Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008
Corpo: o retrato da cultura: a preocupação com a estética na sociedade contemporânea.
Érica Fernandes dos Santos1. Corpo, cultura e anabolizantes.
ST 59 — Corpo, gênero e saúde: reconfigurações nas representações sociais de corpo e gênero no contexto pós-moderno.
Apesar de o corpo humano ser constituído por elementos biológicos, as ciências Sociais o vê principalmente como uma construção sócio-cultural, de tal modo que, em qualquer sociedade, ele sempre estará submetido a um conjunto de normas práticas resultando em uma inesgotável fonte de símbolos, que é simultaneamente um patrimônio, mas também “lócus” de produção e expressão de sentido de uma sociedade2.
Para Neto (1996): "O corpo é a base da percepção e organização da vida humana nos sentidos biológico, antropológico, psicológico e social". Desse modo, todo nosso agir, falar, sentir, andar e pensar representam modos de vida diferentes, de um determinado grupo social.
Isto significa dizer que nas ciências sociais o corpo é socialmente construído, ou seja, um fenômeno cultural, o que nos leva a compreendê-lo como um dado cultural e interpreta-lo de acordo com cada cultura3.
Seja para embelezar, para marcar uma classe social, como meio de divindade, como modo de pertencimento ou de exclusão a um grupo ou em relação ao mundo natural, o corpo é e sempre será submetido a vários tipos de interdições e transformações, mesmo que para isso, aconteçam algumas mudanças de valores, isto é, representações ultrapassando representações.
Falar de Representações4 significa falar em categorias de pensamento que expressam ou explicam a realidade, ou seja, as representações reproduzem a forma como um determinado grupo se pensa nas suas relações e interações do seu cotidiano.
No entanto, Representações podem significar também “idéias”, “mentalidade”, visto que, essas idéias dão significados à conduta cotidiana dos indivíduos. Isto porque para alguns autores nas Ciências Sociais essas idéias ou Representações nada mais são que Juízos de valor; são fatos interpretados das relações cotidianas, sendo dessa forma
impregnada de relevância para os grupos sociais que vivem, pensam e interagem em determinado contexto.
Essa breve referencia sobre representação se faz necessária para compreendermos melhor a relação corpo/cultura.
Na segunda metade do século XIX, desenvolveu-se uma concepção do corpo que o compreendeu como uma máquina em ação. Nessa direção, segundo Mendes e Nóbrega, (2004, p. 125) o corpo humano recebe uma educação que o considera apenas em seu aspecto mecânico, sem vontade própria, sem desejos e sem o reconhecimento da intencionalidade do movimento humano, o qual é explicado através da mera reação a estímulos externos, sem qualquer relação com a subjetividade.
Dessa forma, ao se conceber o corpo menos como uma entidade e mais como um processo, sobre o qual se podia intervir para adequá-lo e agilizá-lo, abria-se, então, a possibilidade para sua remodelação e reconstrução transformando-o em um objeto rentável.
“Nunca se falou tanto do corpo como hoje, nunca se falará tanto dele amanhã. Um novo dia basta para que se inaugure outra academia de ginástica, alongamento, musculação; publiquem-se novos livros voltados ao autoconhecimento do corpo; descubram-se novos preconceitos quanto à descubram-sexualidade, outras práticas alternativas de saúde; em síntese, vivemos nos últimos anos perante a incontestável re-descoberta do prazer, voltamos a dedicar atenção ao nosso próprio corpo.” (Codo e Senne 1985.)
É diante dessa nova relação estabelecida com o corpo, que trago a reflexão sobre a cultura atual e essa preocupação com a estética. Por trás da busca incessante pelo belo há, de acordo com Neto (1996,), um "narcisismo e um individualismo exacerbados que levam as pessoas a acreditar no elixir da vida, em poções mágicas, na juventude eterna". Podemos observar que a busca de um determinado padrão de beleza teria levado à aceitação pública generalizada de diferentes recursos para se chegar a esse tipo ideal.
De acordo ainda com a filósofa norte-americana Susan Bordo (1993), a fantasia de construir um corpo perfeito, esteticamente belo é alimentada pelo capitalismo consumístico. Uma indústria e uma idéia alimentada pela fantasia do remodelamento, transformação e correção; uma ideologia do melhoramento e da mudança sem limites
que representa um desafio à historicidade, à moralidade e à própria materialidade do culto ao corpo5 (Bordo, 1993).
As sociedades modernas atribuem aos indivíduos a responsabilidade pela plasticidade do seu corpo fazendo com que homens e mulheres busquem a aparência desejável mesmo que para isso, os indivíduos sofram alguns transtornos à saúde provocados, por exemplo, pela bulimia e o uso indevido de anabolizantes.
Os esteróides anabólico-androgênicos (EAA) são uns grupos de compostos naturais e sintéticos formados pela testosterona e seus derivados. Seu uso, antropologicamente falando, vem a ser um comportamento ritual que consagra a diferença, instituindo-a, ressaltando a linha de passagem entre um status - o de indivíduo comum - para a condição de aspirante à outra posição superior como nos diz Sabino (2002).
O autor relata a busca intermitente da ciência por substâncias que aperfeiçoem a forma do corpo, modificando a morfologia individual, sempre valorizando uma imagem impositiva de masculinidade, feminilidade e juventude. A "Indústria da Saúde" é legitimada pelos 'discursos especializados' presentes nos meios de comunicação, o que leva segundo Sabino, indivíduos comuns a investirem no consumo de "dietas, exercícios, anabolizantes, clínicas estéticas e academias". Para o autor, o "hedonismo racionalista" é produto de um "controle disciplinar sem par na história", levando a um tipo de "ascetismo" associado "à diversão e ao consumo" (p. 150).
O uso indevido desses medicamentos tendem a aumentar a medida que a exposição dos corpos tem se intensificado na mídia e conseqüentemente na sociedade.A mídia é uma vitrine de físicos esbeltos, onde quem tiver construído a melhor imagem, terá seu corpo “comprado”, ou aceito. A maior vontade do homem contemporâneo é ser reconhecido pela construção dessa imagem. Sua identidade é construída a partir desse rótulo conseguido. Ela não provém da personalidade individual e sim de algo comprado, de um padrão.
Os usuários de anabolizantes, segundo Cecchetto(2002) operam dentro da lógica de integração aos padrões estéticos vigentes na cultura dominante, a qual privilegia a ostentação da forma física e o culto aos músculos, disseminada em grande parte pela mídia. Para estes usuários, a conquista do corpo forte, é um importante objeto para a construção social de sua identidade. Esse tipo de abordagem, bem como a cirurgia plástica e as próteses de silicone, são instrumentos para a aceitação e a ascensão social.
A associação entre a produção de imagens corporais pela mídia (com destaque para o cinema e a televisão) e a percepção dos corpos/construção de auto-imagem, por parte dos indivíduos, se faz de maneira imediata, e isso é comprovado pelo fato do aumento da procura de recursos para esculpir ou de se desenhar o próprio corpo de acordo com o padrão global estabelecido pelo mercado ou “indústria do corpo”, não é o prolongamento da vida humana que se busca e sim sua potencialidade. O corpo passa a ser um simulacro de si mesmo, inventado pela mídia e a tecnologia.
Pegando a definição de Mauss, pode-se afirmar que a atual forma de cultuar e modelar o próprio corpo é caracterizada por diversas técnicas corporais legitimadas por nossa sociedade e está localizada dentro de um movimento social mais amplo, que vem se acirrando no contexto atual privilegiado de constituição de vínculos identitários e de sociabilidade.
A mudança nessa exploração da imagem dos corpos é essencial para que o uso de drogas, como os anabolizantes diminuam entre as pessoas e que assim haja um resgate na verdadeira busca da melhora na qualidade de vida. Os exercícios são primordiais para uma boa saúde, porém a estética tem que ser uma conseqüência desses exercícios e não uma obrigação. Só assim eles serão sinônimos de saúde e deixarão de ser apenas objetos.
BIBLIOGRAFIA:
BORDO, Susan. Il peso del corpo. Milano: Feltrine, 1993.
CODO, W; SENNE, W. O que é corpo(latria)? São Paulo: Brasiliense, 1985.
COURTINE, Jean-Jacques. Os stakhanovistas do narcisismo. Body-building e puritanismo ostentatório na cultura americana do corpo. In: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995.
LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes, 2006.
MAUSS, Marcel. “As técnicas corporais”. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, Capítulo 2.
MINAYO, MCS. O conceito de representações sociais dentro da sociologia clássica. In: Guareschi, P. A. e Jovchelovitch, S. (orgs.) Textos em representações sociais. Petropolis: Vozes, 1995, p. 89-111.
MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza; NÓBREGA, Terezinha Petrucia. Corpo, natureza e cultura: contribuições para a educação. Revista Brasileira de Educação, n. 27, p. 125-137, set/out/nov/dez 2004.
NETO, Samuel de Souza. Corpo, cultura e sociedade. In: NETO, Samuel de Souza. Corpo para malhar ou corpo para comunicar? São Paulo: Cidade Nova, 1996, p. 09-37. RODRIGUES, José Carlos. “Os Corpos e a Antropologia”. In: Minayo, M.C.S.; Coimbra Jr., C.E.A.(orgs) Críticas e atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na
América Latina. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005, p.157-182.
1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense e aluna do Curso de Capacitação
e Serviço do IOC/Fiocruz.
2
Ver GOLDENBERG,(2002).
3 Ver MAUSS,(1974) 4 Ver MINAYO, (1995).
5 A cultura do corpo não é a cultura da saúde, como quer parecer. É a produção de um sistema fechado,
tóxico, claustrofóbico. Nesse caldo de cultura insalubre, desenvolvem-se os sintomas sociais da drogadição (incluindo o abuso de hormônios e anabolizantes), da violência e da depressão. (GOLDENBERG,2002).