Dissertação de Mestrado
Vanessa Campos Ratton Ferreira
Orientador: Prof. Dr. Eugênio Trivinho
2006
COMUNICAÇÃO, PODER E CULTURA NA
ERA DA VISIBILIDADE MEDIÁTICA
COMUNICAÇÃO, PODER E CULTURA NA
ERA DA VISIBILIDADE MEDIÁTICA
Crítica das práticas de assessoria de comunicação e de responsabilidade social
“Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, em atendimento à exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCOS-PUC/SP)”
Área de Concentração do Programa: Signo e Significação das Mídias
Linha de Pesquisa: Sistemas semióticos em ambientes midiáticos
São Paulo
_______________________________________
_______________________________________
RESUMO...05
ABSTRACT...06
INTRODUÇÃO...07
PARTE I - CONTEXTO DOS ANOS 90 Capítulo 1 - Período pós-Guerra Fria...13
Capítulo 2 - Ruptura com a modernidade...40
Capítulo 3 - A era da visibilidade mediática...79
Capítulo 4 - Tempo real e implosão do espaço: as novas tecnologias e o mundo contemporâneo...94
PARTE II - COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL E AS PRÁTICAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL Capítulo 1 - A comunicação como ferramenta estratégica das empresas na economia global ...106
Capítulo 2 – O desenvolvimento do livre mercado e o surgimento da responsabilidade social...127
Capítulo 3. Análise das pesquisas sobre as práticas de Responsabilidade Social Empresarial no Brasil...139
CONCLUSÃO...161
ÍNDICE...165
ESUMO
A presente Dissertação de Mestrado visa apresentar o cenário em que se insere a comunicação no início do século XXI e a sua vinculação às formas de poder e de cultura. Sob esse prisma, serão contemplados temas como a emergência do capitalismo global, o neoliberalismo, o futuro do socialismo, a modernidade cultural, a sociedade pós-industrial, a visibilidade mediática, a sociedade infotecnológica e a cibercultura.
Nesse contexto, avaliamos a nova prática de comunicação das empresas e sua relação com a construção de sentido e de percepções sobre a atuação das corporações nas áreas de responsabilidade social e ambiental, com a finalidade de apurar se a força motivadora das ações sociais é a responsabilidade social ou uma nova forma de agregar valor às marcas. A pesquisa bibliográfica e a coleta de dados, feitas em cotejo com os principais eventos profissionais e conferências sobre o tema, foram a base referencial do trabalho. Durante um ano e meio, ouvimos palestras e cases, e acompanhamos diversas publicações sobre o assunto e pesquisas sobre ação social no Brasil e perfil do consumidor. A análise desses documentos se transformou em uma avaliação crítica da prática da responsabilidade social na era da visibilidade mediática._________________________________________________________
Nessa perspectiva, a pesquisa pretende contribuir para a avaliação crítica do papel social da comunicação empresarial, que colabora, com maior ou menor intensidade, para o desenvolvimento da relação entre capital, trabalho e sociedade, no momento em que a globalização transforma os media em agentes facilitadores da “capitulação” da sociedade à política econômica e em que a assessoria de comunicação passa a servir como ferramenta estratégica da moderna administração de empresas, a fim de persuadir o consumidor-cidadão de que ela atua de forma socialmente responsável, criando uma nova utopia.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação social, globalização da economia, sociedade
This work intends, in the theoretical perspective of the pos-structuralism, to disclose the scene where the communication is inserted, in the beginning of century XXI, and its connection to the forms of power and culture. Under this prism subjects will be contemplated as emergency of a global capitalism, neoliberalism, future of the socialism, cultural pos-modernity, information society, pos-industrial society, direct visibility, infotecnological society and cybercultural.
In this context, we evaluate new practical of the communication of the companies and its relation with the sensible construction of and perceptions on the performance of the corporations in the areas of social and ambient responsibility, with the purpose to observe whether the motor force of the social actions are social responsibility or a new form to add value to the mark.
The bibliographical research and the collection of data during the main professional events and conferences on the subject were the reference bases this work. During one year and half, we hear lectures, cases, we read many publications on the area and research on the social action in Brazil and on the profile of the consumer. The analysis of these documents became in a critical evaluation of the practical of the social responsibility in the age of the direct visibility.
Perhaps the major contribution of this study is to evaluate in critical way the role of the enterprise communication that, with more or less intensity, collaborates for the development of the relation between capital x work x society, at the moment where the globalization transforms measured them in a easy agent of the submission of the society its economic policy. On the other hand, the communication assessorship starts to serve as strategical tool of the modern business administration, which it tries to persuade the consumer-citizen of whom it acts socially of responsible form, creating a new utopia.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e, posteriormente, dos
interativos, bem como a globalização da economia, determinaram não só o aumento da
circulação da informação, como também a necessidade de maior rapidez na captação,
apuração e veiculação da notícia. Esse fato gerou uma relação de interesses recíprocos entre
os media e as fontes de informação, sejam elas indivíduos ou organizações.
Para intermediar e aprimorar esse processo, as Assessorias de Imprensa (AI) passam a
atuar como organizadoras de informações para os clientes e produtoras de pautas para as
redações. O jornalista contratado pela fonte empresta sua credibilidade à divulgação dos fatos
e agiliza o trabalho de centenas de repórteres de veículos impressos, eletrônicos ou on line.
As Assessorias de Imprensa (internas ou terceirizadas) prestam um serviço
especializado para os departamentos de marketing ou assessorias de comunicação social
(ACS) das empresas. Esses setores coordenam as atividades de relações públicas, publicidade
e jornalismo das instituições com seus diversos públicos.
Nos últimos anos, a comunicação organizacional passou a utilizar técnicas de relações
públicas, endomarketing, marketing social e assessoria de imprensa para redimensionar suas
ações de publicidade e integrá-las, formando um verdadeiro composto de comunicação. Para
tanto, é necessário tratar os perfis múltiplos dos públicos da organização, estabelecer políticas
de comunicação e estratégias que englobam políticas de administração em recursos humanos
e marketing. Um esforço conjunto para criar mais do que imagens, estimulando percepções
nos clientes internos e externos.
Embora se possam usar serviços dessas áreas isoladamente, cada vez mais, diferentes
trazer resultados mais abrangentes e eficazes. De tal modo que, hoje, a atuação da ACS está
diretamente ligada à diretoria da organização.
O conceito de comunicação integrada
Adotamos a definição de comunicação integrada, segundo Rego (1986, p. 105), como
“métodos, técnicas e formas comunicativas, que objetivam emoldurar a empresa dentro de um
mundo real e jamais num mundo utópico. O que desejamos, enfim, é a aproximação do
trinômio sociedade-empresa-comunicação”.
Para Rego (Ibid., p. 77), a comunicação organizada deve ser conduzida por um centro
de coordenação responsável pelas pesquisas, estratégias, táticas, políticas, normas, métodos,
processos, canais, planos, fluxos, níveis, programas, projetos, tudo isso apoiado por técnicas
que denotem uma cultura e uma identidade organizacional. Ele identifica onze grandes
vetores que criam as situações de comunicação na organização, a saber: identidade cultural,
jornalismo, relações públicas empresariais, relações públicas governamentais, marketing
cultural, publicidade comercial/industrial, publicidade institucional, editoração, identidade
visual, a prospecção, a seleção e o tratamento da informação, o armazenamento e a
disseminação da informação.
Todo esse conjunto de conhecimentos, empregado de maneira integrada no pensar e
fazer comunicacional, é, a nosso ver, uma definição de comunicação sem fronteiras entre
habilitações específicas.
A idéia de um comunicador completo, que chamaremos de um profissiona l
comunicação o torna mais preparado para assumir a comunicação dentro de um cenário
globalizado, que denominamos de era da visibilidade mediática.
O conceito de visibilidade mediática pode ser sinteticamente compreendido como o
momento que a sociedade contemporânea vive sob a influência direta dos meios de
comunicação. O período é constituído pela sociedade da informação (era da informação,
aproximadamente a partir da metade do século XX) e pelo desenvolvimento da sociedade
infotecnológica (Cibercultura, a partir dos anos 90). É o momento histórico do acontecimento
sígnico – que não tem nada de acontecimento real e de fatos – que torna a realidade apenas o
que é visível nos media; portanto, surge como uma evolução da era da imagem, proposto por
Régis Debray, como veremos no Capítulo 3, na Parte I desta Dissertação.
Os media, principalmente os audiovisuais, refletem a ótica sob a qual a sociedade civil
organizada forma percepções. No entanto, nem sempre os fatos são discutidos nos espaços
públicos, mas as imagens ou os simulacros que os media mostram sobre esses
acontecimentos. A imagem se sobrepõe ao objeto (BAUDRILLARD, 1981), assim como o
espaço público passa a ser um espaço mediatizado.
O objetivo deste trabalho é mostrar o papel relevante que a comunicação passou a ter,
em tempos de globalização, para as empresas, em duas vertentes principais. Uma delas trata
da necessidade de uma comunicação mais veloz para serem mais competitivas, dependendo,
assim, da cooperação dos seus empregados. A outra, aborda o recente conceito de
responsabilidade social empresarial, determinante para a comunicação institucional,
atualmente denominada de comunicação de atitude. Em outras palavras, como as
organizações trocam suas mensagens, como são percebidas pelos seus diversos públicos por
meio de suas ações ambientais e sociais.
Portanto, a última década do século está marcada, também, pela transformação da
adicionarmos a esse quadro a revolução que as novas tecnologias trouxeram ao mundo
profissional – possibilitando inclusive, a própria criação do novo cenário global – e seus
efeitos, principalmente na comunicação organizacional de trans- ou multinacionais, temos o
nascimento da nova prática da Assessoria de Comunicação nas instituições, sejam elas do 1º
setor (governo), do 2º setor (iniciativa privada) ou do 3º setor (ONGs, associações e
sindicatos).
Modestamente propomos com este estudo uma reflexão teórica sobre a relação entre
comunicação, poder e cultura, sob o ponto de vista da percepção das práticas de ação social
das empresas brasileiras. Em nossa análise, as corporações disfarçam, por trás de projetos
sociais, a tentativa de “vender” aos consumidores da nova sociedade-cidadã a falsa idéia de
“humanização” do capitalismo global.
A pesquisa bibliográfica foi importante, pois temas tão atuais como os que procuramos
tratar ainda não se encontram amplamente analisados. Autores nacionais como Mattar (2001)
e Grajew (2003) têm uma visão entusiástica, pouco crítica, sobre o tema. Partimos, então, para
a coleta de dados nos principais eventos profissionais e em conferências sobre
responsabilidade social. Durante um ano e meio, ouvimos palestras, cases, lemos diversas
publicações sobre os projetos e balanços sociais das empresas, sempre nos esbarrando com
uma visão ufanista.
Assim, decidimos-nos pelo caminho da análise teórica sobre idéias centrais e conceitos
que envolvem o assunto, considerando ser esse caminho a contribuição mais oportuna para os
estudos que virão, certos de que ainda há muito a ser pesquisado.
O referencial teórico que expomos na primeira parte da Dissertação serviu de base
para realizarmos uma crítica da prática de responsabilidade social na era da visibilidade
mediática, focando a tabulação especial da pesquisa do IPEA com as empresas brasileiras
do Consumidor Brasileiro 2004”, realizada pelo Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social em conjunto com o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Essa
pesquisa integra um estudo internacional, o Corporate Social Responsability – Global Public
Opinion on the Changing Role of Companies, cujo objetivo é monitorar a percepção dos
consumidores sobre o papel das empresas na sociedade e suas expectativas em relação aos
impactos dos projetos sociais corporativos.
Nessa esteira, o estudo faz uma crítica às empresas que praticam marketing social
[para nós, merchandising social], valendo-se de gestos de filantropia para agregar valor à
imagem da empresa como mais uma técnica de promoção de venda, na onda da
responsabilidade social, ganhando, inclusive, o direito de competir por verbas públicas sobe a
bandeira da boa administração privada em detrimento da desmoralizada administração
pública. Além disso, a comunicação interna passa a ser usada para transformar os
Parte I
CONTEXTO DOS
ANOS 90
1. Período pós-guerra fria
1.1. Queda do muro de Berlim
A ascensão comunista teve início após a Primeira Guerra Mundial e cresceu devido à
miséria trazida pela Grande Depressão ao mundo capitalista. Durante a Segunda Guerra, com
o papel decisivo do Exército Vermelho para a derrota do na zismo, criou-se uma imagem de
prestígio e poder militar sobre a URSS, líder do bloco comunista. A Europa estava arrasada e
os economistas previam mais uma dura crise do capitalismo. No entanto, os Estados Unidos
da América passaram a investir na Europa e no Japão, permitindo-lhes um inesperado surto de
crescimento econômico.
O capital americano injetado na economia européia e os avanços tecnológicos da época
(televisão e início da era da industrialização e da produção em massa) fizeram a prosperidade
dos países. Esse boom econômico teve seu apogeu na década de 60. A guerra afastou o
fascismo e suas formas associadas de autoritarismo de governo e permitiu que a democracia
liberal novamente se estabelecesse na Europa Ocidental.
Os países orientais e a própria União Soviética implementaram a política socialista e
passaram a seguir as duras normas do comunismo de guerra. Tiveram sucesso, durante certo
tempo, apesar de terem impingido a ditadura política do partido/Estado. A economia desses
países cresceu rapidamente e passou a servir de modelo para países do Terceiro Mundo.
O medo do poderio militar russo e da repercussão mundial que as informações sobre o
êxito de um sistema socialista poderiam causar transformou os ditames da política
URSS. Assim, por mais de 70 anos, os governos e as classes dirigentes ocidentais, aliados dos
Estados Unidos, foram atemorizados pelo fantasma da revolução social e do comunismo, que
se apresentava como alternativa ao regime capitalista. No entanto, a limitada percepção da
maioria dos povos ocidentais apenas conseguia ver a ameaça de uma invasão comunista,
liderada pela União Soviética, e a explosão de uma guerra nuclear.
A paz no mundo desenvolvido (a guerra passou a fazer parte do Terceiro Mundo) não foi
mantida apenas em função do medo de um conflito atômico.1 A estabilidade deste período foi
conseguida por meio do respeito ao acordo de Yalta, que demarcou a zona de atuação de cada
uma das superpotências na Europa, e da estabilidade nos países capitalistas do Primeiro
Mundo, que haviam abandonado o liberalismo de livre mercado. 2
O regime comunista, porém, a partir dos anos 80, não conseguiu mais acompanhar o
rápido desenvolvimento do Ocidente. Explodiram revoltas de movimentos populares em
vários países contra a corrupção impregnada na elite do partido comunista e a favor da
realização de reformas no aparelho do Estado, com o intuito de democratizá-lo. Numa dessas
manifestações, em junho de 1989, em Pequim, na Praça Tiananmen, estudantes chineses
resolveram mostrar o desagravo com o governo e acabaram sendo publicamente massacrados.
O fato chocou a opinião pública mundial. E, como afirmou Blackburn (1992, p. 10),
“contribuiu para refrear a reação das autoridades comunistas soviéticas e chinesas, face à
revolta popular que se alastrou pelo Leste europeu”. A tragédia acabou determinando um
efeito dominó. No mesmo ano, aconteceu a histórica queda do muro de Berlim, que reunificou
a Alemanha.
A derrubada do muro foi espetacularizada pelos media3que a transmitiram ao vivo para
o mundo, impingindo ao fato a representação simbólica do fim do comunismo como
1 Apesar de o monopólio nuclear ser americano.
movimento mundial. A partir daquele momento, criou-se o mito de que o capitalismo saiu
vitorioso sobre o socialismo. Marx e suas previsões de que uma sociedade mais justa,
igualitária, democrática, cooperativa, sem classes, ou seja, mais humana (promovida via
socialismo) e que acabaria eliminando o sistema capitalista da face da terra ficaram
desacreditados.
No início do século XXI, o terrorismo ganhou destaque e os Estados Unidos e seus
aliados são o alvo principal de atentados originários, principalmente, de grupos do Oriente
Médio. O ataque de 11 de Setembro tornou-se um marco histórico. Além da grande perda de
seres humanos inocentes, a potência americana mostrou-se altamente vulnerável e provou que
nem todos estão contentes com o regime capitalista.
Os Estados Unidos desencadearam a "guerra ao terrorismo" e ao "eixo do mal", ao
mesmo tempo em que desconsideraram as organizações internacionais e seus próprios aliados
da OTAN e do mundo árabe. Mas toda a força e auto-suficiência mostradas até agora pela
administração republicana têm obtido magros resultados. Apesar da derrubada do regime
Talibã e da instalação, no Afeganistão, de um regime aliado, o governo Bush não logrou
qualquer vitória sobre um inimigo invisível como é o terrorismo.
Certamente, houve um colapso do regime comunista que estava em vigor, por motivos
diversos que analisaremos a seguir, embora ainda não se possa prever como será solucionado.
As alternativas tendem tanto para uma forma de regime que se aproxime da democracia
socialista, ou para um tipo de democracia capitalista “humanizada”, com um substancial setor
público ou, ainda, um autoritarismo reforçado com uma ampliação da economia de mercado,
como acontece na China. Interessa-nos, no entanto, compreender a razão desse colapso e sua
3 Usamos o termo
media, ao invés de mídia, porque preferimos respeitar a origem latina da palavra. No singular: medium, que significa meio; no plural: media. Na ciência da Comunicação, o termo refere -se a meios de
significação histórica, com o objetivo de mapearmos o contexto da sociedade contemporânea
e o rumo que ela poderá tomar.
1.1.1. Regime comunista x democracia
Para Miliband:
embora os regimes comunistas tenham se diferenciado entre si de várias maneiras, eles possuem duas características predominantemente em comum: uma economia em que os meios da atividade econômica estavam sob a propriedade e controle estatal; e um sistema político em que o Partido Comunista (sob vários nomes nos diferentes países), ou melhor, seus líderes, gozavam de um virtual monopólio do poder, vigilantemente defendido contra qualquer forma de dissidência pela repressão sistemática – freqüentemente brutal. (1993, p. 22).
A econômia, um dos principais motivos geradores da decadência do comunismo, é
administrada por intermédio de uma pequena elite considerada habilitada e sofisticada, criada
pelos próprios dirigentes comunistas. No entanto, além de não conseguir criar um contexto
adequado ao complexo desenvolvimento da economia, muitos dos membros dessa elite de
funcionários do Estado acabaram cedendo à corrupção.
O outro pilar do regime, segundo Miliband,
contrário, reforçá-lo, transformando essas instituições em órgãos de controle do partido-Estado. (Ibid., p. 22-23).
A falta de liberdade foi, sem dúvida, essencial para condicionar a revolta das massas
populares, que acabaram deslegitimando o regime. A restrição da liberdade (tão cara à
natureza humana), entre outros motivos, impediram, como crê Miliband (Ibid., p. 26) “que a
promessa democrática e igualitária do socialismo se concretizasse”.
Os comunistas representaram, por mais de meio século, uma resistência em escala
mundial ao poder capitalista, influenciando grupos de resistências políticas em países de
vários continentes, inclusive na América Latina, contra a dominação cultural e o imperialismo
americano.
Mas a falta de planejamento de uma política econômica atualizada, o autoritarismo e a
repressão brutal à liberdade de expressão, utilizados para manter o poder, fizeram com que os
dirigentes comunistas deturpassem o conceito de socialismo, colocando-o como oposto à
democracia. Assim, o objetivo passou a ser proteger-se e vencer o capitalismo e não viver e
fazer evoluir o socialismo.
Desta forma, o poder econômico e político do Ocidente, com a ajuda dos media, teve a
facilidade para criar a imagem de que o comunismo era uma utopia. Eles fizeram o mundo
crer que somente o capitalismo poderia oferecer liberdade e democracia.
Para Miliband (1993, p. 27), “a democracia capitalista, apesar de suas limitações
debilitantes, tem sido imensuravelmente menos opressiva e muito mais democrática do que
qualquer regime comunista”. O que nos faz discordar deste autor é que, de fato, o capitalismo
esconde atrás de si um rastro de horrores deixados pelo jogo de poder, implícito na sua
essência do lucro – embora, às vezes, seus estragos deixem invisível o nome do verdadeiro
desenvolvimento através da exploração sem limites da natureza e da destruição da
solidariedade, instigando a exploração do homem pelo homem.
Até há pouco tempo, o abuso capitalista, aliado à falta de leis ecologicamente corretas,
degradou o meio ambiente de tal maneira que, hoje, a falta do controle da exploração da
natureza pode colocar em risco toda a humanidade. Por certo, o regime comunista também
cometeu esse erro. Mas fica ileso das conseqüências sociais trazidas pela livre
competitividade do mercado, que apregoa concorrência igual para todos – o que obviamente
não é verdade –, obriga as empresas a realizar bruscas mudanças em suas administrações
(como terceirizações e fusões) e nas relações de trabalho (contratação de mão-de-obra
temporária e de profissionais que trabalham em casa4), com o objetivo de diminuir custos.
Essas mudanças envolvem, também, o aumento da miséria, com desemprego estrutural e
aumento das diferenças entre países pobres e ricos e guerras alimentadas pelo poder
econômico capitalista, com interesse nas riquezas naturais que podem ser adquiridas a custos
mais baixos, quando uma nação está destruída pelos conflitos internos e externos, como os
diamantes na África ou o petróleo do Oriente Médio.
Enfim, apesar de discordarmos da defesa que Miliband (1993, p. 30) faz do capitalismo,
ele mesmo se contrapõe ao afirmar que a postura da esquerda socialista deve ser a de “fazer
crítica permanente às limitações e falhas da democracia burguesa [...] Em outras palavras, não
são apenas os arranjos políticos que devem ser alvo de críticas sérias e convincentes, mas
também o exercício do poder arbitrário em todos os aspectos da vida – nas fábricas,
escritórios, escolas e onde quer que o poder afete a existência das pessoas.”.
O fato de o regime capitalista permitir a democracia não significa que essa possibilidade seja
efetiva. Diz apenas que o controle do poder executivo, administrativo e de polic iamento é
intrínseco à política da democracia social, portanto pode permitir que ela seja realizada, mas
não a garante.
Miliband (1993, p. 31-32) está certo ao concluir que este controle não era permitido nos
regimes comunistas, pois, acima de tudo, conforme indicamos anteriormente, havia a
fidelidade ao partido-Estado e, desse modo, não havia base que sustentasse uma forma
democrática de poder.
Somente a criação de diversos centros de poder dentro da sociedade, que expressem as
várias aspirações e preocupações dos seus integrantes, formando, portanto, uma voz pluralista,
poderia desembocar na democracia socialista, fazendo nascer, como quer Miliband:
um sistema de ´poder dualista´ em que o poder estatal e o poder popular se complementam mas também se controlam [...]. Nessa perspectiva, uma das principais tarefas para os socialistas é certamente a de se tornarem os defensores mais resolutos e persuasivos dos ganhos democráticos conquistados nos regimes capitalistas, os críticos mais intransigentes das deficiências da democracia capitalista e os melhores proponentes de uma ordem social em que a democracia é finalmente liberada das limitações que lhe são impostas pela dominação capitalista. (Ibid., p. 32-34).
Mesmo com uma ordem social baseada na exploração e na dominação, atualmente, o
capitalismo está em sua maior ascensão, sendo a globalização da economia a maior prova
disso. Porém, o esforço dos media, sob controle daqueles que detêm o poder econômico e
político nos países ricos, somado a uma esquerda despreparada e à crise de paradigmas vivida
pela sociedade atual, serviu por bom tempo para confundir a esquerda.
Como sabemos, uma das características fundamentais do capitalismo é sua capacidade de
esclarecer às massas que, muito do que a sociedade quer hoje – liberdade, igualdade e
solidariedade – está profundamente enraizado na concepção de socialismo.
É bem verdade que as promessas socialistas de acabar com a pobreza e a miséria não
foram cumpridas. Mas acreditamos que as tentativas de construir um mundo melhor, regido
por outro sistema, até agora fracassaram. Outras alternativas, ainda desconhecidas por nós,
poderão surgir.
Segundo Bobbio (1993, p. 19), os movimentos populares, saturados da opressão
comunista, na verdade aspiravam ao direito à liberdade, um pré-requisito à democracia. Nos
países ocidentais desenvolvidos, o Estado de liberdade deu seqüência ao Estado de direito e,
depois, ao Estado democrático. No entanto, “os estudantes chineses, em um de seus
documentos, declararam lutar pela democracia, pela liberdade e pelo direito.” (Ibidem).
Até liberais, como Bobbio, acreditam que este foi um dos motivos do colapso comunista
no mundo, a pressão dos movimentos populares que exigiam todas essas liberdades de uma só
vez.
Refiro-me em especial às quatro grandes liberdades do homem moderno: a liberdade individual, ou seja, o direito de não ser preso arbitrariamente e de ser julgado segundo regras penais e jurídicas bem definidas; liberdade de imprensa e de opinião; liberdade de reunião [...] e por fim a liberdade mais difícil de conquistar: a de associação, que deu origem aos sindicatos e aos partidos livres, conseqüentemente à sociedade pluralista sem a qual não há democracia. Como fecho desse processo de liberdade política, ou o direito de todo cidadão a participar das decisões coletivas que lhe dizem respeito. (BOBBIO, 1993, p. 18-19).
Para Bobbio (Ibid., p. 20) “a democracia [...] superou o desafio do comunismo histórico.
Mas de que meios e ideais dispõe para enfrentar os mesmos problemas que deram origem ao
1.1.2. A resistência do socialismo
Atualmente, parece possível à sociedade, ou pelo menos a uma parte dela, conseguir
implantar algumas humanizações na economia de mercado por meio de regulações sociais,
impostas aos países que queiram participar do mercado global. Algumas dessas idéias, que já
acontecem na prática, vêm do conceito de responsabilidade social – embutido no modelo
econômico, conhecido como mercado socialista. Tentaremos definir, de acordo com sua
filosofia original, como este conceito se difere da maneira como o capitalismo o divulga. A
prática da responsabilidade social, por intermédio das políticas sociais das empresas
multinacionais, hoje, é muito superficial e comumente confundida com outro termo,
marketing social, também praticado indevidamente pelo setor empresarial.
Explicaremos, resumidamente, o conceito de mercado socialista, sem nos atermos a este,
pois apenas o conhecimento dos critérios que o integram são suficientes para demonstrar
como o conceito de responsabilidade social tenta repaginar as mesmas idéias de maneira
superficial.
A diferença mais marcante entre a economia capitalista e a socialista é a regulação. A
primeira baseia-se no livre mercado. A segunda experimentou uma economia regulada pelo
Estado. Suponhamos que houvesse existido uma regulação pelo mercado nos regimes
comunistas (a falta desta atrapalhou muito a economia desses regimes, pois não se tinha idéia
da demanda, nem se ouvia o consumidor), dentro de um padrão socialista, a distribuição geral
da demanda seria muito diferente, pois não haveria o automatismo do processo de acumulação
(crescimento pelo crescimento), nem seria estimulado o consumismo ganancioso. Além disso,
mercado capitalista não leva em conta esses custos e faz despesas desnecessárias com
promoção.
O mercado socialista é composto por cinco elementos: custo, tributação específica,
mercado misto, minimização da publicidade e auditorias sociais. O custo é dividido em
ecológico e social. O primeiro refere-se a matérias-primas, a trabalho ou equipamentos essenciais
de que temos de nos utilizar, mesmo degradando o meio ambiente.
No mercado socialista, assim como pelo prisma ecológico, geralmente é sensato minimizar o uso de matérias-primas e esgotar o equipamento e a despesa com mão-de-obra, em vista de um determinado nível de produção. Se a mão-de-obra não for uma mercadoria cujo preço é dado pelo mercado, economizar trabalho, ou seja, reduzir uma produção, não implicará baixas de salários como ocorre no capitalismo. Cálculos técnicos e ecológicos poderão determinar a suspensão da produção de determinados artigos, sem dispensar cálculos econômicos que poderiam ajudar a escolher melhores alternativas e para orientar na troca de certas matérias-primas. Não se pode esquecer de que certos custos são inevitáveis, pois não há como se esquivar de todos os riscos. (BLACKBURN, 1993, p. 171).
O custo social pode ser calculado levando-se em conta os problemas de saúde ou
perigo de vida inerente ao trabalho para produzir determinado produto; uma grande rede de
serviços que acabe com o comércio local; o estabelecimento de uma empresa que traga a
falência da forma de subsistência da maioria dos trabalhadores que passam a coexistir num
mesmo local ou mesmo o fechamento de uma fábrica que deixe milhares de desempregados
numa cidade.
A tributação específica seria para garantir que os impostos e subsídios cumprissem objetivos
[...] a criação de mecanismos que levem as empresas a avaliar de modo pleno e adequado a necessidade social e os custos sociais, em vez de se comportarem de modo egoístico e estreito. Para tanto é preciso adotar, em um futuro não muito distante, o que Diane Elson chamou de “socialização do mercado”. Em uma economia socialista, o mercado deve ter agentes econômico – pequenas cooperativas e pequenas sociedades comerciais inclusive –, do modo como exige qualquer economia moderna. Os impostos e os subsídios t~em de ser muito bem calculados, a fim de cumprirem objetivos sociais e ajudarem a preservar os recursos naturais. A lei referente a empresas pode tornar obrigatória a divulgação de dados comerciais que revelem decisões administrativas quanto a preços, lucros e investimentos. Diane Élson sugere que a formação de Juntas de preços contribuiria para um funcionamento mais transparente e mais responsável do mercado, e documenta as tendências não raro onerosas e contraproducentes desses mercados. (BLACKBURN, 1993, p. 169-170).
Para completar a idéia de um mercado socialista, segundo Blackburn, duas ações seriam
necessárias (1993, p. 183-191): economizar os recursos gastos com publicidade, sendo que
uma parte financiaria organismos sociais para defenderem os direitos dos consumidores, e
implementar auditorias sociais, formadas por membros de diversos setores da sociedade civil
organizada.
Como exemplo, Blackburn (Ibid., p.190) cita a empresa têxtil Working Women
Worldwide, que, acatando as diretrizes do grupo socialista do parlamento europeu, propôs a
“regulamentação social” do comércio exterior de têxteis, de modo a só permitir
comercialização na comunidade européia, de peças que atendessem a determinados padrões
de qualidade e condições de produção mais humanas, envolvendo a saúde e a segurança; o
direito à remuneração por horas extras de trabalho; o auxílio desemprego; o auxílio
maternidade; licenças para tratamento de saúde e direito dos trabalhadores de se organizarem.
É claro que áreas vitais como educação, cultura e comunicação – e saúde nos países
civil ficar ameaçada, pois essas iniciativas ficariam ligadas a interesses puramente comerciais
e gananciosos.
Cabe-nos ressaltar que os keynisianos também empunharam uma bandeira diferente de
capitalismo, o Estado de bem-estar social, há muito tempo enraizado na Europa, com vistas ao
desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária, mas que também ainda não é eficaz.
1.1.3. A experiência social européia
O keynesianismo baseava-se numa política de lucros, um Estado de bem-estar social e
direitos sociais, e foi uma tentativa de salvar o capitalismo liberal. Com a expansão do bloco
socialista, depois de 1945, os próprios governos ocidentais se conscientizaram da importância
da previdência social. Tendo como objetivo eliminar o desemprego em massa e estimular a
demanda, o keynesianismo social, as políticas do New Deal e o “corporativismo”
assentavam-se na parceria deliberada entre o capital e o trabalho organizado sob os auspícios benevolentes
do governo.
As catástrofes provocadas pelo capitalismo, após a Segunda Guerra, revelaram que o
movimento trabalhista organizado foi forte e indispensável nas sociedades liberais; que a
alternativa para assegurar a lealdade da classe trabalhadora sem aumentos de salários era
colocar em risco a democracia. O capitalismo de bem-estar social atingiu seu pico nos anos
60, mas uma nova crise mundial provocou um recuo fiscal, e este modelo acabou sendo
considerado corporativista.
Surge o neoliberalismo,5 que ainda hoje encontra resistência nos países desenvolvidos e
não conseguiu acabar totalmente com o Estado de bem-estar social. No entanto, uma nova
5
fase tecnológica proporcionou o avanço do capitalismo, mesmo passando por duas
tempestades econômicas nos anos 70 e 80.
A instabilidade global permanece, como pudemos sentir com o colapso do Pacto de
Varsóvia, que deu inicio à crise da guerra no Golfo, passando pelos atentados terroristas
contra Nova York, e sabe-se lá o que poderá ainda vir. Também os conflitos entre a Europa
central e oriental podem gerar nacionalismos e rivalidades como os vistos na Primeira Guerra,
incluindo uma ameaça de guerra civil com o uso de armamentos nucleares. E, por fim, a
incerteza da política e da economia dos Estados ex-comunistas. Mas isso ainda faz parte de
especulações futuras, cujas reflexões só podem ocorrer com uma maior análise do presente,
como propomos a seguir. Com exatidão, a realidade do nosso presente histórico é a rendição
do mundo à globalização da economia.
1.2. Emergência de um c apitalismo global
A globalização passou a ser a pauta dos media em todo o mundo, nos anos 90, quando
medidas políticas e pactos econômicos internacionais começaram a ser concretizados.
Acima de qualquer soberania nacional existe atualmente o mercado global, fluindo
sem barreiras geográficas, proporcionando o livre comércio entre países que, supostamente,
gozam da mesma igualdade de condições para disputar a competição mundial pelo consumo.
Conseguimos, hoje, ter um produto de melhor qualidade por um preço menor. Esse “paraíso”
para a sociedade de consumo mostrou efeitos que podem não ser tão compensadores para as
sociedades locais, além de fazer aumentar, consideravelmente, a desigualdade econômica e
social entre os países desenvolvidos e o resto do planeta.
A globalização é um processo de reorganização da divisão internacional do trabalho,
A maioria acredita que é um fenômeno da última década do século XX, mas, o início deste
processo começou nos anos 60, nos Estados Unidos, Japão e Europa, como conseqüência da
Segunda Guerra.
Numa primeira etapa, a onda globalizante afetou somente os países do Primeiro
Mundo. A hegemonia americana estava no auge e passou a investir recursos na Europa e no
Japão. As empresas americanas abriram filiais e adquiriram recursos também na Europa
Ocidental. Assim, a integração econômica entre os países de Primeiro Mundo se deu num
momento de pleno crescimento e emprego (período conhecido como anos dourados).
No entanto, a partir dos anos 70, os efeitos do aumento da produção, dos salários e do
consumo, decorrentes da industrialização desenfreada, começaram a aparecer. As lutas de
classes se intensificaram, pois os operários (que possuíam alta escolaridade) estavam
insatisfeitos com o trabalho monótono das fábricas. Começaram a surgir greves resolvidas
com aumentos salariais que, por sua vez, pressionavam os lucros.
Quando a segunda fase da globalização foi implantada (abertura dos mercados
internos aos produtos industrializados vindos do Terceiro Mundo), esses países
semi-industrializados apresentavam ao capital global uma grande vantagem corporativa, que
consistia em oferecer grande disponibilidade de mão-de-obra apta para o trabalho industrial a
um custo muito menor. A resposta das empresas de países desenvolvidos aos seus
trabalhadores foi imediata: transferência de linhas de produção para os países pobres.
Na Europa, grandes centros industriais se esvaziaram, deixando um rastro de
trabalhadores que entravam no desemprego estrutural, uma vez que as novas vagas, quando
conseguidas, ofereciam salários inferiores. A prioridade passou para as mulheres, muitas
vezes empregadas em tempo parcial, o que contribuía para a deterioração do mercado de
Culturalmente, o Japão tem peculiaridades que, na época, não o deixaram sofrer
conseqüências tão drásticas. Sabemos da obediência e do respeito do povo japonês à
hierarquia, não só familiar, mas também política e organizacional. Esse fator, aliado ao
espírito de reconstrução do país - o mais destruído durante a Segunda Guerra - e ao peculiar
estilo de administração japonesa6, foram, de certa forma, positivo para que o Japão não
enfrentasse, na época, a ira dos capitalistas.
Essa impiedosa necessidade de crescimento do capitalismo, no entanto, trouxe à
humanidade o perigo incontestável da sua extinção, globalizando, também, os seus
problemas: a degradação do meio ambiente é muito pior do que o extermínio de alguns povos
pela guerra ou pela vio lência; fome e doenças trazidas pela pobreza, que podem acontecer nos
países do Oriente Médio, no Continente Africano ou no Terceiro Mundo.
O capitalismo, travestido de globalização da economia, trouxe uma era de desemprego
em massa, mas menos grave do que em 1930. O sistema provou que pode gerar empregos e
oportunidades para quem quiser aproveitá-los, seja à custa de quem ou do que for para atingir
seu objetivo.
De certa forma, há uma nuvem que nos impede de ver com clareza a lógica da
chamada nova econo mia. E a confusão política do mundo, que expusemos anteriormente,
colabora com esse torpor. Não é mais possível distinguir de maneira simplista as diferenças
entre capitalismo e socialismo. E a culpa não é só do primeiro. A economia socialista passou a
introduzir elementos tidos como capitalistas.
Não obstante, como diz Hobsbawm (1993):
[...] uma coisa é ver o mercado como um guia para a eficiência e eficácia econômica. Ver o mercado como o único
mecanismo de distribuição de recursos em uma economia [...]
6
é inteiramente outra. O mercado produz desigualdades tão naturalmente como combustíveis fósseis produzem poluição do ar. E, como há muito tempo ressaltou Adam Smith, existem certas coisas – essencialmente bens públicos – que o mercado não produz de forma alguma uma vez que não trazem lucro a ninguém, ou não tanto quanto se poderia lucrar com outras coisas. (1993, p. 264).
Para termos uma idéia, a construção de moradias em Nova York depende do mercado.
“Somente se constroem casas para aqueles que podem pagar bem por elas e hoje somam 70
mil os sem-tetos em Nova York” (Ibid., p. 265). Está mais do que provado que o mercado
gera a subclasse, formada por vítimas que não têm moradia, nem o que comer, nem esperança
de arrumar um trabalho (suas habilidades profissionais estão fora do mercado).
Hobsbawm define três conseqüências do capitalismo mundial que escapam do controle
e dizem por si só o que o sistema representa: degradação ambiental, desigualdade social e
subordinação da humanidade à economia. Neste trabalho manteremos o foco nos efeitos da
subordinação econômica.
E enquanto que o mundo desenvolvido em 1900 tinha um PIB aproximadamente três vezes maior per capita que o resto da humanidade, em 1950 era cinco vezes mais, em 1970 sete vezes mais e segundo a Unctad,em meados dos anos 80, 12 ½ mais. [...] o mundo desenvolvido representava 1/3 da humanidade; hoje, equivale a 15 ou 20% do planeta. Naquela época, o PIB desses países era aproximadamente três vezes maior per capita do que o resto da humanidade. Em 1950, a diferença aumentou para cinco vezes mais e, em 1970, sete vezes. Em meados de 80, a diferença era de 12 ½ vezes mais. Portanto, é fato que há desigualdade nos países de livre mercado. Não há nenhum “efeito cascata” quando o mundo se torna mais rico. Pelo contrário, sem ação sistemática essa situação explosiva tornar-se-á ainda mais explosiva. (Ibid., p. 267).
Quando a economia passa a comandar o homem, como no caso da globalização regida
pela política econômica neoliberal, os efeitos são nefastos. Hobsbawm define a sociedade
capitalista global de maneira veemente:
[...] ao subordinar a humanidade à economia, o capitalismo mina e corrói as relações entre os seres humanos que formam as sociedades e cria um vácuo moral em que nada conta a não ser o desejo do indivíduo, aqui e agora. (Ibid., p. 267).
Hobsbawm cita como exemplo a cidade de Flint, “quando a General Motor fechou
suas fábricas. Na base, meninos adolescentes matavam-se uns aos outros por seus casacos de
pêlo de carneiro ou moletons da moda, como ocorre toda dia em Nova Iorque.” (1993, p.
267).
Alguns episódios do Terceiro Mundo são ainda mais ofensivos à dignidade humana, e
certamente deixariam aqueles adolescentes em pânico. Esse aumento generalizado e
mundializado de tudo que há de mal no mundo: violência, xenofobia, racismo etc., faz de
todos nós reféns.
1.2.1. O efeito da globalização nos media
No âmbito da aldeia global (MCLUHAN, 1967, p. 68), tudo tende a se tornar
representação estilizada, realidade pasteurizada. O mundo que aparece nos media tem muito
de um mundo virtual, algo que existe em abstrato. Muitas vezes, tem apenas uma remota
ressonância do que poderiam ser os acontecimentos, as configurações e os movimentos da
Diversas produções, às vezes cercadas de uma aura científica ou filosófica, como o fim
da história, o fim da geografia, as maravilhas da sociedade informática, o mundo como
paraíso livre do castigo do trabalho alienado, como diz Ianni (2000, p. 104), foram divulgadas
pelos meios de comunicação.
Na globalização, prevaleceu os media eletrônicos, juntamente com a imprensa, como
poderosos instrumentos de comunicação, informação, compreensão, explicação e imaginação
sobre os acontecimentos mundiais. Eles passam a desempenhar o singular papel de
“intelectual orgânico” (IANNI, 2000, p. 130) dos centros mundiais de poder, dos grupos
dirigentes das classes dominantes.
Ianni afirma que uma parte desses media opera de acordo com os interesses dos
centros de poder de alcance mundial, como as transnacionais ou multinacionais, apresentando
a idéia de que a indústria cultural também adquiriu seu alcance global, atravessando fronteiras
geográficas, culturais, religiosas e outras. Nessa concepção, a globalização dos meios de
comunicação envolve empresas, corporações e conglomerados, bem como procedimentos,
linguagens, técnicas de informação, elaboração e análise. E para quê?
Segundo McLuhan, os media têm como objetivo conquistar os corações e mentes dos
seres humanos.
Esse é o contexto em que se dá a metamorfose dos media em um vasto, complexo e
global intelectual orgânico das estruturas de poder que prevalecem mundialmente, como diz
Ianni:
[...] traduzindo imagens da realidade e as visões do mundo de blocos de poder, composições de classes e grupos sociais que detêm meios e modos de organizar, influenciar, induzir, dinamizar as estruturas de dominação política e apropriação econômica prevalecentes na sociedade global. (2000, p. 133).
Ianni acredita que os media foram peça chave na globalização, porque é a “faculdade
da mídia globalizada” que fo rma esses intelectuais que vão agir na sociedade e na opinião
pública. Isto explica por que o mundo da cultura diz respeito ao modo pelo qual o indivíduo
ou grupo a que pertence (tribo, nação, sociedade etc.) tende a ver-se, imaginar-se ou
traduzir-se por meio dos media.
Toda realidade mais ou menos complexa, problemática ou não, sempre se traduz em representações, imagens, metáforas, parábolas e alegorias, assim como descrições e interpretações. E é por meio das linguagens que isto ocorre, envolvendo palavra, imagem, som, forma, movimento etc. Por isso é que os meios de comunicação colocam-se diretamente no âmago da cultura, das condições e possibilidades de representações e imaginação. (IANNI, 2000, p. 134).
Hall (1997), assim como a corrente do Cultural Studies (Martin Barbero, Canclini,
entre outros), coloca-se contra este pensamento, defendendo a idéia de que a sociedade
embora atualmente se discuta a autentic idade da hegemonia cultural. Parece-nos que o que
não se tem claro é o peso da cultura na balança, ou seja, de um lado temos a estrutura invisível
do poder (política e economia) e do outro a parte visível, o reflexo desta estrutura, a cultura,
nossa identidade cultural, as marcas visíveis que a estrutura esculpiu em nós, o que nos faz
pertencer a uma nação ou a um grupo.
Portanto, acreditamos que a aldeia global é uma forma funcionalista e até simplista de
tentar identificar o lugar da cultura na globalização. A nosso ver, criou-se uma nuvem, um
clima de receptividade para estas obras ditas mundiais, em razão de estarmos vivendo um
inconsciente comum de coletividade universal, nunca visto antes, que tanto pode ser
verdadeiro, como passageiro.
Se a esquerda e os sindicatos se unirem aos movimentos sociais, essa ilusão coletiva,
massificada sob o domínio do capitalismo global, que tenta nos passar a idéia do
funcionamento eficaz do Estado democrático, a idéia de globalização da economia e sua
política neoliberalista encontrará resistência.
Sem dúvida, um dos grandes papéis dos media foi o de seduzir a opinião pública para
a globalização, como afirmou Ianni. O segundo foi o de preparar novos mercados de
consumo, em países distantes geograficamente. E o terceiro, o de se transformar em campo de
debate entre os grupos de poder e os movimentos sociais, para, sob algum ponto de vista,
levar a discussão à sociedade.
A globalização trouxe também o nascimento de uma economia que dividiu o planeta
em blocos econômicos. Uma forma de tentar segurar alguns mercados, e conquistar outros,
seria uma adequação à competição do livre mercado global, uma resistência local ao poder do
dólar, ou seja, países com alguns pontos comuns além da geografia, como a cultura, por
exemplo, tentando tornar-se fortes e competitivos o bastante para saírem ganhando no mundo
de livre mercado.
Atualmente, existem quatro blocos: a Nafta (EUA, Canadá e México); a União
Européia (Alemanha, França, Holanda, Reino Unido, Espanha, Itália, Bélgica, Dinamarca,
Grécia, Portugal, Irlanda, Luxemburgo, Suécia, Finlândia, Áustria, Noruega, Polônia,
República Checa, Eslováquia, Hungria e as três Repúblicas Bálticas da ex-URSS), que
recentemente lançou o euro, unificação da moeda entre 12 dos 15 países, com o objetivo
fortalecer o Mercado Comum Europeu e fazer frente ao dólar; os Tigres Asiáticos (Tailândia,
Coréia do Sul, Indonésia, Filipinas, Cingapura, China e Japão); e o Mercosul (Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai) ainda em formação.
Nessa corrida por novos mercados, Sebastião Squirra [2002] alerta para o uso da
tecnologia pelos blocos de países mais avançados, não somente para melhorar a comunicação,
mas para, por intermédio desta - via satélite, a cabo ou em rede – espalhar mundialmente,
pelos meios audiovisuais, um domínio cultural cujo objetivo é a criação de novos nichos.
Além das novas tecnologias e dos media, a estrutura maior que dá suporte ao capitalismo
global é a implementação da política neoliberal de uma forma quase submissa, em diversos
países no mundo, sob o pretexto de se poder participar da globalização da economia,
1.3. Neoliberalismo: a estrutura invisível da mudança social
Tida como inevitável à implementação do neoliberalismo nos países que desejassem
se adequar ao mundo globalizado, uma certa neutralidade ideológica permitiu que a política
neoliberal desse vazão ao pacote de medidas que a caracterizam: desregulamentação,
privatização, macroeconomia monetarista, legislação anti-sindicalista. Essa aparente
neutralidade repousa, porém, em alicerces construídos a partir da demolição apaixonada do
socialismo.
Para se ter uma idéia do triunfo da ideologia do livre mercado neoliberal, de 1980 a
1987, baseados em dados do Banco Mundial, calculou-se pouco mais de 400 privatizações no
mundo, sendo 50% delas no Brasil, Grã-Bretanha, Chile, Itália e Espanha. Sabemos que a
privatização reduz a ineficiência, mas também que agrava a injustiça social. No entanto, o
povo brasileiro tem se calado, salvo uma minoria à parte, e deixado que o governo privatize
até as empresas que dão lucro.
Os media colaboram com a situação, pois não promovem um debate aberto e
democrático a respeito de temas econômicos em âmbito internacional. Consequentemente, a
opinião pública ainda não tem uma idéia formada sobre o assunto. Assim, o que podemos
perceber são manifestações de alguns grupos, principalmente os formados pela exclusão que o
próprio sistema está criando, que trazem à tona a filosofia da ação dos movimentos.
Wainwright (1998, p. 76) acredita que este fato reafirma a posição da teoria crítica
sobre a associação criativa entre os movimentos sociais emergentes no final dos anos 60 –
especialmente os movimentos estudantis da Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos – e o
A teoria crítica forneceu a força estimuladora para a aplicação de conceitos marxistas de imperialismo, exploração e natureza de classe do Estado, aliados aos conceitos teóricos não-marxistas (tais como Sigmund Freud e Max Weber) para analisar a burocracia, autoritarismo, tecnologia da informação e repressão sexual: preocupações bastante distantes do marxismo, mas no centro dos interesses dos novos movimentos. (Ibid, p. 77 ).
No entanto, ao contrário do marxismo ortodoxo que acreditava na crise capitalista, a
teoria crítica reforçou a idéia proposta pela teoria da ação dos movimentos, afirmando que “a
‘história se faz’ com a ‘conduta localizada de sujeitos parcialmente conscientes’,
harmonizando-se com a ênfase dos movimentos sociais na crítica ideológica e cultural e com
o seu sentimento inicial de autoconfiança como agentes da mudança social” (ibid., p. 78).
Por todo o globo surgem organizações não-governamentais: ecológicas, contra a fome,
contra a violência, dos sem-terra, sem-teto, entre outras. Parece-nos que a sociedade começa a
tentar auto-regular-se, impedindo que o Estado retire-se totalmente da assistência social,
principalmente da previdência, o que é contra as regras do neoliberalismo. O
consumidor-cidadão também tenta interferir, por meio do seu poder de compra, escolhendo marcas
ecológica e socialmente mais corretas do que outras – o que não quer dizer que provenham de
empresas com políticas ideais.
Segundo Wainwright (1998, p. 79), Habermas fornece uma teoria poderosa sobre a
influência cultural dos novos movimentos sociais. A noção de mundo-vivido e da ação
comunicativa, que ele diz necessitar de proteção contra a colonização dos sistemas políticos e
econômicos, legitima o papel destes movimentos enquanto contracultura. Alguns grupos
colocam-se realmente no papel de reguladores, mas outros são mais radicais e não querem
são fenômenos7 produtos inevitáveis da modernização contra os quais os movimentos sociais
podem, quando muito, salvaguardar algum espaço público em prol da ação comunicativa não
distorcida.
Wainwright (Ibidem) critica o fato de Habermas colocar os sistemas políticos e
econômicos como objetos inanimados, obstáculos à ação comunicativa. Para ela, os teóricos
críticos da segunda geração seguem não-intencionalmente os marxistas economicistas ao
subestimarem as dimensões culturais e subjetivas do poder político-econômico, apesar da
importância que dão à cultura de forma à parte. Assim, a teoria crítica contemporânea não
poderia oferecer um guia à ação política dos ativistas dos anos 70, que estivesse de acordo,
também, com os movimentos sociais dos anos 80. E o limite imposto por Habermas entre o
sistema econômico e o mundo-vida não leva em conta a resistência radical dos trabalhadores
às disciplinas desse sistema.
Na verdade, os teóricos crític os menosprezaram o movimento dos trabalhadores, considerando-os uma força gasta e incorporada. Entretanto, foram essas explosões simultâneas de revolta, nas fábricas e universidades, que levaram os que tinham consciência política em ambas as esferas a desejarem guias mais específicos para a ação política. (WAINWRIGHT, 1998, p. 79)
1.3.1. Movimentos sociais resistem e criam um novo sentido de cidadania
Vivemos, hoje, numa democracia representativa formal, abstrata, acobertada pelo
sistema jurídico que possibilita direitos civis, guardadas as penalidades cabíveis, embora não
satisfaça à população enquanto reguladora da justiça social. Nessa brecha, os movimentos
7
sociais podem nos levar a uma democracia participativa, onde a opinião pública, defendida
por grupos organizados (ONGs, instituições religiosas, civis etc.), possa influenciar e cobrar
as decisões dos governantes eleitos pelo voto popular, de maneira que, da obediência dessa
vontade popular ins titucionalizada dependa a sua sobrevivência política.
Seria uma outra forma de ação política, dentro da democracia atual, a nova cidadania,
como argumenta Monteiro (1996):
[...] a democracia do mundo contemporâneo: o enfraquecimento da capacidade dos sistemas democráticos de gerar sentimento de pertencimento a coletividades mais abstratas organizadas em torno do reconhecimento de direitos. (Apud SOUZA, 1996, p. 104).
O termo traz também tensão conforme se concebe a própria dimensão do que é
cidadania, como aponta Dagrino:
a nova cidadania transcende uma referência central do conceito liberal que é reivindicação de acesso, de inclusão [...] pertencimento ao sistema político na medida em que o que está em jogo é o direito de participar efetivamente da própria definição desse sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser incluídos, a invenção de uma nova sociedade (Apud SOUZA, 1999, p. 14).
1.3.2. Cidadania e pertencimento
Souza afirma que, ao mesmo tempo, cada indivíduo é levado a se pensar como
indivíduo social e, de forma ativa, a fazer suas normas de pertencimento social.
A temática do pertencimento é mais ampla e complexa, extrapola seu uso cotidiano, reflete caminhos interdisciplinares ainda poucos explorados, sobretudo em sua dimensão política. Pode deixar de ser um sentimento para se expressar em práticas sociais de pertencimento [...]. Veja -se, por exemplo, que pertencimento também se liga à socialização política, na esfera da cidadania, introduzida no debate sobre as próprias condições de acesso e uso de direitos. (SOUZA, 1999, p. 13-14)
Para Boaventura de Souza Santos (1997, p. 95), uma visão ampliada da sociedade civil
poderá identificar os movimentos sociais contemporâneos como setores organizados de luta
de pertencimento, portanto, de inclusão de direitos, expressão prioritária de demandas sociais.
No entanto, a forma atual de participação da sociedade (salvo os militantes ativos dos
movimentos sociais) não pode ser confundida com o debate real propiciado pelo espaço
público. Afinal, os problemas do mundo ainda continuam os mesmos e nem a política ou a
economia conseguirão resolvê-los se o próprio homem não evoluir e os levar para debate na
2. Ruptura com a modernidade
As revoluções francesa e a industrial modelaram uma nova forma e consciência que
criaram um estilo de vida e uma cultura diferentes. Para Hall (1989), uma das questões
estruturais que marcam a transformação da sociedade é a virada cultural (HALL, 1989). A
cultura, na condição de agente de influência da modificação da humanidade, deixa de ser
mero fator externo para ser determinante.1
O esvaziamento da relação capital x trabalho como pilar da sociedade, conforme
defendia Marx (e ele esteve certo até que as ideologias que moviam o mundo ficassem
desacreditadas), também foi importante vetor dessa mudança. Por conseguinte, as teorias da
administração de empresas e a evolução dessas – qualidade total (inclusa a qualidade de vida)
e, agora, responsabilidade social – foram fontes de estudo preciosas e reveladoras, como
mostramos no presente Capítulo, formando nossa própria posição sobre a premissa formulada.
1) Mesmo que a relação capital x trabalho, na sociedade contemporânea, não seja mais
a força propulsora, como o era antes, atualmente, as empresas capitalistas, por intermédio de
modelos de administração com ênfase em marketing e comunicação (novas práticas
discursivas), tentam persuadir seus trabalhadores-cidadãos e consumidores-cidadãos, por
meio de formas sutis de dissuasão, a responderem positivamente aos seus interesses, por vezes
pactuantes com objetivos mais profundos, como o da manutenção do atual poder econômico
mundial - este mantém sob seu controle o poder político, que aderiu ao neoliberalismo e tem o
monopólio dos media, com o que tenta “controlar”, também, a opinião pública (não há
dúvidas sobre este ponto).
Para comprovarmos a nossa hipótese, analisaremos o período que marcou a entrada do
mundo nos tempos modernos e as implicações da relação capital x trabalho nessa era. Em
seguida, mostraremos o que perdurou dessa relação dentro da nova tensão contemporânea,
que se baseia numa sociedade regida pela economia de mercado e, mais especificamente, no
papel da comunicação nela. Nosso trabalho versará sobre duas áreas da Comunicação Socia l:
os media de massa e a comunicação empresarial, principalmente, sob o ponto de vista do
marketing e da comunicação institucional por intermédio de práticas de responsabilidade
social.
Sobre os media, trataremos de sua utilização pelo poder econômico capitalista, leia-se
empresas multinacionais (parte desta análise foi feita no Capítulo 1 e será vista também no
tópico 3.1 do Capítulo 3 e no Capítulo 4). Em relação à área empresarial, nos aprofundaremos
na questão da assessoria de comunicação que, na perspectiva da comunicação integrada, une
jornalismo, relações públicas e publicidade e propaganda e, ainda, recursos humanos e
marketing. Analisaremos, também, os principais campos da atuação da comunicação
institucional (empresarial, sindical, governo e terceiro setor) e discutiremos como esses
setores vêm reagindo a duas questões:
a) O uso estratégico da comunicação como forma de garantir a participação de
cada setor na formação da opinião pública.
b) A forma como a comunicação vem se utilizando das práticas de
responsabilidade social, exigida pela sociedade da nova cidadania, por
intermédio da divulgação, ou mesmo da realização de projetos sociais e de
meio ambiente pelas assessorias de comunicação das empresas.
Na segunda parte deste trabalho, estaremos compondo uma análise crítica das práticas
questão da visibilidade mediática do poder político, por intermédio das assessorias; do mau
uso da comunicação e da publicidade para o marketing social promovido pelo Terceiro Setor
e a importância da web para este segmento. Além disso, discutiremos a questão da
comunicação empresarial como forma de neutralização da comunicação sindical. Assim,
acreditamos que concluiremos a comprovação de nossa segunda hipótese:
2) a globalização da economia também implicou maior utilização da comunicação aos
interesses econômicos e políticos (embora os media estejam mais descentralizados), cada
empresa, por intermédio de sua assessoria de comunicação, vale-se de técnicas, tais como,
house organs e programas de relações públicas aliadas a programas de recursos humanos,
como qualidade de vida para funcionários e voluntariado empresarial, que se transformaram
em ferramentas para conter as reivindicações dos cidadãos, sejam eles seus trabalhadores ou
seus clientes, principalmente nas multi-transnacionais.
A seguir, apresentamos a principal teoria que atuou na evolução da sociedade para a
modernidade e apontaremos as teorias contemporâneas, que surgem a partir da década de 60 e
início dos anos 70, por intermédio de uma interpretação da sociedade pós-industrial, que, cada
vez mais, vem ganhando terreno com o descrédito das ideologias e metanarrativas que
marcaram o mundo moderno. Essa ruptura é, para uns, o amadurecimento da modernidade e,
para outros, o nascimento da pós-modernidade. Apesar de muito interessante, essa discussão
não interfere diretamente em nosso trabalho. Para evitar discussões paralelas ao nosso tema
2.1. Fordismo e a sociedade industrial
A era moderna nasceu com a Revolução Francesa ao propagar a nova consciência que
se formava, cujo objetivo era conquistar a liberdade sob a orientação da razão, mas seu grande
impulso foi dado pela Revolução Industrial que assumiu a forma material da modernidade. O
avanço da industrialização no mundo foi rápido e transformou toda a sociedade ocidental.
O maior salto inicial dessa época se deu com a invenção da produção em massa, em
1913, na cidade de Michigan, nos Estados Unidos, quando Henry Ford, proprietário de uma
fábrica de carros, organizou sua primeira linha de montagem, tendo em vista a idéia de tornar
o carro um transporte popular. Os automóveis de modelo T podem ser lembrados como marco
do início desta nova era, assim como foi a impressão do primeiro livro, com tipos móveis, por
Johan Gutenberg, em meados do século XV. Esses veículos transformaram a sociedade
norte-americana de rural para urbana.
Ford, no entanto, é mais do que uma referência da produção em massa. Ele foi o
primeiro a perceber que lucros mais altos podiam proporcionar maiores salários e que,
aumentando os salários, o consumo de produtos, de maneira geral, também aumentaria.
Segundo Dupas (2000, p. 1-3.), o industrial vislumbrou a necessidade de o trabalhador ter
mais tempo livre, para que pudesse gastar seu dinheiro. Foi assim que, em 1914, além de
reduzir a jornada de trabalho de nove para oito horas diárias, a Ford Motor Company, uma
das primeiras indústrias do mundo a adotar o fim-de-semana de dois dias, impulsionou o
consumo.
compradores de automóveis passaram a entediar-se com as poucas opções oferecidas pela produção em série, e começaram a exigir mais variedade. Ford resistiu firmemente a essa tendência, mas o sucesso de seus concorrentes obrigou-o a ceder.
(...) Ford chegara, assim, ao paradoxo fundamental de toda a produção em massa: embora ela comece produzindo bens padronizados e em série, termina por oferecer uma ampla variedade de produtos destinados a satisfazer exigências individuais. (RYBCZYNSKI, 2000, p. 78-79).
O empresário deu origem, também, ao modelo de trabalho de toda uma sociedade,
denominado fordismo, e se tornou símbolo da produção capitalista. O aparecimento da linha
de montagem e a produção em massa – implantada com o surgimento de uma nova
tecnologia – trouxeram a organização da produção em todas as suas esferas, incluindo a
regulamentação das relações entre administração e trabalhadores.
A Revolução Industrial não acelerou apenas
o ritmo da produção material nas fábricas, exigiu a criação da linha de montagem (fordismo) e ‘administração científica do trabalho´. [...] O taylorismo [...] pode na verdade ser considerado, com mais propriedade, como um poderoso sistema de organização do trabalho, capaz de aplicação um tanto indefinida em uma grande variedade de contextos industriais. Isso significa que aquilo que o taylorismo implica – a divisão radicalmente refinado do trabalho, a separação rígida entre concepção e execução, a padronização e segmentação de tarefas na forma mais simples possível – pode muito bem continuar em vigor, mesmo que muitas das recomendações práticas de Taylor tenham caído em descrédito (Litter, 1978). (KUMAR, 1997, 30-31).
Segundo Kumar, o taylorismo