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O CRISTIANISMO PENTECOSTAL

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Academic year: 2021

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O CRISTIANISMO PENTECOSTAL

As religiões vão surgindo e mudando juntamente com a história, como um conjunto de visões e práticas que situa as pessoas e grupos em seus referidos contextos. O específico das religiões é dar um fundamento último, certo e estável para as coisas que passam. Elas fornecem um sentido que permanece quando as coisas vão perdendo o sentido imediato na vida pessoal e coletiva. Por isso mesmo, muitos já associaram as religiões à experiência do limite que todos os seres humanos fazem na sua existência, assim como aos momentos de grandes crises da história.

Pela religião as coisas se encaixam numa totalidade que une começo meio e fim, superando a fragmentação e a precariedade da existência. Os mitos fundantes das religiões e as teologias narram e explicam esta totalidade e os ritos proporcionam a ligação dos sujeitos e grupos com o sentido fundamental capaz de agregar a diversidade na unidade, eternizar o efêmero e antecipar o futuro de plena felicidade.

A religião é um sistema de significados que fornece ao ser humano uma referência de vida, interferindo no seu modo de pensar, sentir e agir no mundo. São significados que portam um ethos. Confere, portanto, identidade às pessoas e sociedades, imprimindo nelas posturas mais conservadoras ou transformadoras, influenciando nos seus modelos familiares, nos seus hábitos de consumo e preferências estéticas. Deste modo, entender uma religião é entender a sociedade e a cultura a que ela se liga, donde se pode afirmar que os significados particulares de uma cultura estão diretamente ligados ao sentido último que ela formula no âmbito da religião. Na mesma forma e proporção estabelece os princípios e as finalidades éticas que sustentam as vivências morais particulares de grupos e indivíduos, mesmo dentro de uma sociedade secularizada como a atual.

O cristianismo passou por mudanças que se confundem com as mudanças da história do ocidente, de forma que é impossível entender um sem o outro. Nos últimos tempos, na dinâmica das mudanças modernas, tem produzido, progressivamente, uma tendência marcada por novas formas de lidar com as suas origens e com a própria história. Esta tendência rompe com as expressões cristãs tradicionais, recompõe os territórios confessionais e mistura, em suas representações e práticas, elementos antigos e novos. Estamos falando dos cristãos pentecostais que compõem hoje um campo de forças dentro do cristianismo mundial e, de modo particular, dentro do campo das religiões brasileiras.

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Mas, quem são os pentecostais? Segmento do cristianismo que adota uma interpretação e uma prática marcada pelo que consideram ser experiência do Espírito Santo, iniciada pelo Batismo no Espírito e confirmada pelos dons das línguas – glossolalia - e das curas. Têm como características atuais a centralidade na experiência emocional, o culto de louvor efervescente, a tendência à leitura literal dos textos bíblicos e a prática do exorcismo. A palavra pentecostalismo é tomada de Pentecostes, fato fundante do cristianismo descrito no capítulo 2 do livro dos Atos dos Apóstolos, quando o Espírito Santo desce sobre o grupo de Apóstolos de Jesus, dando início à Igreja propriamente dita.

Este modelo de cristianismo, centrado na atualidade da experiência de pentecostes, foi construído no início do século passado nos EUA e espalhou-se rapidamente pelo mundo, chegando ao Brasil em 1910. Trata-se de um paradigma, ou seja, de um modelo de cristianismo que gerou e gera grupos autônomos (Igrejas pentecostais) assim como movimentos carismáticos dentro das Igrejas cristãs históricas (como as Igrejas Católica, Metodista e Presbiteriana). A história mostra um processo de adaptação deste paradigma – pentecostalismo entendido no singular -, formando grupos e subgrupos variadíssimos – pentecostalismos no plural - e, nas últimas décadas, os neopentecostais que agregam ao paradigma original posturas e estratégias modernas, tanto na teologia que oferece prosperidade – toda ordem de bem-estar pessoal e social – quanto nas estratégias de comunicação utilizadas nos cultos e, de modo particular, na televisão.

De onde vêm os pentecostais? A resposta a esta pergunta varia em função do grupo que responde. Os grupos pentecostais vão responder que eles vêm de Jesus e do Espírito Santo, portanto sem uma relação direta com um tempo e um espaço específicos. Muitos estudiosos costumam dizer, categoricamente, que vêm dos EUA, como um braço religioso do domínio econômico, político e cultural norte-americano no planeta e, de modo particular, na América Latina. Pode-se dizer ainda que eles vêm da Reforma protestante feita por Martinho Lutero no século XVI, na medida em que centram a pregação na fé individual e se organizam de maneira autônoma. Podem vir de maneira mais direta, da Reforma metodista, feita por John Wesley, a partir do protestantismo inglês (anglicanismo) no século XVIII, enquanto uma adaptação radical e prática do que Wesley formulou como teologia da santidade.

Os pentecostais da última geração (as várias correntes denominadas neopentecostais) parecem dificultar ainda mais esta resposta e abrirem o leque de possibilidades em termos de origem. Muitos são construções genuinamente brasileiras, guardando muito pouco do paradigma

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princípios clássicos da Reforma. Os neopentecostais, além de trazerem marcas nitidamente católicas e afro-brasileiras, adotam modelos institucionais bastante diferentes até mesmo daqueles das Igrejas pentecostais clássicas, marcados por uma organização fortemente carismática.

Datar e localizar com precisão o nascimento de um grupo religioso é uma tarefa que pode ser simples para a historiografia dos grupos mais recentes e, neste caso, não fica difícil responder à pergunta inicial. No entanto, esta resposta nunca será completa se não buscarmos um conhecimento mais profundo do grupo a partir de suas raízes mais remotas, daquilo que o constitui em suas bases fundamentais. Os grupos religiosos estão, todos eles, remetidos para matrizes anteriores que, a rigor, se perdem na distância do tempo e na complexidade de representações e práticas religiosas situadas, ou numa grande matriz que abarca pela sua extensão inúmeras matrizes menores, como a judaica, por exemplo, ou em religiões arcaicas ligadas às culturas tribais, donde brotam variadas expressões e que se perdem nas narrativas sagradas orais de alguma cultura, como, por exemplo, as religiões ligadas à natureza.

É próprio das religiões conservar suas origens adaptando-se aos variados contextos histórico-culturais. Podemos dizer que todo grupo religioso é conservador, porque guarda uma tradição sagrada que, por ser sagrada, não pode ser alterada. O resultado deste congelamento das origens sagradas é a estratégia que as religiões criam para justificar sua fidelidade ao carisma original: atribuem a toda mudança feita na suas tradições um sentido original. As renovações só podem ser feitas em nome das origens primeiras, não como algo novo, mas como algo antigo, original. A regra é: “No começo era assim, estamos mudando para sermos fiéis”. Neste sentido, a adaptação adquire um fundamento seguro, de forma que os grupos religiosos vão refazendo-se ao longo da história.

O cristianismo, olhado em seu conjunto, configura esta dinâmica de adaptação de um mesmo paradigma original. É uma origem permanente de muitos começos. A origem é a fonte permanente de sentido para o grupo, de onde retira referências fundamentais e fundantes para si.

O começo é o início da agremiação do grupo determinado no tempo e no espaço. As origens escritas do cristianismo favorecem enormemente esta dinâmica de “começar de novo” sempre em nome da origem e, portanto, sempre em nome da verdade e da salvação. Cada grupo vai afirmar- se como o original, embora tenha um começo demarcado no tempo e no espaço e carregue em suas interpretações e práticas as marcas explícitas ou implícitas desta demarcação. Neste sentido, os sincretismos - mistura com elementos de outros grupos religiosos - serão sempre escondidos

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pelos grupos cristãos, uma vez que desautorizam sua originalidade, embora sejam necessários as suas sobrevivências nas múltiplas realidades históricas.

De onde vêm os pentecostais? Vêm de um longo processo de compreensão e adaptação das origens cristãs na história do ocidente. Vêm de um grupo norte-americano denominado holiness – santidade - do início do século passado. No caso dos grupos brasileiros, vêm de uma adaptação do paradigma original ao nosso contexto religioso católico popular. E no caso do neopentecostalismo, vêm de uma crescente afinidade com a realidade moderna das grandes cidades.

Com isto queremos afirmar que o olhar sobre as religiões deve ser vertical e horizontal, ou seja, diacrônico – buscar suas raízes e desdobramentos histórico – e sincrônico – buscar suas afinidades contemporâneas com os valores e significados culturais predominantes. Neste sentido, os pentecostais podem ser considerados brasileiros, porque se abrasileiraram. Aqui eles foram refazendo-se em suas representações e práticas. Tecendo afinidades com nossas referências culturais e religiosas e nossas demandas sociais, criaram sistemas de crenças e organizações originais capazes de arrebanhar multidões de fiéis.

Os últimos dados censitários mostram o crescimento fenomenal dos grupos pentecostais nos últimos anos no Brasil. Eles passaram de 8,1 milhões em 1990 para 17,6 milhões em 2000.

Para além destes números, permanece a pergunta pelo significado do crescimento pentecostal em terras de tradição católica, o que desafia as análises do fenômeno a irem além das variáveis clássicas do fator econômico e do social.

As páginas quê seguem buscam uma compreensão dos grupos pentecostais dentro da dinâmica interna das religiões e do cristianismo em geral e na sua dinâmica histórica própria no contexto brasileiro. A primeira dinâmica diz respeito às regras de constituição das religiões que se fundam no tempo das origens, atualizando-o plenamente em suas práticas rituais. O tempo contínuo da salvação eclode nos grupos pentecostais, superando qualquer distinção lógica de temporalidade e espacialidade. Trata-se da dinâmica que compõe as narrativas originais, as teologias e os ritos do pentecostalismo. Além desta origem permanente, o pentecostalismo tem seus começos ao longo da história do cristianismo no ocidente. Aqui veremos a segunda dinâmica: como o pentecostalismo vai renascendo em épocas e espaços culturalmente novos e tecendo com estas realidades afinidades eletivas, para usar uma categoria formulada pelo cientista social alemão Max Weber.

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O cristianismo parece bifurcar em duas grandes vertentes, sendo que cada uma agrega, sob o mesmo paradigma, grupos antes distintos e antagônicos: os cristãos históricos que se compreendem e se organizam numa referência hermenêutica racionalizada e os cristãos pentecostais, fundados numa relação mítica com suas origens. Esta distinção possibilita formular uma tipologia dual de cristianismo: um tipo de cristianismo-logos e outro de cristianismo-mithos.

Talvez seja uma acomodação tardia do cristianismo dentro da modernidade, separando os racionais e os emocionais, os eruditos e os populares, os institucionais e os carismáticos. Esta bifurcação parece transcender os velhos territórios historicamente antagônicos dos católicos e protestantes. Estes foram pulverizados por inúmeros grupos que refizeram na forma e no fundo a tradição reformada. Aqueles receberam e hospedaram os pentecostais através do movimento carismático. O paradigma pentecostal configurou em pouco mais de um século um modo de ser cristão que soma posturas antimodernas e modernas em um mesmo sistema religioso, na medida em que retoma posturas mágicas e fundamentalistas, porém respondendo à lógica do sujeito moderno como o centro da experiência religiosa e consumidor de bens simbólicos.

Trecho extraído de:

João Décio Passos.Pentecostais: origens e começo. SP: Paulinas, 2005.

Referências

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