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NEWTON GUILHERME VALE CARROZZA PUBLICIDADE: O CONSUMO E SUA LÍNGUA Campinas 2010

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NEWTON GUILHERME VALE CARROZZA

PUBLICIDADE:

O CONSUMO E SUA LÍNGUA

Campinas 2010

Tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Doutor em Linguística.

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ii

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL – Unicamp

C237p

Carrozza, Guilherme.

Publicidade : o consumo e sua língua / Newton Guilherme Vale Carrozza. -- Campinas, SP : [s.n.], 2010.

Orientador : Claudia Regina Castellanos Pfeiffer.

Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Consumidores. 2. Publicidade. 3. Língua. 4. Análise do discurso. 5. Forma – Sujeito. I. Pfeiffer, Claudia Regina Castellanos. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

tjj/iel

Título em inglês: Advertising : the act of consuming and its language.

Palavras-chaves em inglês (Keywords): Act of Consuming; Advertising; Language; Discourse Analysis; Subject.

Área de concentração: Linguística. Titulação: Doutor em Linguística.

Banca examinadora: Profa. Dra. Claudia Regina Castellanos Pfeiffer (orientadora), Profa. Dra. Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi, Profa. Dra. Suzy Maria Lagazzi, Prof. Dr. Lauro José Siqueira Baldini, Prof. Dr. José Horta Nunes. Suplentes: Profa. Dra. Mônica Graciela Zoppi-Fontana, Profa. Dra. Bethânia Sampaio Corrêa Mariani, Prof. Dr. Pedro de Souza.

Data da defesa: 14/04/2010.

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Para a Gilsara, que teve a compreensão, o amor,

o companheirismo tão necessários nessa caminhada.

Com o meu amor e gratidão eternos.

Para Bia, que me faz ver que ser pai ultrapassa

qualquer sentido estabilizado.

Para os meus pais, Isa e Witer, que me possibilitaram os sentidos

que me trouxeram aqui.

Para Bia, que me faz ver que ser pai ultrapassa

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vii

AGRADECIMENTOS

À minha querida orientadora, mestra, amiga, exemplo, Professora Claudia Pfeiffer, por me mostrar que os caminhos que nos levam à descoberta são próprios de cada um e, principalmente, por me ajudar a encontrar os meus.

À Professora Eni Orlandi, por me possibilitar a convivência e aprendizado junto ao Grupo de Pesquisa na Universidade do Vale do Sapucaí e por aceitar participar da banca examinadora

À querida Professora Suzy Lagazzi por tantos e inumeráveis ensinamentos durante todo o curso no IEL e por suas valiosas contribuições na qualificação.

Ao Professor Lauro Baldini, pela amizade e contribuições durante a qualificação.

Ao amigo José Renato Silva, companheiro de estrada e de tantas reflexões sobre a área que colaboraram para que eu construísse meu entendimento sobre a Análise de Discurso.

Ao Professor José Horta Nunes, por aceitar o convite para compor a banca examinadora.

Aos meus colegas da Univás, que me apoiaram nessa minha caminhada.

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ix

“A palavra morre no momento em que é proferida – dizem alguns. Eu digo que ela começa a viver

naquele momento.”

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xi

RESUMO

Este estudo tem como proposta refletir sobre os efeitos da publicidade no processo de subjetivação que caracteriza a forma-sujeito histórica contemporânea. Para tanto, procuramos articular os pressupostos teóricos e analíticos da Analise de Discurso que nos permitem pensar nessa forma-sujeito de direito se estruturando a partir das relações que se estabelecem dentro de uma formação ideológica capitalista. Nesse sentido, o consumo não pode ser tomado separadamente nessa relação, assim como a publicidade não deve ser pensada como um simples instrumento a ser por ele utilizada.

Nessa incursão, é possível tomar o consumo como gesto, onde se articulam elementos históricos, políticos e simbólicos, capazes de inscreverem os sujeitos em determinadas formações discursivas no momento mesmo em que se constituem como consumidores de determinados produtos e não de outros. Esse deslocamento do olhar sobre o consumo possibilita se pensar as contradições latentes produzidas no funcionamento conjunto que se estabelece entre o consumo e a publicidade.

Partindo disso, as análises demonstraram que se trata de tomar a publicidade em sua especificidade, como forma material que apresenta estruturas-funcionamentos próprios, que nos possibilitam formular a idéia de que ela se configura como a forma pela qual o consumo se diz, ao mesmo tempo em que o conforma em seu funcionamento.

Palavras-chave: Consumidores, Publicidade, Língua, Análise de Discurso, Forma-sujeito.

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ABSTRACT

This research analyzed the effects of advertising on the subjective processes that characterize the so-contemporary historical subject. To this end, we combine the theoretical and analytic assumptions of discourse analysis that allow us to think of this “subject of rights” is structured from relations that are established within a capitalist ideological formation. Thus, the act of consuming may not be taken separately in this relation, as well as advertising should not be thought as a simple tool to be used by it.

In that raid, the act of consuming can be taken as a gesture, which articulate historical, political and symbolic elements that are able to enroll subjects in certain discursive formations at the very moment they become consumers of certain products and not others. This shift of the gaze on the act of consuming enables us to think the latent contradictions produced in the joint operation established between the act of consuming and advertising.

Taking this principle, the analysis showed us that it we must take the advertising in its specificity, as a material form that has its own structures, and allow us to formulate the idea that it is configured as the way in which the act of consuming formulate his language, in the same time that the advertising itself conforms the act of consuming.

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Lista de Figuras

Figura 1 Anúncio 1 – Fox ... 14

Figura 2 Anúncio 2 – Puc-SP ... 15

Figura 3 Anúncio 3 – Fruittella ... 16

Figura 4 Anúncio 4 – Fedex ... 17

Figura 5 Anúncio 5 – Akakia... 18

Figura 6 Anúncio 6 – Cia. de Cigarros Souza Cruz ... 20

Figura 7 Anúncio 7 – Extrato de Tomate Elefante ... 21

Figura 8 Anúncio 8 – Creme Rugól ... 22

Figura 9 Anúncio 9 – Nescáo ... 23

Figura 10 Anúncio 10 – TV Colorado ... 24

Figura 11 Anúncio 11 – Volkswagen ... 25

Figura 12 Anúncio Revista Creme Rugól ... 28

Figura 13 Storyboard VT Detergente Ypê ……….. 41/42 Figura 14 Anúncio de revista – Bolsa Família – Governo Federal .... 58

Figura 15 Outdoor Escola Alps ... 66

Figura 16 Sequência de imagens VT Comercial Cartão Visa ... 70/71/72 Figura 17 Logotipo Pão de Açúcar ... 84

Figura 18 Anúncio de Revista – Pão de Açúcar “Quer fazer você feliz?” ... 85

Figura 19 Anúncio de Revista – Pão de Açúcar “Quer fazer o planeta feliz?” ... 86

Figura 20 Anúncio de Revista – Pão de Açúcar “Quer fazer alguém feliz?” ... 87

Figura 21 Sequência de imagens VT Sociedade Síndrome de Down 95/96 Figura 22 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica “Eu vi a floresta que você queimou” ... 105

Figura 23 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica “Eu vi a ponta de cigarro que você jogou” ... 106

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Figura 24 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica

“Eu vi o que você fez com a motosserra” ... 106

Figura 25 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica “Eu vi você levando partes do meu tronco” ... 107

Figura 26 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica “Eu vi o machado na sua mão” ... 107

Figura 27 Anúncio de Revista Fundação S.O.S. Mata Atlântica “Eu vi as árvores que você cortou” ... 108

Figura 28 Sequência de imagens VT IDEB – Governo Federal ... 111/112 Figura 29 Logotipo e Slogan Banco Itaú ... 114

Figura 30 Outdoor Banco Itaú “Detalhistas” ... 115

Figura 31 Outdoor Banco Itaú “Surfistas” ... 116

Figura 32 Outdoor Banco Itaú “Supersticiosos” ... 116

Figura 33 Outdoor Banco Itaú “Sobrecarregados” ... 117

Figura 34 Outdoor Banco Itaú “Apressados”... 117

Figura 35 Outdoor Banco Itaú “Desorganizados” ... 118

Figura 36 Outdoor Banco Itaú “Sonhadores” ... 118

Figura 37 Outdoor Banco Itaú “Tradicionais” ... 119

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Lista de Tabelas

Tabela 1 Comparação entre as formas de abordagem do consumidor por anúncios a partir dos anos 2000 e

anúncios entre as décadas de 1930 e 1960 ... 26

Tabela 2 Categorias de paráfrases de “consumidor” pelo Código

Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ... 132

Tabela 3 Subdivisão entre as categorias de paráfrases de “consumidor” pelo Código Brasileiro de

Autorregulamentação Publicitária, nas suas formas

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xix

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 1

2 DELINEANDO A QUESTÃO 7

2.1 DIZER PARA QUEM? 12

2.2 UM POR TODOS E TODOS POR QUEM MESMO? 29

3 RELAÇÕES ENTRECRUZADAS ENTRE O CONSUMO E A

FORMA-SUJEITO DE DIREITO 33

3.1 CONSUMO DA/NA PUBLICIDADE: PERTENCIMENTO E

EFEITOS DE CIDADANIA 37

4 CONSUMO, PUBLICIDADE E IMAGINÁRIO 47

4.1 O MUNDO DO IMAGINÁRIO NA PUBLICIDADE 52

4.2 EFEITOS IMAGINÁRIOS DE TEMPO E ESPAÇO NA

PUBLICIDADE 64

5 CONSUMO, PUBLICIDADE E EFEITOS DE MEMÓRIA 75

5.1 SLOGANS, MARCAS E SEUS FUNCIONAMENTOS 78

5.2 ESTEREÓTIPOS E A FIXIDEZ DOS SENTIDOS 89

6 OS MODOS DE PESSOA NA PUBLICIDADE: POSIÇÕES

SUJEITO NO CONSUMO 101

7 CONSUMO, PUBLICIDADE, ESTADO 125

8 CONSUMO, LÍNGUA E FORMA MATERIAL 137

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 143 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147 11 11.1 ANEXOS DVD COM VT´S ANALISADOS 157

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1

1 INTRODUÇÃO

Pensar a publicidade sob a perspectiva da Análise de Discurso significa olhar para as peças publicitárias como formas materiais inscritas em determinadas formações discursivas circulantes nas formações sociais.

Pelas técnicas da publicidade, estabelece-se que um anúncio deve centrar-se em três focos: a mensagem, o produto e o receptor. O conceito que centrar-se forma em torno de um produto está relacionado a um trabalho de “construção de personalidade” para ele, que emerge da relação entre a mensagem e ele próprio e que, dessa forma, funcionaria no receptor como um ativador de identificação do produto diante de seus concorrentes no mercado.

Atentamos para o fato de que nossa perspectiva é outra. Primeiro porque não nos preocupamos aqui em analisar o produto em si, ficando nossas análises no nível das representações simbólicas, onde se imbricam o político, a história e a ideologia. Segundo - e porque as análises são no nível simbólico -, não propomos um receptor a priori, mas pensamos nas formas de constituição desse interlocutor pelos efeitos de sentido produzidos pelos textos dos anúncios.

Tomando a língua como sistema relativamente autônomo – porque é afetado pela história – a Análise de Discurso desloca o próprio conceito de linguagem, compreendendo-a como prática social que funciona na constituição dos sentidos e dos sujeitos. Assim, não falamos de uma língua “instrumento”, mas de uma língua constitutiva do sujeito, ao mesmo tempo em que é constituída por ele.

Pensar nesse sujeito de linguagem, então, significa pensar na própria relação desse sujeito com o mundo das coisas, que é desde sempre simbólica, sujeita ao equívoco, por não se tratar de uma relação termo a termo entre sujeito, palavra e mundo.

Seguindo os pressupostos teóricos e analíticos da Análise de Discurso, essa pesquisa toma o texto – o corpus – como material simbólico, reconhecendo nele um discurso, a partir das suas regularidades, das diferentes formações

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2

discursivas que podem estar aí presentes e que remetem às formações ideológicas. Para isso, segundo Orlandi (2002b), é necessário um “percurso que nos faz passar do texto ao discurso, no contato com o corpus, o material empírico.” (idem, p.77)

Este percurso, composto de três etapas, prevê a passagem da superfície lingüística para o objeto discursivo, com a de-superficialização do texto, através da qual se percebe o jogo das formações discursivas pela mobilização do esquecimento nº2 (cf. Pêcheux, 1997). Esta operação permite ao analista a construção de um recorte discursivo que converte a “superfície lingüística (o corpus bruto), o dado empírico, de um discurso concreto, em um objeto teórico, isto é, um objeto linguisticamente de-superficializado, produzido por uma primeira abordagem analítica que trata criticamente a impressão de „realidade‟ do pensamento, ilusão que sobrepõe palavras, idéias e coisas.” (ORLANDI, 2001b, p.66). A partir daí, é possível ao analista compreender o processo discursivo, lidando com a ideologia, relacionado ao esquecimento nº1 (PÊCHEUX, idem), onde se enfrenta a materialidade do significante.

Nessa perspectiva, tomamos a ideologia não como ocultação dos sentidos – como aquela que vem formulada à mercê de uma classe dominante sobre uma classe dominada -, mas como os mecanismos mesmos que produzem a evidência dos sentidos. Se consideramos a incompletude da língua, podemos afirmar que ela não se liga à falta, mas ao excesso. Para Orlandi (2004b)

“A ideologia representa a saturação, o efeito de completude [...] sustentando-se sobre o já-dito, os sentidos institucionalizados, admitidos por todos como „naturais‟.”

É esse lugar analítico que me permite partir da suposição de que a publicidade é um fazer determinado por sentidos que se relacionam com o próprio modo como a sociedade atual se organiza em torno de uma forma-sujeito histórica de direito, que tem no capitalismo sua formação ideológica dominante. Nesse

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3

sentido, tendo a relação de consumo como estruturante do capitalismo1, a publicidade se mostra como um fazer técnico-oferente2.

É interessante, de início, procurar descrever como hoje se desenha a área da publicidade e propaganda, no que se refere às contribuições das técnicas que lhe servem de apoio, demandando dos profissionais certas habilidades de linguagem e de análise de mercado.

A publicidade – ou propaganda3 – no sentido comercial que hoje é atribuído

a ela4, só é possível enquanto prática, segundo Vestergaard e Schroder (2004, p.5), quando o aparelho de produção de uma sociedade está suficientemente desenvolvido para satisfazer mais que as necessidades materiais de sua população.

“Para que esta (a propaganda) tenha algum sentido, pelo menos um segmento da população terá que viver acima do nível de subsistência: no momento em que isso acontece, produtores de bens materialmente „desnecessários‟5

, devem fazer alguma coisa para que as pessoas queiram adquiri-los.”

1

Aprofundarei esta afirmação mais à frente, principalmente a partir de observações de autores sobre o pensamento de Pachukanis.

2

Utilizo o termo técnico-oferente para designar o modo como, ao informar sobre a existência de um produto, a publicidade o faz já direcionado ao consumo.

3

Não estamos, neste momento, procurando estabelecer diferença entre os termos publicidade e propaganda, mesmo que alguns autores estejam focados nesta questão.

4

Vestergaard e Schroder (2004) apresentam dois tipos básicos de propaganda: comercial e não comercial. Esta, segundo eles, pode ser exemplificada por comunicações entre órgãos governamentais e cidadãos. Aquela, subdividida em “publicidade de prestígio ou institucional” e “propaganda industrial ou de varejo” seria aquela com vistas à criação de uma atitude favorável do consumidor perante uma marca e ao consumo de bens e serviços.

5

Não se trata, no nosso entendimento, de pensar na necessidade ou não de um produto específico ou de uma classe de produtos, por parte da população. Há linhas de pensamento na área da publicidade e do marketing, por exemplo, que, numa posição psicologista, atribuem a motivação do consumo à satisfação de necessidades inerentes ao indivíduo (cf. Adraham Maslow). O que nos interessa aqui é apontar para uma prática que se sustenta pelo movimento de produção e circulação de bens de consumo.

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4

Os autores acrescentam que, sendo mais que uma simples atividade de promoção de vendas, a propaganda depende ainda de determinadas condições para que se torne viável: “a existência de um mercado de massa (relativo) e de meios de comunicação para chegar até ele.” (ibid., p.5).

Nesse sentido, o processo de constituição da publicidade como prática passa necessariamente por uma relação de oferta e procura, base de um sistema capitalista. E, é justamente na questão da oferta que podemos nos deter para começar a compreender o funcionamento da publicidade, uma vez que esse “ofertar” supõe, dentre outras práticas, o dizer de uma determinada forma.

Não se trata, pois, de pensar o seu funcionamento apenas em seu caráter informativo: ofertar, numa ótica de mercado, supõe apresentar algo para que seja adquirido. Mesmo quando pensamos, segundo Vestergaard e Schroder (id., 2004), na “publicidade de prestígio ou institucional” – ou até mesmo naquela que eles classificam como “não comercial” – o que se tem como efeito é sempre a apresentação de algo a ser “consumido”.

É nesse sentido que as técnicas de persuasão, ou como muitos autores da área costumam colocar, de modos de dizer capazes de seduzir o consumidor, se estabilizam enquanto uma necessidade intrínseca à prática da propaganda. Isso leva à suposição, então, de que não se trata só de uma “informatividade” da propaganda, mas de algo a mais que faz com que ela, além de informar, arrebanhe o sujeito direcionando-o para uma determinada ação, neste caso, o consumo (de um produto, um serviço, uma idéia).

Essa abertura para o “algo a mais” é que dá suporte, dentro da nossa perspectiva, para a entrada de certas linguagens – artísticas, inclusive - capazes de fazer com que a publicidade, ainda fazendo parecer informar algo a alguém, contribua para a produção de uma semantização6 dos objetos. Não fosse assim, bastaria apenas apontar “tal produto por tal preço disponível em tal lugar” e tudo estaria resolvido.

6

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5

É justamente essa semantização do processo que nos interessou inicialmente, emergindo daí uma questão fundamental que aponta para a relação entre o discurso da publicidade e a forma-sujeito histórica atual.

Dentro desse foco inicial, as reflexões foram demandando um constante retorno aos dispositivos teóricos e ao próprio corpus e, se antes pensava nessa relação entre a publicidade e a forma-sujeito de uma forma geral, a tentativa de compreendê-la me permitiu perceber sua estruturação de tal forma que me foi possível formular, ao longo da escrita, o que proponho como tema central de minha tese, que é pensar a publicidade como língua do consumo7. Nesse sentido, nossos esforços centraram-se na compreensão de como a publicidade, analisada no seu funcionamento, estrutura-se de maneira tal, capaz de intervir na forma como os sujeitos se constituem e se identificam em sociedade.

Para tanto, o presente trabalho desenvolve-se partindo da observação que fiz através da análise em contraponto de anúncios do momento atual e de meados do século XX, propondo refletir sobre os modos de abordagem do sujeito, já pensando numa gradação na aproximação que se estabelece entre o anúncio e o leitor e que funciona hoje diferentemente de antes. Isso possibilitou-me investir na questão da relação entre publicidade e consumo, olhando para como aí se formulam sentidos que realizam a forma-sujeito histórica contemporânea e que funciona no “ser um em um grupo”.

Nessa empreitada, foi possível ampliar a noção de consumo, fazendo-o extrapolar o simples ato de possessão de objetos, pensando-o enquanto gesto simbólico. Da mesma forma, ultrapassamos os limites da publicidade enquanto função para poder promover uma incursão em seu funcionamento e perceber ali movimentos estruturantes de uma forma de dizer presente no cotidiano. Diante

7

Tomo a liberdade, aqui, de propor chamar a publicidade de língua do consumo, valendo-me da expressão metafórica que Michel Pêcheux toma de empréstimo de Regis Débray, quando este se refere ao latim como a língua das ideologias feudais. Pêcheux vai aproximar essa noção ao discurso político, salientando sua estrutura própria e características herméticas.

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6

disso, mobilizamos noções de imaginário, memória e estereotipia, além de analisarmos os códigos que hoje regulamentam a prática publicitária no Brasil.

Uma tese, para mim, além de procurar compreender uma questão posta, inaugura um novo campo de indagações. Minha proposta com este estudo foi procurar propor um novo olhar para a publicidade, tendo como base minha própria formação e experiência na área, mas buscando, pela perspectiva da análise de discurso, expor meu próprio olhar à opacidade do seu texto e do seu movimento enquanto prática.

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7

2 DELINEANDO A QUESTÃO

Meu interesse pela publicidade como objeto de pesquisa vem de minha própria formação na área da comunicação social. Desde muito cedo, comecei a perceber que, muito além das técnicas e habilidades necessárias ao profissional, o que demanda o domínio (aparente) de determinadas linguagens, a publicidade produz seus efeitos na sociedade, seja pela representação de clichês e estereótipos, seja pela sua oposição a eles, ou ainda por apresentar padrões de comportamento, para citar alguns exemplos. Essa observação me fez pensar que seu funcionamento vai além da sua função que, via de regra, é apresentar um produto para consumo8.

Dentro dos estudos que têm como objeto a comunicação de forma geral e a publicidade e propaganda de forma particular, muitas são as linhas de pensamento que servem de sustentáculo para as análises, como a psicologia, a sociologia, a antropologia e a economia, para citar algumas.

No campo da linguagem, grande parte dos estudos de hoje se voltam para um entendimento da língua enquanto instrumento de comunicação, perspectiva necessária para o desenvolvimento de uma área que tem como efeito imaginário o domínio de determinadas linguagens para se fazer funcionar.

Interessou-me, dentro de minha questão, investir no campo da própria linguagem, porém, por um outro viés. Procurei encontrar ali as marcas do funcionamento da publicidade que pudessem me apontar para os processos pelos quais ela é capaz de produzir identificações nos sujeitos.

Mas, como sabemos, a Lingüística, tomada como a ciência que tem como objeto a língua como sistema autônomo de signos, não daria conta de responder a determinadas questões que tocam justamente no processo de constituição dos sujeitos.

8

Esta é uma definição básica do termo, pela perspectiva das técnicas publicitárias, tomando-se produto aqui como algo tangível ou não.

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8

Orlandi (1986) salienta que pela história do pensamento lingüístico, há duas tendências principais que se ocupam da linguagem, uma que vai pelo percurso psíquico, na relação entre linguagem e pensamento e na busca do que é único, universal e constante e a outra que vai pelo percurso social, na relação entre linguagem e sociedade, buscando o que é múltiplo, diverso e variado. À primeira, chamamos formalismo e à segunda, sociologismo (ibid., p. 18). Segundo a autora, pela história da lingüística veio se configurando uma divisão que “opõe os partidários de que existe uma ordem interna, própria da língua, àqueles que defendem a idéia de que essa ordem reflete a relação da língua com a exterioridade, incluindo suas determinações históricas e sociais.” (ibid., p. 18-19). Assim, até o século XIX, a Linguística, através de sua escrita formal, vai se estruturando como ciência, mas foi em Saussure que ela encontrou seu objeto: a língua, que ele conceitua como um “sistema de signos”, definindo signo como a “associação entre significante e significado” dotado de valor relativo (ibid., p. 22-24). Mas Saussure não para aí. Para pensar a sistematização da língua enquanto objeto da Linguística, propôs a separação entre língua e fala, assim como a distinção entre seu estado atual e sua variação histórica. Segundo Orlandi (ibid., p. 24)

Para ele, a língua é um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual; a fala, ao contrário, é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo circunstancial e variável. Como a fala depende do indivíduo e não é sistemática, ele a exclui do campo da Linguística.

Outra distinção proposta por Saussure é a que separa a sincronia (o estado atual do sistema da língua) e a diacronia (sucessão, no tempo, de diferentes estados da língua em evolução). Ele exclui também a diacronia do domínio da Linguística, considerando incompatível a noção de sistema e de evolução.

Desse modo, com os conceitos de língua, valor e sincronia, ele institui a base da Linguística como ciência.”

Assim, na Linguística de Saussure ficam de fora o sujeito e a situação, pensando-se a língua como um sistema fechado e autônomo, como é bem colocado por Guimarães (2005, p. 19-20)

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O corte saussureano é a „culminância‟ bem sucedida teoricamente de uma história de exclusão do mundo, do sujeito, por tratar a linguagem como um percurso só interno: a linguagem expressa no pensamento. [...] Por outro lado, Saussure afirma o caráter social, coletivo da língua, como o que está em todos, não incluindo no objeto, portanto, seu caráter histórico, tanto no sentido do historicismo, do século XIX, quanto em outro qualquer. Saussure suprime as relações de transformação como objeto da lingüística, mas suprime também qualquer relação da língua com algo que lhe seja exterior. O exterior (o mundo, o sujeito, as relações entre sujeitos) fica como aquilo a que se nega o caráter de objeto da lingüística.

É isso que a Análise de Discurso, proposta por Pêcheux nos anos 60 e desenvolvida por Orlandi no Brasil vem questionar, uma vez que parte do pressuposto de que a história intervém na língua para que ela signifique. Nesse sentido, pareceu-me satisfatório articular os dispositivos teóricos e analíticos da Análise de Discurso a fim de encontrar os subsídios necessários à minha questão concernente ao funcionamento da publicidade na sua relação com os sujeitos em sociedade. É assim que tomo, neste estudo, a publicidade na sua materialidade como objeto, não simplesmente nela mesma, mas funcionando no mundo, particularmente, no nosso contexto sócio-político brasileiro.

Dentre as questões que surgem quando se pensa a publicidade pela sua materialidade simbólica e histórica, aquelas que tocam nas formas como se articulam os discursos pelos quais se realiza uma forma sujeito na relação com a Formação Ideológica capitalista me parecem bastante ricas enquanto campo de investigação.

Nessa perspectiva, venho analisando como a publicidade brasileira produz sentidos que reafirmam uma individuação9 do sujeito, dentro de um funcionamento determinado pela forma-sujeito-histórica atual.

9

O termo individuação vem sendo introduzido por Orlandi para dar conta de explicitar o processo pelo qual o Estado, através das instituições sociais e dos discursos circulantes, funciona nos processos de individualização do sujeito, como articulador simbólico e político. Sendo assim, mesmo que em bibliografia menos atual ainda encontremos o termo “individualização” para se referir a esse processo, preferimos aqui já fazer uso dessa nova forma.

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10

Tomo como ponto de partida para essa reflexão duas construções teóricas fundamentais sobre a constituição do sujeito, na perspectiva da Análise de Discurso.

A primeira, apresentada pelos estudos de Pêcheux (1997) e Haroche (1992), propõe pensarmos a forma sujeito contemporânea como uma forma capitalista caracterizada como um sujeito jurídico “livre e responsável”, de direitos e deveres.

Tais autores já nos falaram sobre as transformações nas formas-sujeito históricas. Por volta do século XVI, houve uma transformação histórica de poder da Religião para o Estado, o que caracterizou a mudança, através das transformações nas relações sociais, de uma forma-sujeito religioso para uma forma-sujeito jurídico, fazendo surgir aí um sujeito de direito, livre e responsável, com seus direitos e deveres, submisso ao Estado e às Leis. Um Estado, diga-se, configurado em muito com bases nas leis e preceitos divinos, herança ideológica do próprio modo de ser sujeito anterior, já que não se trata de uma transformação estanque, mas sim de um processo que vai se configurando pelo próprio movimento da história. Só para relembrarmos de Nietzsche (1844-1900), se “Deus está morto”, ainda teremos que conviver com seu fantasma.

Escreve Haroche (ibid., p. 179)

Na especificidade da ideologia religiosa (e, posteriormente, da ideologia jurídica, por exemplo) lê-se manifestamente a indicação, a ilustração da importância das determinações históricas.

O sujeito religioso representou, assim, uma forma sujeito diferente daquela do sujeito jurídico. Se podemos colocar na história a referência para a gênese da noção de sujeito-de-direito, também a noção de sujeito, que deriva em grande parte da ideologia, pode-se esclarecer por uma análise histórica.

Haroche ainda salienta que o modo de funcionamento de assujeitamento que vem pelo Estado é individualizante, como bem observou Foucault em Vigiar e

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11

Punir. Assim, pensamos, o Estado funciona como articulador simbólico e político10, atribuindo sentido às relações sociais.

A segunda construção reside justamente sobre a forma como o Estado realiza esse efeito individualizante do sujeito. E é na formulação teórica de Orlandi (2001b) que se apresentam dois movimentos do processo que mesmo distintos são inseparáveis. Segundo a autora, há num primeiro movimento a interpelação do indivíduo (bio-psico) em sujeito, pela ideologia, no simbólico, o que o constitui em sua forma-sujeito histórica. No segundo movimento, na constituição mesma dessa forma histórica, dá-se o que ela considera como o processo de individuação do sujeito. Como já mencionado, nessa forma sujeito contemporânea capitalista, os modos de individuação que se dão pelo Estado, suas instituições e os discursos circulantes resultam num indivíduo responsável e dono de sua vontade.

Para Orlandi, o indivíduo que resulta desse processo não é, então, origem de si – como propõe uma visão idealista do sujeito – mas um constructo referido pelo Estado que individualiza e estabelece formas de identificação desses indivíduos. Assim, dado o processo, é o indivíduo 2 que está numa relação contínua com a sociedade, constituindo-a ao mesmo tempo em que é constituído por ela. Individualizado, o sujeito se relaciona socialmente sob a égide do Estado, submetido a uma ordem que determina todo e qualquer dizer.

Sobre esse processo de constituição do sujeito, é importante relevar alguns pontos, de acordo com o que já foi apontado em vários textos de Orlandi: primeiro, que o assujeitamento à língua – e conseqüentemente, à ideologia - é uma questão de natureza e não quantificável; segundo, que a forma-sujeito histórica jurídica pratica uma forma sujeito pragmático como resultado do seu funcionamento;

10

Esta posição se encontra formulada por Orlandi, em seu texto apresentado no CIAD (2008), na cidade de São Carlos. Segundo a autora, o tipo de Estado que funciona hoje é o técnico-administrativo. São, nesse sentido, “três condições que marcam a contemporaneidade: a destituição do Estado Nação como meta-instituição; a instalação de um Estado que se legitima como administrador técnico das novas tendências; e a dinâmica de mercado como prática dominante.” Para a autora, é justamente pela falta que “o Estado existe e exerce seu poder articulador do simbólico com o político.” (idem)

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12

terceiro, que esse indivíduo resultante é um sujeito social que tem como característica ser intercambiável; e quarto, que há um processo social pelo qual os sujeitos estabelecem laços sociais.

Nessa linha de pensamento, pensamos principalmente na linguagem como uma das formas que o indivíduo tem de se relacionar com o mundo e pela qual ele se constitui enquanto tal. E, no nosso ponto de vista, toda e qualquer forma de linguagem já está investida de ideologia, de formações ideológicas que direcionam os gestos de leitura para determinados lugares e direções.

O que nos parece certo é que, ao tomarmos a publicidade como uma forma de linguagem e, mais que isso, como via de um discurso circulante, pensamos nos mecanismos que sustentam um funcionamento de individuação e de identificação – e também de “envolvimento” entre os sujeitos - que vem pelo próprio modo de funcionamento da forma-sujeito histórica atual.

2.1 DIZER PARA QUEM?

Quero chamar a atenção aqui para o que venho observando nos estudos que tenho feito sobre a história da propaganda no Brasil, desde o seu surgimento com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Há, no meu ponto de vista, uma mudança fundamental que procuro descrever a seguir.

Um dos aspectos fundamentais do texto11 da publicidade é o fato de “dizer a todos e a cada um ao mesmo tempo” 12

. Esse mecanismo só é possível de se

11

Tomo aqui a noção de texto tal como propõe Orlandi (2006) pensado em sua discursividade, em relação às suas condições de produção, ligando-o à sua exterioridade. Nesse sentido, é que a autora afirma que, como diria Foucault, o texto se torna um monumento, “em que a própria textualidade traz nela mesma sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela” (ORLANDI: In LAGAZZI e ORLANDI [Orgs], 2006, p. 16)

12

Este ponto será retomado posteriormente no desenvolvimento do estudo. Por ora, o que estamos supondo é a materialidade do texto publicitário em função da sua circulação pelas mídias de vários tipos.

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13

apreender se pensamos nesse texto em sua forma material13. Não se trata, então, de olhar isoladamente para os slogans, títulos, enunciados e ilustrações de anúncios, mas sim de olhar para o texto da publicidade em seu funcionamento na história, com sua tentativa, por exemplo, de abarcar o maior número de consumidores ao mesmo tempo. Nesse sentido, a publicidade vai procurar falar a todos ao mesmo tempo ou, pelo menos, a todos os “potenciais” consumidores do produto anunciado14. Ela constrói, dessa forma, um determinado tipo de leitor – um conjunto de leitores – para o anúncio. Mas não é só isso. O que pude perceber – e acredito que aí está uma pista do funcionamento no modo de individuação – é que falando a todos, ela procura também individualizar os sujeitos, como se estivesse, na sua forma de dizer, falando a cada um particularmente15. São os recortes que seguem que nos apontam para esse fato de linguagem.

13

A própria noção de texto apresentada acima já nos permite pensar numa forma que não é apenas abstrata – transparente e literal – mas sim material (cf. ORLANDI, 1993), que considera a opacidade da língua e sua sujeição ao equívoco porque se inscreve na história para significar. Esta noção será explorada adiante.

14

Baseio-me nas noções de formação imaginária e mecanismos de antecipação (PÊCHEUX, 1997), que serão tratadas posteriormente, para afirmar isso.

15

É importante salientar que este é já um efeito imaginário. Se a publicidade funciona atualmente dessa forma, fazendo parecer dizer a cada um, é porque há um movimento no real que demanda um efeito individualizado (individuado) do dizer e que tem suas bases no próprio modo de funcionamento da forma-sujeito histórica contemporânea.

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14

Figura 1 - Anúncio 1 – Fox – Ano: 2005

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15

Figura 2 - Anúncio 2 – Puc-SP – Ano 2008 Fonte: http://www.satelitesmg.com.br

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16

Figura 3 - Anúncio 3 – Fruittella – Ano 2008

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17

Figura 4 - Anúncio 4 – Fedex – Ano 2004

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18

Figura 5 - Anúncio 5 – Akakia – Ano 2008

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19

Podemos notar que a forma de abordagem junto ao leitor é feita pelo uso da segunda pessoa do singular, com a utilização do termo “você” e de pronomes pessoais e verbos no imperativo16, o que produz um efeito de um único leitor, nesse caso, já individualizado e identificado como “o consumidor esperado”.

É digno de atenção também o fato de que, pelas imagens, há nos anúncios uma marca de individualização em cada um dos anúncios: seja pela caneta que

uma pessoa irá usar para preencher, seja pelas mãos de uma pessoa segurando

os livros ou abrindo um pacote, ou os dedos de uma pessoa segurando a bala, ou ainda a parte do corpo de uma mulher. Ou seja, também no não verbal se vê marcada essa referência ao você, produzindo uma forma de aproximação com o consumidor bastante enfática.

Pelas minhas observações, essa forma de dizer vem se mostrando cada vez mais constante nos nossos dias.

O que se percebe, porém, se analisarmos anúncios de décadas que vão dos anos 30 a 60 do século XX, é uma mudança na forma como se apresenta o produto, principalmente no que se refere ao modo como se falava do produto ao leitor:

16

Chamamos a atenção para o fato de que o que consideramos aqui é o efeito de aproximação com o leitor, não tanto pela norma da língua, mas sim pela forma como o texto sugere uma abordagem ao consumidor. Em Terra à Vista (2008), Orlandi apresenta o conceito de “língua imaginária” e “língua fluída”, dando à primeira a característica de sistematicidade pelos analistas (ligada à ciência) e à segunda o caráter de movimento, não se deixando “imobilizar nas redes de sistemas e fórmulas” (ligada ao cotidiano). No nosso ponto de vista, a publicidade se caracteriza por uma fluidez que lhe é necessária, nesse sentido.

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20

Figura 6 - Anúncio 6 – Cia. de Cigarros Souza Cruz – 1940-1950

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21

Figura 7 - Anúncio 7 – Extrato de Tomate Elefante – 1940-1950

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Figura 8 - Anúncio 8 – Creme Rugól – 1940-1950

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23

Figura 9 - Anúncio 9 – Nescáo – 1940-1950

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24

Figura 10 - Anúncio 10 – TV Colorado – 1960-1970

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25

Figura 11 – Anúncio 11 – Volkswagen – 1950-1960

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26

O quadro a seguir pode colocar em comparação como se dá essa mudança na forma de apresentação do produto, ora colocando o consumidor como o centro do anúncio (no caso dos atuais), ora se voltando para o produto em si (no caso dos anúncios antigos).17

Tabela 1 – Comparação entre as formas de abordagem do consumidor por anúncios a partir dos anos 2000 e anúncios entre as décadas de 1930 e 1960.

ANÚNCIOS A PARTIR DOS ANOS 2000 ANÚNCIOS DAS DÉCADAS DE 30 A 60

ABORDAGEM (no gênero pessoal)

Anúncio 1 – Você (Adivinhe qual dos compactos...)

Anúncio 2 – Você (Quantas páginas você deseja para sua carreira?)

Anúncio 3 – Você (Dê uma escapadinha) Anúncio 4 – Você (Sua encomenda nunca...) Anúncio 5 – Você (Sua Identidade)

ABORDAGEM (no gênero pessoal) Anúncio 6 – Vós (Auxiliae a Pátria...)

Anúncio 7 – Ele (O preferido do Brasil... É melhor e rende mais)

Anúncio 8 – Elas (Encantadoras damas da sociedade...) / Ele (Rugol é maravilhoso tratamento de beleza...)

Anúncio 9 – Eu (Não esqueci nenhum...) / Ele (e ainda tem Nescao aí...?)

Anúncio 10 - Nós (... queremos um TV só para nós) / Ele (Aqui está o TV para os jovens...)

Anúncio 11 – Ele (Já está correndo as estradas...)

Numa análise superficial dos conjuntos de anúncios acima, podemos notar que o segundo grupo (de anúncios mais antigos) não se diz da mesma maneira – na forma de abordagem - que os do primeiro grupo. Não se dirigem, nos textos, diretamente ao consumidor, nomeando-o por “você” ou trabalhando na segunda

17

Tais marcas representam, no nosso ponto de vista, posições sujeito no discurso. Este ponto será tratado mais adiante no Capítulo 6

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27

pessoa do singular. Em vez disso, trabalham na terceira pessoa (ele, ela) produzindo como referente o próprio produto anunciado, ou um grupo de consumidores específico. Além disso, também pelas imagens se percebe que o processo individualizante se dá de outra forma, não em direção ao leitor, mas em direção ao grupo a que se refere o texto ou ao produto anunciado.

Pelas técnicas da publicidade, na construção de um anúncio, o título é o elemento que tem o objetivo de chamar a atenção do consumidor. Figueiredo (2005) vai dizer que “nos anúncios com diagramação tradicional, o título aparece em caracteres grandes no topo da página. Trata-se de uma chamada forte, cujo objetivo é fisgar a atenção do leitor.” (ibid., p.13). Nessa perspectiva, pensamos ser o título do anúncio um elemento capaz de estabelecer os primeiros contatos com o consumidor, fazendo com que ele continue ou não sua leitura. Trata-se, dessa forma, de pensarmos que a abordagem do título na relação com o consumidor é capaz de intervir mais fortemente do que a que possa figurar num texto secundário, em letras menores.

Voltemos ao anúncio do Creme Rugól. É seu título que estabelece a existência de um grupo, apresentado na terceira pessoa do plural: “Encantadoras damas da sociedade confirmam:”, mas seu corpo de texto é trabalhado na abordagem de segunda pessoa: “Deixe que passem os anos...”, “Aplique o Creme Rugól à noite...”.

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28

Figura 12 – Anúncio Revista - Creme Rugól

Fonte: Coleção Propaganda Brasileira 500 Anos. Associação Nacional Memória da Propaganda

Há que se considerar a construção visual do anúncio, articulado na relação entre as imagens que apresenta e as formas como os blocos de textos estão dispostos. Se atentarmos para esse aspecto, podemos perceber que também o destaque que se dá, seja pelas posições na página, seja pelas diferenças nos

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corpos das letras, significam na forma como se estabelece aí a abordagem de terceira e de segunda pessoa.

O que estou querendo refletir ao retomar especificamente este anúncio é que não parto da suposição de que o que funciona hoje é uma forma absolutamente diferente de dizer da anterior, mas sim que há nuances que para mim apontam para diferentes movimentos de identificação.

Não se trata de pensar se há ou não a aproximação com o leitor18. Trata-se, isso sim, de entender a gradação dessa aproximação e como ela se dá.

A diferença está, no meu ponto de vista, na maneira como o consumidor é identificado a priori. Se antes parecia haver a necessidade de lhe apresentar um grupo para que a partir daí houvesse a identificação, hoje me parece que o movimento é inverso. Não se parte de um consumidor a priori, mas de uma categoria de consumidores a priori. Nesse sentido, o grupo já está suposto, a identificação já está suposta. Mas a relação indivíduo/grupo se mantém.

O que se tinha antes era um dizer que se referia ao grupo mas que tocava o indivíduo. Hoje, tem-se um dizer que se dirige ao grupo, mas que produz uma escuta individual. E isso faz toda a diferença nos processos de identificação.

Nessa perspectiva, coloca-se para mim a seguinte questão:

Qual a relação entre o funcionamento do discurso da publicidade e a forma sujeito histórica atual, que é a forma do sujeito de direito, interpelada por uma formação ideológica dominante que é a do capitalismo?

2.2 UM POR TODOS E TODOS POR QUEM MESMO?

Como já colocado, uma das principais funções da publicidade e propaganda é apresentar um produto para consumo. Dentro de uma definição bem simplificada, diríamos que sua função seria informar os consumidores sobre a

18

A publicidade, para funcionar, já supõe um consumidor a priori o que, para nós, configura um efeito de pré-construído (cf. PÊCHEUX). Nesse sentido, a relação já está posta.

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30

existência de um produto disponível no mercado que, via de regra, visaria suprir uma determinada necessidade19. Nesse sentido, podemos afirmar que a publicidade está diretamente ligada ao consumo. Ousamos dizer, inclusive, que é pela publicidade então que o consumo também se faz dizer, dando a ela o estatuto de sua língua.

Isto posto, cabe trazer para a discussão formulações de alguns estudiosos contemporâneos sobre o consumo e que, acredito, vão na mesma direção do que vim observando sobre o funcionamento de individuação dos sujeitos pela publicidade, apesar de sustentarem-se em outros campos disciplinares, teóricos e muitas vezes epistemológicos.

Everardo Rocha, na apresentação da obra “O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo”, de Douglas & Isherwood (2009, p.16-17), afirma que o consumo adquire um caráter aglutinador de identidades e relações sociais.

Consumir é exercitar um sistema de classificação do mundo que nos cerca a partir de si mesmo e, assim, como é próprio dos códigos, pode ser sempre inclusivo. Neste caso, inclusivo em dois sentidos. De um lado, dos novos bens que a ele se agregam e são por ele articulados aos demais, e de outro, inclusivo de identidades e relações sociais que são elaboradas, em larga medida na nossa vida cotidiana, a partir deles. [...] os bens são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou pontes

Também Canclini (1995, p.19) vê o consumo para além de seu aspecto de simples possessão de bens. Para ele, trata-se de uma forma de pertencimento coletivo através de relações que vão desde a solidariedade até a distinção e a hostilidade com o outro e que visam proporcionar satisfação biológica e simbólica. O autor considera que o consumo é um meio para se enviar e receber mensagens.

Cuando seleccionamos los bienes y nos apropiamos de ellos, definimos lo que consideramos públicamente valioso, las maneras en que

19

Trata-se aqui, apenas, de uma definição primária sem qualquer aprofundamento da questão, apenas para situar a argumentação.

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31

nos integramos y nos distinguimos en la sociedad, en que combinamos lo pragmático y lo disfrutable.

Canclini ainda defende a idéia de que o que ocorre na contemporaneidade é um deslocamento do sentido do consumo que o aproxima da própria questão da cidadania. Para ele (ibid., p. 13)

Nos vamos alejando de la época en que las identidades se definían por esencias ahistóricas: ahora se configuran más bien em el consumo, dependen de lo que uno posee o es capaz de llegar a apropiarse.

Dentro do que afirma e depois desenvolve em sua reflexão, Canclini coloca os meios de comunicação como aparatos para a circulação dos textos que dão suporte ao processo de consumo e, consequentemente, segundo ele, às condições de cidadania, o que nos faz supor, inclusive, seu papel regulador como forma de pertencimento.

Ainda de acordo com Rocha em Douglas e Isherwood (op. cit., p.17), não só os meios de comunicação, mas mais especificamente a publicidade, consegue não só fazer circular o “código do consumo”, mas ampliá-lo

Outra idéia é que uma das funções essenciais da cultura de massa – com evidente ênfase na publicidade – na sociedade contemporânea é ser a instância que viabiliza este código ao comunicá-lo à sociedade. A comunicação de massa realiza a dimensão ampliada desse código, fazendo com que nos socializemos para o consumo de forma semelhante. E o sistema publicitário é aí o espaço particularmente privilegiado, pois ao reproduzir no plano interno (no mundo dentro do anúncio, por exemplo) a vida social, permite a definição pública de produtos e serviços como necessidade, sua explicação como modos de uso, e a confecção de desejos como classificações sociais. A cultura de massa – mídia, marketing, publicidade – interpreta a produção, socializa para o consumo e nos oferece um sistema classificatório que permite ligar um produto a cada outro e todos juntos às nossas experiências de vida.

A diferença fundamental entre os autores supracitados e minha perspectiva é que, ao tratarem especificamente da publicidade, parecem não atentarem para o que nela funciona no seu interior, como estruturante dela mesma, produzindo análises apenas na sua superfície, voltadas à sua função e efeitos relativos a ela.

(44)

32

Proponho pensar que, se a publicidade se constitui tendo como base o consumo para que funcione, é então através dela que o consumo se faz dizer, materializando também através da publicidade formas de determinação que afetam os sujeitos e a sociedade.

Diante disso, cabe-nos perguntar qual é a relação entre o consumo e a publicidade na sociedade atual, partindo do princípio de que não estamos falando de uma simples utilização instrumental da segunda pelo primeiro, mas sim de uma forma pela qual os sujeitos se constituem e se identificam.

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3 RELAÇÕES ENTRECRUZADAS ENTRE O CONSUMO E A FORMA-SUJEITO DE DIREITO

Na nossa perspectiva, a publicidade se coloca, desde sempre, relacionada ao consumo. Vestergaard e Schroder (2004) vão dizer que “quando uma sociedade atingiu um estágio em que boa parte da população vive acima do nível da subsistência, a propaganda é inevitável, e inevitavelmente persuasiva. Isso só é verdade sob uma importante condição: que se trate de um sistema capitalista.” (ibid., p. 9)

De fato, o modelo de economia capitalista, com suas esferas de produção e circulação de mercadorias, representou com seu surgimento, um campo bastante propício para que a publicidade se desenvolvesse, uma vez que foi se tornando necessário não apenas informar a existência de uma mercadoria disponível para consumo, mas fazê-lo de uma forma que essa mercadoria ganhasse, por assim dizer, destaque perante as outras.

Por ora, é interessante nos determos nas reflexões sobre os modos de estruturação das sociedades capitalistas, para podermos compreender como aí se entrecruzam as relações de consumo e jurídicas.

Nesse esquema do modelo capitalista, Marx propôs pensar em duas formas de valor para o produto na esfera da circulação: o que seria o valor de uso, dado pela sua natureza, em função da necessidade que aquele produto viria suprir, e o valor de troca, adquirido no intercâmbio de produtos excedentes ou produzidos especificamente para este fim20.

É certo que Marx aqui tinha seu foco na estrutura econômica da sociedade e o valor da mercadoria, para ele, tinha uma relação muito mais estreita com a força do trabalho produtivo do que com algo política e simbolicamente constituído. Mesmo assim, o próprio Marx atentou para o fato de que essa cisão do objeto em valor de uso e valor de troca produz o que ele chamou de “caráter fetichista da

20

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34

mercadoria” (Marx, 1985, p. 70). Marx pensava numa relação de sistema de trabalho social total, no qual as mercadorias são produzidas por trabalhos privados executados independentemente uns dos outros. No âmbito da produção, o produtor já considera, ao produzir algo útil para ser permutado, a existência de um outro valor, diferente deste

Objetos de uso se tornam mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só atuam, de fato, como membros do trabalho social total por meio das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre os produtores. Por isso, aos últimos aparecem as relações sociais entre seus trabalhos privados como o que são, isto é, não como relações sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, senão como relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre as coisas. (Marx, 1985, p.71)

Assim, o autor afirma que a mercadoria, na esfera da circulação, funciona de tal forma que seu valor de troca se torna superior ao valor de uso, determinando as relações entre os homens e não o inverso. Marx ainda afirma que, ao se consolidar uma grandeza de valor de troca para cada objeto, oculta-se o processo de produção da mercadoria, com seu investimento de tempo e trabalho, o que constitui o que ele chamou de “segredo” da mercadoria.

O que é importante reter nesse pensamento de Marx é o fato de que esse processo se dá numa relação que é social e histórica. Isso, no nosso ponto de vista, constitui um caráter - não só para o objeto, mas também para todo o processo de consumo - que é material e que afeta toda e qualquer relação do homem com os objetos-mercadorias. Não se trata de pensar, então, num simples valor objetivo da mercadoria. Uma vez colocado na rede de circulação – tomada como uma rede simbólica – é outro sentido que toma lugar.

Outra pista importante que o pensamento de Marx nos dá repousa justamente na esfera da circulação das mercadorias e que, segundo alguns estudiosos, representa a forma que condiciona o modo como são produzidas as relações jurídicas.

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35

Lagazzi (1998) quando dialoga com Mialle (1980, apud LAGAZZI, 1998) sobre essa questão, afirma que “as relações entre pessoas estão historicamente determinadas pela produção e circulação capitalista” o que parece à autora transcender as relações entre coisas.

Também Marcio Naves (2008) ao produzir um estudo sobre Pachukanis, vai nos mostrar como o jurista soviético defende a posição de que a sociedade de direito e a forma sujeito de direito só são possíveis através – e a partir - de um sistema de trocas. Para Naves (idem, p. 54) é “a esfera da circulação das mercadorias que „produz‟ as diversas figuras do direito, como uma decorrência necessária de seu próprio movimento.”

Naves (idem, p. 68) vai além no seu investimento em Pachukanis, salientando como a forma sujeito de direito está diretamente relacionada a uma condição capitalista para sua existência

A constituição da forma sujeito de direito está, portanto, ligada ao surgimento de determinadas relações sociais de produção no âmbito das quais a relação de troca de mercadorias se generaliza a tal ponto que passa a abarcar também a força de trabalho humana. Para que as relações de produção capitalistas se configurem, é necessária a existência, no mercado, dessa mercadoria especial, que permite a valorização do capital, a força de trabalho. Ora, a força de trabalho só pode ser oferecida no mercado e, assim, penetrar na esfera da circulação, transfigurada em elemento jurídico, isto é, sob a forma do direito, por meio das categorias jurídicas – sujeito de direito, contrato, etc. – enfim, sob a forma de uma subjetividade jurídica.

Para Naves (idem, p. 69) é por Pachukanis que é possível percebermos a dependência das formas jurídicas em relação às formas mercantis. Segundo ele, “as formas jurídicas surgem como elementos necessários para a realização dessa esfera da circulação” (ibid).

O que se percebe na leitura de Naves sobre Pachukanis (idem) é a forte ligação entre a estrutura de uma sociedade capitalista e uma forma de organização jurídica que se estabelece a partir dessa estrutura.

Se pensamos na maneira como tomamos a forma-sujeito histórica pela Análise de Discurso (cf. HAROCHE, 1992; PÊCHEUX, 1997), na nossa forma de organização atual, é o Estado que funciona como articulador simbólico, como já

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colocado por Lewkovics e Cantarelli et alli (2003), ao que Orlandi acrescenta o caráter de articulador do político. E, ainda segundo Pachukanis (apud Naves, 2008, p.73) “o poder estatal empresta clareza e estabilidade à estrutura jurídica, mas ele não cria seus pressupostos, os quais se enraízam nas condições materiais, isto é, nas relações de produção.”

Naves (idem) explica que, mesmo sendo a esfera da circulação que determina diretamente as formas do direito, é a esfera da produção que “comanda” a circulação, o que faz com que a forma jurídica dependa também do “modo específico de organização do processo de trabalho decorrente da instauração das relações de produção capitalistas.” (ibid., p. 72).

Essa incursão nas maneiras de estruturação da forma jurídica torna-se útil para nossa compreensão a respeito do consumo na sociedade atual. Não há, pelo que observamos até o momento, como deixar de supor que na forma-sujeito histórica contemporânea já funciona uma forma de “direito ao consumo”, já que essa própria forma se estrutura no âmbito da circulação de mercadorias.

Retomando então o que já mencionei quando tratei da forma-sujeito contemporânea no capítulo “Delineando a questão”, gostaria de acrescentar que se estamos falando de um sujeito de direitos e deveres, livre e responsável, pragmático como resultado, intercambiável e inserido num processo social pelo qual estabelece laços sociais, devemos dar conta de que muito disso vem pela estrutura, na esfera da circulação, que conforma esse sujeito de direito. Para brincarmos com Marx, eu diria que se há o fetichismo da mercadoria, que secreta seus modos de produção, há também o fetichismo da forma-sujeito, que nesse caso, apaga os processos pelos quais ele se constitui, sem, no entanto, deixar de funcionar de forma latente nas subjetividades, conformando suas práticas discursivas o que, certamente, inclui um “direito ao consumo”.

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37

3.1 O CONSUMO DA/NA PUBLICIDADE: PERTENCIMENTO E EFEITOS DE CIDADANIA

Se pensamos nessa relação direta entre a esfera da circulação de mercadorias e seu papel estruturante na forma-sujeito histórica contemporânea, é necessário salientar que essa forma-sujeito, no seu modo de funcionamento, produz o sujeito cidadão como resultado de seu processo.

Afirmo isso baseado em como o Estado, pelas instituições, funciona nos processos de individuação dos sujeitos, como já mencionado. Nesse movimento, o sujeito individualizado pelo Estado assume a forma sujeito cidadão, de direitos e deveres, livre e responsável (cf. Haroche, 1992).

Naves (2008) também demonstra em seu estudo sobre Pachukanis, como o Estado, dentro de uma ideologia jurídica burguesa, se apresenta como uma “vontade geral” e tem uma representação jurídica que “é fundada na separação entre o Estado e a sociedade civil, separação essa que provém da distinção jurídica entre o público e o privado.” (idem, p.81) e que coloca o Estado na posição de esfera de existência exclusiva da política, uma vez que ele deve representar o lugar do consenso21 e não de interesses particulares. Diante disso, Naves (ibid.) salienta que

“... se o Estado é a esfera de existência exclusiva da política – lugar de representação dos interesses gerais -, e se a sociedade civil é o lugar onde habitam os interesses particulares, o acesso à esfera do Estado só pode ser franqueado pelos indivíduos despojados de sua condição de classe – posto que a condição de pertencer a uma classe social não pode ser reconhecida pelo Estado -, e qualificados por uma determinação jurídica: o acesso ao Estado só é permitido aos indivíduos na condição de cidadãos.”

Seguindo sua reflexão, Naves (ibid) vai ainda dizer que partindo disso, o cidadão se configura como o “indivíduo despojado de seus liames de classe,

21

Nesse sentido, é interessante citar as pesquisas e compreensões que foram produzidas no interior do projeto temático Fapesp – A Produção do Consenso nas Políticas Públicas Urbanas: entre o administrativo e o jurídico – desenvolvido no Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp e coordenado por Eni Orlandi.

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38

despojado de sua „particularidade‟, o indivíduo „universal‟ que participa do Estado” (idem, p.83). E acrescenta:

... essa determinação corresponde integralmente à representação jurídica do indivíduo, isto é, a sua base, o seu fundamento, é a categoria de sujeito de direito, o indivíduo ao qual o direito atribui as determinações da liberdade, da igualdade e da propriedade, o sujeito-proprietário que, no mercado, pode oferecer a si mesmo como mercadoria, pode oferecer, na qualidade de vendedor, a sua força de trabalho em troca de um equivalente.

Partindo do que vimos afirmando até o momento, é possível melhor compreender como o consumo (mesmo que não realizável) está concernido na produção de efeitos de cidadania. Pelas leituras dos autores que apontamos (CANCLINI, DOUGLAS & ISHERWOOD), o que se percebe é um sentido de cidadania que aponta para duas direções: a de responsabilidade social e de pertencimento – ou não – a um grupo. Nesse sentido, consumir significa, para esses autores, o gesto que possibilita o exercício de uma certa responsabilidade social – o que produz, no nosso ponto de vista, o deslizamento de um direito, tal como formulamos, para um dever – e de pertencer - ou produzir o “sentimento” de pertencimento - a um grupo.

Sabbatini (2007), calcando-se em Appadurai (1986, apud SABBATINI, 2007), vai dizer que

a demanda não pode ser entendida como mera expressão econômica da lógica do consumo, como se as mercadorias possuíssem uma qualidade objetiva ou um valor natural/biológico [...] a lógica da política do consumo, como expressão econômica da demanda, deve ser compreendida na sua amplitude, ou seja, na constante disputa pelo acesso e pelo conhecimento de pertencer ou não a determinados grupos

Jean-Jacques Schaller (2001)22 já chamou a atenção para o fato de que hoje não se deve pensar em uma luta de classes como aquilo que funcionaria como o “motor da história”, mas sim numa “luta de lugares”.

22

Segundo o texto “Construire um vivre ensemble dans une démocratie renouvelée”, apresentado

em comunicações na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de São Paulo, em novembro de 2001. Consultado no arquivo do CEDU / Labeurb - Unicamp

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