Câmara Municipal de Lisboa
Senhor Cardeal-Patriarca, Eminência
Senhor Rabino da Comunidade Israelita de Lisboa Ilustres Convidados
Minhas Senhoras e Meus Senhores Cidadãos de Lisboa
Este acto de memória, que aqui nos reúne, evoca um acontecimento trágico da nossa história e o que ele representou. Ao lembrarmos, no lugar onde ele se iniciou, o Massacre Judaico de 1506, damos à história oportunidade de fazer ouvir a sua voz mais alta e mais nobre: aquela que fala de um acontecimento, mas não recusa um juízo moral sobre ele. Porque se é certo que o passado não se anula nem se reescreve, pode a nossa atitude em face dele prestar às vítimas a justiça que em vida lhes foi negada. Quando se diz que esquecer os mortos é matá-los duas vezes, então lembrá-los será, de alguma maneira, trazê-lembrá-los à vida para nos
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recordarem a responsabilidade que temos perante a sua memória. É isso que hoje fazemos, por decisão unânime da Câmara Municipal de Lisboa, instalando um Memorial às Vítimas da Intolerância, em tributo a todos os que sofreram a discriminação e o aviltamento pessoal pelas suas origens, convicções, escolhas ou ideias e em associação com as iniciativas de reconciliação desenvolvidas pela Igreja Católica e
pela Comunidade Judaica.
Num tempo em que a tentação dos negacionismos existe e se manifesta, é bom assumir a História como memória viva, crítica, activa e vigilante. É por isso que este acto tem um alto significado simbólico e um grande valor pedagógico.
A presença, nesta cerimónia, dos mais altos representantes em Portugal das religiões católica e judaica confere a esse simbolismo o selo da reparação e da reconciliação renovadas.
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Como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, saúdo calorosamente Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, o Rabino e o Presidente da Comunidade Israelita de Lisboa. Saúdo também os representantes de todas as outras religiões e comunidades aqui presentes.
Este lugar, que doravante ficará assinalado, foi cenário de um acontecimento perpetrado em nome de uma verdade absoluta que não reconhecia a diferença e a diversidade. O fanatismo fundamentalista continua a assombrar o mundo. É, por isso, que a melhor maneira de honrar a memória das vítimas deste massacre é reafirmarmos o nosso empenho no combate pela tolerância e pela liberdade. É esse o mais forte sentido da inscrição que aqui reafirma, em 34 línguas, Lisboa como Cidade de Tolerância. É esse o testemunho que nos é dado por esta aliança de monumentos em diálogo, cujos autores felicito.
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Ao lado de momentos sombrios de intolerância e fanatismo, a tradição da tolerância é uma das luzes da nossa História. Sempre que a negámos, foi o melhor de nós que negámos. Sempre que a recusámos ou pervertemos, experimentámos a regressão, a decadência e o atraso. É isso que lembra Antero de Quental, na conferência tão admirável sobre As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, proferida no Casino Lisbonense, situado não muito longe daqui, no actual Largo Rafael Bordalo Pinheiro. Esse texto pioneiro e visionário, ainda hoje tão vivo, é uma defesa da tolerância como condição indispensável ao progresso, ao avanço e ao desenvolvimento humano, científico, cultural e educativo.
Neste início do século XXI, é isso mesmo que crescentemente se reconhece: uma cidade é tanto mais criativa e atractiva quanto mais for tolerante. Assim, a tolerância é não apenas um valor humano insubstituível, princípio do comportamento individual, espelho da dignidade de todos os homens, mas é
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também um fundamento da coesão social e do desenvolvimento cultural e económico. Isso mesmo é mostrado pelos recentes estudos sobre crescimento, desenvolvimento e competitividade urbana. As cidades mais tolerantes e mais cosmopolitas são as mais atractivas para pessoas e investimentos, as mais criativas, dinâmicas e desenvolvidas. Porque tal como a paz não é apenas ausência de conflitos e de guerra, a tolerância não é apenas ausência de hostilidade e de discriminação. É um valor positivo, afirmativo, dinâmico, construtivo e criador. É abertura ao outro, curiosidade pelo diferente, compreensão do diverso, respeito por todos. É colaboração, generosidade, diálogo, solidariedade, partilha, dinamismo. É mesmo, nos seus melhores momentos, procura e encontro feliz e fecundo.
Fazer, cada vez mais, de Lisboa uma cidade tolerante e criativa é o objectivo do executivo a que tenho a honra de presidir. Este desígnio é um dos eixos estruturantes da nossa
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acção, fundada numa visão humanista contemporânea, que assenta a afirmação e o desenvolvimento de uma cidade no já célebre triângulo cujos vértices são a tecnologia, o talento e a tolerância. De facto, o respeito pela diversidade pessoal, cultural, étnica, sexual; o direito à diferença como garantia da igualdade de direitos; o diálogo intercultural, inter-religioso e intergeracional; o espaço público urbano como palco de criatividade, pluralismo e cosmopolitismo vão sendo, já hoje, realidades que tornam Lisboa uma referência. Prestigiados jornais internacionais, artistas como Pina Bausch, escritores, músicos, cineastas falam de Lisboa como cidade multicultural, tolerante e criativa, afirmando que essa é uma das razões da sua vibração única e do seu poder de sedução. Somos e queremos ser herdeiros da Lisboa de Fernão Lopes, a grande cidade de “muitas e desvairadas gentes”, cuja energia e convicção foram decisivas para vencer uma das nossas mais graves crises nacionais. Somos e queremos ser herdeiros da Lisboa dos Descobrimentos, onde,
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segundo Damião de Góis, também ele vítima da intolerância, “eram mais os estrangeiros do que os naturais”, vivendo pacificamente e em cooperação cristãos, judeus e muçulmanos. Na opinião de muitos historiadores, foi isso que tornou possível o milagre português da Expansão. Fiéis a esse espírito, queremos restituir a Lisboa o melhor da sua História: a tolerância, a criatividade, a abertura.
Neste Ano Europeu do Diálogo Intercultural é este desígnio que nos deve inspirar e motivar.