• Nenhum resultado encontrado

ADRIANA PERNAMBUCO MONTESANTI

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ADRIANA PERNAMBUCO MONTESANTI"

Copied!
87
0
0

Texto

(1)

ADRIANA PERNAMBUCO MONTESANTI

O DIALOGISMO EM SLOGANS BRASILEIROS DE CERVEJAS DO

SÉCULO XXI

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

FRANCA

2013

(2)
(3)

DEDICO este trabalho à minha mãe Suely Pernambuco Montesanti, que nas adversidades e dificuldades da vida me manteve firme, ao meu marido Carlos Augusto Viana e à minha filha amada Anna Laura, que souberam compreender a minha ausência e a importância desse momento, contribuindo com amor, carinho e paciência.

(4)

AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre comigo, me iluminando e protegendo nos momentos difíceis;

ao meu orientador, Prof Dr Juscelino Pernambuco, profissional exemplar, que me mostrou o caminho a ser trilhado, aceitou minhas limitações, me orientou e compartilhou seus conhecimentos, muito obrigada.

à minha turma, Mestrado de 2011, por serem pessoas abençoadas, todos sem exceção, em especial a minha amiga, Ana Cláudia, confidente que partilhou das minhas aflições. Obrigada, por me darem a honra de partilhar esses momentos durante esses dois longos anos;

a todos os meus amigos da Secretaria da Pós-graduação, especialmente, Ester Paulino de Souza, minha amiga e confidente e Thercius de Oliveira Tasso, companheiro de trabalho e amigo. Vocês foram meus primeiros e maiores incentivadores a ingressar, estavam lá o tempo todo, compartilhando das minhas aflições;

à Profa. Dra. Kátia Jorge Ciuffi, que me apoiou desde o início, com tudo que foi necessário, para que fosse possível a realização desse curso;

a todos os docentes do programa de Mestrado em Linguística, que foram impecáveis em seus ensinamentos e me encantaram com suas aulas;

à minha banca de qualificação, pelas contribuições e palavras de compreensão; à Profa Drª Camila de Araújo Beraldo Ludovice pelo apoio, ajuda e dedicação; a todos que, direta ou indiretamente, possibilitaram a realização deste estudo.

(5)

Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 DIALOGISMO ... 12

1.1 PRIMEIRO CONCEITO DE DIALOGISMO ... 15

1.2 SEGUNDO CONCEITO DE DIALOGISMO ... 17

1.3 TERCEIRO CONCEITO DE DIALOGISMO ... 18

1.4 DIALOGISMO E POLIFONIA: conceitos ... 20

1.4.1 A polifonia em Dostoiévski ... 21

2 GÊNEROS TEXTUAIS ... 28

2.1 O ENUNCIADO E SUA CONCEITUAÇÃO ... 35

2.2 GÊNEROS COMO ESFERAS DE USO DA LINGUAGEM ... 43

2.3 GÊNEROS VERSUS O TEMPO DA CULTURA ... 44

2.4 GÊNEROS DISCURSIVOS: CONTEXTOS ENUNCIATIVOS ... 47

2.5 SLOGANS COMO GÊNEROS TEXTUAIS ... 49

3 ANÁLISE DOS SLOGANS ... 51

3.1 A PROPAGANDA: a história ... 51

3.1.1 O conceito do Marketing ... 53

3.1.2 Diferenciais da propaganda e do marketing ... 54

3.2 O SLOGAN ... 55

3.3 O DIALOGISMO NO SLOGAN “TODO MUNDO TEM UM LADO DEVASSA” 56 3.4 O DIALOGISMO NO SLOGAN “BOA, SÓ SE FOR ANTARCTICA” ... 62

3.5 O DIALOGISMO EM “SKOL A CERVEJA DE DESCE REDONDO” ... 66

(7)

3.7 O DIALOGISMO NOS SLOGANS CERVEJA SCHIN: “Para Bom Bebedor, Meia

Palavra Basta; Peça Schin.” ... 71

3.8 O DIALOGISMO NOS SLOGANS DA CERVEJA GLACIAL. ... 73

3.9 O DIALOGISMO NOS SLOGANS BRAHMA “CERVEJÃO”, “REFRESCA ATÉ PENSAMENTO” e ESQUADRÃO REFRESCA. ... 76

3.10 O DIALOGISMO: CERVEJA COLÔNIA: “É DISSO QUE EU GOSTO E ESSA PEGOU”. ... 78

3.11 O DIALOGISMO: BAVÁRIA: “NÃO BEBA SÓ UMA, BEBAVÁRIAS.” ... 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 82

(8)

RESUMO

MONTESANTI, Adriana Pernambuco. O dialogismo em slogans brasileiros de cervejas do século XXI. 2012. 87f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Os slogans de cerveja no Brasil têm conseguido agradar o telespectador e despertar a curiosidade dos pesquisadores pela criatividade e originalidade. É, portanto, relevante observar o que há subjacente à construção imagética desses slogans e ao texto que eles veiculam. O objetivo deste trabalho foi analisar as construções discursivas e as vozes presentes nos slogans de cerveja do século XXI, veiculados pela mídia. O objetivo específico foi verificar o uso da imagem feminina nos slogans, em busca de detectar a presença de exploração do corpo da mulher para atrair a atenção masculina e o aumento de consumo da bebida. A justificativa desse trabalho deve-se ao fato de ser necessário verificar se a presença preponderante da figura das mulheres nas propagandas está diretamente ligada a um discurso predominantemente masculino sobre a figura feminina. O arcabouço teórico será constituído pelas reflexões e descobertas de Bakhtin (1997; 2003; 2010) sobre o dialogismo e a polifonia, bem como pelos estudos de Fiorin (2006), Koch (2002), Brait (2003, 2007, 2011) e Barros (2003). O embasamento teórico foi buscado para sustentar as análises de cada slogan com a observação das relações dialógicas existentes entre eles e os efeitos de sentido da imagem feminina construída pelas agências de publicidade e veiculadas pela mídia. O procedimento metodológico consistiu em analisar 15 slogans de cerveja do século XXI. O corpus foi coletado em revistas, propagandas televisivas e sites das empresas da marca e das agências de publicidades envolvidas. Os slogans utilizados nesse trabalho foram, pela ordem: 1) Devassa “Todo mundo tem um lado Devassa”; 2) Antarctica “Boa, só se for Antarctica”; 3) Skol A cerveja que desce redondo; 4) Kaiser, “Essa é gostosa!; 5) Bavária: Não beba só uma, Bebavárias, 6) “Para bom bebedor, Meia palavra basta; Schin 7)“Cervejão”; Brahma: “Refresca até pensamento”, “Esquadrão refresca” 8) Com Glacial tem jogo, “Com Glacial o verão vira diversão”, “Cerveja Glacial combina com tudo” - Se tem glacial tem jogo”, “glacial essa é sensacional”, 9) “Cerveja Colônia - slogans : é Disso que eu gosto e essa pegou”.

(9)

ABSTRACT

MONTESANTI, Adriana Pernambuco. The dialogism in Brazilian beer’s slogans in the 21st Century. 2012. 87f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Beer’s slogans in Brazil have been pleased viewers and awaken researchers’ curiosity for the creativity and originality they have. Therefore, it is relevant to observe what is underlying the imagery construction of these slogans and the text that they convey. This report aimed to analyse the discursive constructions and the voices which are present in beer’s slogans of the 21st Century, conveyed through the media. The specific aim was to verify the use of female image in the slogan, in search of detecting the presence of woman’s body exploration to attract male attention and increase the alcoholic drink consumption. The reason of this report is due to the necessity of verification, concerned the issue if the predominant presence of women figure in advertisements is direct linked to a speech which is predominantly masculine over the feminine figure. The theoretical framework will be comprised of reflections and discoveries of Bakhtin (1997; 2003; 2010), concerned the dialogism and polyphony, as well as the studies of Fiorin (2006), Koch (2002), Brait (2003, 2007, 2011) and Barros (2003). The theoretical background was sought to sustain the analyses of each slogan, observing the dialogic relations that exists among them and the effects of meaning concerned the use of female image by the advertisement agencies and conveyed in the media. The methodological procedure consisted in to analyse five Brazilian beer’s slogans, from the year 2000 up to nowadays. The corpus was collected through advertisements in magazines, television and specific companies’ websites of some brands and marketing companies involved. The slogans used on this report were, placed by order: 1) Devassa “Todo mundo tem um lado Devassa”; 2) Antarctica “Boa, só se for Antarctica”; 3) Skol A cerveja que desce redondo; 4) Kaiser, “Essa é gostosa!; 5) Bavária: Não beba só uma, Bebavárias, 6) “Para bom bebedor, Meia palavra basta; Schin 7)“Cervejão”; Brahma: “Refresca até pensamento”, Esquadrão refresca” 8) Com Glacial tem jogo, “Com Glacial o verão vira diversão”, “Cerveja Glacial combina com tudo” - Se tem glacial tem jogo”, “glacial essa é sensacional”, 9) “Cerveja Colônia - slogans : é Disso que eu gosto e essa pegou”.

(10)

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como corpus slogans de cervejas veiculados no Brasil, no século XXI. Diante do tema proposto, interessa-nos focalizar o dialogismo existente nos textos e nas imagens dos slogans utilizados por algumas das empresas publicitárias do segmento de cervejas.

Tem-se observado uma presença maciça de slogans de cerveja em horário nobre dos canais de televisão e também em outdoors. Essa invasão nos chama a atenção, no sentido da importância de identificar as relações dialógicas instauradas entre os slogans de determinadas marcas de cerveja.

A justificativa geral deste trabalho reside no fato de ser importante buscar a razão da presença predominante da figura das mulheres nas propagandas, veiculada a um discurso masculino sobre a figura feminina. A problematização surge com a verificação de que em todos os slogans a figura da mulher é associada ao prazer de beber a cerveja a que ela está representada. Justifica-se, assim, uma pesquisa como esta que comparará os slogans de diferentes cervejas, para tentar desvendar o diálogo que eles estabelecem entre si e os efeitos de sentido dos jogos de vozes que os perpassam. Dessa forma, os objetivos da pesquisa serão observar as relações dialógicas entre os slogans e os efeitos de sentido construídos em torno da imagem feminina explorada pelas agências de publicidade e veiculadas pela mídia.Pretendemos na análise de slogans de cerveja identificar nas construções discursivas as vozes sociais que dão sustentação ao discurso veiculado por eles.

O corpus da pesquisa é composto de slogans de cerveja do século XXI, tendo em vista que é neles que se observa a massiva presença feminina com claras intenções de fixar a presença das marcas de cerveja e atrair o aumento de consumo da bebida.

Este trabalho está organizado em três capítulos: o primeiro discorre sobre o Dialogismo; o segundo sobre Gêneros Textuais e o terceiro sobre as análises dos Slogans de diferentes cervejas do século XXI.

Em todos os capítulos faremos uma breve introdução sobre as questões abordadas, incluindo definições necessárias a termos específicos, priorizando sempre a importância do dialogismo e suas relações entre os capítulos, utilizando-as em sua amplitude

(11)

e destacando o slogan como gênero discursivo.

Nosso arcabouço teórico será constituído pelas reflexões e descobertas de M. Bakhtin em suas obras, Estética da criação verbal (2003), Marxismo e filosofia da linguagem (2002) e Problemas da poética de Dostoievski (2009) e de outros estudiosos da obra deste filósofo da linguagem como: Beth Brait (2003, 2007, 2011), Fiorin (2006), Koch (2002), Barros (2003).

O aporte metodológico consistirá em analisar aproximadamente 15 slogans de 9 empresas de cerveja do século XXI. O corpus foi coletado através de propagandas de revistas, televisivas e ainda sites das empresas da marca e das agências de publicidades envolvidas. 1) Devassa “Todo mundo tem um lado Devassa”; 2) Antarctica “Boa, só se for Antarctica”; 3) Skol A cerveja que desce redondo; 4) Kaiser, “Essa é gostosa!; 5) Bavária: Não beba só uma, Bebavárias, 6) Schin: “Para bom bebedor, Meia palavra basta” 7)“Cervejão”; Brahma: “Refresca até pensamento”, “Esquadrão refresca” 8) Com Glacial tem jogo, “Com Glacial o verão vira diversão”, “Cerveja Glacial combina com tudo” - Se tem glacial tem jogo”, “glacial essa é sensacional”, 9) “Cerveja Colônia - Slogans : é Disso que eu gosto” e “ Essa pegou”.

Espera-se encontrar como resultados das análises dos slogans as relações dialógicas existentes entre eles e os efeitos de sentido que são construídos sobre a imagem feminina pelas agências de publicidade. Nesse sentido, pretende-se analisar o corpus a partir de uma perspectiva dialógica da linguagem de forma reflexiva e crítica e perceber essas relações em seus elementos verbais e não verbais; consequentemente, perceber a atividade responsiva do processo de interação e suas relações dialógicas de forma geral.

(12)

1 DIALOGISMO

Neste capítulo trataremos do conceito de dialogismo com base nas reflexões de Bakhtin e nos estudos de pesquisadores de sua obra.

O propósito deste capítulo é apresentar minuciosamente a definição do dialogismo, pois é a partir dessa teoria dialógica que será amparada toda a análise de nosso corpus.

Para Bakhtin (2010, p. 88), “A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo (...) em todas as direções”. O discurso ao encontrar-se com o discurso alheio passa a participar com ele de uma interação viva e tensa.

Conforme as contribuições citadas pelo filósofo, o dialogismo, então, é fenômeno próprio do discurso. Ele nada mais é que encontros de discursos gerados pelas interações discursivas.

A língua, em sua totalidade concreta e viva, ou seja, em uso real tem propriedade dialógica. Essas relações dialógicas, conforme Bakhtin, não se circunscrevem estritamente ao diálogo face a face.

A partir dos estudos bakhtinianos, Fiorin (2006, p. 20) participa dessas contribuições explicando os conceitos dialógicos da seguinte forma:

Todos os enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. O enunciador (...) leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Todo discurso é atravessado, pelo discurso alheio. Nenhum discurso é só meu, sempre tem a voz do outro. Portanto, o dialogismo é as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados (FIORIN, 2006, p. 20).

São as relações de sentido estabelecidas entre os dois enunciados que constituem o dialogismo em si. É na junção, na unificação, no perpasse de discursos, seja no meu discurso em relação ao do outro que ao estabelecerem os sentidos, constituem-se em dialogismo.

(13)

apenas para o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do discurso alheio para o objeto”.

Para Bakhtin (2010, p. 319), o discurso é construído a partir do discurso do outro, que nunca está concluso, uma vez que nada mais é do que vozes e sentidos constituídos ou reconstruídos entre sujeitos. O autor enfatiza veementemente a importância do interlocutor em seus estudos. Na obra Freudismo: uma crítica marxista, cita: “Toda manifestação oral é produto da interação de interlocutores e, amplamente falando, de toda situação complexa em que se deu”.

Segundo o filósofo [...], tudo que é dito, tudo que é expresso por um falante, por um enunciador, não pertence só a ele. Em todo discurso são percebidas vozes, às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais, quase imperceptíveis, assim como as vozes próximas que ecoam simultaneamente no momento da fala (BRAIT, 2003, p. 14).

Para Bakhtin (2010, p. 319) “como não existe objeto que não cercado, envolto, embebido em discurso, todo discurso dialoga com outros discursos, toda palavra é cercada de outras palavras”.

É importante esclarecer que nesse sentido de palavras cercadas de outras palavras, não são as unidades da língua que são dialógicas, mas sim dos enunciados. Os enunciados são acontecimentos únicos e não repetíveis, têm entonação própria. Nesse sentido, Fiorin explica que mesmo em uma leitura da obra de Bakhtin sob um olhar do marxismo vulgar não é negada a existência da língua e não se condenam seus estudos. Ao contrário Bakhtin propõe, com intenção de suprir a incapacidade de explicação por parte da fonologia/morfologia/sintaxe de mostrar o funcionamento real da linguagem, a criação da translinguística. Um estudo além da linguística. Conforme Fiorin (2006, p. 20), “a translinguística teria como objeto os estudos dos enunciados [...], que teria como objeto o exame das relações dialógicas”.

Vale reforçar que na translinguística, trans (prefixo latino) significa “além de”. Bakhtin tinha na verdade em mente, segundo Fiorin (2006, p. 21), “[...] construir uma ciência que fosse além da linguística, examinando o funcionamento real da linguagem em sua unicidade e não somente o sistema virtual que permite este funcionamento”. Os aspectos e as formas das relações dialógicas entre os enunciados e formas tipológicas são os reais objetos da translinguística (FIORIN, 2006, p. 21). Os enunciados não existem fora das relações dialógicas, pois eles nascem de um diálogo pré-existente. Existem neles marcas inerentes de outros enunciados.

(14)

Bakhtin (2010, p. 321) explica que sob uma visão de mundo, tendência, de ponto de vista e de opinião estará sempre envolta de uma expressão verbal. Para ele “é isso que constitui o discurso do outro (de uma forma pessoal ou impessoal), e esse discurso não pode deixar de repercutir no enunciado”.

Os enunciados, conforme as reflexões bakhtinianas, são como elos na cadeia da comunicação verbal ligados com a cadeia que o determinam, sucedem ou antecedem (interna e externamente), provocando imediatamente reações-respostas que provocam uma ressonância dialógica. O ouvinte nessa relação torna-se um participante ativo da comunicação e provoca no locutor uma expectativa de uma imediata compreensão responsiva.

Sob o aspecto constitutivo do enunciado, Bakhtin (2010, p. 321-2) afirma:

O índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário. (...) o enunciado tem autor e destinatário. Essas formas e concepções do destinatário se determinam pela área da atividade humana e da vida cotidiana a que se reporta um dado enunciado. (...) Cada um dos gêneros do discurso, em cada uma das áreas da comunicação verbal, tem sua concepção padrão do destinatário que o determina como gênero. O destinatário do enunciado pode coincidir em pessoa, poderíamos dizer, com aquele (ou aqueles) a quem o enunciado responde (BAKHTIN, 2010, p. 321-322).

Bakhtin explica que o destinatário pode ser diferenciado, pode ser o parceiro direto do diálogo cotidiano, pode ser especialista e de diferentes posições hierárquicas. É essa distinção de destinatário que se é possível saber qual será a influência do enunciado sobre o destinatário, pois conforme o filósofo são dessas questões que dependem a composição e estilo desse enunciado.

São realizadas detalhadas distinções sobre as diferenças entre as unidades da língua e os enunciados. As unidades da língua não pertencem a ninguém, não têm autor e são completas, não têm acabamento que permita resposta. Por outro lado, o enunciado tem autor e, sendo uma réplica, tem um acabamento específico que lhe permite resposta (FIORIN, 2006, p. 23).

Saber o que significa cada uma das unidades da língua que compõem um enunciado para apreender seu sentido, não é o suficiente. É necessário perceber as relações dialógicas que ele mantém com os outros enunciados do discurso.

Para tanto, é preciso entendermos os conceitos que envolvem essas relações dialógicas, que de acordo com Bakhtin são definidas por três os conceitos de dialogismo.

(15)

1.1 PRIMEIRO CONCEITO DE DIALOGISMO

O enunciado, então, sempre será dialógico. E o modo de funcionamento real da linguagem e o princípio constitutivo do enunciado é o dialogismo.

A constituição de um enunciado acontece a partir de outro enunciado; na verdade, é uma réplica a outro enunciado. Se é uma réplica, fica evidente que nele sempre haverá, ao menos, duas vozes. Mesmo que elas não se manifestem no fio do discurso, ali estarão presentes.

Segundo Fiorin (2006, p. 25), “um enunciado é sempre heterogêneo, pois ele revela duas posições, a sua e aquela em oposição à qual ele se constrói. Ele exibe seu direito e seu avesso”.

A aceitação ou adesão de um determinado enunciado fazem-se no ponto de tensão de uma determinada voz com outras vozes sociais, uma vez que a sociedade é dividida em grupos sociais, com diferentes concepções e interesses que causam divergências. Desta forma, segundo Fiorin (2006, p. 25), “os enunciados são sempre espaços de lutas entre vozes sociais”.

Brait (2011, p. 3) explica que, para Bakhtin, mesmo em uma conversa essas pessoas, como ocorre em uma entrevista, por exemplo, ambos estão negociando sentidos, desta forma sempre haverá uma tensão. Esse fator é inerente a qualquer situação de fala, pois a interação não quer dizer que ambos estejam em comum acordo sob determinada questão, ou seja, nem sempre será um momento harmonioso dessas interações. São ações, falas entre duas pessoas que estão constituídas do eu e do outro e essa alteridade constitutiva1 da linguagem é a marca da teoria da enunciação. Não é só o (eu) que se enuncia; ele, ao enunciar-se, já vem marcado pelo (tu). A junção de discursos que constituem o (eu) e o (tu), ou seja, as ideologias no sentido das crenças, culturas, da sua geração, idade, das suas leituras vão se entrelaçar nesse discurso para produzir sentido.

Bakhtin (2010, p. 356) em sua teoria não leva em conta somente as vozes sociais, mas também as individuais. Os conceitos de ambas não são simples e muito menos estanques. Em primeiro lugar, a teoria bakhtiniana explica que “a maioria absoluta das opiniões dos indivíduos é social”. Em um segundo momento, explica que todo enunciado,

1

Alteridade (ou ‘outridade’) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem social interage e

interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do ‘eu-individual’ só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro – a própria sociedade diferente do indivíduo).

(16)

além de dirigir-se ao seu destinatário imediato, também é apontado “a um superdestinatário, cuja compreensão responsiva, vista sempre como correta, é determinante da produção discursiva”.

Segundo Bakhtin (2010, p. 355-6):

A compreensão do todo do enunciado e da relação dialógica que se estabelece é necessariamente dialógica (é também o caso do pesquisador nas ciências humanas); aquele que pratica ato de compreensão (também no caso do pesquisador) passa a ser participante do diálogo, ainda que seja num nível especifico (que depende da orientação da compreensão ou da pesquisa). Analogia com a inclusão do experimentador num sistema experimental (enquanto parte desse sistema) ou do observador incluído no mundo observado em microfísica (teoria dos quanta). O observador não se situa em parte alguma fora do mundo observado, e sua observação é parte integrante do objeto observado. Isto é inteiramente válido para o todo do enunciado e para a relação que ele estabelece. Não podemos compreendê-lo do exterior (BAKHTIN, 2010, p. 355-356).

A própria compreensão conforme nos explica Bakhtin na citação já é dialógica. Ao compreender, o sujeito torna-se imediatamente um terceiro nessa relação de diálogo, colocando-o em uma posição muito particular. O enunciado em si, considerando suas variáveis, tem sempre na posição de segundo destinatário uma proximidade mais concreta e presumida da compreensão responsiva. Já o entendimento, a compreensão considerada na posição de terceiro destinatário (superdestinatário), Bakhtin (2010, p. 355-6), explica que “A própria compreensão é de natureza dialógica num sistema dialógico, cujo sistema global ela modifica. Compreender é, necessariamente tornar-se o terceiro num diálogo”.

Considerando ainda as contribuições em relação ao superdestinatário é importante destacar que de acordo com as reflexões bakhtinianas esse é previsto pelo autor quando é pressupostamente desejada ou almejada. Nesse sentido Bakhtin (2010, p. 356) afirma que “(...) o autor do enunciado, de modo mais ou menos consciente, pressupõe um superdestinatário superior (o terceiro), cuja compreensão responsiva absolutamente exata é pressuposta seja num espaço metafísico, seja num tempo histórico afastado (...)”.

O ponto de vista defendido sobre a relação do terceiro no diálogo, de acordo com as reflexões bakhtinianas (2010, p. 198), deve ser compreendido como aquele que não participa do diálogo, mas o compreende.

(17)

O sujeito bakhtiniano não está completamente assujeitado aos discursos sociais. Se assim fosse, negar-se-ia completamente a concepção de heteroglossia2 e de dialogismo, centrais na obra do filósofo. A utopia bakhtiniana é poder resistir a todo processo centrípeto e centralizador. No dialogismo incessante, o ser humano encontra o espaço de sua liberdade e de seu acabamento. Nunca ele é submetido completamente aos discursos sociais. A singularidade de cada pessoa no “simpósio universal” ocorre na interação viva das vozes sociais”.

Concluindo esse primeiro conceito de dialogismo refere-se, então, ao modo de funcionamento real da linguagem. Todos os enunciados constituem-se a partir de outros enunciados. Nesses, pode-se então entender que forças3 centrípetas4 e centrífugas5 submetem a pluralidade de vozes a um jogo de poder ao qual Bakhtin utopicamente gostaria de resistir.

Ao pensarmos em relações com enunciados já constituídos e, portanto, anteriores e passados, estamos na verdade falando de dialogismo constitutivo. No entanto, segundo Fiorin (2006, p. 32), “um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem e que o sucedem na cadeia de comunicação. Um enunciado solicita uma resposta, resposta essa que ainda não existe. Ela espera sempre uma compreensão responsiva”, ou seja, constrói-se para concordância ou para uma refutação. Dessa forma, o dialogismo constitui-se das relações enunciativas desses enunciados.

1.2 SEGUNDO CONCEITO DE DIALOGISMO

O enunciado constitutivo é aquele que não se mostra no fio do discurso, Bakhtin menciona a existência de outro enunciado que se mostra. Nele poderão ser ouvidas, ao menos duas vozes, revelando-se duas posições, a sua e aquela em oposição à qual ele se

2 Heteroglossia é a tradução de raznorecie que significa a diversidade social de tipos de linguagens. Essa

diversidade é produzida por forças sociais tais como profissão, gêneros discursivos, tendências particulares e personalidades individuais. Para o filósofo defendia que até mesmo a forma pela qual nos expressamos vem influenciada pelos contextos, estilos e intenções distintas, marcada pelo meio e tempo em que vivemos, nossa profissão, nível social, idade e tudo mais que nos cerca (BAKHTIN, 1983 apud HORN, s/d).)

3 São respectivamente forças centralizadoras e descentralizadoras em qualquer língua ou cultura. O teórico russo

diz que enquanto a poesia, por exemplo, é um gênero centralizador, o romance é o oposto, um gênero com tendência descentralizadora cuja característica primordial é a plasticidade genérica (BAKHTIN, 1983 apud HORN, s/d).

4 As forças centrípetas - que se empenham em manter as coisas juntas e unificadas; resistem ao devir, abominam

a história (BAKHTIN, 1983).

5

As forças centrífugas – que se empenham em manter as coisas variadas e apartadas umas das outras; que compelem ao movimento, ao devir e à história; e desejam a mudança, a vida nova (BAKHTIN, 1983).

(18)

constrói.

Bakhtin, então, possibilita entender as duas maneiras de inserir o discurso do outro no enunciado, conforme Fiorin (2006, p. 33), sendo:

a) uma – discurso alheio é abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante; é o que Bakhtin nomeia de discurso objetivado (procedimentos: discurso direto, indireto, aspas, negação);

b) outra – o discurso é bivocal, internamente dialogizado, em que não há

separação muito nítida do enunciado citante e citado (exemplos: paródia, estilização, polêmica clara ou velada, discurso indireto livre).

Segundo Bakhtin, o discurso do outro pode ser inserido de maneiras distintas, uma de forma separada do discurso citante e outra em que o discurso é bivocal e não apresenta separação nítida entre o enunciado citante e citado.

Sobre essas questões Bakhtin explica:

A entonação que demarca o discurso do outro (assinalada pelas aspas no discurso escrito) é um fenômeno de um tipo particular: é como que a transposição da alternância dos sujeitos falantes para o interior do enunciado. As fronteiras que essa alternância edifica são nesse caso tênues e específicas: a expressão do locutor se infiltra através dessas fronteiras e se difunde no discurso do outro que poderá ser transmitido num tom irônico, indignado, simpático, admirativo (essa expressão é transmitida por uma entonação expressiva, e no discurso escrito nós a adivinhamos e a percebemos graças ao contexto que envolve o discurso do outro, ou graças à situação transverbal que sugere a expressão apropriada). Desse modo, o discurso do outro possui uma expressão dupla: a sua própria, ou seja, a do outro, e a do enunciado que o acolhe (BAKHTIN, 1997, p. 318).

1.3 TERCEIRO CONCEITO DE DIALOGISMO

O conjunto das relações sociais em que o sujeito está inserido é que constitui a subjetividade. É por esse motivo que o sujeito, nas concepções de Bakhtin, não é assujeitado. Ele não está submisso às estruturas sociais nem se trata de uma subjetividade autônoma em relação à sociedade (FIORIN, 2006, p. 55).

Neste sentido, o terceiro conceito de dialogismo fica claro, conforme Fiorin (2006, p. 55): “ O princípio geral do agir é que o sujeito age em relação aos outros; o indivíduo constitui-se em relação ao outro. Isso significa que o dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação”.

(19)

Assim como a consciência é construída através da comunicação social, na história e nas relações sociais, ou seja, a apreensão do mundo é situada historicamente, pois o sujeito está sempre em relação com outros sujeitos. O sujeito constitui-se discursivamente na realidade que estiver imerso, e, ao mesmo tempo constitui suas relações dialógicas. Dada a grande heterogeneidade ela absorve várias vozes relacionadas em grande e constante diversidade (FIORIN, 2006, p. 55).

Sendo o sujeito constitutivamente dialógico, seu mundo compõe-se das mais diversas vozes relacionadas entre concordâncias e discordâncias. Além de tudo isso, essa relação constante com o outro faz com que o mundo exterior nunca esteja acabado, fechado, mas sim em ativa construção em um constante vir a ser (FIORIN, 2006, p. 55).

Nesse sentido, pode-se dizer que a real consciência do sujeito (eu) é constituída a partir da consciência do (outro), ou várias consciências de outros. Essas várias consciências confrontadas com a consciência do (eu) é que faz emergir, constituir um novo (eu), a partir de outro/outros.

Nas comunidades científicas, essa construção ocorre em diversas áreas, que a partir de várias constatações criam-se novas descobertas. São sempre novos diálogos a partir de diálogos já existentes, ou seja, de “já ditos”. Esses preexistiam de consciências já existentes. Essas consciências (por exemplo, a existência de uma pesquisa científica consagrada), podem fazer surgir novas consciências, novas descobertas.

Na verdade, trata-se de um constante processo de construção da consciência, pois assimiladas de diversas maneiras, no caso da voz de autoridade, acaba aderida de modo incondicional e assimilada por uma massa compacta e, por isso, conforme Fiorin (2006, p. 56), é centrípeta, impermeável, resistente a impregnar-se de outras vozes, a relativizar-se, impermeável. Como exemplo, temos a voz da igreja, dos partidos, etc.

Já outras vozes, conforme explica Fiorin (2006, p. 56), “são assimiladas como posições de sentido internamente persuasivas. São vistas como uma entre outras”, por esse motivo são “centrífugas, permeáveis à impregnação por outras vozes, há hibridização, e abrem-se incessantemente à mudança”.

Desse embate de vozes, depreende-se que a consciência formada a partir de discursos sociais, quanto mais a consciência do indivíduo sofre influência das vozes de

autoridade, mais ela será monóloga, ptolomaica6; por outro lado, quanto mais for constituída

6

Qualificada por Bakhtin como a consciência mais rígida, mais organizada em torno de um centro fixo, como

(20)

por vozes internamente persuasivas, mais será dialógica, galileana7 (FIORIN, 2006, p. 56). Os enunciados, sendo constitutivamente dialógicos, são sempre históricos, uma vez que, conforme Fiorin explica, essa historicidade é captada no próprio movimento linguístico de sua constituição. O que permite compreender a história que perpassa o discurso é a própria percepção das relações do discurso.

Numa perspectiva dialógica a análise histórica dos textos passa na verdade a ser uma sensível análise semântica, passível de observar suas aprovações/reprovações, adesões e recusas, polêmicas e contratos, deslizamentos de sentido etc.

1.4 DIALOGISMO E POLIFONIA: conceitos

Sendo o dialogismo e a polifonia dois conceitos de grande relevância na obra bakhtiniana, conceitos esses muito debatidos, mas que por vezes não ficam claros nos estudos, consideramos pertinente comentá-los, pois, conforme Marcuzzo (2008), eles têm sido utilizados como sinônimos, conforme destacado por Barros (2003, p. 5) e Emerson (2003, p. 164).

Fiorin (2006, p. 79) nas distinções da aplicabilidade dos estudos bakhtinianas entre os termos de polifonia e dialogismo, explica que a polifonia, no contexto da linguagem musical, significaria conjunto harmônico de instrumentos, ou conforme o autor citado, vozes que soam simultaneamente.

Ressaltando a importância dessa definição, Rechdan (2003, p. 46) contribui advertindo “que dialogismo não deve ser confundido com polifonia, pois o dialogismo é o princípio dialógico constitutivo da linguagem, enquanto a polifonia se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso.

Marcuzzo (2008) reforça que o termo polifônico é empregado para caracterizar um tipo de texto, uma vez que nos monofônicos as vozes se ocultam aparentando uma única voz, ao contrário do polifônico, que deixa aparecer as muitas vozes.

Para a produção de um efeito polifônico, Barros (2003, p. 40) explica que o autor projeta o discurso em primeira pessoa, isto é:

7

Qualificada por Bakhtin como a consciência mais aberta, mais móvel, não organizada em torno de um centro fixo, como é o sistema de Galileu, em que a Terra se move.

(21)

[...] sujeito da enunciação atribui a palavra e o saber a um narrador, mas ao mesmo tempo em que faz essa delegação, o sujeito da enunciação, por meio de outra ou de outras vozes, desqualifica o narrador como sujeito do saber, mais precisamente, do saber interpretar. Não há, dessa forma, no discurso, uma voz “confiável” que possa interpretar e resolver a ambiguidade narrativa (BARROS, 2003, p. 40).

Destaca Barros (2003, p. 36) que o “dialogismo se refere ao princípio constitutivo da linguagem, enquanto a polifonia é uma estratégia discursiva”. Conforme Barros o embate de vozes caracteriza o dialogismo e a menção de vozes em um texto caracteriza a polifonia.

Marcuzzo (2008, p. 38-9) faz a distinção entre o dialogismo e a polifonia da seguinte forma:

O dialogismo define as relações linguageiras, as práticas discursivas e, mais do que isso, a visão de mundo de Bakhtin. Já a polifonia se refere à multiplicidade de vozes em um texto, seja ele literário ou não. A polifonia pressupõe uma multiplicidade de mundos, ou seja, vários sistemas de referência, vozes plenivalentes e pontos de vista ideológicos acerca do mundo (MARCUZZO, 2008, p. 38-9).

Assim fica clara a distinção o dialogismo é a visão do mundo bakhtiniano que define as relações linguageiras e práticas discursivas, enquanto a polifonia está na multiplicidade de vozes de um determinado texto, além dessa multiplicidade de vozes e pontos de vista acerca do mundo.

Neste capítulo pretendemos conceituar o dialogismo e suas manifestações. Para Bakhtin, a língua em sua totalidade, em uso real, tem propriedade dialógica, assim como os enunciados que no processo comunicacional são dialógicos.

1.4.1 A polifonia em Dostoiévski

Considerado criador de um novo modelo de narrativa literária, ou seja, como um grande inovador no campo da forma literária, Dostoiévski quebra paradigmas de uma tradição literária e faz emergir um novo pensamento artístico.

Sobre essa inovação artística, Bezerra (2007, p. 191) acrescenta que essa desintegração dos gêneros elevados ainda no universo grego levou à formulação de uma

(22)

tipologia universal do romance que se estriba no que ele concebeu como as duas modalidades do romance: o monólogo e o polifônico.

Segundo Bezerra (2007, p. 191):

[...] à categoria de monólogo estão associados os conceitos de monolinguismo, autoritarismo, acabamento; à categoria de polifônico, os conceitos de realidade em formação, inconclusividade, não acabamento, dialogismo, polifonia. A inconclusividade e o não acabamento decorrem da condição do romance como um gênero em formação, sujeito a novas mudanças cujas personagens são sempre representadas em um processo de evolução que nunca se conclui (BEZERRA, 2007, p. 191).

As personagens por uma ótica polifônica, conforme as contribuições de Bezerra (2007, p. 192), estão em contínua evolução inconclusa. Nesse sentido, Bakhtin recria os seres o os traduzem envoltos à multiplicidade de vozes socioculturais e ideológicas.

Sabendo-se que Bakhtin em suas concepções de monolinguismo, dialogismo e polifonia traz em todas essas concepções um conteúdo histórico/social e ideológico, não seria diferente no monólogo, que aplica ao processo de construção do romance o conceito da reificação, usado por Marx (BEZERRA, 2007, p. 192).

O mesmo autor explica que esse conceito é usado por Marx para “[...] analisar no sistema de produção capitalista, a relação entre produção da mercadoria e seu produtor, no qual a produção submete de fora o homem a uma metamorfose que o reduz a coisa, o objeto do processo, o mero reprodutor de papéis”.

Segundo Bakhtin (1997, p 193):

[...] a reificação do homem surge com a sociedade de classes e chega ao limite com o capitalismo. É levada a efeito por forças externas ao indivíduo, que agem sobre ele de fora e de dentro, sujeitando-o às mais variadas formas de violência – econômica, política e ideológica; essa violência só pode ser enfrentada por outras formas de violência [...], e o objetivo de tudo isso é o indivíduo.

Diante da citação, se o capitalismo tem o poder de coisificar, reduzir e provocar conflitos, é dessa provocação que emergem vozes de resistência e nessas vozes se justifica o nascimento do romance polifônico.

(23)

[...] o romance polifônico só pode realizar-se na era capitalista, justamente na Rússia, onde a diversidade de universos e grupos sociais nitidamente individualizados e conflituosos havia rompido o equilíbrio ideológico, criado as premissas objetivas dos múltiplos planos e as múltiplas vozes da existência, indicando que a essência conflituosa da vida social em formação não cabia nos limites da consciência monológica segura e calmamente contemplativa e requeria outro método de representação. Estavam criadas as condições objetivas para o surgimento do romance polifônico [...] (BEZERRA, 2007, p. 193).

Sobre essa transição da representação literária, Bakhtin (1997, p. 1) explica que do monolinguismo para o dialogismo, que tem na polifonia sua forma suprema, há uma libertação de um escravo mudo de consciência e de que lhe é concebido uma liberdade com posse de sua própria consciência. Confere-se, a Dostoiévski criador e inovador dessa nova forma artística, a responsabilidade pela quebra de paradigmas de uma tradição literária, principalmente europeia. Assim, faz emergir um novo pensamento artístico, chamado convencionalmente como “tipo polifônico”

O pensamento crítico-literário considera a obra de Dostoiévski como uma obra decomposta em várias teorias filosóficas, de acordo com as explicações de Bakhtin (1997, p. 3), também são autônomas mutuamente contraditórias, defendidas pelos heróis dostoievskianos.

A voz do autor e suas concepções filosóficas não ocupam o primeiro lugar. Na opinião de alguns pesquisadores, conforme afirma Bakhtin (1997, p. 3):

[...] a voz de Dostoiévski se confunde com a voz desses e daqueles heróis, para outros, é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas, para terceiros, aquela é simplesmente abafada por estas. Polemiza-se com os heróis, aprende-se [...], tenta-se desenvolver suas concepções até fazê-las chegar a um sistema acabado. O herói tem competência ideológica e independência, é interpretado como autor de sua concepção filosófica própria e plena e não como objeto de visão artística final do autor.

Alguns críticos, conforme Bakhtin (1997, p. 3), em sua consciência acreditam que “o valor direto e pleno das palavras dos heróis desfaz o plano monológico e provoca resposta imediata, como se o herói não fosse objeto da palavra do autor, mas veículo de sua própria palavra, dotado de valor e poder plenos.

Dostoiévski dá aos seus personagens reais poderes e liberdade de se colocarem frente ao próprio autor, possibilitando-lhes discordar, questioná-lo e até mesmo rebelar-se contra ele.

(24)

contribuições de Bakhtin (1997, p. 4):

(...) a uma real (...) multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica polifonia de vozes plenivalentes8 constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances de Dostoiévski”. O desenvolvimento de seus romances é “precisamente a multiplicidade de consciências equipolentes9 e seus mundos que aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo sua imiscibilidade” (BAKHTIN, 1997, p. 4).

Na obra de Dostoiévski, suas personagens não são objetos do discurso do autor, mas os sujeitos do discurso em si. Esses personagens não carregam, não se constituem na ideologia do autor.

Conforme contribuições de Bakhtin (1997, p. 6), pode-se dizer que é esta característica de herói, diferente da imagem objetivada dos heróis dos romances tradicionais, que fica marcada a genialidade criativa de um novo gênero romanesco criado por Dostoiévski. No enfoque polifônico, conforme explica Bezerra (2007, p. 193), “a autoconsciência da personagem é o traço dominante na construção de sua imagem”, que se pressupõe-se uma nova postura do autor nessa representação, ou seja, uma nova posição do autor na descoberta de um aspecto novo e integral do homem (do indivíduo ou do homem no homem).

O “homem no homem”, conforme explica Bezerra (2007, p. 193), não é mais uma coisa ou objeto inerte; é outro sujeito, outro “eu” que dialoga e interage.

Nas concepções desse autor:

É essa, precisamente, aquela posição radicalmente nova que transforma o objeto, ou melhor, o homem reificado, em outro sujeito, em outro “eu” que se autorrevela livremente. O autor renuncia àquele enfoque que concebe o homem como objeto e o conclui, que faz dele objeto de seu conhecimento total e definitivo, de seu conhecimento reificante, sob cuja ótica o homem deixa de ser aquele universo único, infinito e inacabável que o é em realidade e para si mesmo (o “eu para mim”), tornando-se mero objeto da consciência cognoscente em meio a um número infinito de objetos (BEZERRA, 2007, p. 193).

A autoconsciência do herói nos é revelada em Dostoiévski, ou seja, é totalmente dialogada: em todos os seus momentos está voltada para fora e dirige-se

8 Plenas de valor. 9

São consciências e vozes que participam do diálogo com outras vozes em pé de absoluta igualdade; não se objetificam, isto é, não perdem o seu SER enquanto vozes e consciências autônomas (BAKHTIN, 1997, p. 4).

(25)

intensamente a si, a um outro, a um terceiro. Fora desse apelo vivo para si mesma e para outros ela não existe nem para si mesma. Neste sentido, segundo Bakhtin (1997, p. 255), pode-se dizer que o homem em Dostoiévski é o sujeito do apelo. Não se pode falar sobre ele, pode-se apenas dirigir-se a ele.

Atingir o realismo fundamental àquelas profundezas da alma humana é possível somente quando reveladas no apelo tenso. O domínio do homem interior a ponto de entendê-lo torna-se impossível, conforme Bakhtin (1997, p. 256), “fazendo dele objeto de análise neutra e indiferente, assim como não se pode dominá-lo, fundindo-se com ele, penetrando em seu íntimo”.

Apenas por via dialógica é que torna-se possível uma verdadeira revelação de si mesmo, ou seja, uma verdadeira comunicação dialógica.

Bakhtin (1997, p. 256) vem nos revelar que a representação do homem interior entendida por Dostoiévski “(...) só é possível representando a comunicação dele com o outro. Somente na comunicação, interação do homem com o homem revela-se “homem no homem” para outros ou para si mesmo”.

No dizer de Koch (2002, p. 15) “Eu sou na medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou”. Nesse sentido, baseando-se nos conceitos dialógicos das interações entre o (eu) e o (tu) é que se é possível determinar, conceber um sentido. Passa-as, então a ser e existir, a partir do momento dessa interação, a partir da concepção do outro.

Na obra de Dostoiévski, explica Bakhtin (1997, p. 257), o diálogo está situado no centro do mundo, não especificamente como meio, mas sim como o fim. Isso porque para ele:

Ser significa comunicar-se pelo diálogo, em essência, não pode nem deve terminar. Quando termina o diálogo, tudo termina. Daí o diálogo, em essência, não poder nem dever terminar [...] No plano de sua concepção de mundo utópico-religioso, Dostoiévski transfere o diálogo para a eternidade, concebendo-o com um eterno cojúbilo, um eterno codeleite, uma eterna concórdia. [...] Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo da vida, o mínimo da existência (BAKHTIN, 1997, p. 257).

A polifonia de Dostoiévski é caracterizada por Bezerra (1997, p. 194) “[...] pela posição do autor como um grande regente de um coro de vozes em convivência interativa”.

A consciência do autor não transforma a consciência das personagens, mas as deixa livres, não as concebe como entidades estáticas, mas deixa-as predeterminarem sua

(26)

evolução e não as sujeita às suas intenções.

Conforme Marcuzzo (2008), para o filósofo russo, nas obras de Dostoiévski,

[... ] a voz do herói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra [...] do autor; não está subordinada à imagem objetificada do herói como uma de suas características mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Ela possui independência excepcional na estrutura da obra, é como se soasse ao lado da palavra do autor, coadunando-se de modo especial com ela e com as vozes plenivalentes de outros heróis (BAKHTIN, 1997, p. 5). Bakhtin (1997, p. 6) resume que são “[...] todos os momentos da interdependência dessas consciências (individuais) para a linguagem das relações sociais e das relações vitais entre os indivíduos, que alimentam o enredo no amplo sentido do termo”.

Conforme as contribuições de Bezerra (1997, p. 199), “Bakhtin não nega o papel do autor no processo polifônico, nem lhe reserva uma função secundária”.

Nesse papel, para Bakhtin, o autor não renuncia a seu ponto de vista, nem está limitado às verdades alheias, mas “enfatiza a relação dialógica entre autor e personagem” (BEZERRA, 1997, p. 199).

O ativismo do autor tem um caráter dialógico especial por estar [...] diretamente vinculado à consciência ativa e isônoma do outro” a um ativismo que “interroga, provoca, responde, concorda, discorda” (BEZERRA, 1997, p. 199).

Trata-se, então, de um ativismo estabelecido nas relações dialógicas entre consciências criadoras e recriadas, tendo plenos direitos de interlocução, inclusive na voz do autor, mantendo-se imiscível e preservando as peculiaridades do falante (BEZERRA, 2009, p. 199).

Bakhtin explica que não são as unidades da língua que são dialógicas, mas os enunciados. Ele não rejeita o estudo da língua, pois considera importante a compreensão das unidades da língua, mas explica que a fonologia, a morfologia ou a sintaxe não esclarecem o funcionamento real da linguagem. Então, propõe a criação da translinguística, que tem como

objeto o estudo dos enunciados.O objeto da translinguística são os aspectos e as formas das

relações dialógicas entre enunciados e entre suas formas tipológicas, as quais foram especificadas nesse capítulo.

Bakhtin faz ainda a distinção de uma unidade de língua e de um enunciado conforme são especificadas a seguir:

(27)

Enunciado

• tem autor e revela uma posição

• é réplica de um diálogo (participa de um diálogo dos outros)

• está acabado, permite resposta

• não existe fora das relações dialógicas

• há marcas de outros enunciados que podem confirmá-los ou não, podem

complementá-los, etc)

• tem destinatário; não são neutros, pois carregam emoções, juízos de valor,

paixões.

Unidades da língua

• não pertencem a ninguém

• não tem autor

• são completas, mas não tem acabamento que permite resposta

não são destinadas a ninguém; são neutras

Saber o que significa cada uma das unidades da língua que compõem um enunciado para apreender seu sentido, não é o suficiente. Bakhtin, então, menciona a necessidade de perceber as relações dialógicas que o enunciado mantém com os outros enunciados do discurso e Fiorin, então, explica os três conceitos de dialogismo.

Fica claro que o entendimento da língua, conforme Bakhtin, não deve ser feito de maneira isolada, mas qualquer análise linguística deve incluir fatores extra-linguisticos tais como o contexto de fala, a relação do falante como ouvinte, momento histórico e outros fatores. O eixo central da ideia do uso da linguagem, na concepção de Bakhtin, é de que esse uso acontece no interior das relações sociais mantidas por esses indivíduos.

(28)

2 GÊNEROS TEXTUAIS

O propósito deste capítulo é apresentar um panorama conceitual sobre a relevância dos estudos do gênero discursivo/textual, noção essa, primordial, para que se construam novas possibilidades do estudo da linguagem, estudos que são amparados pela tríade língua-sociedade-discurso.

De acordo com Bakhtin:

A riqueza da variedade dos gêneros do discurso é infinita, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 2010, p. 279).

Considerando serem diversos os campos da atividade humana ligados ao uso da linguagem é que Bakhtin (2010, p. 256) justifica serem tão multiformes os usos dessas linguagens. O emprego da língua, conforme as contribuições bakhtinianas, se dá em forma de enunciados (orais e escritos), e tais enunciados concretos e únicos refletem condições e finalidades específicas de cada conteúdo temático e pelo estilo da linguagem.

Diante de nossa competência sociocomunicativa, temos a necessidade de distinguir o que é ou não adequado a ser utilizado durante nossas práticas sociais. Essas possibilitam-nos diferenciar determinados gêneros, conforme explica Koch (2002, p. 53). Percebemos intuitivamente as estratégias da construção de um texto, suas sequências narrativas, descritivas, expositivas e/ou argumentativas. Essa percepção é bem clara para nós, falantes, mesmo em nosso dia a dia, quando distinguimos uma anedota de uma carta familiar, artigos de jornal de catálogos, entre outros exemplos citados. Os gêneros, conforme Koch (2002, p. 53) exercitam “a nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos.

Nesse sentido Bakhtin (1997, p. 279) complementa “Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua”. Considerando essas variações e o modo em que ela acontece, o filósofo complementa:

(29)

Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional.

São três os elementos citados por Bakhtin: o conteúdo, o estilo e a construção composicional, que acabam fundindo-se indissoluvelmente no todo do enunciado. É nessa fusão que a especificidade de uma determinada esfera da comunicação fica marcada. As condições específicas do enunciado e as finalidades de uma das esferas da atividade humana não dependem de um ou outro elemento, mas de cada um deles, estancando-se sobretudo pela construção composicional desse enunciado.

Esses tipos, relativamente, estáveis que constituiriam os gêneros, foram responsáveis pela constituição de enunciados relativamente estáveis também, que são marcados sócio-historicamente. Estas diferenças situacionais determinariam, então, que esses gêneros explicados por Koch (2002, p. 54) têm “características temáticas, composicionais e estilísticas próprias”. Assim como na utilização da língua a heterogeneidade está presente nos gêneros que podem partir desde um diálogo cotidiano a uma tese científica.

Bakhtin (2010, p. 262) explica:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque cada campo dessa atividade é integral e o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. Cabe salientar em especial a heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos).

Se Bakhtin explica os gêneros como tipos de enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo, então, falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada esfera de atividade”.

Sobre esses três elementos citados – conteúdo temático, estilo e construção composicional – Bakhtin (2002, p. 262) afirma estarem interligados no todo do enunciado, cada um determinado pela sua especificidade dentro do campo da comunicação.

(30)

Bakhtin complementa ainda, conceituando de forma bastante clara, que:

Cada esfera conhece seus Gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico (BAKHTIN, 2010, p. 284).

Fiorin (2006, p. 62) explica que o conteúdo temático “não é o assunto específico de um texto, mas é um domínio de sentido de que se ocupa o gênero. Exemplifica com as cartas de amor que apresentam o conteúdo temáticos das relações amorosas.

Bakhtin (2010, p. 262), retomando a questão, reforça que a heterogeneidade dos gêneros discursivos proporciona certa sensação de não ser possível haver um plano único para seu estudo, uma vez que em um plano do estudo aparecem fenômenos sumamente heterogêneos. Exemplifica tal formulação com a presença de “réplicas monovocais do dia a dia e o romance de muitos volumes, a ordem militar padronizada e até obrigatória por sua entonação, entre outras exemplificações.

Koch (2002, p. 54) ressalta que essa concepção de gênero de Bakhtin não deve ser entendida como sendo estática, mas sim como gêneros que estão sujeitos a mutações relacionadas às transformações sociais, considerando novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal e ainda de modificações do lugar atribuído ao ouvinte. Sobre essa questão o filósofo russo (2010, p. 106) contribui esclarecendo que “o gênero sempre é e não é ao mesmo tempo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo”.

Bakhtin define os gêneros da seguinte forma:

• são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;

• além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;

• trata-se de entidades escolhidas tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor (BAKHTIN, 2010, p. 106).

No que diz respeito à insistência de Bakhtin sobre os gêneros serem tipos relativamente estáveis de enunciados, implica diretamente o fato de que, conforme Fiorin (2006, p. 64, grifo do autor), “[...] é preciso considerar a historicidade dos gêneros, isto é, sua mudança, o que quer dizer que não há nenhuma normatividade nesse conceito”. Vale ressaltar

(31)

que o grifo relativamente indica uma imprecisão das “características e das fronteiras dos gêneros”.

Sobre esse aspecto Bakhtin afirma (2010, p. 268): “Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem”.

Essas correias mencionadas por Bakhtin podem ser consideradas ligações entre as mudanças históricas e sociais ou a própria mudança da linguagem, nas transmutações, adaptações reais de uma língua em constante uso, uma língua verdadeiramente viva. Sobre esse aspecto Fiorin (2006, p. 64-5) em seus estudos traz uma vasta discussão sobre as mudanças que vão ocorrendo. E para visualizar essas mudanças, ele compara, por exemplo, essas transmutações entre um romance modernista, comparado a um naturalista. Em outra ocasião ele compara, por exemplo, uma notícia de jornal do início do século XX a uma notícia de jornal dos dias de hoje. E, finalmente, afirma que os gêneros estão sim em contínua mudança e alteração, como também está em contínua mudança de repertório. Tentando chegar a uma geração mais recente, ele destaca ainda o aparecimento da internet, como a geradora de novos gêneros.

O mesmo autor (2006, p. 69) nos explica que “o gênero une a estabilidade e instabilidade, permanência e mudança”. Se de um lado reconhecemos as propriedades comuns em conjuntos de texto, de outro elas alteram-se continuamente. Já conforme comenta Fiorin para Bakhtin elas não são em sua totalidade, nem aleatórias, nem determinadas, mas nelas estão presentes a recorrência e a contingência. “A reiteração possibilita-nos estender as ações, e, por conseguinte, a agir; já a instabilidade permite adaptar suas formas a novas circunstâncias” (FIORIN, 2006, p. 69).

As inovações de forma geral possibilitam o aprender e o repensar sobre uma nova realidade, esse repensar impulsiona a criação de novos gêneros que sejam capazes de reproduzir um novo pensamento ou uma nova forma de agir e consequentemente uma nova forma de comunicar-se. Para que se alcance uma interação satisfatória sobre esses modos sociais do dizer é necessário que se tenha controle absoluto sobre o gênero daquela determinada esfera de comunicação, caso contrário todo o processo de comunicação ficará comprometido.

(32)

O gênero somente ganha sentido quando se percebe a correlação entre formas e atividades. [...] são meios de aprender a realidade. Novos modos de ver e de conceptualizar a realidade implicam o aparecimento de novos gêneros e a alteração dos já existentes. Ao mesmo tempo, novos gêneros ocasionam novas maneiras de ver a realidade. A aprendizagem dos modos sociais de fazer levam concomitantemente ao aprendizado dos modos sociais de dizer, os gêneros. Mesmo que alguém domine bem a língua, sentirá dificuldade de participar de determinada esfera de comunicação se não tiver controle do(s) gêneros(s) que ela requer.

Conforme Machado (2007 p. 155), “exatamente porque os gêneros discursivos surgem na esfera prosaica de linguagem, incluem toda a sorte de diálogos cotidianos bem como enunciações da vida pública, institucional, artística, científica e filosófica”. Na mesma página o autor comenta ainda que, dialogicamente, a prosaica seria a esfera mais ampla das formas culturais no interior das quais outras são experimentadas.

Por esse motivo, torna-se extremamente relevante a distinção feita por Bakhtin das duas classes de gêneros, sendo eles os primários (simples) e os secundários (complexos): os primários seriam classificados como diálogos, cartas e situações face a face, soam aqueles mais cotidianos, (KOCH, 2002, p. 54), enquanto os secundários estariam ligados às esferas mais complexas podendo ser representados por um teatro, romance, uma tese científica etc. Ambos compostos por uma mesma essência, mas diferenciados pela sua complexidade.

Bakhtin explica que

Não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a consequente dificuldade quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado. Importa, nesse ponto, levar em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo) (2010, p. 281).

O autor, então, alerta sobre a grande relevância da capacidade da distinção da natureza geral do enunciado e reforça a necessidade de não subestimar a vasta heterogeneidade dos gêneros discursivos, que por si só poderá causar dificuldades de definição da natureza geral do enunciado.

Segundo o filósofo (2010, p. 302) “Se não existissem os gêneros primários (...) se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los (...) no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível”.

A língua, na concepção bakhtiniana, é considerada em seus aspectos enunciativos, discursivos e interativos, assim, percebe-se a língua considerada em seu aspecto

(33)

funcional e não formal.

Os gêneros primários predominam na oralidade, tais como em piadas, bate-papos, conversas telefônicas, e-mails, bilhetes e até mesmo em chats. Já os secundários, estão numa esfera de “comunicação cultural mais elaborada”, como por exemplo, comunicação jornalística, jurídica, religiosa, política, artística e científica. Os gêneros secundários absorvem e dirigem os primários, transformando-os”.

De acordo com Bakhtin (2010), não há limites para os gêneros, pois eles estão diretamente relacionados com as múltiplas atividades da vida social. Explica que os gêneros discursivos sinalizam possibilidades combinatórias entre as formas da comunicação oral imediata e as formas escritas. Gêneros primários e secundários são, antes de mais nada, misturas.

Fiorin em suas contribuições sobre os gêneros reforça a possibilidade da

hibridização10, ou seja, da possibilidade do cruzamento dos gêneros, o secundário valer-se de

outro secundário no seu interior ou mesmo podendo imitar sua estrutura composicional, sua temática e estilo.

Fiorin (2006, p. 74) comenta ainda que, conforme Bakhtin, existem gêneros mais ou menos flexíveis e uns mais ou menos estereotipados e exemplifica como flexíveis os da “intimidade familiar ou da amizade e os da esfera da literatura” e os estereotipados os textos da vida cotidiana como (saudações) e da vida prática (bula de remédio).

Em relação aos gêneros mais estereotipados, segundo ressalta o autor, “esses enunciados podem adquirir um novo sentido, como acontece em uma nova entonação, por exemplo. A repetição irônica de um cumprimento, de acordo com as contribuições de Fiorin (2006, p. 74), já lhe daria um novo sentido.

Como já foi explicado anteriormente sobre a distinção de gêneros primários e secundários, cabe aqui apenas reforçar que, conforme Machado (2007, p. 155), “as esferas de uso da linguagem não são uma noção abstrata, mas uma referência direta de enunciados concretos que se manifestam nos discursos”.

Em suas contribuições, Bakhtin (2010, p. 264) vem nos alertar sobre a importância dos estudos da natureza do enunciado e da diversidade de formas desses gêneros de enunciados para os vários campos da atividade humana e para todos os campos da

10

A hibridização conforme Bakhtin (1997, p. 358) “... é uma mistura de duas linguagens sociais dentro dos

limites de um único enunciado; um encontro, dentro da arena de um enunciado, entre duas consciências lingüísticas diferentes, separadas uma da outra por uma época, pela diferenciação social ou por algum outro fator”.

Referências

Documentos relacionados

destacar que além de fazer parte de um projeto de extensão e do programa do governo Museu da Escola, este trabalho de “tirar os documentos do silêncio e

II - necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública,

aos aspectos de desempenho do combustível através da avaliação do trabalho específico com utilização de motor ciclo Otto juntamente com a análise dos gases da

Estes juízos não cabem para fenômenos tão diversos como as concepções de visões de mundo que estamos tratando aqui.. A velocidade deste mundo

A autuada deverá ser informado de que a não interposição de recurso ocasionará o trânsito em julgado, sendo o processo remetido ao Núcleo Financeiro para cobrança da multa.. O

Assim, especifi cações e equipamentos irão diferir em relação às informações listadas no livro para os iates da Princess destinados à América do Norte (p. ex., condicionamento

Em trabalho recente publicado por Doménech-Carbó, 2013, foi desenvolvido um método usando voltametria de micropartículas imobilizadas para um screening rápido em amostras sólidas

Para criar essa organização, instruções simples do programa – como mudar o valor de uma variável ou desenhar uma imagem na tela do computador –, são interconectadas a