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Arquitectura Mediada. Do valor expositivo ao consumo da Arquitectura

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EDITAL

O autor declara que todas as citações1, apesar de

devidamente assinaladas, foram livremente tra-duzidas para português, tendo em conta que o recurso a citações obriga já a uma descontextual-ização e mudança de escala.

Esta opção aparece numa comunicação que sabe não poder pretender deter nenhuma garantia em si própria e de modo definitivo.

1 Exceção para o texto introdutório que foi tran-scrito na integra.

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ARQUITETURA MEDIADA

do valor expositivo ao consumo da arquitetura

Diogo de Sousa Monteiro da Rocha

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Agradecimentos

Ao professor Luís Viegas pelo interesse e pela disponibilidade Aos meus pais e irmã por estarem sempre presentes

Ao Estrela, ao Beto e ao Gonçalo pela amizade Ao Bando por todos os momentos

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Exhibitions are instruments of economic and cultural work. They must be handled with care.

An exhibition depends both as to type and effect on the basic problem it sets. The history of the great exhibitions has shown that only those exhibitions were success-ful that dealt with current problems and that employed means corresponding to their goals.

The period of representative exhibitions with profitability is past. Decisive for us is the productive achievement of an exhibition, and its value can only be demonstrated by its cultural impact.

Economic, technological, and cultural preconditions have changed fundamentally. Technology and economy face totally new problems. It is of crucial importance that they be correctly recognized and that meaningful solutions be found; not only for economy and technology but for our entire social and cultural life.

If the German economy, and beyond that the European, wants to maintain its posi-tion, it must recognize its specific task and act on it. Its ways goes from quality to quantity, from extensive to intensive.

On this itinerary, economy and technology encounter the important forces of spir-itual and cultural life.

We stand in the middle of a transformation, a transformation that will change the world.

To point to this transformation and further it, that will be the task of upcoming exhibitions. Only if they succeed in illuminating this transformation suddenly and forcefully will they achieve a productive effect. Only if the central problem of our time – the intensification of life – becomes the content of the exhibition will they find meaning and justification.

They must be demonstrations of leading forces and bring about a revolution of our thinking.

Mies - “On the theme: Exhibitions”.

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ARQUITETURA MEDIADA

do valor expositivo ao consumo da arquitetura Preliminares

objeto. objetivo. método.

Abertura

o valor expositivo como valor intencional

1. Arquitetura

1.1. Mediações da Arquitetura na Cidade

1.2. Arquitetura na Cidade 1.3. O Contentor 2. Interface 2.1. Expor Arquitetura 2.2. Formatos Expositivos 2.3. Sistemas Expositivos 3. Exposição

3.1. A Mediação do Valor Expositivo

3.2. A Mediação da Imagem

3.3. A Mediação da Arquitetura

Fecho

da produção ao consumo da arquitetura Bibliografia pág . 13 pág. 23 pág. 35 pág. 45 pág. 53 pág. 65 pág. 77 pág. 89 pág. 103 pág. 113 pág. 123 pág. 135 pág. 143

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Preliminares

Objeto

Arquitetura Mediada: do valor expositivo ao consumo da arquitetura é uma reflexão em torno da arquitetura enquanto produção cultural, considerando a mediação e os mediadores como instrumentos instigadores do pensamento arquitetónico.

Este enquadramento permite a eleição do formato da exposição como forma privi-legiada para uma mediação crítica da arquitetura, como passo intermédio das rela-ções que se estabelecem entre a produção e a receção da arquitetura.

O valor da mediação por exposição assenta, assim, na sua plausibilidade, numa su-posta certeza que precede o objeto arquitetónico. No entanto, o seu valor não se esgota no objeto. Para além da sua plausibilidade, a exposição, oferece a procura de uma realidade própria, auto-referente. A distância que se afirma entre o objeto arquitetónico e a sua representação possibilita a formulação de outras leituras, ex-plorando ideias, experiências, desejos e memórias.

A realização de que a arquitetura pode ser difundida e rececionada fora do âmbito da sua experiência direta, permite construir a consciência de que a produção do meio e a produção da experiência são duas partes do mesmo processo.

Objetivo

Tomou-se como possível definição de teoria a forma de entender e pensar um fenó-meno a partir da observação.

Assim, o estudo situa-se no campo da reflexão teórica, onde a produção de resul-tados é suportada pelos pressupostos, contextos e orientações gerados ao longo da investigação.

Como defende Rem Koolhaas,1 a criação é um processo de excesso e seleção, em que

forças exteriores e interesses particulares (as circunstancias da investigação) deter-minam o que prevalece. As ideias que sobrevivem evoluem por um processo de

mu-1 KOOLHAAS, Rem (2003) Content. Koln: Tashen

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reconhece a arquitetura como prática cultural e refere que “enquanto objeto da so-ciologia, a cultura abarca estes aspetos de relação com o todo social e teoriza ainda numa das categorias mais transversais e efetivas de análise, uma verdadeira caixa de ferramentas, para concetualizar e encarar a realidade contemporânea e as práticas que nela se desenrolam”2.

Este particular entendimento da arquitetura como produção permite analisar tanto o seu processo como os seus resultados, caracterizando tanto as suas transforma-ções e relatransforma-ções com a realidade contemporânea como também analisando as suas práticas e a atuação dos seus praticantes.

Considerar a arquitetura enquanto produção cultural é também reconhecer que esta pode ser objeto de consumo.

Esta consideração não pretende valorizar nem revelar uma suposta superficialidade na receção da arquitetura mediada, mas sim compreender de forma critica que os mecanismos de comunicação de massas, entre os quais a exposição, responsáveis pela difusão da cultura para uma audiência alargada, ao determinarem os conteúdos transmitidos, fazem-no de forma indissociável das lógicas do sistema de consumo.

2 GADANHO, Pedro (2005) Arquitectura e Mediatização Generalista, 1990-2005 Uma crítica cultural do campo arquitetónico. Tese de Doutoramento em Arquitetura apre-sentada à FAUP p.34

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Assim, a compreensão deste campo interpretativo relativo à atmosfera do consumo permite entender as relações entre o discurso especializado da arquitetura e a rece-ção do mesmo pela audiência não especializada que normalmente é o seu destina-tário.

Em suma, esta dissertação deve ser entendida como um estudo das condições de receção da arquitetura enquanto prática cultural contemporânea, onde a Exposição se apresenta como um programa aberto à realização de experiências de forte expres-sividade e ensaio arquitetónico.

Método

A componente metodológica de uma dissertação e o modo como é feita a sua pquisa pode constituir um interesse de análise tão importante como o objeto de es-tudo.

Neste sentido, torna-se importante definir uma série de conceitos que se tornam estruturantes na elaboração de um estudo e de um entendimento do material pes-quisado e sobre os quais serão deduzidas hipóteses, isto é, suposições específicas sobre as relações existentes entre as variáveis. Esta seleção de conceitos não pretende ser um dicionário dos seus possíveis significados, mas antes uma delimitação dire-cionada para o objetivo pretendido. A identificação de conceitos remete não para o campo dos fenómenos, mas sim para o das ideias.

A interpretação de um texto é a descoberta das imagens produzidas pelos conceitos. Refere-se, assim, uma definição do filósofo tcheco Vilém Flusser, onde no seu ensaio “A Filosofia da Caixa Preta” introduz a noção de escrita como meta-código da ima-gem. Imagens e textos possuem uma relação dialética em que os textos explicam as imagens com a finalidade de as decifrar e as imagens ilustram os textos a fim de os compreender. Adotou-se um modelo de dissertação que procura a produção de uma leitura mais marginal e especulativa através de imagens paralelas ao texto principal, promovendo a formação um lastro que acompanhe a leitura. Estas imagens são in-terfaces que pretendem representar algo. Ao vagueá-las, o olhar vai estabelecendo relações temporais entra as imagens: uma imagem é vista após a outra e o olhar Preliminares

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ção. O sentido linear do texto introduz um sentido direcional no leitor, enquanto a leitura das imagens é feita sem sentido de movimento.

Definida a natureza e enquadramento da arquitetura mediada importa agora abor-dar a metodologia escolhida para a desconstrução desta problemática.

Assim, optou-se por dividir o objeto em duas realidades: uma relacionada com a cidade, com o exterior que alberga o contentor, capaz de alcançar uma audiência alargada, e à qual se nomeou Arquitetura; a outra relacionada com o conteúdo, com o interior que compreende os dispositivos relacionais mas que os ultrapassa, e que se intitulou de Exposição. No encontro destas duas realidades produz-se o tema, o interface que relaciona a Arquitetura com a Exposição produzindo ligações determi-nantes e decisivas entre os dois. A este último ponto designou-se Interface.

No primeiro capítulo desta dissertação, intitulado Arquitetura, entendeu-se a arqui-tetura como o protótipo histórico de um consumo de massas, que, como defendia o filósofo alemão Walter Benjamin4, mesmo impondo-se no espaço público nem por

isso impõe uma contemplação do tipo estética. Surge, assim como modelo de uma atividade ou construção que permite alcançar uma audiência alargada sem esta ne-cessitar de uma atenção especializada.

3 FLUSSER, Vilém (1985) Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Editora Hucitec, São Paulo. p.8

4 BENJAMIN Walter (2012) “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água. p.90

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É, também, abordada a ideia defendida por Ignasi Solá-Morales5 de que a

arquitetu-ra pode ser difundida e rececionada sem a necessidade de uma experiência direta, mas através de mediadores que são utilizados para aceder a ela. A arquitetura pode ser tanto meio como resultado da mediação.

São, ainda, exploradas as relações culturais que se estabelecem numa sociedade de consumo onde a atividade produtiva depende intrinsecamente das formas de inter-câmbio, material e simbólico.

Estas formas de intercâmbio necessitam de um cenário onde se produza a represen-tação do ritual de consumo. Assim, é proposta a categoria de contentor para cara-terizar estes cenários que aparecem como monumentos cerimoniais produtores de cultura e valor, abertos à realização de experiencias de expressividade social.

O museu entendido como contentor é sempre lugar, existe no lugar, mas divide-o em duas realidades, a interior e a exterior. É esta separação generalizada, identifi-cada por Guy Debord6 na sua denúncia em a “Sociedade do Espetáculo”, que cria o

espaço para a representação, a distância entre o mundo exterior e os dispositivos de distribuição e consumo cultural.

O segundo capítulo, sob o título Interface, disserta sobre a definição da natureza do objeto mediado, a arquitetura. Neste sentido, o entendimento da arquitetura en-quanto produção cultural é, antes de mais, uma opção estratégica. Assim, estudar a prática da arquitetura através dos seus mediadores requer um enfoque especial sobre as consequências e condicionantes práticas dos seus impactos culturais por oposição a uma análise ao seu discurso especializado.

Desta forma, são exploradas as problemáticas levantadas pela exposição de arqui-tetura, desde as questões da representação até à capacidade de implicar a audiência como elemento descodificador de uma mensagem, entendendo o papel da media-ção e dos seus mediadores na definimedia-ção da mensagem.

5 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.110 6 DEBORD, Guy (2012) A sociedade do espectáculo, Antígona, Lisboa. p.9

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sentido de comunicar uma mensagem. Neste sentido, reconheceu-se e catalogou-se os sistemas utilizados nas exposições com o intuito de compreender as especificida-des das suas comunicações.

No terceiro capítulo, Exposições, reflete-se sobre uma visão subjetiva proposta por Walter Benjamin, que revela a consciência da incapacidade de comunicar uma mensagem que não seja condicionada pelo mídia que a transmite. Assim, como refere Pedro Gadanho, o filósofo alemão compara o valor expositivo ao “valor da troca na medida em que esta penetra a instituição da arte com o seu enquadramento contextual”.7

O valor expositivo é aqui entendido não apenas como um dado contextual, garan-tido pelo peso representativo do meio de difusão, mas também como um valor in-tencional, construído e acrescentado pelas partes intervenientes na sua construção, funcionando também elas como mediadoras.

É explorado, também, o poder da mediação da imagem, na medida em que a pro-dução de imagens era já uma necessidade histórica, ainda que vocacionadas para a construção, mas principalmente pela capacidade da imagem de arquitetura se con-fundir com as suas representações e reproduções. No atual sistema de dependência 7 GADANHO, Pedro (2005) Arquitectura e Mediatização Generalista, 1990-2005 Uma crítica cultural do campo arquitetónico. Tese de Doutoramento em Arquitetura apresentada à FAUP p.110

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de ícones, as imagens apresentam-se como estímulo à subjetividade, à descontextu-alização, à substituição e à manipulação.

Neste sentido, pode-se considerar a mediação de arquitetura como mídia, pela sua capacidade de ultrapassar a apresentação estritamente canónica de conteúdos e in-corporar relações metafóricas e literais com objetos e ideias, abrindo espaço para a existência de múltiplos significados. Esta capacidade de manipular os conteúdos e de os difundir a uma audiência alargada permite entender a arquitetura tanto como um meio de comunicação de massas como um reflexo da sociedade do espetáculo identificada por Guy Debord.

No fecho desta dissertação propõe-se consolidar a ideia de arquitetura como objeto de consumo. Desta forma, entender as mediações e mediadores da arquitetura exige instigar as diferentes dimensões do seu consumo e da sua integração nos consumos que atravessam a sociedade atual.

Assim, entender em que cenários de influência a arquitetura enquanto produção cultural passa a reger-se pelas lógicas do consumo, passa por questionar de que for-ma integra a chafor-mada Sociedade de Consumo proposta por Jean Baudrillard8. Na

perspetiva deste autor é possivel assistir à orientação das produções culturais, neste caso a arquitetura, para as audiências que determinam as lógicas do consumo, en-fatizando os papéis privilegiados assumidos pela imagem, performance, cenário e pela mediação do evento. Aqui a arquitetura pode ser entendida como uma produ-ção cultural que faz parte integrante da atmosfera do entretenimento e consumo.

8 BAUDRILLARD, Jean (2011) A Sociedade de Consumo. Edições 70, Lisboa. p.123

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Abertura

Onde o mundo real se converte em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais, e moti-vações eficientes de um comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normal-mente na vista o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tacto; o sentido mais abstracto, e o mais mistificável, corresponde à abstração gen-eralizada da sociedade actual.

Onde quer que haja representação idependente, o espectáculo reconstitui-se.

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1. Cartaz da Exposição Universal de Paris.1889 2. Cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de

Atlanta 1996

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Walter Benjamin1 sugeria que a arquitetura e o cinema eram recebidos pelo

especta-dor num estado de distração. A arquitetura apresentar-se-ia como uma prática cul-tural cuja receção revelava uma condição, apropriada à época moderna, que Benja-min diferenciava da obra de arte. A arquitetura apresentaria, assim, uma alternativa para a perda da aura da arte na era da sua reprodutibilidade técnica.

Embora de forma desigual, a arquitetura das últimas décadas reclamou a aura da produção cultural elevada e, ao mesmo tempo, procurou intrometer-se no quotidia-no procurando uma fratura deliberada do estado de distração de que falava Benja-min.

Exposições, demonstrações culturais ou ações populares, entendidas sempre como sistemas para comunicar e transmitir cultura, destacaram-se como sistemas eficazes para chegar ao espectador e romper com a receção distraída.

O suporte exposição, com aquilo que converge em si mesmo – a montagem, publi-cidade, catálogo – tornou-se na forma de expressão mais utilizada na contempora-neidade. A exposição substitui a educação, a ilustração e o conhecimento, não só nos âmbitos de transmissão mais habituais, mas também no processo ao qual Pedro Gadanho2 chama de “Mediatização da Arquitetura”. Acontecimentos como a

come-moração do 200º aniversário da Revolução Francesa em 1989, ou as cerimónias de inauguração dos Jogos Olímpicos, exemplificam como a exposição substituiu a co-memoração e lança a capacidade do espetáculo na absorção e substituição daquilo que se pretende representar.

Em 1967 o filósofo francês Guy Debord3 apresenta a sua denúncia “A Sociedade do

Espectáculo”, onde apontava as facilidades e os perigos desta forma de transmissão de conhecimentos, pois converte tendencialmente em passivo e espectador o rece-tor dos mesmos, ao mesmo tempo que é capaz de modificar o carácter dos próprios conteúdos. Tudo quanto se relaciona com o espetacular deve variar o seu conteúdo 1 BENJAMIN Walter (2012) “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água. p.90

2 GADANHO, Pedro (2005) Arquitectura e Mediatização Generalista, 1990-2005 Uma crítica cultural do campo arquitetónico. Tese de Doutoramento em Arquitetura apresentada à FAUP p.62

3 DEBORD, Guy (2012) A sociedade do espectáculo, Antígona, Lisboa. p.12

Abertura

Abertura

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4.

3. Velvet and Silk Café.1927 - Mies van der Rohe e Lilly Reich 4. Sala da Joalharia Antiga.1936 -

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básico para poder ser transmitido. A exposição não é, assim, apenas um meio de comunicação mas uma comunicação, uma mensagem em si mesma; um veículo capaz de modificar a mensagem em função da sua própria maneira de entender a transmissão. Ou, como defendia o autor canadiano Marshall McLuhan4, “O meio é

a mensagem”.

É patente o papel que as exposições universais dos finais do século XIX e princípios do século XX tiveram para a arquitetura. Os trabalhos de Josef Olbrich no pavilhão da Secessão em Viena, de Bruno Taut no pavilhão de cristal em Colónia em 1914, ou de Walter Gropius na Exposição de Materiais Férreos de Berlim em 1934, entre outros, não só definiram uma forma de intervir neste tipo de demonstrações como também marcaram os princípios do desenvolvimento das vanguardas arquitetóni-cas.

Assim, é possível reconhecer nos trabalhos de Lilly Reich e Mies van der Rohe a investigação de novos conceitos de ação teatral e a de conceção de exposições. Nas suas exposições confundem-se voluntariamente cenografia e conteúdo, criando, a partir dos objetos a expor (vidro, tecidos), o próprio espaço que os expõe. O pavi-lhão de Barcelona de 1929 serve de exemplo por se tratar de um lugar que se expõe a si mesmo, as suas dimensões, o seu tamanho e as suas qualidades. Este vazio não está em função mas sim na génese de uma linguagem espacial própria que conta-minou a arquitetura da época moderna convertendo-se na sua imagem de marca. Depois da 2ª Guerra Mundial surge uma nova forma de expor. Assumidas já defi-nitivamente as características formais da nova linguagem da modernidade, aparece de novo o interesse pelo objeto a expor. Com Albini, Carlo Scarpa, BBPR, Gabetti e Isola, o objeto recebe um tratamento individualizado, respeitoso e distanciado do material que serve para expô-lo. Objetos perfeitamente iluminados, depositados em fundos de cor adequados e suportes desenhados ao detalhe.

Franco Albini reproduz estas características quando desenvolve as suas exposições mais conhecidas: a mostra de Joalharia Antiga em 1936, a sala Zama em 1940 ou a sala do Chumbo e Zinco em 1941, todas em Milão. Em todas é recorrente a criação das estruturas ligeiras em metal e cabo de aço tencionado.

4 MCLUHAN, Marchall FIORI, Quentin (2008) The Medium is the Message: An Inventory of Effects, Penguin Books. p.7

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5. Pavilhão da Austria na Trienal de Milão.1968 - Hans Hollein 6. National Football Hall of Fame.

- Robert Venturi

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Como consequência natural desta atitude, surge em meados dos anos 60 uma cor-rente que apoia a sua atitude não tanto na atenção em relação ao objeto exposto, mas antes numa ideia global na qual o objeto tem uma missão complementar, e cujo objetivo principal é a compreensão por parte do observador. Assim, não se trata tanto de mostrar os objetos mas antes de fazer participar o sujeito numa série de experiencias que lhe confiram suficiente informação para que este seja capaz de julgar, valorizar e finalmente entender a ideia que se está a expor. Repercussor das tendências artísticas da época, através de instalações e performances, este conceito tem possivelmente o seu expoente arquitetónico nos trabalhos de Hans Hollein. Hollein desenha o pavilhão da Áustria para a Trienal de Milão de 1968. Destinado de antemão a mostrar produtos de fabricação própria, o pavilhão resolve-se com a construção de 17 passagens de diferentes comprimentos, cada um dos quais desti-nado a provocar uma sensação distinta a quem o atravessa.

Contudo, esta forma de trabalhar encontra um marco nos Estados Unidos com o aparecimento de Robert Venturi no panorama arquitetónico dos anos 60 que redefi-ne, a partir das bases criadas por Hollein, os conceitos de exposição. A proposta de Venturi para a Franklin Court de Filadélfia em 1972 é um dos exemplos da utiliza-ção da cenografia para a construutiliza-ção de um lugar. Venturi projeta o arranjo da zona onde estava a antiga casa de Benjamin Franklin. Desaparecida a casa, a proposta reconstrói-a virtualmente com uma estrutura metálica que reproduz o seu volume, situando por baixo dela uma exposição em que se reproduzem cenas da vida do estadista.

A transposição desta situação para o mundo da arquitetura é, no caso de Venturi, imediata. A sua proposta para o National Football Hall of Fame é um bom exemplo pois o edifício converte-se no anuncio daquilo que alberga e o caracter expositivo define a sua morfologia através de um corredor onde projetam imagens, construin-do uma arquitetura virtual sobre a concreta.

Estas duas maneiras de compreender e desenvolver uma exposição: ora atendendo e dando protagonismo ao objeto que se expõe, ou pelo contrário, centrando-se mais no sujeito que contempla essa exposição conviveram até os finais dos anos 90.

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Contudo, a partir deste momento é possível observar a construção de uma nova ati-tude tanto me relação ao objeto, como ao sujeito, no sentido de os equiparar como elementos de importância semelhante na construção de uma exposição.

Em 2010 sob a curadoria de Kazuyo Sejima a Bienal de Arquitetura de Veneza apre-sentou o projeto de Mathias Schuler e Tetsuo Kondo intitulado Cloudscape nos es-paços do Arsenale. Aqui é dada a oportunidade ao sujeito que visita a exposição de ter uma experiência corpórea, de estar fisicamente dentro de uma nuvem e sentir as condições que a provocam, o calor e a humidade. A nuvem está em transformação constante, e permite ser experienciada de baixo, de cima e entre o vapor de água através de uma passerelle suspensa nas colunas do edifício do Arsenale. “A natureza efémera e evocativa da instalação estimula uma nova interpretação do espaço pela pessoa que a experiencia, criando uma relação de mútua transformação entre espaço e individuo.” 5

É possível assistir a uma atitude semelhante da relação do sujeito com a exposição, umas vezes de forma mais crítica, outras de forma mais lúdica, nas exposições/ins-talações desenvolvidas pelos like architects, sendo que para eles a relação entre ob-jeto, suporte e sujeito são material equivalente na construção da exposição. Assim, o objetivo ultrapassa o da simples mostra de objetos de determinada forma, para relacionar os intervenientes como elementos de construção de uma mensagem. Esta atitude tende a repensar a forma de expor, mas sobretudo, a forma de olhar para o observador e, dessa forma, da exposição ser assimilada. Atualmente, objeto e sujeito tendem a somar-se na construção de uma ideia comum, sem distância entre as partes, incapaz de fechar uma leitura específica, aberta a qualquer interpretação. O valor expositivo apresenta-se, então, como um valor intencional, como uma me-diação cultural acrescentada à produção da arquitetura pelas lógicas, mecanismos e contextos da sua difusão.

5 SEJIMA, Kazuyo (2010) “People meet in architecture”: Biennale Architecture 2010/ La Biennale di Venezia p.15

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1. Arquitetura

Em grandes épocas históricas altera-se, com a forma de existência colectiva da humanidade, o modo da sua percepção sensorial. O modo em que a percep-ção sensorial do homem se organiza - o medium em que ocorre - é condicionado não só naturalmente, como também históricamente.

Walter Benjamin, A Obra de Arte na Era da Sua Re-produtibilidade Técnica

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1. Wall Street.1864 2. Wall Street.1915 - Paul Strand

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1.1. Mediações da Arquitetura na Cidade

A cidade fornece uma das atmosferas em que a experiência do consumo da ar-quitetura se torna inevitável. A arar-quitetura vivida, mediada e mediatizada torna-se numa das produções culturais que participa na criação de cenários onde acontece o processo de troca que se definiu como consumo, onde ela própria é também um sinal de diferenciação do produto.

Assim, falar das mediações da arquitetura é falar das questões da sua receção, pro-vavelmente mais do que da sua produção. Receção, comunicação e interpretação são partes equivalentes do processo de difusão da arquitetura.

Como afirmou Pedro Gadanho, “esta posição opõe-se desde logo ao modo como a disciplina da arquitetura se contenta tão frequentemente em pensar que o seu filtro se esgota na conclusão da construção de uma obra – na sua apresentação ao mundo – e obviamente que é aí que se inicia a sua verdadeira vida social e cultural. De facto, paradoxalmente, é esta postura que predispõe a arquitetura para o simples consumo, isto é, a sua consumação e terminação imediata como produção cultural logo após a sua saída do circuito de produção.” 1

Com base nesta premissa elegeu-se Walter Benjamin como autor referência quando este faz referência à receção distraída no texto “A Obra de Arte na Era da Sua Re-produtibilidade Técnica”2. O autor faz uma comparação entre a receção da arquitetu-ra e os outros mídia, como o cinema, que emergiam com o consumo de massas. Benjamin começa por destacar a ideia de que o grande aumento da audiência pro-move uma participação de um tipo diferente. Assim, é contrariada a ideia de que a receção, para não correr o risco de uma suposta superficialidade, necessita de recol-himento por oposição a uma receção de massas. “Pelo contrário, as massas em dis-tração absorvem em si a obra de arte. A construção de edifícios é disto o exemplo mais elucidativo. A arquitetura sempre foi o protótipo de uma obra de arte, cuja receção foi distraída e coletiva. As leis da sua receção são as mais instrutivas”. 3

1 GADANHO, Pedro (2005) Arquitectura e Mediatização Generalista, 1990-2005 Uma crítica cultural do campo arquitetónico. Tese de Doutoramento em Arquitetura apresentada à FAUP p.73

2 BENJAMIN Walter (2012) “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água. p.90

3 Ibidem p.90

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É possível entender que Benjamin reconhece na arquitetura o seu consumo coletivo quando afirma que “a sua capacidade de se atualizar é importante para qualquer ten-tativa de compreensão da relação das massas com a obra de arte”.4

Desta forma, o autor avança para a caraterização da receção da arquitetura, distin-guindo dois tipos: a receção através do seu uso ou através da sua perceção, ou seja, de forma tátil ou de forma ótica.

A receção tátil, através do uso, não se refere tanto à imagem, ou à contemplação, mas antes ao hábito, que influencia de forma determinante a receção visual. Benjamin afasta assim uma receção por contemplação, “se atendermos ao tipo de recolhimento que é habitual num grupo de viajantes perante edifícios célebres”5. Assim, a arquite-tura, tal como o cinema, apresentar-se-ia como obra de arte privilegiada pelo seu processo de receção se dar mais através de uma observação quotidiana e natural do que por um esforço de atenção.

A arquitetura aparece então associada a uma transformação lenta, impondo-se no espaço público, mas nem por isso impondo uma receção passiva, pois, no seu uso quotidiano vão sendo identificáveis as pequenas transformações a que os hábitos se sujeitam. Esta receção em estado de distração produz-se através do conjunto de acções praticadas que vão constituindo a rotina e colaborando para a apropriação da arquitectura de uma forma gradual mas que se afasta da superficialidade e levianda-de levianda-de uma recessão passiva.

“Também quem se distrai pode criar hábitos. Mais: poder dominar certas tarefas na distração só prova que a sua resolução se tornou um hábito.”6 O autor sugere assim a cidade como um mediador capaz de mobilizar as massas. Ou seja, a receção distra-ída de que nos fala o autor permite alcançar um número alargado de destinatários sem que para isso seja necessário exigir uma atenção especial.

4 BENJAMIN Walter (2012) “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água. p.90

5 Ibidem p.90 6 Ibidem p.91

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5. Maquete da Torre Eiffel.1884 - Arquivo Museu D’Orsay 6. Torre Eiffel e Campo de Marte visto do

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Para Walter Benjamin a arquitetura é, assim, a afirmação histórica da mobilização de massas, através do seu modo de receção distraído e não do seu modo de produção. Esta capacidade de atingir uma audiência alargada é também a que lhe confere o seu significado social e capacidade emancipadora: “quanto mais o significado social de uma arte diminui, tanto mais se afastam no público as atitudes públicas e de fruição.”7 Walter Benjamin sugeria, assim, que a arquitetura teria duas possíveis formas de receção, todas relacionadas com uma experiencia direta, existencialista. No entanto, é a ideia de que a arquitetura pode ser rececionada, e também difundida, fora do âmbito da experiencia direta que permite estabelecer uma relação direta entre pro-dução – mediação – receção.

Assim, a noção existencialista da receção da arquitetura partia do pressuposto de que os lugares só existiam através da relação estabelecida entre eles e os indivídu-os de uma forma direta, corpórea. No entanto, e na medida em que as mediações da arquitectura atuam sobre a receção da obra arquitetónica, a arquitectura passa também a ser produzida para a sua reprodução. Assim, dizer que a arquitectura é pensada para a sua reprodução é entender a arquitectura como produção cultural que recorre a mediações para se fazer aceder.

No entanto, a partir da consideração de Ignasi Solá-Morales na qual o arquiteto afirma que “a veracidade que podemos conceder aos meios através dos quais conhece-mos as arquiteturas e a paisagem urbana, são dados inevitáveis, necessários, na nossa aproximação a esta realidade”8, é possível constatar que podemos conceber de outra forma experimental a relação entre individuo e lugar.

A arquitetura e a cidade são à vez o meio e o resultado da mediação, numa realidade que não espera para ser acedida, contemplada, mas que se produz através dos meios que utilizamos para lhe aceder. Assim, pode-se constatar que a primeira condição da experiência é a existência de mediadores e da mediação.

7 BENJAMIN Walter (2012) “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água. p.83

8 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.110

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Como afirma Solá-Morales, “produção do meio e produção da existência são duas caras do mesmo processo”9, sendo que entender a receção da arquitetura não passa só por entender os meios que a fazem acessível mas também por compreender que, a mediação é arquitetura.

O autor prossegue ainda afirmando que “a visão moderna caracteriza-se por ser uma construção exterior e indireta, mediatizada.”10 Assim, pode-se entender que a visão é sempre algo exterior, que não é absorvida pela cidade ou pela arquitetura, é sempre separada e cuja disponibilidade de apreensão da realidade depende invariavelmente do meio que a organiza.

“A tecnificação do olhar e a sua mediação não representa uma perda de realidade, de autenticidade ou de vida. Pelo contrário, representa a concretização do nosso campo visual, a multiplicação das suas possibilidades.”11

A visão e a perceção aumentam as suas possibilidades de acesso à realidade median-te mecanismos que diversificam e especializam esse acesso. Assim, a utilização de técnicas que são completamente alheias aos processos naturais, como a ampliação, redução, reprodução, proporcionam o acesso a campos da realidade sobre os quais operamos permanentemente e que de outra forma não teríamos acesso. Os fenóme-nos de mediação possuem, assim, um suporte técnico caracterizador e diferencia-dor de outras mediações, e que permite tornar acessíveis e apropriáveis os sons, as imagens e as perceções.

Esta forma de entender a produção arquitetónica como mediadora e mediação ca-paz de estruturar as imagens provisórias e ininterruptas que construímos da realida-de constitui uma forma não existencialista realida-de entenrealida-der a arquitetura. Esta conceção entende os mediadores como os instrumentos de acesso, como interface, explora as suas capacidades de proporcionar acesso a estratos da realidade e a atmosferas dis-tintas da totalidade ou do essencial.

9 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.111 10 Ibidem p.114

11 Ibidem p.116

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Podemos então caracterizar estes mediadores como dispositivos destinados a pro-duzir possibilidades de acesso à realidade, ao mesmo tempo que aumentam a sua prestação. Possuem um papel organizador, processual e narrativo. São interfaces que estimulam a informação e as interações com a realidade. São veículos transmissores e difusores de significados enquanto estruturas que permitem construir e recons-truir lugares.

“Uma teoria da cidade e da arquitetura deve ser hoje uma teoria dos mediadores sem o medo nem a angústia que estamos a propagar múltiplos procedimentos carentes de rigor e permanência.”12

Este entendimento das Mediações da Arquitetura na Cidade é o invólucro duma re-alidade mediatizada pelas suas imagens onde existe uma preponderância evidente da cultura visual e dos mecanismos culturais específicos utilizados pela arquitectura para adquirir visibilidade e se reproduzir face às suas audiências no sentido de se intrometer no quotidiano para romper com a receção distraída.

12 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.118

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1./2. Hong Kong Yesterday.2006 - Fan Ho

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1.2. Arquitetura e Cidade

“Que a arquitetura é consubstancial à cidade está fora de dúvida.”1

Na cidade contemporânea a arquitetura faz parte da cidade materializando parte dos espaços nos quais se desenvolvem a vida urbana, no entanto, é possível constatar que a cidade é composta por mais do que as suas arquiteturas ou edifícios, sendo que as relações que se estabelecem entre pessoas, arquitetura, mediação e produções culturais são uma parte tão concreta e visível como os edifícios que compõe a ci-dade. Desta forma, é identificável que os pontos de contato entre a obra arquitetóni-ca e a cidade têm um referente arquitetónico mas também cultural. Existe, assim, uma relação estreita entre a produção da arquitetura e a sua receção. Ver, entender e problematizar a rede de interações entre arquitetura e cidade é reconhecer o seu próprio lugar, os seus mediadores e a sua capacidade de interação, as suas transfor-mações.

Como constatou o arquiteto catalão Ignasi de Solá-Morales “o organicismo difuso foi o modelo subjacente com o qual se entendeu as transformações das cidades. Ao mesmo tempo que num ser vivo os órgãos crescem, adaptam-se e transformam-se, também na cidade os seus órgãos, as suas arquiteturas, crescem, adaptam e transformam em interação com o meio natural ou social que preestabelece o âmbito destas mesmas trocas”.2 Desta forma, as trocas que o autor refere, produzem alterações em

carac-terísticas de certas arquiteturas que por sua vez provocam ruturas ou mutações, não só num edifício mas em toda a cidade. Neste modelo de organicismo difuso as tro-cas e mutações são explicadas não só através da larga duração e permanente ajuste entre forma e função mas também, como reconheceu Walter Benjamin, através da capacidade que a arquitetura possuí em se atualizar.

Assim, estes critérios de troca, não são só relativos ao desenho da cidade, à margem da edificação, pois esta distinção ou separação perde o sentido quando falamos de um processo mutacional. Como acrescenta Solá-Morales, “só uma absoluta inter-ação entre sistemas e arquitetura, que produza ao mesmo tempo como a expressão dinâmica da mutação, pode dar a uma cidade e a uma arquitetura acordes com as características do processo.” 3

1 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.79 2 Ibidem p.83

3 Ibidem p.87

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3. Prada Flagship Strore NY.2006 - Rem Koolhaas 4. Red Light District, Amesterdão 4.

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Estes fenómenos de intercâmbio constituem o verdadeiro centro da arquitetura mediada. Assim, na sociedade de consumo, a atividade produtiva está dependente das formas de intercâmbio que organizam as relações entre arquitetura, mediação e consumo. O encontro com o produto necessita de um espaço, um cenário, onde se realize a representação daquilo que é o mercado. No entanto, não se pretende referir aqui um mercado que se restringe apenas a produtos essenciais, tendo em conta a dificuldade de determinar o essencial numa sociedade de consumo e com crescentes vontades individuais, mas antes um sistema complexo que se centra no desejo. A arquitetura do movimento moderno construiu um discurso sobre os princípios da realidade de mercado e sobre a ritualização do consumo – consumo de obje-tos, de cultura, de espetáculo, de informação – tornando em objeto, ou produto, as necessidades e desejos individuais. Estas considerações levaram Walter Benjamin a definir os espaços comerciais como os novos espaços de rituais e fetichistas da sociedade moderna.

Neste seguimento é possível identificar quais as características destes cenários onde os rituais de consumo se produzem, onde a difusão do produto encontra a receção das audiências. Propomos, então, a categoria de contentor para definir estes espaços. Esta definição é utilizada à partida, no sentido de lugar onde se desenvolve o proces-so de intercâmbio atrás descrito, lugar privilegiado da progressiva democratização da arte e da cultura de massas, da difusão da cultura e da informação. No sentido de provocar funcionalmente o processo entre produção, mediação e consumo, atribuiu-se a designação de contentor aos espaços onde este processo de mediação ocorre. Na atualidade, estes contentores para a mediação, lugares de arquitetura mediada, podem aparecer sob a forma de museus, galerias expositivas ou centros culturais. Assim, avançou-se para a definição de contentor através da noção do arquiteto es-panhol Josep Maria Montaner4, onde o autor se refere a contentores como a

con-strução de lugares que já não são interpretados como recipientes existenciais per-manentes, mas, entendidos como focos de acontecimentos, como concentração de dinâmicas, como caudais de fluxos de circulação, como cenários de feitos efémeros, como momentos energéticos. A caracterização desta realidade espacial permite a 4 Cit por GURREIRO, Filipa (2000) Uma reflexão sobre um sistema expositivo para a FAUP, p.17

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5. Theatres Series.2003 - Hiroshi Sugimoto 6. WorkNo200:1/2 “the air in a given space”.1998 -

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identificação de vários fenómenos, entre os quais, aqueles que o autor identifica como espaços mediáticos, nos quais já não é predominante o espaço físico, trans-formando a arquitetura num contentor neutro, e por vezes transparente, com siste-mas de objetos, técnicas e de imagens que garantem uma configuração dinâmica e modificável.

Já o psicólogo alemão Rudolf Arnheim5, no seu livro “A Dinâmica da Forma

Ar-quitetónica”, identifica o contentor como espaço existente mesmo que completa-mente vazio. O autor propõe o contentor como base absoluta de referência, na qual, todas as distâncias, velocidades ou dimensões possuem dimensões igualmente abso-lutas. De certa forma esta definição identifica-se com um sistema cartesiano de co-ordenadas, no qual é possível estabelecer a posição ou os movimentos num espaço. O contentor é aqui um espaço dotado de forma que pode ser preenchido e moldado ininterruptamente. O espaço não existe por si só, necessita de um invólucro mais ou menos definido, mas que o contém, definindo os seus limites. Esta noção permite passar do contentor como embalagem para a de contentor como invólucro referen-cial do espaço que contém.

No entanto é a definição do arquiteto Ignasi Solá-Morales que mais se aproxima da noção de separação generalizada proposta por Guy Debord6 no seu texto

“Socie-dade do Espetáculo”. Solá-Morales refere os contentores como lugares “nem sempre públicos, nem exatamente privados, nos quais se produz o intercâmbio, a despesa, a distribuição dos presentes que constituem o consumo múltiplo das nossas sociedades altamente ritualizadas.” 7Assim, segundo este autor, um museu, um estádio, um

cen-tro comercial, um teacen-tro, uma ópera, um parque temático, um cencen-tro turístico, são contentores.

Estes espaços propõem sempre uma separação da realidade para criar com toda a evidência um espaço de representação. Uma separação física para não permitir a permeabilidade, a transparência ou a transitividade. Produzem, ainda, artificiali-dade através de um recinto fechado, protegido, vigiado. Artificialiartificiali-dade do clima, da organização e do controlo. Artificialidade do espaço interior, sempre interior mes-mo que seja ao ar livre, produzida por vários meios arquitetónicos, mas que estão sempre fechados pelo invólucro do contentor.

5 Cit por GURREIRO, Filipa (2000) ) Uma reflexão sobre um sistema expositivo para a FAUP, p.18

6 DEBORD, Guy (2012) A sociedade do espectáculo, Antígona, Lisboa. p.9 7 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.99

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7./8. Architecture Series.2003 - Hiroshi Sugimoto

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O autor acrescenta ainda que “há uma unificação do espaço que é prévia a todo o processo de diversificação artificial e que procede à condição essencial de separação que referimos. Nada tão mutável como uma coleção ou uma exposição dentro de um museu e, porém, nada tao rígido, tao controlado, separado, seletivo e homogéneo como estes templos de consumo que representam um dos fenómenos arquitetónicos mais po-derosos e determinados dos últimos vinte anos.”8 Os museus entendidos como con-tentores apresentam-se ao mesmo tempo como parte da sociedade e como instru-mento de unificação, como forma de separação e de homogeneidade.

A partir desta análise é possível identificar o processo de funcionamento dos museus enquanto difusores culturais, enquanto contentores, como cenários da ritualização do consumo. Desta forma, através da separação e homogeneidade acima referidas, os museus, com um discurso interno de ofertas culturais – exposições permanentes e temporárias, conferencias, reproduções, catálogos, mershandising - ficam aprisio-nados em toda a sua variedade de oferta pela distância intransponível que se cria entre mundo exterior e o mundo da representação cultural e dos dispositivos de difusão e consumo.

Estas realidades apresentam-se mais pelos seus aspetos rituais do que de funciona-mento, mais pela sua opacidade do que pela transparência, mas que se revelam pre-ponderantes ferramentas difusoras da cultura, sempre de uma forma indissociável das lógicas do sistema de consumo e da sociedade a que pertencem.

8 SOLÁ-MORALES, Ignasi (2003) Territórios. Gustavo Gili, Barcelona. p.100

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1. Exhibition Room, Somerset House.1808 - Augustus Pugin 2. Palácio de Cristal.1851 - Joseph

Paxton, Exposição Internacional de Londres

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1.3. O Contentor

Perante a identificação dos museus como contentores de intercâmbio altamente ritualizados, parece importante reconhecer onde começa o seu entendimento en-quanto templo de consumo cultural, instrumento de unificação e de veiculação de identidade.

A noção de museu contentor como local privilegiado para a mediação cultural surge no renascimento com o aparecimento das primeiras coleções de arte por conse-quência do crescente interesse pelas produções da Antiguidade Clássica.

É no Renascimento que se inicia a formação de coleções de arte por consequência do crescente interesse pelas produções da Antiguidade Clássica. É a partir deste princípio de consciência de património artístico que surgem as primeiras noções de Museu, como a diversidade, a conservação e o estudo. É no período do Setecentos que a consolidação da ideia de coleção atinge o seu apogeu. Entre os séculos XVII/ XIX, a transição da coleção privada para o conceito de museu público, traduziu-se num processo extenso e complexo. O primeiro museu que abriu a um público mais vasto foi só no final do séc. XIX.

As grandes alterações e inovações da técnica e produção originaram mudanças so-ciais às quais os museus não ficaram indiferentes. O Museu começa, assim, a alargar os seus horizontes aparecendo as primeiras coleções cujo conteúdo não seria aceite uns anos antes, passando o campo da museologia a ser disputado por agentes de várias áreas como a arqueologia, a história, as artes plásticas e a arquitetura.

Surge assim, em 1851 a exposição internacional de Londres, no Palácio de Cristal de Joseph Paxton que obrigou à construção de salas de dimensões consideráveis, para albergar um novo tipo de público. O objetivo não era só o da formação dos vi-sitantes, mas também o de albergar um conjunto de espaços para negócios e lazer. A mudança do perfil dos visitantes (no sentido da democratização do público) acom-panhou, consequentemente, o alargamento das funções do museu (para além das de conservação e de estudo), juntamente com o aumento das técnicas de instalação das exposições. Afirma-se o museu como Instituição Pública, “…à qual caberia cada vez mais afirmar-se como um fórum de conhecimento, guardiã de testemunhos materiais do passado, num jogo permanente de construção, de memória e de invenção.”1

1 GUIMARÃES, Carlos, (1998) “Arquitectura e museus em Portugal: entre reinterpretação e obra”, Dissertação de doutoramento em Arquitetura apresentada à FAUP, Porto p.42

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Em finais do séc. XX, temas como o conceito do museu, ou a organização dos pro-gramas, técnicas e arquiteturas, foram repensados e questionados. Paralelamente, no domínio das artes, assistia-se a um desenvolvimento de novos movimentos que exigiam novas condições de organização, nomeadamente em termos de escala, e que os museus existentes não apresentavam. Recorria-se, de forma provisória, a gran-des armazéns, de forma a colmatar essas falhas, mas se estas ficavam resolvidas, outras surgiam como consequência da má iluminação, da falta de espaços de apoio ou de serviço ao público. “A procura da não interferência entre espaço de exposição e obra de arte constituiu preocupação na busca de uma convivência neutral e não institucional”.2

No entanto, Carol Duncan3 introduz um conceito interessante que define como

Rituais de Cidadania: museus enquanto monumentos cerimoniais que servem de palcos a experiências complexas de arquitetura, apresentações programadas de ob-jetos e práticas de instalação racionalizadas. O museu é portador de um estatuto enquanto preservador da herança cultural da comunidade e, deste modo, respeita-do pelos visitantes como um templo de cultura. Entranha-se, assim, torespeita-do um valor simbólico no museu, tornando-o num contentor que alberga objetos e símbolos que representam uma comunidade, época ou cultura.

Este contentor corresponde a um símbolo que se refere ao inconsciente. No ato de entrar num contentor existe sempre um risco, expressa-se uma consciência. A visita a um museu deve incluir um esforço para descobrir os objetos nele contido – frag-mentos e vestígios – que ficam escondidos da vista e que são revelados pela refle-xão. Este contentor é sempre lugar, existe no lugar, mas divide-o em duas realidades distintas: a exterior e a interior. Constrói dois lugares que se podem transformar independentemente um do outro.

O entendimento de Museu como contentor opaco, com espaços interiores compar-timentados e com um alto valor simbólico, começa a diluir-se com as propostas dos arquitetos das vanguardas. Começam a aplicar-se ideias que perseguem uma ética 2 GUIMARÃES, Carlos, (1998) “Arquitectura e museus em Portugal: entre reinterpretação e obra”, Dissertação de doutoramento em Arquitetura apresentada à FAUP, Porto p.43

3 DUNCAN, Carol (1991) “Art Museums and the Ritual of the Citizenship” Exhibiting cul-tures: the poetics and the politics of museum display. Washington: Smithsonian Institution Press. p.1.2

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4. Museu para uma cidade pequena.1942 - Mies van der Rohe 5. Museu Iberê Camargo.2008 -

Ál-varo Siza Vieira

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pretendidamente universal, relacionada com certas premissas formais: a transpa-rência, a planta livre e flexibilidade, o espaço universal, a funcionalidade, a precisão tecnológica como elemento de identificação do destino do edifício, a neutralidade e a ausência de mediação entre espaço e obra a expor. Esta corrente teve, provavel-mente, a sua maior representatividade com as propostas de museu apresentadas por Mies van der Rohe – Museu para uma cidade pequena (1942), e de Le Corbusier - Museu do crescimento ilimitado (1939), onde se assiste a uma interpretação da obra de arte como um objeto autónomo dentro do museu, desligada do seu contexto, flutuando no vazio e apresentada sob uma luz intensa e ofuscante.

De qualquer forma, é possível constatar que esta ideia de museu neutro, branco e transparente, constitui mais um desejo do que uma realidade. Tratava-se de um edi-fício efémero e irreal que a própria arquitetura moderna realizou apenas em poucas ocasiões, só em casos extraordinários. Destacam-se casos paradigmáticos de edifí-cios transparentes e de planta totalmente livre, como o edifico da Lina Bo Bardi em São Paulo, o MASP (1957), a Nova Galeria Nacional em Berlim do Mies (62-68) e o centro Pompidou em Paris de Renzo Piano e Richard Rogers (1972-1977).

Nos museus norte-americanos, por influencia da campanha de Garru Thomson, é notória a preferência por uma forte iluminação artificial promovendo o museu tipo bunker, contentores fechados de betão armado. Neste caso destacam-se o Whitney Museum em NY de Marcel Breuer (1966), o Museu de Arte Everson em Siracusa de I.M.Pei (1968) e o Sheldon Memorial Art Gallery de Philip Johnson (1963).

O museu Guggenheim, em NY, de Frank Wright (1959), ou o Iberê Camargo de Siza Viera (2011), nada neutros nem transparentes, apresentam-se como o resultado de diversas conceções contemporâneas e como feito da história da arquitetura. A ideia de edifício como obra de arte está relacionada com a ideia cinemática de movimento que o próprio museu cria, baseada na síntese de máquina e natureza, pela impor-tância do elevador e das suas circulações, como também, pelas formas orgânicas e tectónicas.

O museu da Gare D’Orsay em Paris, desenhado pela arquiteta italiana Gae Aulenti em 1981, é outro exemplo em que o edifício ultrapassa a ideia de caixa pelo seu va-lor histórico, patrimonial e interferência no objeto a expor. Assim, é percetível no projeto de Aulenti, mais do que preocupações meramente formais e funcionais, o O Contentor

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6. Staatsgalerie.1984 - James Sterling 7. Centro de Arte e Técnologia Karlsruhe.1989 - Rem Koolhaas 7.

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caracter conceptual que tenta mediar a relação entre edifício e objeto exposto. A partir dos finais dos anos 70 começa a proliferar a recuperação do sistema tradi-cional de salas, como é possível observar quando a mesma arquiteta remodela em 1985 o quarto piso, de planta livre, do centro Pompidou para convertê-la no Museu Nacional de Arte Moderna, configurando, mediante uma estrutura ligeira, o retorno ao sistema tradicional de salas e galerias.

James Stirling foi um defensor da recuperação do um sentido comum existente, aproveitando as contribuições da tradição. No desenho que fez para a Staatsgalerie em Estugarda procurou um caminho novo que se distanciou do esquematismo do período moderno. No entanto, o sistema tradicional de salas, que parece ser ade-quado para a coleção permanente de Turner, levanta algumas limitações quando se instalam obras de arte contemporânea. Entre as últimas propostas destacam-se as contribuições de Hans Hollein e Aldo Rossi. Ambos recorrem a formas arquétipas e metafóricas na tentativa de recordar a experiencia primogénita do museu.

O Museu de Arte Moderno em Frankfurt, projetado por Hans Hollein (1983) adap-ta-se de forma singular ao terreno e às condicionantes da envolvente. Isto permite a criação de um espaço interior singular e irrepetível, definido por um percurso ágil, que atravessa em diagonal, através de pátios e escadas, a forma triangular do terre-no. Tal como fez no Museu Municipal de Monchengladbach, Hollein vai criando espaços específicos para cada coleção, autor e obra, conseguindo com isso que cada pequeno gabinete e cada grande sala tenham a sua própria identidade.

Como contraponto destes últimos exemplos, a proposta de Rem Koolhaas para o Centro de Arte e Técnologia em Karlsruhe (1989) devia ser interpretada como contentor fechado e como edifício transparente; um contentor electrónico, cheio de complexidades interiores, que transparece para as exteriores as suas atividades mediante telas gigantes que ocupam as fachadas. Pode-se, assim, considerar esta proposta como síntese das primeiras ideias de museu e da alta tecnologia.

Apesar de o museu como contentor fechado ter sobrevivido até hoje, revaloriza-do como reação às ideias prerevaloriza-dominantes de transparência e demonstranrevaloriza-do até que ponto a ideia de neutralidade pode ser só um simulacro, não há duvida que a partir da rutura das vanguardas, da dissolução da noção de contentor como invólucro fe-chado, abriram-se novas vias com os seus próprios caminhos de expansão.

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8. Dirk’s Pod.2004 - Richard Serra 9. The Reichstag wrapped in silver fabric.1995 - Christo e Jeanne

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De certa forma o museu atual rompeu com a sua subjugação em relação às suas fronteiras, deixou de ser entendido como um contentor embalagem para ser um contentor referencial: pode ser tão transparente quanto possível ou opaco como um bunker, estar em relação direta com a paisagem ou ter uma forte componente urba-na. A existência de exposições e instalações no espaço público é o exemplo de dis-solução do museu como fortaleza, de fronteiras intransponíveis, tornando-se num espaço de intercâmbio de limites mais ou menos definidos. O contentor cristalizado, afinal dilui-se. Trabalhos de artistas como os de Christo e Jeanne Claude, Richard Serra ou Banksy ultrapassam a fronteira do contentor relacionando-se diretamente com a paisagem ou com a cidade.

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2. Interface

A profundidade deve estar escondida. Onde? Na superfície.

Hugo von Hofmannsthal, Livro dos Amigos

De um terreno eu vejo só os pantanos, da sua pro-fundidade eu vejo só a superfície, de uma situação eu vejo apenas as suas manifestações, destas só vejo um reflexo, e mesmo deste apenas vejo os seus con-tornos.

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1. Habitações de Interbau.1957 - Exposição Internacional de Edificios em Berlim 2. Exposição do

Estilo Internacional no MoMA.1932 - Philip Johnson

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2.1. Expor Arquitetura

Expor significa comunicar no espaço. Fazer uma exposição de arquitetura significa ter de lidar com a sua “imobilidade”, na medida em que consiste, quase invariavel-mente, numa abstração, na representação de um conteúdo ausente. A questão da descontextualização, abordada no campo da exposição de arte e de cultura, ganha, no caso de arquitetura, uma pertinência acrescida.

Esta condição “ausente” do objeto a expor é ultrapassada através da mediação de diferentes registos, que permitem comunicar, mas que perdem o seu valor esté-tico individual, passando a depender de uma narrativa de diferentes partes que preenchem a distância entre arquitetura e síntese expositiva. Estes registos, não são escolhidos pelas suas capacidades miméticas de autenticar a arquitetura, mas antes pela sua capacidade de representar perspetivas relacionadas da arquitetura: forma, pormenores, escala e contextos políticos e sociais.

Aquilo a que chamamos exposição de arquitetura possui um leque variado de ativ-idades, incluído vários interesses e intenções, bem como posições autorais. Tudo desde projetos como as habitações de Interbau construídas como parte da Exposição Internacional de Edificios em Berlin (1957); à exposição de imagens e desenhos de arquitetura no MoMA em 1932 que ajudou os seus curadores Alfred Barr e Philip Johnson a definir o estilo internacional na arquitetura moderna; até às celebrações de eventos públicos como os Jogos Olímpicos; são discutidos como exposições de arquitetura. Não só estas várias formas de representação são produzidas com difer-entes objetivos, audiências e escalas, como também levantam um ponto fundamen-tal da exposição de arquitetura, o da representação.

Partiu-se então da premissa lançada pela historiadora de arte canadiana Jennifer Carter quando esta refere que as exposições “podem ser encaradas como um mídia pela capacidade de produzirem e disseminarem informação e conhecimento”1. Assim, através destas particularidades, as exposições têm a capacidade de ultrapassar uma apresentação “estritamente didática e incorporar relações metafóricas e literais com objetos e ideias”2, abrindo o espaço expositivo a múltiplos significados. Como avança a autora, a experiência de visitar uma exposição é, por exemplo, bastante diferente da 1 CARTER, Jennifer (2012) “Architecture by design: Exhibiting Architecture Architectur-ally”. Media Tropes eJournal. www.mediatropes.com

2 Ibidem

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leitura. A informação contida na palavra impressa requer o recurso ao conjunto de experiências anteriores à leitura de forma a dar significado ao que se vê ou lê. Numa exposição o estímulo é completamente diferente, apoia-se na própria experiência de visitar a exposição. O sujeito é imerso num ambiente criado para comunicar com o qual interage e estabelece relações envolvendo-se numa narrativa.

A partir desta análise é possível estabelecer as relações que as exposições mantêm com a arquitetura, tendo em conta a capacidade de mediar os objetos através do espaço, bem como, na capacidade de ambas desenharem espaço de forma operativa e simbólica. Quando as exposições são concebidas para ultrapassar as fronteiras da simples mostra e representação didática passam a situar objetos e ideias em espaços mediados, onde podem definir o movimento do observador segundo um itinerário predeterminado e recorrer a dispositivos que permitam enquadrar e enfatizar uma narrativa multidimensional. A compreensão da disciplina expositiva como um mí-dia, como sugere Carter, é o “reconhecimento do seu potencial de criar espaço que seja uma mensagem em si mesmo”3.

Desta forma, a arquitetura como assunto e objeto de exposição gera uma série de questões relacionadas com a forma, função e lugar no contexto expositivo. A du-alidade entre expor arquitetura e a arquitetura da exposição introduz a sua prob-lemática num contexto mais amplo dos fenómenos culturais das práticas expositi-vas, levantando questões de autenticidade, escala e contexto num tom diferente das exposições das outras artes.

Através de uma análise da história das exposições de arquitetura é possível constatar o seu maior sentido descritivo, sem levantar questões que ultrapassem a represen-tação das características físicas de um edifício. Esquissos, diagramas, plantas, cortes, maquetes e renders, são dispositivos internos da disciplina da arquitetura que foram desenvolvidos para visualizar o processo de desenho e que se estabeleceram como ferramentas indispensáveis para a construção. Desta forma, e a partir das palavras do curador de arquitetura Carson Chan, apresentar arquitetura numa exposição através dos mecanismos convencionais da sua representação gera uma das princi-pais questões com a qual os curadores têm de lidar, pois possivelmente estes registos não constituem a melhor ferramenta para enfatizar a importância cultural de uma prática arquitetónica.

3 CARTER, Jennifer (2012) “Architecture by design: Exhibiting Architecture Architectur-ally”. Media Tropes eJournal. www.mediatropes.com

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4. Maquete Edith Farnsworth Residence.1947 - Mies van der Rohe Restrospective Exhibition no

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“O objetivo de uma exposição de arquitetura ultrapassa a resolução do problema da ausência do objeto a expor, transformando a exposição numa instância através da qual a informação é comunicada e transmitida a um observador numa situação de receção privilegiada, em que este é estimulado produzindo relações e perspetivas ines-peradas”. 4

O significado de estar fisicamente presente numa exposição, torna-se, assim, impor-tante. Desta forma, a exposição não só substitui um trabalho que está noutro local como também comenta as suas ideias, a sua relação com o contexto e a sua capaci-dade de produzir conhecimento ao longo do processo de projeto. Normalmente, são reunidos mais materiais do que aqueles que visam apenas representar as carac-terísticas físicas do edifício. Assim, os elementos que constituem o conteúdo de uma exposição não devem ser entendidos como substitutos inapropriados de alguma coisa que não está lá, mas como um material original e específico, que representa o desenvolvimento de uma ideia de arquitetura, a sua interpretação e os seus efeitos. Partindo da premissa de que expor é, por definição, descontextualizar um objeto para ser observado, no caso da arquitetura, os objetos expostos são sempre repre-sentações ou simulacros de alguma coisa que não está presente.

No sentido de compreender a questão da representação importa convocar a critica do pós-estruturalismo dos anos 80, que foi operativa para a filosofia e história, mas que também afetou o mundo criativo. As produções culturais que envolviam a cri-ação artística começaram a olhar para as suas próprias ferramentas de produção, no sentido em que, como defendia Deleuze, “dizer que a cópia produz o original não é afirmar que não existe original, nem é reverter o estatuto da relação entre original e cópia”.5 A subtileza do argumento de Deleuze está na afirmação de que tanto o original como a cópia continuam a existir no sentido operacional de cada termo, mas como construções provisórias sempre abertas à reconstrução.

4 CHAN, Carson (2010) “Exhibiting Architecture: Show, don’t Tell”. http://www.domusweb. it/en/architecture/2010/09/17/exhibiting-architecture-show-don-t-tell.html

5 DELEUZE, Gilles (1981) Francis Bacon: The Logico f Sensation. Continuum, London. p.36

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6. First Pappers of Surrealism.1942 - Marcel Duchamp 7. The dwelling of our time.1931 - Mies

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As exposições de arquitetura são, assim, uma prática, e a sua missão é a de “re-originar” a vida da arquitetura, o seu talento, e os seus pontos fracos, utilizando a exposição como meio. O problema deixa de ser o da representação mas sim o da luta com os clichês do meio. Na prática, todas as possibilidades não são apenas uma representação mas antes um novo original, uma nova interpretação. Podemos então comparar a exposição com o teatro, na medida em que desenhos, modelos e foto-grafias, tal como os atores e os cenários, são representação e atores ao mesmo tempo. No início do século XX aparecem novas propostas de museus e exposições que rompem com os paradigmas até então estabelecidos. A grande novidade destas propostas está no elevado nível de participação e interatividade propostos entre ob-servadores e objetos expostos. As instalações modernistas de artistas como Marcel Duchamp, El Lissitsky e Frederick Kiesler nos anos 20 e 30, desafiaram as noções tradicionais de espaço expositivo como moldura, desenhando uma atenção especial tanto para o papel como para o potencial do espaço no contexto expositivo. Estas exposições vanguardistas, como refere Mary Anne Staniszwski no seu livro sobre exposições no MoMA, “não só mudaram o foco do produto para o processo nas téc-nicas expositivas, como mudaram a perceção da importância da arquitetura na con-strução de uma experiencia expositiva com vários significados”6. A exposição passa a ser entendida pela sua capacidade de gerar conhecimento e informação em vez de apenas agrupar e representar conhecimento.

Como referiu Carson Chan, a função da exposição de arquitetura passa então por “relacionar a sua audiência com uma noção espacial sensitiva e por envolve-la com o ambiente construído de uma forma consciente e potencialmente mais interveniente”.7

Exposições como “The Dwelling of our Time”, organizadas por Mies van der Rohe em 1931 na qual 23 casas à escala real foram exibidas, ou a de Barry Bergdoll e Peter Christensen em 2008 no MoMA, intitulada “Home Delivery” e que incluía cinco casas pré-fabricadas instaladas no lote 54 do museu, são difíceis de realizar devido ao grande investimento que envolvem, bem como, à sua complexa logística. As-sim, torna-se pertinente reconhecer que arquitetura e edifício não são categorias equivalentes. Desta forma, K. Michael Hays propõe, na introdução do catálogo da 6 STANISZWSKI, Mary Anne (1998) “The power of display: a history of exhibitions instal-lations at the Museum of Modern Art”. Cambridge, MIT Press.

7 CHAN, Carson (2010) “Exhibiting Architecture: Show, don’t Tell”. http://www.domusweb. it/en/architecture/2010/09/17/exhibiting-architecture-show-don-t-tell.html

Referências

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