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AS PESQUISAS DE USOS DO TEMPO NA UFMG E SUAS ARTICULAÇÕES COM A DIMENSÃO DE GÊNERO

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AS PESQUISAS DE USOS DO TEMPO NA UFMG E SUAS ARTICULAÇÕES COM A DIMENSÃO DE GÊNERO

Márcio Ferreira de Souza1

Resumo: O trabalho propõe a realização de um levantamento e análise acerca da produção intelectual sobre os usos do tempo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em suas articulações com a dimensão de gênero na vida cotidiana. Destaca-se o papel pioneiro e relevante de Neuma Aguiar nas pesquisas dos usos do tempo no Brasil. Tal pioneirismo pode ser compreendido por meio da contribuição teórica e empírica, por parte da referida pesquisadora, observada pela aplicação de metodologias específicas, pelos usos de técnicas de construção de dados como, por exemplo, os diários de usos do tempo e pela projeção e divulgação internacional de suas pesquisas.

Palavras-chave: Pesquisas de Usos do Tempo, Práticas Temporais, Gênero.

As Pesquisas de usos do tempo na UFMG e suas articulações com a dimensão de gênero

A relevância de pesquisas sobre os usos do tempo é considerável por aspectos múltiplos e diferenciados. Neste sentido podem oferecer contribuições, sob o ponto de vista metodológico, com a introdução de técnicas e de instrumentos de coleta de dados, como os diários de usos do tempo, que permitem um avanço para além dos estudos etnográficos, como até então vinham ocorrendo no Brasil (AGUIAR, 1996; SOUZA, 2007).Neuma Aguiar (2010) destaca os distintos tipos de metodologia de investigação, que pesquisas de uso do tempo têm sido efetuadaschamando atenção, dessa maneira, para:

(1) o emprego de diários para registro do que é realizado no decorrer do dia; (2) o uso de perguntas para estimar o tempo despendido em atividades determinadas, por meio de uma espécie de diário estilizado; (3) a utilização de observação de atividades desenvolvidas pela população estudada para o seu levantamento em um dado intervalo de tempo; (4) o uso de aparatos computacionais para pesquisar atividades, utilizados como principais instrumentos de registro, ou em combinação com diários ou questionários (AGUIAR, 2010: 65).

Conforme a autora, tais pesquisas por meio de diários ou com dispositivos eletrônicos

(...) empregam mais de uma modalidade de pesquisa dentre as quatro alternativas enunciadas. Já que, ao solicitar o preenchimento de diários, costuma-se efetuar uma entrevista no dia seguinte à elaboração do registro das informações, para verificação do preenchimento dos dados. Já o uso de dispositivos eletrônicos demanda também uma entrevista. Esta pode ser considerada, em conjunto com o diário, como um dos principais instrumentos de investigação dessa forma de pesquisa (AGUIAR, 2010: 65).

1Professor Adjunto do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia, MG, Brasil.

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Tenho por objetivo realizar um levantamento acerca das pesquisas produzidas na Universidade Federal de Minas Gerais que versam sobre os usos do tempo considerando suas articulações com a dimensão de gênero. A escolha dos estudos produzidos nesta instituição se justifica pelo destaque, que compreendo como pioneiro, de Neuma Aguiar2, no que diz respeito às pesquisas de usos do tempo no Brasil por meio da aplicação de metodologias específicas e de técnicas de construção de dados, resultando em contribuição que se projetou nacional e internacionalmente. Franch e Souza (2011) destacaram que ainda que tardiamente em relação a outros países o próprio Estado brasileiro tem se preocupado com o investimento em pesquisassobre os usos do tempo na vida cotidiana, a exemplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), queefetuou uma pesquisa piloto sobre Uso do Tempo em 2009/2010, visando incorporar o tema em sua agenda regular (FRANCH;

SOUZA, 2011: 11). Neuma Aguiar vem prestando significativo trabalho de consultoria para este e outros órgãos.Por outro lado, esta pesquisadora se destacou como estudiosa da questão de gênero desde a década de 1970, a exemplo da realização do Seminário A Mulher na Força de Trabalho na América Latina, no Rio de Janeiro pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio Janeiro, em 1978. Deste seminário resultou a publicação do livro Mulheres na força de trabalho na América Latina (1984), no qual reflexões sociológicas sobre a dimensão da temporalidade articulada com a dimensão de gênero já se encontravam presentes em artigos como “Casa e modo de produção”

(AGUIAR, 1984) e “A organização do tempo de atividades domésticas e não domésticas de mulheres camponesas na América Latina”. (CEBOTAREV, 1984)3.

2Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1960), Mestrado em Sociologia e Antropologia, pela Boston University (1962), Doutorado em Sociologia pela Washington University (1969), Doutorado em Ciências pela Universityof Wisconsin/ Madison (2003). Foi professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais de 1996 a 2008. Recebeu o título de professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais no ano de 2009. Recebeu, dentre outros, o Prêmio Florestan Fernandes (2007), da Sociedade Brasileira de Sociologia, por sua contribuição para o desenvolvimento da Sociologia no Brasil.

Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4783060A8

3 Albertina de Oliveira Costa reconhece esta importância ressaltando que “talvez seja interessante lembrar que o ano de 1978 (eleições e consolidação da abertura política) foi considerado um divisor de águas na periodização dos estudos de mulher, um dos motivos para tanto, foi a realização no Rio de Janeiro do seminário A Mulher na Força de Trabalho na América Latina, organizado pelo IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) que teve enorme repercussão (parte de seus resultados, as análises qualitativas, pode ser encontrada no livro do mesmo nome, organizado por Neuma Aguiar, 1984). Visto à distância, o impacto do encontro foi realmente forte tanto em sua vertente quantitativa - suas recomendações no que concerne ao conceito de chefia de família foram discutidos por organismos de

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A atenção dada, por Aguiar, à dimensão de gênero ao longo de sua trajetória acadêmica resultou em contribuição, assim como a de outras intelectuais feministas, para um significativo debate: “seria o feminismo uma ideologia política ou uma perspectiva crítica do conhecimento que, superando os preconceitos de gênero nas ciências sociais, teria um lugar importante na revisão das ciências que omitem as mulheres?” (AGUIAR, 1997: 9-10). Faço esta referência apenas como registro de uma posição adotada pela autora no que tange à importância político-intelectual do feminismo. Interessa- me, entretanto, destacar o papel de Aguiar para o desenvolvimento de pesquisas sobre os usos do tempo no Brasil, articulando a dimensão temporal às questões de gênero. Pretendo, entretanto, mapear parte da produção oriunda da UFMG cujos trabalhos no campo dos estudos sobre os usos do tempo que direta ou indiretamente fizeram a articulação com a dimensão de gênero.

É importante ressaltar que, na década de 1970, Amaury de Souza realizou uma pesquisa no Rio de Janeiro/Guanabara, que resultou no relatório apresentado ao Iuperj, intitulado “As 24 horas do dia de um carioca” (SOUZA, 1976). Tal pesquisa, que ficou restrita àquela instituição, foi recuperada por Neuma Aguiar e seus dados foram utilizados em um estudo comparativo com os dados da pesquisa realizada em Belo Horizonte, sendo apresentada em encontros como os da InternationalAssociation for Time Use Research (IATUR) e, também, publicado em forma de artigo no dossiê Temporalidades (Franch; Souza, 2011). Para tanto Aguiar buscou selecionar e ponderar os dados de Belo Horizonte para que estes pudessem se tornar “equiparáveis ao estudo de Amaury de Souza”. Os “ajustes demográficos” na base de dados de BH possibilitaram, portanto, tais comparações (AGUIAR, 2011: 73).

A 22ª. Conferência IATUR foi realizada na UFMG em 2000. Aguiar, na condição de membro vitalício da IATUR, foi a responsável por este encontro, do qual tive a oportunidade de participar ainda como estudante vinculado ao Programa de Mestrado em Sociologia da UFMG. Este evento foi um passo fundamental para situar a UFMG no cenário nacional e internacional como referência sobre os estudos dos usos do tempo no Brasil. Na ocasião foi apresentado um estudo-piloto sobre os usos do tempo em Belo Horizonte(AGUIAR, 2000)que resultou na pesquisa “Múltiplas Temporalidades de Referência: análises dos usos do tempo entre grupos domésticos na população de Belo Horizonte”. A realização de tal pesquisa e a construção de seu rico banco de dados coleta de dados e levaram o IBGE a reformulação deste quesito - como foi o motor da criação de um grupo de trabalho: A mulher na força de trabalho, na ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que também se encontrava em fase de constituição” (COSTA, 2004: 206).

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representou a porta de entrada de vários estudantes não somente da UFMG, mas de outras instituições federais do Brasil, às pesquisas dos usos do tempo. Já na fase inicial desta pesquisa, diversos estudantes de graduação e pós-graduação, da UFMG, tiveram envolvidos com a realização do pré-teste dos questionários que foram aplicados à amostra. Na 25ª. Conferência da IATUR, realizada em Bruxelas, Aguiar chegou a apresentar os resultados preliminares da pesquisa com o trabalho “Time use in a BrazilianMetropolis” (AGUIAR, 2003).

Creio, portanto, ser importante relatar outro destaque na trajetória de Neuma Aguiar, que é o seu papel como fundadora do Programa de Metodologia Quantitativa da UFMG, o qual coordenou por dez anos, além de ter ministrado, neste programa, o curso de Metodologia dos Usos do Tempo, divulgando vários tipos de metodologias de pesquisas de uso do tempo, bem como suas técnicas e instrumentos de investigação, para estudantes de várias partes do Brasil e da América Latina. Outro feito pelo qual merece destaque é a fundação do Centro de Pesquisas Quantitativa em Ciências Sociais (CEPEQCS-UFMG), âmbito de realização de pesquisas e pré-testes que extrapolaram a temática dos usos do tempo4.

A pesquisa “Múltiplas Temporalidades de Referência: Trabalho Doméstico e Trabalho Remunerado – Análise dos Usos do Tempo em Belo Horizonte, Minas Gerais: um projeto piloto para zonas metropolitanas brasileiras” contou com patrocínio do CNPq. Trata-se de uma pesquisa por amostra probabilística, composta por 400 domicílios no município de BH, quesolicitou aparticipação de todos os indivíduos, a partir de oito anos de idade, destes domicílios sorteados. Cada membro do domicílio respondeu a um questionário auto-aplicado, fornecendo informações que diziam respeito a dados pessoais (sexo, idade, estado civil, escolaridade, religião, ocupação, renda, transporte e raça e cor). Foi realizado um levantamento sobre as características do domicílio, por meio de um questionário aplicado a um membro de cada domicílio, com o objetivo de identificar as condições e

4Uma das principais pesquisas realizadas pelo CEPEQCS-UFMG foi a Pesquisa da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PRMBH) que consistiu em um levantamento por amostragem periodicamente repetida (2001, 2005 e 2008), a fim de captar processos de mudança social na Grande Belo Horizonte. Cabe destacar a importância fundamental das participações de Solange Simões (Eastern Michigan University) e de Maria Aparecida Machado Pereira (Doutora em Sociologia pela UFMG). Simões divulgou e formou diversos estudiosos nos cursos Aspectos Cognitivos da Metodologia de Survey, ministrados na UFMG, além de ter coordenado os questionários do Survey da PRMBH. Pereira coordenou toda a parte do campo nas diversas edições desta e de outras pesquisas. Resultados da PRMBH foram publicados no livro “Desigualdades Sociais, Redes de Sociabilidade e Participação Política”, organizados por AGUIAR (2007).

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tipo do domicílio, o tempo de residência, quantos e quais são os tipos de serviços prestados àquele domicílioetc. Por fim, foi aplicado um questionário para o casal ou para o responsável pelo domicílio, com informações sobre lazer e capital social, divisão do trabalho doméstico, trabalho e rendimentos e satisfação pessoal. Após a etapa de aplicação dos três citados questionários, cada membro do domicílio preencheu dois diários de usos do tempo para efeito comparativo – um diário em um dia de semana (segunda a sexta-feira) e outro em um final de semana (sábado e domingo) -, relatando suas atividades cotidianas. Estes diários apresentavam intervalos de 10 em 10 minutos. O modelo de diário foi aberto, isto é, as pessoas escreviam as atividades que estavam realizando e estas atividades foram posteriormente codificadas. Porém, para os casos de analfabetos, foram elaborados diários pré-codificados, com intervalos de 1 minuto, sendo que as atividades principais foram representadas através de ilustrações significativas das mais diferentes atividades (dormir, comer, trabalhar em casa, trabalhar com rendimentos fora de casa etc.).

O rico banco de dados construído resultou numa série de análises e emergiu, também, como forte influência e inspiração para a construção de outras pesquisas no âmbito da UFMG sob a orientação de Neuma Aguiar. Análises realizadas por Aguiar com base na pesquisa supracitada foram divulgadas em encontros como o da Segunda Conferência Internacional de Uso do Tempo, intitulada “A divisão do trabalho remunerado e do trabalho doméstico entre homens e mulheres”

(AGUIAR; SUYAMA, 2010). Em “Mudanças no uso do tempo na sociedade brasileira”, Aguiar (2011) realiza comparações internacionais sobre o uso do tempo na vida cotidiana com a duração em minutos para sete países, em 1972, e para o Brasil em períodos distintos (1973 e 2001).

Destacando a dimensão de gênero mais especificamente, examina as atividades cotidianas por sexo, usando medidas de duração de tempo de trabalho em perspectiva comparada para o Brasil entre os dados de sua pesquisa (2001) e a de Amaury de Souza (1973).

Em minha tese de doutorado utilizei a base empírica deste banco de dados, buscando conjugar as análises quantitativa e qualitativa (pela técnica de grupos focais) com o objetivo de investigar a percepção do tempo sob a perspectiva de gênero. Procurei me fundamentar teoricamente na dimensão analítica da sociologia da vida cotidiana e desenvolvi um estudo sobre a representação da masculinidade, procurando identificar as metamorfoses desta representação na vida contemporânea.

Meu intuito foi, também, observar se ocorreu - e como é possível identificar – a adequação dos homens aos novos modelos de padrão e representação sociais que redefinem os “papéis de gênero”.

Dessa maneira, procurei analisar como uma definição altamente propagada do “novo homem” afeta

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a vida cotidiana, fazendo uma distinção entre percepção e práticas cotidianas, já que em minha tese busquei analisar o contraste entre o dia a dia e a sua cognição. Refletindo sobre os dados trabalhados argumentei que ainda que encontremos representações de modos de vida típicos de valores não tradicionais, os valores tradicionais permanecem dominantes na esfera das representações de gênero. A percepção do tempo (especificamente a masculina) permanece assentada em bases tradicionais: ainda que no campo da prática os homens não se configurem como exclusivos provedores do ambiente doméstico, no que tange à percepção continua prevalecendo a visão da masculinidade como desvinculada deste ambiente (Souza, 2007).Os dados foram divididos em uma subamostra: indivíduos que constam no banco do casal ou responsável pelo domicílio, totalizando 432 de ambos os sexos. Procurei identificar as variáveis sobre percepção do tempo e sua correlação com ogênero. Construí uma tipologia para o trabalho remunerado em dia de semana quando: (a) ambos exercem atividades remuneradas; (b) apenas o homem exerce atividade remunerada; (c) apenas a mulher exerce atividade remunerado e (c) nenhum dos dois exerce atividade remunerada. Refletindo sobre os dados empíricos, argumento que ainda que encontremos representações de modos de vida típicos de valores não tradicionais, os valores tradicionais permanecem dominantes na esfera das representações de gênero. A percepção do tempo permanece assentada em bases tradicionais: ainda que no campo da prática os homens não se configurem como exclusivos provedores do ambiente doméstico, no que tange à percepção continua prevalecendo uma visão sobre a masculinidade como desvinculada deste ambiente. O tempo dos homens não está necessariamente vinculado ao ambiente doméstico. No que diz respeito às variáveis de percepção do grau de justiça acerca da divisão de tarefas domésticas, observei que há uma tendência em considerar justa esta divisão e nota-se que as maiores responsabilidades e dedicação do tempo às atividades domésticas e cuidados com os filhos recaem sobre as mulheres. Assim, apontei que tal fato seja indicativo de um alto grau permanência de tradicionalismo na sociedade brasileira acerca das representações de gênero5.

Embora alguns trabalhos de teses e dissertações que versam sobre a dimensão sociológica dos usos do tempo, calcados na base de dados da pesquisa de Neuma Aguiar, não apresentem como elemento central a questão de gênero, esta está presente mesmo de maneira secundária em trabalhos como a

5Resultados preliminares, com bases nos dados quantitativos e qualitativos (grupos focais) foram publicados em SOUZA, NEUBERT e AGUIAR (2005) e uma discussão com ênfase nos grupos focais está desenvolvida em SOUZA (2010).

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dissertação e a tese de Luiz Flávio Neubert (2006; 2011). O gênero, como variável, não é ignorado pelo autor no desenvolvimento de suas análises estatísticas que irão sempre considerar as atividades realizadas por homens e mulheres. Em sua dissertação Neubert (2006) procurou analisar como a desigualdade social irá influenciar a alocação de tempo em atividades diárias realizadas no cotidiano. Seu foco mais específico está voltado para as dimensões do tempo de trabalho remunerado e do tempo de lazer na tentativa de compreender como ambas se relacionam com a dimensão da estratificação social. Neste estudo procurou se inserir no debate contemporâneo entre sociólogos e filósofos acerca das consequências da chamada "modernidade" ao mesmo tempo em que questiona se vivenciamos uma “nova era”, que poderia ser denominada "pós-modernidade" ou

"sociedade pós-industrial”. Já em seu trabalho de tese Neubert (2011) desenvolveu uma análise quantitativa da relação entre a organização das atividades de trabalho remunerado e de tempo livre (ao longo da semana) e a dimensão da desigualdade ocupacional com base em informações de pesquisas de usos do tempo. Os dados foram trabalhados com relação às atividades realizadas conjunta e separadamente por homens e mulheres. Um teste sobre os achados relativos ao estudo desenvolvido anteriormente em sua dissertação de mestrado (NEUBERT, 2006) foi desenvolvido com o aporte em novos modelos de regressão e na utilização de um conjunto de variáveis relativas às características ocupacionais, seguindo estratégia semelhante utilizada para analisar dois casos empíricos: Belo Horizonte, em 2001 e as regiões metropolitanas dos EUA, em 2003. Dentre suas descobertas, destaca-se a que se refere à relevância da discussão sobre a abrangência da seguridade social no mercado de trabalho brasileiro e ao acentuado processo de flexibilização do mercado de trabalho norte-americano. Tais descobertas, segundo atesta o próprio autor, corroboram a hipótese mais geral de seu estudo: a divisão da semana entre dias dedicados ao trabalho e dias sem trabalho é um tipo de organização do tempo cotidiano restrito a grupos ocupacionais que apresentam determinadas características.

Outro trabalho a ser destacado é a dissertação de Arnaldo Mont’Alvão (2009), que propôs desenvolver uma abordagem sociológica dos deslocamentos que as pessoas realizam no espaço urbano para atingir os mais variados destinos (subamostra de 580 indivíduos), entendendo tal conjunto de deslocamentos como uma variável relevante para a compreensão da organização social no espaço urbano. Dessa maneira, procurou focalizar a relação entre os deslocamentos pela cidade, transportes e desigualdades sociais, cujo resultado imediato se expressa em padrões diferentes de usos do tempo e do espaço urbano, utilizando-se de dados oriundos da Pesquisa “Múltiplas

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Temporalidades de Referência” e das Pesquisas Origem e Destino realizadas na RMBH. Os resultados alcançados apontaram para as desigualdades sociais e os meios de transporte como importantes para compreender os padrões de deslocamentos e o acesso ao espaço urbano, devendo então ser considerados na formulação de políticas de transporte. Ao considerar as desigualdades sociais, o autor desenvolve análises considerando variáveis de renda, raça e gênero (MONT’ALVÃO, 2009; 2011).

Alguns trabalhos que versam sobre a temática dos usos do tempo, orientados por Neuma Aguiar, não utilizaram como base de dados a pesquisa “Múltiplas Temporalidades de Referência”, mas seguiram a construção metodológica das pesquisas de usos do tempo desenvolvidas por Aguiar e buscaram articular usos do tempo com a dimensão de gênero, como nos casos das teses de Magnus Luiz Emmendoerfer (2009), Rafaela Cyrino (2010) e a dissertação de Mariana Angélica Peixoto de Souza (2011)6.Cyrino (2010) emsua tese, já publicada (CYRINO, 2012), pesquisou as mulheres em postos de comando, enfocando os trabalhos remunerado e doméstico. Uma questão central de interesse é evidenciada: se essas mulheres, em cargo de comando, teriam alcançado ganhos de autonomia em sua vida cotidiana, atingindo, com seus parceiros, uma divisão mais equitativa de tarefas no domicílio. Para tanto procurou compreender a importância da cultura nas análises de gênero destacando a naturalização dos lugares sociais de homens e mulheres, construídos por estereótipos. Observou que a análise da questão dos diferentes modos de regulação nos Usos do Tempo, sob a perspectiva de gênero, requer considerar as jornadas de ocupação em sua totalidade – o que inclui atentar para as medidas de usos do tempo tanto no domicílio quanto fora dele. Neste sentido, ao optar pela articulação trabalho doméstico e assalariado entre mulheres executivas, atestou que tal opção se efetiva tendo em vista o desafio da compreensão de “até que ponto e que maneira a ocupação de cargos de direção estratégica por mulheres pode trazer novos significados para a compreensão da organização do espaço doméstico” (CYRINO, 2012: 16).Sua pesquisa foi desenvolvida com 47 mulheres executivas que trabalham em grandes empresas em Belo Horizonte, evidenciando o tempo diário dispendido - tanto pelas executivas quanto por seus parceiros - com atividades de trabalho remunerado, trabalho doméstico, tempo livre e outras, fornecendo elementos para uma análise da dimensão material da vida social destas.

6A dissertação de Souza (2011) foi desenvolvida sob a orientação de Rosana Ferreira Sampaio, (Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais e orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação) e contou com a co-orientação de Neuma Aguiar.

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Emmendoerfer(2009), por sua vez propôs em sua tese analisar sociologicamente as tensões e conciliações, emergentes entre a organização e o domicílio, vivenciadas por gerentes no varejo farmacêutico da Grande BH. A categoria tempo foi analisada pela totalidade em que as atividades desenvolvidas pelos gerentes (homens e mulheres) de lojas foram distribuídas para um dia de trabalho remunerado e um dia de folga. Os resultados alcançados apontaram modos de intensificação do tempo dedicado ao trabalho remunerado como propensos a condicionar os usos do tempo dos (as) gerentes de loja nos demais espaços da vida. O condicionamento vivenciado por essas pessoas descortinou situações e preocupações tanto no espaço do trabalho como no domiciliar, que são fontes de tensões e demandam práticas de minimização ou conciliação com outras atividades do cotidiano. O cotidiano dos (as) gerentes pesquisados demonstra que as noções de bem-estar e qualidade de vida não podem estar desvinculadas dos contextos social e organizacional, pois o conhecimento da dinâmica da organização do trabalho remunerado e não remunerado em sua totalidade, assim como as tensões e seus desdobramentos provocados pelo estresse ocupacional na vida dos indivíduos, torna-se fundamental para a compreensão da vida cotidiana.Esta pesquisa contou com uma amostra de 161 participantes (72% de homens e 28% de mulheres) e tocou em importantes questões acerca da dimensão de gênero como, por exemplo, a afirmação de que os

“projetos de vida das gerentes são influenciados pelo fato de serem mulheres”

(EMMENDOERFER, 2009: 57), ao constatar uma maior proporção de mulheres como assistentes de gerência. Dentre várias descrições estatísticas o autor atentapara a jornada média diária de trabalho dos gerentes por cargo e sexo revelando que nos cargos de assistência de gerência as mulheres trabalham 17 minutos a mais em média do que os homens, concluindo, assim, que

“mulheres que atuam como assistentes de gerência trabalham mais, recebem menos e levam mais tempo para ascenderem profissionalmente nas lojas do que os homens neste cargo”

(EMMENDOERFER, 2009: 80). Um pressuposto desenvolvido é o de que as atividades devotadas ao relacionamento com a família (cônjuges e filhos) pelos gerentes da rede farmacêutica pesquisada seriam os principais alvos de tensão ou preocupações sentidas por eles/elas no seu cotidiano. O autor também focalizou a valorização do “tempo próprio” dos gerentes.

Mariana Angélica Peixoto de Souza (2011) propôs, em sua dissertação, descrever e analisar a organização da vida cotidiana de mulheres com deficiência física, em BH, sob a perspectiva da temporalidade, combinando, em pesquisa de elaboração própria, dados de métodos quantitativos e qualitativos numa amostra de 50 mulheres associada à dificuldade autorrelatada para atividades como

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caminhar e/ou subir escadas. Foi aplicado um questionário para caracterização da participante, realizou- se uma entrevista semiestruturada, além da utilização do diário de usos do tempo durante um dia da semana, definido por sorteio. De acordo com a autora, a distribuição do tempo e as entrevistas realizadas evidenciaram que o dia a dia dessas mulheres é vivenciado por suas limitações funcionais, mas diretamente determinado pelo seu contexto físico, social e de atitudes. Embora seja deficiência um fator influenciador, ela não é determinante da funcionalidade e organização do cotidiano. A organização da vida cotidiana dessas mulheres com deficiência envolve fatores que vão além de suas limitações funcionais e, em muitos aspectos, é semelhante ao cotidiano de outras mulheres (SOUZA, 2011).

Meu empenho na elaboração deste paperfoi o de destacar a relevânciae o pioneirismo de Neuma Aguiar no que diz respeito às pesquisas sobre os usos do tempo no Brasil, bem como o de fazer um levantamento da produção sobre este tema que emergiu na UFMG, com atenção para a articulação dos usos do tempo à dimensão de gênero – outro tema caro e importante na trajetória de Aguiar.

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Key-words Time-Use Research, Temporal Practices, Gender

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