passaram a agredi-lo verbalmente para forçá-lo a retirar a camiseta. Ênio se recusou e reafirmou seu voto: “É Dilma!”

Como resposta, ouviu a ameaça: “Te conheço da internet, “petralha do caralho”!!! Estamos de olho!!! Não é porque você é um aleijado comunista que não mereça uma surra pra te endireitar”. Os três agressores começaram a chacoalhar a cadeira de rodas de Ênio tentando derrubá-lo e um deles chegou às vias de fato e deu um tapa na cabeça do cadeirante. Entre os passantes que presenciaram a cena bizarra, apenas uma jovem do outro lado da rua reagiu e gritou: “Polícia!” Os agressores fugiram e quando o policial chegou, disse à vítima para não andar de vermelho e com a estrelinha do PT! (p.48)

O machismo é tematizado por Cynara Menezes que parte da comparação dos “adjetivos” empregados contra FHC no auge de sua impopularidade e os adjetivos empregados contra Dilma quando de sua baixíssima popularidade. Aquele foi chamado de “corrupto”, “pau-mandado”, “joão-bobo”. Ela foi chamada de “vaca”, “feia”, “puta” e nas manifestações apareceu o cartaz “balança que essa quenga cai”. Quenga é prostituta no Nordeste brasileiro. As formas de manifestação do machismo, nas redes, nas ruas e na imprensa demonstram que estamos vivendo, no país, uma era neomedieval: caça às bruxas a serem queimadas em fogueiras como uma capa da revista semanal mais bizarra do país publicou, com Dilma sendo queimada viva.

Dennis Oliveira focaliza as políticas de inclusão social, particularmente aquelas relativas ao combate ao racismo. Chama atenção para a construção desde o governo de Lula de políticas participativas em que ações afirmativas (como cotas para universidade e em concursos públicos do Executivo). Os movimentos negros participaram da elaboração e definição destas políticas que o governo, ainda interino, começou a destruir transformando ministérios em setores do Ministério da Justiça, entregue a um conhecido “caçador de bandidos”, Alexandre Morais. E bandidos, desde que ele comandou a Secretaria de Segurança de São Paulo, são pretos, pobres e putas das periferias. Que destino dará este ministro às políticas que começaram a enegrecer os bancos das universidades públicas brasileiras?

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chegou ao Blog da Cidadania para quem a determinação foi lida já que cada exemplar do “vazamento” era marcado para poder descobrir vazamentos a quem não interessava. “O mais estarrecedor, porém, foi a informação de que todos os veículos de uma dita “imprensa simpatizante” (como são conhecidos na Operação Lava Jato os veículos que cumprem determinações dos investigadores no sentido de fustigar petistas) já dispunham de cópia da decisão de Moro quebrando o sigilo das 43 pessoas e entidades” na decisão de número 5005896-77.2016.404.7000. Não é por acaso que nos dias que antecederam a condução coercitiva de Lula (04.03.2016) apareceram reportagens contra o ex-presidente e nem é por acaso que a TV Globo estava a postos quando o aparato policial chegou ao apartamento de Lula às seis horas da manhã! Como veremos no texto de Sérgio Amadeu Silveira, um dos editores de O Globo não resistiu e tuitou que este dia seria histórico, antes mesmo da operação de condução se realizar.

Fernando Brito (O Tijolaço) analisa o papel da classe média no golpe. Chama atenção para a falta de politização que deveria ter acompanhado as políticas de inclusão patrocinada pelos governos petistas. Vale a pena conferir: “O povo brasileiro não foi esclarecido de que nossa história de exclusão não muda pela simples inclusão, mas pela percepção coletiva de que ela não é superável apenas por esforços de

“boa gestão” ou “boas intenções” dos governantes, ou seja, pela polêmica e pelo enfrentamento aos que sustentam o modelo excludente, mesmo ao preço de se manterem apenas “gerentes” – versão 2.0 dos capatazes – de uma simples feitoria.”(p.88)

Segue-se uma curta análise do crescimento do conservadorismo no mundo, elaborada por Gilberto Maringoni. “O golpe brasileiro não é um raio em céu azul. Integra um movimento mundial de avanço da direita em diversas sociedades”. O modelo neoliberal de ajustes fiscais quebrou todo o dinamismo econômico, e as classes baixas que pagam o preço, começam a internalizar que seus inimigos – dado o contexto ideológico da meritocracia – são os exilados, os estrangeiros estão a roubar os postos de trabalho que sobraram. Mostra-o isto do Brexit, a saída da Inglaterra da União Europeia. Para o autor “o avanço conservador, tanto da Europa, quanto nos EUA e na América Latina têm como causa principal as insatisfações populares com a queda da qualidade de vida dos estratos mais pobres da população” (p.95). Neste contexto de avanço do conservadorismo, o golpe no Brasil é um passo importante para seu crescimento na América Latina.

Glauco Faria analisa o papel do “jornal do golpe”. O JN e todos os jornais televisivos da rede Globo. Como esta acaba pautando as demais redes de TV, resta mesmo como espaço midiático de resistência a internet. “... a sociedade civil organizada precisa enxergar que a democratização da comunicação é o ponto de interligação entre as diversas lutas em curso e, sem

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tê-la como ponto central, quase qualquer avanço que for conquistado estará sempre em risco” (p.103).

Os problemas da cultura são anotados por Ivana Bentes, mostrando como o governo provisório fez um esforço de ocupar todos os espaços para praticar o desmonte a ser executado pelos novos sujeitos políticos. Ainda que o governo de Michel Temer tenha recuado e voltado ao Ministério da Cultura, está longe de haver pacificação na área. A construção social da narrativa dos acontecimentos, batalha que se dá no campo da cultura, permanecerá com um lugar de luta contra a hegemonia dos meios de comunicação não meramente simpatizantes do golpe, mas seus construtores diuturnos.

Em Os muitos preconceitos do golpe, Lola Aronovich elenca como os “homens honrados” do PSDB desvelaram, ao longo das campanhas eleitorais, muitos dos preconceitos sociais persistentes na sociedade brasileira: de gênero, de raça, de classe social. Narra inúmeros acontecimentos em que os preconceitos aparecem de forma patente. Tomo um deles: “Em julho último, Frota [Alexandre] gravou um vídeo dizendo para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) que “Nem para atriz pornô você serve”. Em julho, Frota voltou aos holofotes após reunir setenta lutadores faixas-pretas para servirem de guardas-costas para a professora e jurista Janaína Paschoal, que recebeu o coro de “Golpista! Golpista!” de uma pequena multidão ao aeroporto de Brasília. (p.123). Como se sabe, Alexandre Frota, ator global e ex-ator de cinema pornô, foi recebido pelo ministro da educação do golpe para discutir políticas educacionais!!!!

Luiz Caros Azenha analisa o papel da Globo, defendendo a tese de que ela funcionou como a central de manipulação de informações batendo sempre na mesma tecla quer através de suas reportagens, quer através dos textos de seus comentaristas publicados no O Globo, também em sua versão online. Desde 2014 tratava-se de fazer passar como fato que o governo de Dilma já não tinha condições para enfrentar a crise econômica e aglutinar uma base parlamentar que lhe desse apoio. A Globo convocou protestos; tentou dirigir as manifestações de julho de 2013, inclusive pondo no ar possíveis trajetos dos manifestantes, trajetos desejáveis para os interesses da Globo de criar todas as condições sociais para o golpe. Foi o que fez com sucesso.

As consequências do golpe para os movimentos sociais é tema de Marco Weissheimer, apontando para os problemas que enfrentarão as lideranças indígenas para manter sua dignidade e sua luta. Ressalta o papel do general Etchegoyen contra as investigações da Comissão Nacional da Verdade, uma conquista dos movimentos sociais. O general-ministro foi “Crítico feroz dos trabalhos de investigação dos crimes da ditadura realizados pela Comissão Nacional da Verdade”, isto porque a Comissão mostrou a participação do general Leo Etchegoyen nos

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Na análise do fator geopolítico, Miguel do Rosário aponta para fatores externos do golpe e particularmente os interesses envolvidos com o petróleo. Não se estranhe, pois, que a partir da produção de petróleo no pré-sal, de boa qualidade e com custo de extração baixo, o Brasil passe a enfrentar depois de 2013 graves turbulências políticas. Salienta que a presidenta Dilma não entendeu que “o Brasil estava sob ataque não-convencional, que se utiliza sem piedade de táticas de guerra psicológica e midiática, com as quais se arrebanham seguidores primeiramente nas elites judiciais e, em seguida, nos segmentos médios da sociedade” (p.150-151). Com um gráfico muito esclarecedor, anota que “em qualquer situação, qualquer que seja a causa, haverá uma minoria ativa pela causa; uma maioria neutra ou passiva e uma minoria ativa contra a causa”. Num golpe, é preciso levar esta população média, neutra ou passiva, a apoiar atos de sectarismo. E isso não foi difícil no caso brasileiro, com o comprometimento de parte do judiciário e com a mídia à disposição do golpe.

Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada) analisa o comportamento da imprensa e sua relação com Eduardo Cunha. Antes da efetivação do golpe, a Globo “adulou, bajulou, purificou o Cunha”. Deflagrado o golpe e diante da certeza de seu fim (lembremos que este livro foi organizado antes da votação definitiva do Senado), a mesma Globo “tripudiou sobre o cadáver de Cunha”. Chama atenção para a ingenuidade dos governos petistas, relembrando o que conta o Senador Requião, de uma conversa com José Dirceu:

- Mas Requião, você não entendeu nada! Nós já temos uma emissora de televisão! A Globo! (teria falado José Dirceu quando Requião insistia com a criação de uma tevê pública).

Para Amorim, “A Globo não perdoa. A Globo não tem amigos, tem interesses. Foi o que o PT e a Dilma (“use o controle remoto”...) nunca entenderam – e por ela foram triturados” (p.158)

Paulo Nogueira analisa o “jornalismo de guerra”, expressão cunhada pelo jornalista Julio Blanck, do jornal argentino Clarín. Trata-se de um jornalismo em que a verdade não interessa. Interessa a causa. Assim, tudo o que fosse positivo para o governo era esquecido pelas reportagens. Tudo o que fosse negativo era engrandecido. E quando não havia isso, havia sempre a possibilidade de reprisar as matérias, retomar, repetir à exaustão. No entanto, como Lula nem Dilma compreenderam a guerra em que estavam, acabaram financiando este jornalismo que os haveria de destruir. Somente a Globo levou 500 milhões de reais ao ano. Gilberto Carvalho admitiu: “Financiar a mídia foi provavelmente nosso maior erro”.

Em O começo de tudo, Paulo Salvador em texto curto analisa o curto-circuito entre o mandato de Dilma e o que se esperava em função das propostas defendidas durante a campanha eleitoral. Quando se esperava um avanço, dá-se um retrocesso pela execução do projeto vencido

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nas eleições! “Instalou-se um enorme curto-circuito entre o novo governo, seus antecessores e os movimentos populares. Foram produzidos três densos documentos com propostas econômicas para sair da crise, um da CUT, outro da Fundação Perseu Abramo e mais um do Fórum 21, que não foram considerados, gerando mais mídia negativa, de que “o PT queria mandar no governo”(p.166).

Renata Mielli dedica-se ao estudo das ações do governo golpista contra a liberdade de expressão. Ele se inicia pelo bolso, retirando os financiamentos à imprensa alternativa (blogs, sites, revistas). O outro caminho é a judicialização da censura pelo uso de processos judiciais movidos principalmente contra a imprensa alternativa pelas empresas de comunicação e por políticos. Mas o passo mais decisivo foi o ataque à Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, que incomoda os golpistas por sua programação e por sua busca da verdade. Aliás, foi neste terreno que o governo golpista teve a única derrota, até o momento, nos meios judiciais. O afastamento ilegal de Ricardo Melo foi reconhecido pelo STF em despacho de Dias Toffoli. Ricardo Melo voltou ao posto. Mas sobrará para o governo o estrangulamento econômico das atividades da TV Brasil justificado pela necessidade do ajuste fiscal.

Coube ao historiador Rodrigo Vianna ligar o golpe de hoje ao nosso passado, e o faz recuperando a voz de Carlos Lacerda que se ouve nos dizeres dos golpistas de hoje. O texto parte de uma citação: “Há neste país quem não saiba que a corrupção do governo (...) gera o terror de seu bando? Dia após dia, noite após noite, a roda da violência faz o cerco aos que não cedem à coação do dinheiro. (...) Acuso um só homem como responsável por esse crime: é o protetor dos ladrões. (...) Assim como a corrupção gera a violência, a impunidade estimula os criminosos. O governo (...) é, pois, além de imoral, ilegal. É um governo de banditismo e loucura”. Trata-se de texto da lavra de Carlos Lacerda, publicado na Tribuna da Imprensa em 5 de agosto de 1954. Como se vê, Vargas era tratado como “chefe do bando”. Assim também Lula é tratado. O PT é tratado como organização criminosa. Não importa se há crime, como disse Lula no prefácio a este livro “Independentemente de provas, eles já escolheram o criminoso e depois ficam só atrás do crime,.”

Sérgio Amadeu da Silveira estuda a mobilização do senso comum na construção do clima favorável ao golpe. Ele é de tal ordem que cega as compreensões e circula a todo vapor na internet.. Tomemos um exemplo do autor desta cegueira que leva o senso comum a não ligar uma notícia a outra: “O fluxo contínuo de ações judiciais-midiáticas estava tão consolidado que na madrugada da condução coercitiva do presidente Lula para uma unidade da Polícia Federal, um dos editores de uma revisa semanal das Organizações Globo não se conteve e tuitou que “aquele

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dos principais procuradores da República aparece no noticiário da Globo dizendo que iria apurar quem estava praticando vazamentos. Dias depois desta declaração, o juiz Sérgio Moro assumiu que entregou as gravações de Lula e Dilma para os jornalistas. Nada ocorreu. A farsa era grotesca. O golpe foi uma operação policial-midiática”(p.185).

Em A “República de Curitiba”, de Tarso Cabral Violin, lemos uma análise sobre as formas de relação entre as atividades econômico-financeiras da elite brasileira e a ocupação de cargos elevados nas instituições públicas. Obviamente a elite de Curitiba não é diferente das elites de outros lugares. Assim, “Se no Brasil a burocracia não é democratizada, Curitiba não é exceção. No Brasil, a esmagadora maioria dos membros da magistratura, Ministério Público e polícia é compota pela mesma elite financeira que manda no país.” Quem faz parte da operação Lava Jato: há de tudo, desde aquele que fez campanha aberta para Aécio Neves em 2014, até aquele que entrou pelas portas dos fundos para ser professor de uma instituição de ensino estatal. “Para a maioria dos juristas a atuação parcial e autoritária do juiz (e demais agentes da Operação Lava Jato na “República de Curitiba”) é um atentado contra o Direito, a Constituição e a Democracia, porque ela atenta contra a Constituição de 1988 que é social, republicana e democrática”(p.200).

Por fim, o livro se encerra com uma entrevista concedida por Dilma Rousseff a Maíra Streit e Renato Rovai em 2 de agosto de 2016, vinte dias antes de se iniciar o julgamento definitivo do impeachment no Senado. Ainda nesta entrevista, a presidenta considera que não houve apoio externo para que o golpe se firmasse, ainda que reconheça que o modelo de partilha na exploração do pré-sal estivesse em questão face aos interesses internacionais. Pontua a presidenta que o conflito face à crise econômica mundial é “quem vai perder mais ou quem vai ganhar menos”. Trata-se da figura do “pato”. O segmento econômico da elite alega que não pagará o pato, como se alguma vez tenha pagado o pato! Trata-se, para estes líderes empresariais, de transferir para a população o pato, liberando-os de contribuir com o enfrentamento da crise. Dilma tece críticas ao governo provisório então existente, chamando à discussão a proposta de congelamento de gastos por 20 anos! Naquelas alturas, Dilma Rousseff ainda acreditava que o Senado a julgaria por um crime de responsabilidade e reconheceria sua inexistência. À questão de como gostaria de ser lembrada, responde:

- Serei lembrada como a primeira mulher presidente. Quero ser lembrada como a primeira mulher presidente que superou um processo de impeachment sem base, sem crime de responsabilidade, que soube reconstruir a democracia e fazer o Brasil voltar a crescer. Essa é a minha esperança.

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Esperança frustrada, como sabemos hoje. Será lembrada como a primeira mulher presidenta, e dependendo das narrativas em curso, será lembrada como uma mulher que foi injustiçada politicamente ou como uma mulher que enterrou o Brasil numa crise econômica dita sem precedentes. Estas duas narrativas estarão em confronto enquanto a geração contemporânea sobreviver. Aqueles que nos sucederão saberão qual das duas se fixará no tempo e na história. Como sabemos hoje: não foi a narrativa dos golpistas contra Getúlio Vargas que se fixou na história; embora por 20 anos tenhamos amargado uma ditadura militar violenta, a narrativa dos golpistas está indo para o lixo da história à medida que a verdade é recomposta e a narrativa que circulava clandestinamente aparece à luz do dia. No túnel do tempo, há esperanças de que também os golpistas de hoje, incluído o poder judiciário, mereçam os epítetos hoje enunciados em voz baixa porque, afinal, o homem disse que não levaria desaforo para casa! É golpista, mas ninguém pode dizê-lo!

João Wanderley Geraldi

João Wanderley Geraldi possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijui (1980), graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria (1970), mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1990). Foi Diretor do Instituto de Estudos da Linguagem e Pró-Reitor de Assuntos Comunitários da Unicamp. Foi presidente da ALB por uma gestão e colaborou significativamente para com o crescimento e consolidação de trabalho da entidade.-__________________________________________

Referências

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