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O direito de morrer frente à colisão de princípios do ordenamento jurídico brasileiro, consagrados pelos direitos humanos

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DCJS – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

JÔNATAS LUÍS LANÇANOVA

O DIREITO DE MORRER FRENTE À COLISÃO DE PRINCÍPIOS DO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, CONSAGRADOS

PELOS DIREITOS HUMANOS

Ijuí (RS) 2014

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JÔNATAS LUÍS LANÇANOVA

O DIREITO DE MORRER FRENTE À COLISÃO DE PRINCÍPIOS DO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, CONSAGRADOS

PELOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos – Mestrado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Dra. Angelita Maria Maders

Ijuí (RS), 2014

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L243d Lançanova, Jônatas Luis.

O direito de morrer frente à colisão de princípios do ordenamento jurídico brasileiro, consagrados pelos direitos humanos / Jônatas Luis Lançanova. – Ijuí, 2014. –

186 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientadora: Angelita Maria Maders” “Co-orientador: Daniel Rubens Cenci”.

1. Direito de morrer. 2. Direitos humanos. 3. Dignidade. 4.

Autonomia. 5. Colisão de princípios. I. Maders, Angelita Maria. II. Cenci, Daniel Rubens. III. Título.

CDU: 342.7 347.26

Catalogação na Publicação

Tania Maria Kalaitzis Lima CRB 10 / 1561

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

O DIREITO DE MORRER FRENTE À COLISÃO DE PRINCÍPIOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONSAGRADOS PELOS DIREITOS

HUMANOS

elaborada por

JÔNATAS LUIS LANÇANOVA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Angelita Maria Maders (UNIJUÍ): ______________________________________ Prof. Dr. Neuro José Zambam (IMED): ___________________________________________ Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ): _________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por ter me dado forças, ao longo desta caminhada, permitindo que eu superasse os inúmeros obstáculos que se fizeram presentes e concluísse a presente dissertação.

Aos familiares, que realmente acreditaram no meu potencial.

A todos os professores do Mestrado, pelos seus ensinamentos e por compartilharem seus conhecimentos. Em especial, à professora Dra. Angelita Maria Maders e ao professor Dr. Daniel Rubens Cenci, por acreditarem na viabilidade do presente tema, por me guiarem nessa trajetória, pela confiança, compreensão, estímulo, dedicação, orientações seguras, conhecimentos e lições transmitidas e, por sempre estarem disponíveis e dispostos a ajudarem.

Por fim, agradeço a todos os amigos e demais pessoas que contribuíram de alguma forma para a realização desta dissertação, que me deram forças e me incentivaram nos momentos mais difíceis desta trajetória.

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RESUMO

O objetivo da presente dissertação é discutir e verificar a emergência e a existência de um novo direito reivindicado por pacientes em fase terminal, bem como os que apresentam quadro de estado vegetativo persistente ou coma irreversível, e não previsto pela legislação brasileira: o direito à morte digna ou o direito de morrer dignamente, mediante a prática da eutanásia. A busca pelo reconhecimento desse novo direito acaba por acarretar a colisão entre os princípios, mormente do direito à vida, da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, consagrados e universalizados pelos direitos humanos e reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para o reconhecimento desse novo direito por meio da possível legalização da eutanásia no Brasil, é necessário que, diante do caso concreto, ocorra uma ponderação, por meio do princípio da proporcionalidade, entre os princípios do direito à vida, da dignidade humana e da autonomia da vontade, de sorte que essa ponderação deverá ser feita à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, revelando-se a preponderância da dignidade humana e da autonomia em detrimento do direito à vida. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, fundamentos dos direitos humanos, acabam por trazer uma nova perspectiva quanto à possibilidade de um direito desses pacientes de morrer dignamente. Viver não pode ser uma obrigação e sim um direito, pois o indivíduo é responsável pela sua própria vida, podendo determinar seus objetivos e valores, atendendo aos seus interesses de bem-estar pessoal no que concerne a sua existência e a sua própria morte. Embora a vida humana seja um direito protegido pelo Estado, ela não pode ser considerada um bem de caráter absoluto em situações extremas, pois a vida desses pacientes não pode ser prolongada a qualquer custo em um Estado Democrático de Direito que consagrou a dignidade humana como seu fundamento, não podendo ser admitido que a pessoa enferma seja mantida em condições consideradas desumanas e degradantes, prolongando-se artificialmente uma vida baseada em sofrimentos físicos e psíquicos, aflições e humilhações. Em meio a essas situações, passa a existir a possibilidade de interrupção desse prolongamento por meio da eutanásia, como um direito de morrer dignamente, cuja legalização no Brasil ainda se discute.

Palavras-chave: Direito de morrer. Direitos humanos. Dignidade. Autonomia. Colisão de princípios.

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ABSTRACT

The main purpose of this dissertation is to discuss and verify the emergency and the existence of a new right claimed by patients that are in terminal phase, as well as those who present persistent vegetative state or irreversible coma, that is under Brazilian law: the right to have a decent death or the right of dying with dignity, through the practice of euthanasia. The search for the recognition of this new right ends to cause a collision between the principles, especially the right to life, human dignity and autonomy of the will that are consecrated and universalized by the human rights and recognized by the Brazilian law. For the recognition of this new right through the possible legalization of euthanasia in Brazil, it is necessary that, in front of a real case, a consideration happens, through the principle of proportionality, between the principles of the right to life, human dignity and autonomy of the will, so that this balance has to be taken under the light of the principle of human dignity, revealing the preponderance of human dignity and autonomy at the expense of the right to life. The constitutional principles of human dignity and autonomy of the will, basis of human rights, bring a new perspective related to the possibility of a right of these patients to die with dignity. Living cannot be an obligation but a right, because the person is responsible for his own life, and may determine his goals and values, because of his personal interests of his personal wellbeing regarding to his existence and his own death. Although human life is a protected right by the state, it cannot be considered an asset of absoluteness in extreme situations, because the life of these patients cannot be extended at any cost in a Right Democratic State that has enshrined human dignity as its basis, and cannot be accepted that the sick person is being kept in inhuman and degrading conditions, artificially extending one life that is based on physical and mental suffering, misery and humiliation. Among these circumstances it may be possible to last the possibility of interruption of this extension through euthanasia as a right to die with dignity, whose legalization in Brazil is still being discussed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7 1 DOS DIREITOS EM RELAÇÃO À VIDA E À MORTE ... 14 1.1 Questões atinentes ao início da vida, à pessoa humana e ao reconhecimento dos

direitos da personalidade ... 15 1.2 O direito à vida no âmbito constitucional e dos direitos humanos ... 33 1.3 Aspectos bioéticos e jurídicos em relação à morte ... 44 2 AUTONOMIA DA VONTADE: A LIBERDADE DE OPÇÃO PELA

EUTANÁSIA ... 57 2.1 Autonomia da vontade: garantia da liberdade individual ... 58 2.2 A bioética principialista e a sua relação com o fim da vida dos pacientes terminais ... 74 2.3 A opção pela eutanásia e suas implicações em face da legislação brasileira e dos

documentos internacionais ... 85 3 DIREITO DE MORRER: COLISÃO DE PRINCÍPIOS E DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA ... 105 3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos

humanos e do ordenamento jurídico brasileiro ... 105 3.2 A colisão de princípios e o princípio da proporcionalidade ... 124 3.3 Os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade e a

ponderação com o direito à vida: a liberdade de opção por uma morte digna ... 145 CONCLUSÃO ... 167 REFERÊNCIAS ... 176

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INTRODUÇÃO

A vida e a morte são os dois marcos que delimitam a existência humana, ambas andam muito próximas uma da outra, o que leva os seres humanos a querer descobrir os mistérios que as envolvem, visto que novas questões e direitos em torno da vida e da morte emergem a cada momento. Nas últimas décadas houve uma série de progressos tecnológicos e científicos, os quais impulsionaram a Medicina, a Bioética e a Biotecnologia. Assim, em muitas situações, é difícil afirmar quando começa a vida humana ou quando ela termina, principalmente levando-se em consideração os inúmeros recursos à disposição da Ciência.

Essa revolução médica e tecnológica acaba por criar um grande dilema ético, médico, jurídico e social, frente aos riscos, benefícios e malefícios desses progressos. São inúmeras as possibilidades de manipulação da vida, sendo necessário o reconhecimento de novos direitos para a preservação da dignidade e a imposição de limites para as condutas médicas que possam violar a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos. Daí a importância da presente pesquisa, cujo objetivo principal é justamente estudar a emergência e a existência de um novo direito não previsto pela legislação brasileira: o direito à morte digna ou o direito de morrer dignamente, mediante a prática da eutanásia, em meio às novas realidades oriundas de tantos progressos e dilemas ético-jurídicos.

De um lado é impossível negar os benefícios que as novas descobertas médicas e científicas trouxeram para a humanidade, como o tratamento de várias doenças, bem como a cura de muitas outras e, em inúmeros casos, a melhora da qualidade de vida dos pacientes, a partir do uso de células-tronco, por exemplo. Por outro lado, aumenta a possibilidade dos mesmos causarem danos para as pessoas enfermas, a partir do momento em que os recursos médicos, científico-tecnológicos, oriundos dessa revolução, permitem que se prolongue artificialmente a vida de um organismo, por um período de tempo indeterminado, de um paciente terminal, com enfermidade grave e incurável, mesmo não havendo benefício nesse prolongamento.

Assim, a morte acaba deixando de ser algo natural como um desdobramento da própria vida e da natureza humana, para se transformar em um processo longo, cruel, penoso e degradante, diante do qual o ser humano tem atingida e violada a sua dignidade.

Nesta senda, há uma crescente e polêmica discussão na sociedade, no meio jurídico, na área médica e no campo filosófico em torno da questão de se preservar a vida a qualquer custo e sob qualquer condição e do direito de morrer dignamente. Este último estaria amparado pelos princípios da dignidade humana e pelo princípio da autonomia da vontade, em

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confronto com o princípio do direito à vida, por meio da prática da eutanásia, a qual é considerada como a morte piedosa ou misericordiosa, em relação ao paciente terminal, que apresenta enfermidade grave e incurável.

Neste norte, emerge em meio a debates, reflexões e discussões, como forma de preservar a dignidade na fase final da vida dos pacientes terminais, em estado vegetativo persiste ou em coma irreversível, a reivindicação pelo reconhecimento de novos direitos como o de morrer dignamente, por meio da prática da eutanásia. Todavia, a reivindicação por uma morte digna acaba por confrontar e colocar em colisão princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro consagrados pelos direitos humanos, como o direito à vida, a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana.

Embora os direitos humanos consagrem a vida, a dignidade humana e a autonomia da vontade como valores inerentes e universais a todos os seres humanos, sendo tais direitos inalienáveis, irrenunciáveis e invioláveis, reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro como valores fundamentais, os mesmos também reconhecem o direito a uma vida digna, com qualidade, que preserve a integridade física e moral do indivíduo, evitando que este viva em situações humilhantes e degradantes.

Assim, diante de um doente terminal que não possui mais o controle do seu próprio corpo, que convive e sofre com dores atrozes, sabendo que não há cura para a sua doença e padecimento, que está sendo mantido vivo com a ajuda de medicamentos ou por meios artificiais, agonizando em uma cama e esperando a hora de morrer, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, ao lado do princípio da autonomia da vontade, sendo estes fundamentos dos direitos humanos, acabariam por trazer uma nova perspectiva quanto à possibilidade de um direito de morrer dignamente aos pacientes enfermos em estado terminal, bem como aos que se encontram em estado vegetativo persistente ou em coma irreversível, em detrimento do direito à vida.

Nesses casos, inevitavelmente, os princípios entrarão em colisão, devendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade para que, frente à situação concreta, sejam ponderados os princípios colidentes, os valores, os bens e interesses envolvidos em cada caso e, a partir do sopesamento, por meio da ponderação, seja dada prevalência para certos princípios em detrimento de outros.

Trata-se de um assunto bastante delicado e complexo, cujo interesse não se restringe apenas ao Direito, à Bioética ou à Medicina, mas se estende à sociedade como um todo, pois envolve o direito à vida, que, em um primeiro momento, pode ser considerado e avaliado como um direito indisponível, irrenunciável, inalienável e absoluto, e a reivindicação e a

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possiblidade de reconhecimento de um novo direito – o de morrer dignamente, por meio da eutanásia, que permitiria ao paciente terminal decidir e determinar o momento e o modo de sua morte, como forma de preservar a sua dignidade nos momentos finais de vida, colocando fim ao seu sofrimento físico e psíquico.

No tocante à metodologia, para a realização do presente estudo, utilizou-se o método de abordagem dedutiva, através do método procedimental monográfico e dissertativo e pelo processo de pesquisa bibliográfica, mediante a leitura e interpretação de livros, artigos, revistas e demais materiais teóricos que possam vir a contribuir para a realização dessa pesquisa. Os apontamentos e referências teóricas utilizados na presente pesquisa são oriundos das diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, o Direito, a Medicina, a Bioética e a Filosofia, pois o tema proposto não pode ser discutido e pensado apenas do ponto de vista jurídico, restrito ao Direito, haja vista que o tema interessa e contempla diversas áreas do conhecimento.

Neste contexto, o desafio a que se propõe o presente estudo é verificar se o paciente em fase terminal, bem como os que apresentam quadro de estado vegetativo persistente ou coma irreversível, têm a opção de um direito de morrer dignamente mediante a prática da eutanásia, a partir do momento que a busca pelo reconhecimento desse direito acaba por acarretar a colisão entre os princípios do direito à vida, da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, consagrados e universalizados pelos direitos humanos e reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Sendo assim, o estudo visa a examinar a colisão de princípios em busca do direito de morrer dignamente para os doentes terminais, para que venham a dispor de sua própria vida no momento em que esta passa a não ser mais digna, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade do indivíduo, em busca de uma possível legalização da eutanásia.

O tema foi escolhido em função de sua relevância social, por ser polêmico, cujas respostas são difíceis de ser encontradas, por tratar de questões envolvendo o fim da vida e a morte, e por se adequar à linha de pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos – Dignidade Humana, Novas Tecnologias e Bioética, do Mestrado em Direitos Humanos, pretendendo contribuir com a mesma, a partir do momento que busca proporcionar e aprofundar o debate e a reflexão no âmbito acadêmico, social, na área médica, no meio jurídico e filosófico, em torno da emergência de um novo direito.

Em atenção ao que foi exposto até o momento, os objetivos do presente estudo podem ser compreendidos e determinados da seguinte forma:

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a) estudar os pontos atinentes à vida da pessoa humana, os aspectos em relação ao direito à vida na seara constitucional e dos direitos humanos, sobretudo a vida digna e alguns aspectos médicos e jurídicos no que tange ao fim desta, ou seja, à morte;

b) compreender o princípio da autonomia da vontade como forma de expressão da liberdade individual e a opção do paciente terminal pela eutanásia e suas implicações em face dos princípios da Bioética, bem como dos documentos internacionais referentes aos direitos humanos;

c) analisar o princípio da dignidade humana como fundamento dos direitos humanos e do ordenamento jurídico brasileiro, os aspectos gerais em relação à colisão dos princípios envolvidos, bem como os meios para dirimir tais conflitos no caso de haver a legalização da eutanásia no Brasil.

Desse modo, no primeiro capítulo, antes de abordar o tema de modo mais profundo, analisa-se o direito à vida e os direitos em torno da morte. Nessa senda, são analisadas as temáticas acerca de quando tem início a vida humana e o reconhecimento dos direitos da personalidade. A seguir são vistos aspectos do direito à vida em nível constitucional e dos direitos humanos, bem como sua proteção jurídica, pois se trata de um direito humano fundamental. Por fim, são analisados aspectos bioéticos e jurídicos em relação à morte, buscando a definição do que é a morte e realizando uma abordagem dos conceitos e questões acerca da morte cerebral e da morte encefálica, haja vista que é fundamental saber o momento exato em que uma pessoa poderá ser considerada morta, pela Medicina e pelo Direito, pois, em muitas situações, diante dos avanços médicos e tecnológicos, onde funções vitais do corpo humano podem ser substituídas por meios artificiais, onde máquinas passam a ser responsáveis por diversas funções, como ventilação e respiração, acaba-se tornando difícil saber o momento exato onde começa e onde termina a vida de uma pessoa, fazendo com que se torne cada vez mais tênue a linha entre a vida e a morte.

No segundo capítulo busca-se compreender o princípio da autonomia da vontade, como a garantia e o direito de expressão da liberdade individual que os pacientes em fase terminal, bem como os que se encontram em estado vegetativo persistente ou em coma irreversível, têm de escolher pela eutanásia ou se recusarem a se submeter a tratamentos e intervenções médicas, ou suspendê-las. Para isso, deve-se compreender o respeito pela autonomia da vontade como garantia da liberdade individual e consentimento informado, ao lado da Bioética e os seus princípios da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça, que devem nortear a relação médico-paciente. Também serão analisados aspectos relevantes atinentes à prática da eutanásia e as suas implicações em face da legislação

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brasileira e dos documentos internacionais pertinentes aos direitos humanos, pois o ordenamento jurídico brasileiro e os documentos internacionais de direitos humanos não autorizam a prática da eutanásia.

No terceiro capítulo é analisado o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos e do ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando no que consiste a dignidade humana, que ampara o direito de morrer dignamente. Em seguida é abordada a temática geral da colisão de princípios, enredados no caso posto, consagrados pelos direitos humanos e reconhecidos como princípios fundamentais pela Constituição Federal de 1988, na busca pela existência e o reconhecimento de um direito de morrer dignamente e o emprego do princípio da proporcionalidade, mediante a ponderação de valores e bens, como meio hábil e idôneo para solucionar a colisão de princípios constitucionais, em face das situações concretas, no caso de haver o reconhecimento do direito de morrer dignamente e a legalização da eutanásia no Brasil. Para tanto, é feito o entrelace em torno das temáticas anteriormente abordadas, síntese necessária para o reconhecimento da existência de um direito à morte digna, a partir da proporcionalidade (ponderação), dos princípios colidentes, por meio da prática da eutanásia.

A partir do tema proposto na presente dissertação, busca-se propiciar a reflexão sobre a existência e a possibilidade do reconhecimento de um direito à morte digna, por meio da eutanásia, em respeito à dignidade e à autonomia (liberdade) do paciente, com a disposição ou renúncia do direito à vida. É necessário avaliar o limite para utilização de todos os progressos e avanços médicos, científicos e tecnológicos, postos à disposição dos profissionais da saúde e pesquisadores, que podem transformar o final da vida em um longo processo de morrer, doloroso e humilhante, para os pacientes terminais ou manter apenas as funções vitais das pessoas que se encontram em coma irreversível ou estado vegetativo.

A Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso III, elegeu como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, sendo direitos fundamentais e invioláveis os previstos no caput do art. 5º, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A referida Constituição prioriza a proteção da pessoa humana e a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, não fazendo menção à prática da eutanásia e a um direito de morrer dignamente. Mas o direito à vida não é o único direito humano e fundamental previsto na Constituição Federal, pois o mesmo se apresenta conjuntamente com outros direitos fundamentais.

O atual Código Penal, datado de 1940, também não faz menção expressa e objetiva à prática da eutanásia. Considera-a, entretanto, homicídio privilegiado. A questão principal do

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presente estudo, portanto, é verificar a existência e a possibilidade do reconhecimento de um novo direito: o direito à morte digna com a legalização da eutanásia no Brasil, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e no respeito à autonomia da vontade em face da relativização do direito à vida, a partir da ponderação dos princípios colidentes, nas situações em que o prolongamento da vida, dos pacientes terminais, ou os que se encontram em estado vegetativo e em coma irreversível.

Logo, a importância da presente dissertação se consubstancia na busca de uma reflexão ética e jurídica capaz de repensar a atual legislação em relação às questões atinentes ao final da vida, como forma de preservar a dignidade humana e os próprios direitos humanos, diante das transformações e progressos que ocorreram nas últimas décadas, no âmbito das ciências médicas, onde, em muitos casos, é complexo estabelecer os limites entre a vida e a morte, a partir do instante em que a vida de um organismo pode ser mantida artificialmente, por um período de tempo indeterminado.

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1 DOS DIREITOS EM RELAÇÃO À VIDA E À MORTE

A vida e a morte continuam a ser dois mistérios que os seres humanos buscam desvendar a cada dia, pela proximidade que os caracteriza. Trata-se de uma tarefa árdua e incansável, visto que novas questões em torno da vida e da morte emergem a cada momento, a partir das novas descobertas científicas e tecnológicas nas áreas da Medicina, da Ciência e da Saúde. Em uma sociedade complexa, marcada por desigualdades e pela ânsia do reconhecimento de novos direitos, emerge a reflexão acerca do questionamento do direito de morrer dignamente.

Com os progressos tecnológicos e científicos, em muitas situações, é difícil afirmar quando começa a vida humana ou quando ela termina, principalmente com os recursos à disposição da Medicina. Atualmente, é possível gerar um embrião em laboratório ou prolongar uma vida, por um período de tempo indeterminado. Embora muitos progressos podem ser benéficos por outro lado aumenta-se a possibilidade dos mesmos causarem danos para as pessoas, como no caso do prolongamento de uma vida terminal onde não há nenhum benefício.

Essas questões acabam por fazer emergir a reivindicação pelo reconhecimento de novos direitos como o de morrer dignamente, que acaba por confrontar e colocar em colisão direitos fundamentais consagrados pelos direitos humanos, como o direito à vida, à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa humana.

Antes de abordar o tema de forma mais profunda, no entanto, faz-se necessário ter-se em mente claramente o que é o direito à vida e os direitos em torno da morte. Nessa linha, é necessário, em um primeiro momento, analisar a temática acerca de quando tem início a vida humana e o reconhecimento dos direitos da personalidade. Em seguida será analisada a questão do direito à vida a nível constitucional e dos direitos humanos, bem como sua proteção jurídica, pois se trata de um direito humano fundamental.

Por fim, neste primeiro capítulo, serão analisados aspectos bioéticos e jurídicos em relação à morte, visto que é mister saber o momento exato em que uma pessoa poderá ser considerada morta, buscando a definição do que é a morte e uma abordagem dos conceitos e questões acerca da morte cerebral e da morte encefálica, sendo este último o conceito adotado pelo direito para atestar a morte clínica de uma pessoa.

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1.1 Questões atinentes ao início da vida, à pessoa humana e ao reconhecimento dos direitos da personalidade

Pesquisadores, cientistas, filósofos, religiosos, biólogos, bioeticistas, dentre tantos outros estudiosos, trabalham incessantemente na tentativa de tentar explicar o exato momento em que tem início a vida humana. Nesse sentido, inúmeros estudos e pesquisas culminaram em algumas teorias, que foram publicadas, com o desígnio de demonstrar o exato instante em que se inicia a vida humana. Ainda não há, todavia, um consenso de quando à vida tem início, embora no Direito brasileiro haja uma tendência de aceitar o momento da concepção, sobretudo, na esfera penal, como forma de proteger a vida do novo ser que está sendo gerado e como critério para criminalizar a prática do aborto.

A partir do início da vida é possível falar em direitos da personalidade, uma vez que esses direitos são inerentes à pessoa humana e garantidos ao nascituro, desde a concepção. O direito à vida, juntamente com o direito à liberdade, à igualdade, à honra, dentre outros, é um direito personalíssimo pertencente a todos os seres humanos devido a sua própria condição. O reconhecimento dos direitos da personalidade faz com que a pessoa seja reconhecida como sujeito autônomo. É o poder que cada pessoa exerce sobre si mesmo, em relação a sua própria vida. Ademais, os direitos da personalidade visam preservar a dignidade humana, sendo que muitos desses direitos já foram consagrados como direitos humanos e fundamentais.

1.1.1 Quando começa a vida humana

A temática em torno do início da vida humana é uma questão complexa, estando em debate nas últimas décadas. O que é a vida? Quando a mesma tem início? São perguntas cujas respostas são motivo de inúmeras discussões em diversas áreas da Ciência, da Biologia, da Bioética, da Medicina e do Direito, sobretudo, após os avanços tecnológicos e científicos, no campo da Engenharia Genética e da Reprodução Assistida, que acabam por permitir que pesquisadores manipulem embriões humanos em laboratórios, com o escopo de desenvolver a cura para certas doenças.

No âmbito do direito discute-se muito quando a vida começa em função da prática do aborto, para ser considerada a conduta como crime, ao lado das tentativas para sua legalização, bem como dos direitos inerentes ao nascituro. Nesse sentido, há diversas teorias a respeito do início da vida humana, que buscam fixar parâmetros para demonstrar quando a mesma começa. Ademais, é importante saber quando começa a vida humana para saber o momento da morte, pois na ausência de vida não é possível falar-se em morte.

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Ninguém consegue esclarecer o que é a vida. Essa indefinição foi motivo de perturbação para os filósofos por mais de dois mil anos. Na maioria das vezes fala-se que a vida é a vida e ponto final. Todavia, atualmente, a ciência aprofundou seus estudos para buscar fixar um conceito mínimo do que seria a vida, pois “ter embriões estocados em laboratório é um evento tão novo e diferente para a humanidade que ainda não tivemos tempo de amadurecer essa ideia.” (BARCHIFONTAINE, 2010, p. 13-14).

Segundo Barchifontaine (2010), é difícil estabelecer bases indiscutíveis a respeito do início da vida humana bem como de quando se inicia a pessoa. A ciência apresenta cinco respostas de quando começa a vida humana. Para a visão genética a vida humana teria início na fertilização, momento em que óvulo e espermatozoide se encontram e unem seus genes para a formação de um novo indivíduo com características genéticas únicas, com direitos iguais aos de qualquer outro indivíduo. É a posição oficial da Igreja Católica. Na visão embriológica a vida começaria na terceira semana de gravidez, quando se estabelece a individualidade humana, visto que até 12 dias após a fecundação o embrião poderá se dividir dando origem a duas ou mais pessoas.

É baseado nessa ideia que se admite o uso da pílula do dia seguinte e o uso de outros meios contraceptivos nas duas primeiras semanas de gravidez; segundo a visão neurológica o mesmo princípio da morte é válido para a vida. Se a vida termina quando cessam as atividades elétricas no cérebro, ela tem início quando o feto apresenta as primeiras atividades cerebrais como as de uma pessoa. Há, no entanto, uma divergência entre os cientistas de quando são verificados os primeiros sinais cerebrais, para alguns seria na 8ª semana para outros na 20ª (BARCHIFONTAINE, 2010).

Na visão ecológica é a capacidade de sobrevivência do feto fora do útero que o faz um ser independente e estabelece o início da vida. Para os médicos um recém-nascido prematuro apenas mantém-se vivo no caso de ter os pulmões prontos, o que se verifica entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Esse critério foi utilizado pela Suprema Corte dos EUA para embasar a decisão que autorizou o direito ao aborto. Na visão metabólica, a discussão em torno do início da vida é irrelevante, haja vista que não há um instante único que marca o início da vida. Para os adeptos dessa corrente, espermatozoides e óvulos são seres vivos como qualquer pessoa. Além do mais, o desenvolvimento de uma criança é um processo ininterrupto que não pode ter um marco inicial (BARCHIFONTAINE, 2010).

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A religião apresenta cinco visões distintas de quando tem início a vida humana. Para o catolicismo1 a vida começa a partir da concepção, quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozoide, dando origem a ser humano em potencial. Por algumas vezes, o Papa Bento XVI reafirmou a posição da Igreja Católica contra a manipulação de embriões e o aborto. Segundo o judaísmo, a vida teria início somente na 40ª semana, quando o feto começa a ganhar forma humana, antes disso a interrupção da gravidez não pode ser avaliada como homicídio. Assim, a religião judaica admite a pesquisa com células-tronco e o aborto nos casos de estupro e quando a gravidez constitui risco para a mãe. Na visão do islamismo, o início da vida “acontece quando a alma é soprada por Alá no feto, cerca de 120 dias após a fecundação.” (BARCHIFONTAINE, 2010, p. 15).

Existem estudiosos, porém, que creem que a vida começa na concepção. Os muçulmanos são contrários ao aborto, mas muitos aceitam a prática quando a gravidez apresenta risco para a vida da gestante. E há uma tendência a apoiar a pesquisa com células-tronco embrionárias. O budismo entende que a vida é um processo ininterrupto e sucessivo. Não se inicia apenas com a união do espermatozoide e do óvulo, “mas está presente em tudo o que existe nossos pais e avós, as plantas, os animais e até a água. No budismo, os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras.” Entre os budistas não existe um acordo a respeito dos estudos com embriões e do aborto. No entendimento do hinduísmo, “alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida. E como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano.” No tocante ao aborto os hindus buscam a solução menos prejudicial para todas as partes envolvidas. Em geral são contra a interrupção da gravidez, salvo se a vida da mãe estiver em risco (BARCHIFONTAINE, 2010, p. 15).

No tocante ao início da vida humana, Brandão (1999) destaca que não é função da biologia, da genética ou da embriologia determinar a vida, porém, a partir das informações fornecidas por essas ciências é possível determinar com clareza quando se dá o seu início.

1 O magistério da Igreja Católica admite que a pessoa passe a existir desde o momento da fecundação, isto é, a partir do instante que passa a existir um genótipo diferente em relação ao dos genitores, no entanto, nem sempre foi assim. Apesar de hoje ser pacífica essa posição do magistério da Igreja Católica, por muito tempo, houve, por parte dessa mesma igreja, entendimento que afirmava que só poderia se falar em pessoa 40 dias após a fecundação para o feto do sexo masculino e de 80 dias para o feminino, como o pregado por Santo Agostinho, quando passaria a existir uma unidade corpo-espírito. Santo Tomás de Aquino também entendia que não poderia se reconhecer como humano o feto que não tivesse completado 40 dias. Essa posição tornou-se doutrina oficial da Igreja Católica com o Concílio de Trento, não obstante, tal posicionamento sempre foi contestado por outros teólogos, que com base nos conhecimentos de Tertuliano e de Santo Alberto Magno, defendiam que desde a fecundação já haveria um ser humano (BARCHIFONTAINE, 2004).

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Nessa linha, caberia ao biólogo determinar quando tem início a vida humana, sendo função do jurista somente dar-lhe o enquadramento jurídico, uma vez que na visão biológica a vida tem início com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. A vida viável, contudo, apenas inicia com a nidação quando tem início a gravidez. Para o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado com uma carga genética própria distinta da dos pais (MORAES, 2011).

Os pesquisadores que defendem o uso de embriões para estudos científicos entendem que não há vida nos embriões manipulados em laboratórios. Nesse sentido, não haveria impedimentos para a realização de pesquisas com embriões para a descoberta da cura de certas doenças. Assim, principalmente, esses pesquisadores entendem que a vida somente começa e torna-se viável com a implantação ou a nidação2 do óvulo no útero. Não existindo a vida extrauterina nos embriões oriundos da reprodução in vitro3.

O fenômeno da nidação tem início no fim da primeira semana e tem seu término no final da segunda semana após a concepção (SILVA, 2002). A partir da nidação começam a ocorrer novas fases do desenvolvimento embrionário, como as divisões celulares e a formação de novas estruturas que por fim irão compor um novo ser humano (MALUF, 2010).

Em relação ao início da vida, Bicudo (1997) ressalta que, segundo o parecer da doutora Márcia Mattos Gonçalves Pimentel, PhD em Genética Humana, a vida humana começa no momento da concepção. Para o referido autor, a Convenção Americana de 1969, ao referir que o direito à vida deve ser protegido, essa proteção deve se dar desde o instante da concepção. Para ele, não existe qualquer outra referência ao início da vida que não seja o determinado pelo instante da concepção.

No campo da biologia e da embriologia, Maluf (2010, p. 91) salienta que a vida de um novo indivíduo inicia com a própria ovulação, “no momento da liberação do ovócito, estendendo-se até o momento da fixação do zigoto no útero, nidação que torna a vida viável.”

2 A nidação é a ação pela qual ocorre “a penetração do trofoblasto entre as células epiteliais do tecido uterino, destruindo os glicocalix das células através das enzimas líticas presentes no seu citoplasma, a fim de que se mantenham unidas, fixando-se em seu lugar, entre as células dos tecidos epitelial e muscular.” (MALUF, 2010, p. 93).

3 A discussão em torno do início da vida ganha maior repercussão quando é colocada a questão dos embriões que são conservados em laboratório, fora do útero materno, obtidos a partir da chamada reprodução in vitro, onde a fecundação ocorre fora do corpo (em um recipiente ou in vitro) e o óvulo é recolocado no útero da mulher. A legislação brasileira é omissa nessa questão. Na realização desse processo, determinados embriões (óvulos fecundados) não são utilizados no implante uterino, ficando armazenados nos laboratórios, sem que haja uma determinação específica, são os chamados embriões excedentários, não são utilizados no processo de inseminação artificial e acabam sendo congelados, em função do sucesso da fertilização ou da desistência do casal. A eliminação desses embriões configuraria o fim de uma vida já iniciada ou o delito de aborto? A destruição ou eliminação dos embriões não estaria por configurar o delito de aborto, uma vez que não há vida intrauterina (o feto está fora do útero), pois o embrião não pode ser considerado pessoa humana, pois não há gravidez fora do organismo humano (CAPEZ, 2010).

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Nesse sentido, o desenvolvimento do ser humano, ou melhor, da individualidade humana, tem seu marco a partir da concepção. Em outras palavras, o início da vida humana inicia-se após a fertilização ou fusão de um dos gametas masculinos (espermatozoide) com um gameta feminino (óvulo), o que acaba por gerar apenas uma célula somática, que passa a ser denominada de zigoto (SILVA, 2002).

Esse também é o entendimento de Serra (2003), para quem o embrião humano é um indivíduo em potencial desde a fusão dos gametas, pois, desde esse momento ele já possui as características fundamentais, imprescindíveis e satisfatórias, para lhe ser atribuído o status de indivíduo.

Para Alves (1999), a Ciência esclarece onde e quando começa o desenvolvimento de uma nova vida, sendo cientificamente comprovado que a mesma tem início com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, geralmente nas trompas de falópio ou tubas uterinas. É o princípio do ciclo vital de um novo ser humano que somente será encerrado com a morte. A partir de então começa o desenvolvimento de uma nova vida humana que irá evoluir automaticamente para a formação de todo o organismo do novo ser.

O zigoto, fruto da união do espermatozoide e do óvulo, formado logo após a fertilização deste, pode ser considerado como sendo a origem de um novo indivíduo. Caberá ao zigoto por meio do genoma coordenar e executar, de forma contínua e gradual, todo o processo de desenvolvimento da nova vida (BRANDÃO, 1999).

Em relação ao início da individualidade humana, Silva (2002) entende que as teorias da natalidade e da gestação, ainda que influentes, mostram-se muito frágeis frente às novas descobertas no campo da Biomedicina. A teoria da natalidade tem suas raízes na doutrina romana, ao considerar que o concepto não possui individualidade humana, que o mesmo é somente parte de sua genitora, sendo que a individualidade humana teria início no momento do nascimento com vida. Já a teoria da gestação defende que a individualidade humana teria sua firmação ao longo do período de gestação. Além das teorias da natalidade e da gestação, há outras três teorias com maior amparo científico, a da singamia, a da cariogamia e a do pré-embrião.

Para o referido autor, a teoria da singamia defende que a individualização do indivíduo inicia-se logo com a penetração do espermatozoide no óvulo, visto que inevitavelmente estaria em curso o processo da concepção. No tocante à teoria do pré-embrião, a mesma advoga que até o 14º dia após a concepção não haveria individualidade. Para ele, a teoria da cariogamia é a que melhor traduz a ideia da individualidade humana a partir da concepção, bem como do início da vida humana. Segundo essa teoria a fertilização precede a concepção,

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que somente ocorre 12 horas após a fertilização, e o início do ciclo vital de cada ser humano inicia-se com a fusão dos pró-núcleos das células masculina e feminina, ou seja, com a cariogamia (SILVA, 2002).

Na defesa do início da individualidade humana a partir da formação do embrião humano, constata-se que:

A lei é inscrita no genoma. Todo o embrião (e, portanto, também o embrião humano) mantém durante todo o processo epigenético a sua unidade, a sua unicidade e, portanto, a sua própria identidade individual, permanecendo ininterruptamente o mesmo idêntico indivíduo durante todo o processo do desenvolvimento [...]. E, breve, a análise indutiva do processo do desenvolvimento leva necessariamente à conclusão de que o embrião humano, desde a primeira célula, o zigoto, é um indivíduo humano real, e não uma “qualquer coisa” que “poderá se torna tal [...]. Diante dos dados hoje disponíveis e das induções lógicas que daí derivam, mostram-se inconsistentes as objeções que desejariam levar a negar ao zigoto e ao embrião, até o 14º dia, a qualidade e o título de indivíduo humano [...]. Em conclusão, a afirmação de que o embrião humano não é um indivíduo humano nos primeiros 15 dias a partir da fecundação não tem nenhum fundamento científico; ao contrário, está em pleno contraste com os dados da ciência [...]. (SERRA, 2003, p. 138).

Não divergindo da posição de Serra, Maluf (2010) destaca que não é possível aceitar que o embrião até o 14º dia após a fecundação não tenha vida autônoma e que em função desse pensamento não possa ser considerado uma pessoa ou um ser humano. Desse modo, afirmam que é possível assegurar que a vida começa com a fecundação, tornando-se viável com a ocorrência da nidação, podendo ser considerado como o início legal da personalidade jurídica o instante em que o espermatozoide penetra no óvulo.

Como visto, em relação ao início da vida humana, embora existam diferentes teorias de quando a mesma começa, tanto no campo da ciência como no da religião, há um certo consenso na doutrina majoritária que entende que a vida humana começaria com a fecundação/concepção, posição da Igreja Católica e utilizada pelo direito brasileiro para fins penais de tipificação do crime de aborto.

No próximo tópico será abordada a temática em torno das questões concernentes à pessoa humana, em especial, os direitos da personalidade, bem como o seu reconhecimento e suas implicações, conforme a doutrina e a legislação brasileira, sobretudo, em relação à vida, visto que a mesma é um direito personalíssimo e pertence à esfera privada de cada indivíduo. No entanto, embora seja um direito da personalidade e pertencente a cada pessoa, a legislação brasileira considera a vida um direito personalíssimo indisponível e absoluto, o que estaria por impedir que os pacientes terminais optassem pelo direito de morrer, dispondo de sua própria vida.

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1.1.2 A pessoa humana e a personalidade

Apenas a pessoa humana é capaz de agir de forma racional. A palavra pessoa é um termo que tem origem no latim persona. No início era uma expressão utilizada para designar a máscara com que os atores de teatro cobriam os seus próprios rostos, durante a encenação de peças teatrais, com o desígnio de fazer retumbar o som de suas vozes e para que cada personagem fosse reconhecido pelo público.

Com o passar do tempo, o vocábulo pessoa passou a ser utilizado para designar a ação de cada indivíduo no âmbito jurídico. A esta palavra são atribuídas três definições: no sentido vulgar, pessoa seria sinônimo de ser humano; para a Filosofia, pessoa é o ser que alcança o seu fim moral; já no cenário jurídico, a pessoa é vista como ser físico ou moral com capacidade para direitos e obrigações (FLORÊNCIO, 2005).

No ordenamento jurídico brasileiro, para ser considerada pessoa, basta que o ser humano exista. Para ser capaz, no entanto, o ser humano deve satisfazer as condições cogentes para agir por si mesmo, sendo que, no convívio em sociedade, o ser humano acaba por adquirir deveres e obrigações. Na doutrina tradicional, a pessoa é o ser físico ou coletivo apto para assumir direitos e obrigações, sendo, também, sinônimo de sujeito de direitos (DINIZ, 2003).

Entende-se por sujeito de direitos a pessoa a quem a lei confere a faculdade ou o dever de agir, desempenhando poderes ou impendendo deveres. Sendo irrisório que o Direito devidamente instituído sirva aos interesses de outrem (GOMES, 1995).

Pode-se afirmar que o ser pessoa é fato jurídico, posto que a partir do nascimento o ser humano adentra o mundo jurídico. Sendo o nascer a sua essência, a pessoa passa a ser o titular de direitos. A personalidade é sinônimo de o indivíduo ter capacidade de direito, portanto, “personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções. Capacidade de direito e personalidade são o mesmo.” (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 155).

Personalidade pode ser considerada como sendo um atributo jurídico de todo homem, concedendo-lhe idoneidade para exercer um papel jurídico na esfera social como um sujeito de direitos e obrigações. “Sua personalidade é institucionalizada num complexo de regras declaratórias das condições de sua atividade jurídica e dos limites a que se deve circunscrever.” (GOMES, 1995, p. 141).

Nesse sentido, a personalidade jurídica “é projeção da personalidade íntima, psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica com consequências jurídicas.”

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(VENOSA, 2002, p. 148). A personalidade não pode ser considerada exatamente como um direito, e sim como um conceito fundamental no qual se sustentam os direitos.

A personalidade é intrínseca a todos os seres humanos, coloca o homem como ente moralmente autônomo e, no plano jurídico, confere-lhe direitos e deveres. Ainda, acaba por lhe atribuir características próprias, permitindo que o indivíduo se diferencie dos demais. A proteção à personalidade se vislumbra no avanço das relações sociais, econômicas e jurídicas entre os homens, no seu convívio social, buscando-se sempre o reconhecimento igualitário da personalidade e da capacidade jurídica, de todos os indivíduos (CATÃO, 2004).

Ao tratar da questão da personalidade, pode-se constatar que:

A personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fácticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito. A personalidade, como possibilidade, fica diante dos bens da vida, contemplando-os e querendo-os, ou afastando-os de si; o ser sujeito de direito é entrar no suporte fáctico e viver nas relações jurídicas, como um dos termos delas. (PONTES DE MIRANDA, 1977, p. 153, sic, grifo no original ).

São considerados como da personalidade os “direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos ao homem”, entre tais valores pode-se destacar o direito à vida, à integridade física, à honra, à intimidade, entre outros (BITTAR, 2008, p. 1).

Assim, a personalidade pode ser considerada como o conjunto de característica que são próprias do indivíduo, uma vez que, são inerentes ao ser humano. Pode-se afirmar que ela é um bem próprio da pessoa, e a partir dessa o indivíduo terá o direito de contrair e resguardar outros bens (SZANIAWSKI, 1993).

Na mesma linha, “a personalidade traz consigo a ideia de individualidade, particularidade e singularidade, exteriorizando-se, assim, as características de próprias de uma pessoa, tudo o que lhe é exclusivo e essencial, distinguindo-a de outra pessoa [...].” (CATÃO, 2004, p. 101).

Toda pessoa é um ser dotado de personalidade, o que lhe garante o direito à autonomia, pois se trata de um conjunto de valores inerentes a todos os seres humanos. O que, consequentemente, faz com que todos sejam sujeitos de direitos e obrigações, mas, ao mesmo tempo, assegura-se a individualidade de cada um. O direito à personalidade já era reconhecido na Antiguidade, na Grécia e em Roma, como se pode perceber no item que segue.

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1.1.3 Noção histórica acerca dos direitos da personalidade

A luta pelo reconhecimento dos direitos da personalidade já encontrava seus primeiros resquícios na Antiguidade. Nesse período os povos gregos e romanos já asseguravam, ainda que de maneira contida, certos direitos individuais, para a maioria dos seus cidadãos, como forma de garantir determinada autonomia e capacidade jurídica para os mesmos conviverem e se relacionarem.

Nesse sentido, na Antiguidade greco-romana já havia a proteção da pessoa humana, embora, não como nos dias atuais, visto que as organizações sociais e políticas se apresentavam sobre outro prisma, sendo que os problemas enfrentados pela civilização atual são totalmente diferentes dos daquela época. Todavia, foi nas civilizações greco-romanas que nasceram, ainda de forma tímida, os direitos da personalidade, tendo nessas civilizações suas bases filosóficas e jurídicas (ZANINI, 2011).

No pensamento filosófico e jurídico grego já se assegurava que cada homem possuía personalidade e capacidade jurídica, sendo que são do pensamento filosófico grego as mais importantes contribuições para a teoria dos direitos da personalidade (CATÃO, 2004).

Em Roma presenciava-se a luta pela tutela dos direitos da personalidade, contudo, é claro, que a proteção da personalidade individual que existia no direito romano não é a mesma que se vislumbra nos dias atuais (SZANIAWSKI, 1993).

Assim, os direitos da personalidade já encontravam tutela jurídica no período da Antiguidade, onde eram punidas as ofensas físicas e morais contra o indivíduo, por meio da dike kakegorias, na Grécia, e pelo actio injuriarum, em Roma. No Período Medieval já havia, ainda, que discretamente, a ideia de que o indivíduo compunha o fim do direito, tanto que a Carta Magna da Inglaterra, no século XIII, elencava direitos próprios ao homem (DINIZ, 2003).

É na Idade Média que nasce um conceito moderno de pessoa humana com base na dignidade e valor do ser humano, sendo que esse conceito evoluiu com a história da humanidade (CATÃO, 2004). O desenvolvimento dos direitos da personalidade deve-se, também, à Escola de Direito Natural, que propagou as ideias humanistas de cunho individualista e a doutrina dos direitos subjetivos. A Escola de Direito Natural lutava pela superioridade do direito natural em detrimento do direito positivo, tendo como base os direitos inerentes ao homem (ZANINI, 2011).

A construção dos direitos da personalidade deve-se, também, ao Cristianismo, onde se reconheceu a ideia de dignidade humana. Foi a escola de Direito Natural, porém, que acabou

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por consolidar o ideal de direitos naturais ou inatos ao homem, isto é, oriundos da própria natureza humana, que antecedem e já existem independentemente do reconhecimento do Estado, sendo que os filósofos do iluminismo passaram a enaltecer o indivíduo frente ao Estado (BITTAR, 2008).

Foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, entretanto, que passou a valorizar e defender os direitos individuais, valorizando o homem e a liberdade da pessoa humana. Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, diante das atrocidades cometidas contra a dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade ganharam maior relevância e proteção, no mundo jurídico, por meio da Carta da ONU de 1948, pela Convenção Europeia de 1950 e pelo Pacto Internacional das Nações Unidas (DINIZ, 2003).

Mas, foi apenas no final do século XX que se arquitetou uma dogmática em torno dos direitos da personalidade, a partir de um respeito impar que se passou a ter pela dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º da Constituição Federal de 1988. A partir de então os direitos da personalidade apresentam-se em uma dupla dimensão: a axiológica pela qual se reconhecem os direitos fundamentais da pessoa e a objetiva, visto que são direitos resguardados legalmente e constitucionalmente (DINIZ, 2003).

Os direitos da personalidade ganharam maior importância jurídica ao longo dos acontecimentos que marcaram a história da humanidade e, principalmente, a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, os direitos da personalidade assumem papel fundamental como meio de preservar e proteger o indivíduo, em sua dignidade e integridade, perante os abusos cometidos pelo Estado e por terceiros. Nesse sentido, é de suma importância definir o que são os direitos da personalidade, suas características e natureza jurídica, sendo que tais considerações referentes a esses aspectos serão abordadas, logo, no item, a seguir.

1.1.4 Definição, características e natureza jurídica dos direitos da personalidade

Os direitos da personalidade são considerados direitos fundamentais que pertencem a cada ser humano, cuja função principal é garantir a proteção do mesmo, de seus bens e de sua dignidade. É a capacidade conferida a cada pessoa para governar a sua própria vida e tomar decisões sobre questões atinentes a ela, de acordo com seus interesses, cabendo aos demais apenas respeitar. São direitos considerados irrenunciáveis, indisponíveis e absolutos.

Sobre os direitos da personalidade, é possível aduzir que “sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana,

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que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade.” (GOMES, 1995, p. 149).

A maior parte da doutrina considera os direitos da personalidade como o poder que o homem exerce sobre si mesmo, em relação a vários aspectos, ou seja, são direitos inerentes à pessoa, em atenção a sua própria estrutura física, mental e moral. Nesse sentido, os direitos da personalidade são: “a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja em seu relacionamento com a sociedade).” (BITTAR, 2008, p. 10).

Assim, os bens inerentes à pessoa humana, em especial, a vida, a honra, a liberdade entre outros, são direitos da personalidade, dignos de proteção. Os direitos da personalidade, para Limongi-França, são “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos.” (apud SZANIAWSKI, 1993, p. 35).

Os direitos da personalidade, na visão de Francesco Ferrara, são “os direitos supremos do homem, aqueles que lhe garantem o gozo de seus bens pessoais, vale dizer, garantem o gozo de nós mesmos assegurando ao particular o poder da sua pessoa, a atuação das próprias forças físicas e espirituais.” (apud LEITE, 2000, p. 14).

Apesar de haver algumas variáveis na conceituação dos direitos da personalidade, os doutrinadores são praticamente unânimes em defini-los como sendo os direitos que estão ligados intrinsecamente à pessoa humana, uma vez que são os direitos mais pessoais e fundamentais do ser humano (LEITE, 2000).

No tocante aos fundamentos jurídicos dos direitos da personalidade, existe uma divergência por parte da doutrina. Nesse aspecto há duas correntes: uma positivista e uma jusnaturalista. Para os positivistas, os direitos da personalidade seriam somente os que são reconhecidos pelo próprio Estado. Para esta corrente não haveria direitos inatos ao homem, devido a sua condição humana. Já os naturalistas entendem que os direitos da personalidade são qualidades intrínsecas à condição humana, são direitos exercidos naturalmente e facultativamente pelos homens; são atributos intrínsecos a pessoa humana (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009).

Na linha de defesa dos direitos da personalidade como direitos subjetivos, Fábio Maria de Mattia assevera que:

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Os sistemas jurídicos atuais garantem a todo o ser humano certos bens jurídicos em decorrência do simples fato de sua existência. Trata-se de direitos inerentes à própria pessoa humana e constituem prerrogativas ou faculdades que permitem a cada ser humano o desenvolvimento de suas aptidões e energias, tanto físicas como espirituais, que constituem o conteúdo essencial da personalidade. (apud LEITE, 2000, p. 20).

Segundo o referido autor, os direitos da personalidade são subjetivos, pois é a vontade humana o cerne da personalidade jurídica, não somente em relação ao mundo exterior, mas, sobretudo, em função da própria realidade antropológica da pessoa humana. Cada ser humano é quem deve orientar as questões sobre a sua vida, o corpo, a imagem, a honra, dentre outros, sendo que aos demais cabe apenas respeitar (MATTIA apud LEITE, 2000).

Os direitos da personalidade são subjetivos e comuns à própria existência, pois permitem que a pessoa venha a defender seus próprios bens, que lhe foram concedidos naturalmente. Desse modo, a vida humana é um bem que antecede ao direito, não sendo a vida uma concessão jurídica. O direito à vida constitui-se em um direito ao respeito à vida do seu titular e dos demais indivíduos. Assim, os direitos da personalidade são considerados subjetivos, visto que permitem que se exija das outras pessoas um comportamento negativo para se resguardar um bem intrínseco (DINIZ, 2003).

Segundo Szaniawski (1993), no ensinamento de Pierre Kayser, não há antagonismos entre a noção de direitos subjetivos e da personalidade, sendo o último a aplicação do primeiro, uma vez que os direitos subjetivos não visam somente à proteção dos direitos materiais, mas, também, buscam a tutela dos direitos morais do indivíduo. A capacidade conferida ao indivíduo para que o mesmo garanta e proteja seus direitos morais nada mais é que um direito subjetivo.

Na lição de Bittar (2008), adepto da corrente naturalista, os direitos da personalidade são subjetivos e inatos, como a maior parte da doutrina considera, sendo tarefa do Estado apenas reconhecer e sancionar os mesmos dentro do direito positivo, no âmbito constitucional ou da legislação ordinária, conferindo aos mesmos proteção própria para a defesa contra o arbítrio do poder público e de particulares. Isso não quer dizer que os direitos da personalidade são apenas os reconhecidos pelo Poder Público no ordenamento jurídico, visto que esses direitos são anteriores e independentes do direito positivo, intrínsecos ao próprio ser humano, devido a sua natureza.

Os direitos da personalidade possuem características especiais, haja vista que buscam proteger a pessoa humana e seus bens mais valiosos. Exatamente por isso que o ordenamento jurídico confere proteção especial a esses direitos, sendo inicialmente direito intransmissível e

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indispensável reservado à pessoa que detém a sua titularidade, desde o nascimento, conforme norma do art. 2º do Código Civil (BITTAR, 2008).

O direito de personalidade, bem como as suas pretensões, ações e prolongamentos, são direitos irrenunciáveis, irrestringíveis e inalienáveis. Dentre esses direitos pode-se destacar o direito à vida, à saúde (à psíquica e à integridade física), à liberdade, à igualdade e à honra (PONTES DE MIRANDA, 1977).

Como os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, no seu âmbito físico, mental e moral, esses direitos possuem características próprias, fazendo com que os mesmos ocupem um lugar de destaque no direito privado, sendo considerados como direitos absolutos, vitalícios, imprescritíveis, impenhoráveis, gerais, indisponíveis e extrapatrimoniais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009).

Sobre as características dos direitos da personalidade, verifica-se que:

Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmis-síveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga

omnes, como tem assentado a melhor doutrina, como leciona, aliás, o art. 11 do

novo Código. São direitos que transcendem, pois, o ordenamento jurídico positivo, porque insitos à própria natureza do homem, como ente dotado de personalidade. Intimamente ligados ao homem, para sua proteção jurídica, independentes de relação imediata com o mundo exterior ou outra pessoa, são intangíveis, de lege lata, pelo Estado, ou pelos particulares. (BITTAR, 2008, p. 11-23).

Os direitos da personalidade ainda são classificados em direitos físicos, direitos psíquicos e direitos morais. Os primeiros estão diretamente relacionados com a estrutura humana, ou seja, com a integridade física ou corporal, abarcando o corpo como um todo (membros, órgãos e a imagem); os segundos referem-se aos princípios inerentes à personalidade ou à integridade psíquica, abrangendo a liberdade, a intimidade e o sigilo; já os últimos dizem respeito às qualidades ou virtudes da pessoa no meio social, seu patrimônio moral, envolvendo a honra, a identidade e as manifestações intelectuais. Esses direitos aludem à própria pessoa, bem como a sua posição frente às outras pessoas que integram a sociedade. São direitos que todo o ser humano tem em vista da sua própria existência ou condição, em razão de ser livre (BITTAR, 2008).

Nessa linha, os direitos da personalidade são absolutos, visto que são oponíveis erga omnes, por possuírem, em si mesmos, um dever geral de abstenção. São extrapatrimoniais, pois não podem ser avaliados economicamente. Havendo lesão a qualquer um dos seus bens, caso não possa haver a reparação in natura ou mesmo a reposição statu quo ante, o titular deverá ser indenizado pelo equivalente. São intransmissíveis, pois não é possível a

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transferência dos mesmos para o patrimônio jurídico de terceiros. Ademais, nascem e terminam com seu titular, visto que dele são direitos intrínsecos. Não podem ser desfrutados por outras pessoas bens como a vida, a honra, a liberdade entre outros (DINIZ, 2003).

Por lei, os direitos da personalidade são indisponíveis por não serem passíveis de disposição, embora haja divergências a esse respeito. Nada impede que, no tocante ao próprio corpo, o indivíduo, em uma atitude altruísta, para atender a uma circunstância terapêutica, doe um órgão ou tecido seu. Ainda, os direitos da personalidade poderão vir a ser objeto de contrato, como no caso de direito de imagem, para a publicidade. Assim, a disponibilidade dos direitos da personalidade pode ser considerada relativa. Eles são irrenunciáveis, visto que não podem extrapolar o domínio de seu titular. São impenhoráveis e imprescritíveis, pois não são extintos pelo uso e nem pela inércia de sua defesa. São necessários e inexpropriáveis, posto que são inerentes ao indivíduo e são adquiridos no instante da concepção, não podendo ser retirados do indivíduo durante a sua vida por estarem diretamente associados a qualidade humana. São vitalícios e se extinguem somente com a morte do seu titular, mas, determinados direitos não se interrompem com a morte, sendo resguardados, como o direito à imagem, à moral e à honra. São ilimitados frente ao contrassenso de se pensar limitar os direitos da personalidade a determinado número, não podendo ser um rol taxativo, em face dos constantes avanços e conquistas no âmbito da biotecnologia e dos progressos sociais e econômicos (DINIZ, 2003).

No tocante aos direitos da personalidade serem ilimitados, não é possível que os mesmos sejam elencados em um rol taxativo, haja vista que são os direitos da personalidade que protegem a dignidade humana (VENOSA, 2002). Segundo Sá e Moureira (2012, p. 65), embora existam pequenas discussões acerca da classificação dos direitos da personalidade, não restam dúvidas que a vida é um direito personalíssimo. O problema, contudo, é saber se a autonomia para morrer faz parte do direito à vida como um dos direitos da personalidade. No entendimento dos autores, pela pessoalidade, pelo livre desenvolvimento dos direitos da personalidade, pelo reconhecimento da autonomia e pelos valores que norteiam a dignidade da pessoa humana, “não temos dúvidas em afirmar que a autonomia para morrer reflete o exercício do direito à vida.” (SÁ; MOUREIRA, 2012, p. 65).

Sendo o direito à vida um direito da personalidade, é possível considerá-lo como um direito absoluto apenas por ser oponível erga omnes. O reconhecimento pela Constituição Federal de 1988, que esse direito é inviolável, refere-se à proteção da vida contra agressões de terceiros. Trata-se de um direito irrenunciável, uma vez que com o nascimento o titular contrai esse direito e a sua existência não pode ser cessada. A opção pela morte baseia-se no

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próprio exercício regular do direito à vida. Assim, o direito de morrer ou autonomia para morrer são direitos que pertencem ao exercício do direito à vida (SÁ; MOUREIRA, 2012).

Enfim, os direitos da personalidade, são direitos básicos, fundamentais, comuns e intrínsecos a todos os seres humanos, em virtude da própria natureza humana, cujo desígnio principal é proteger a dignidade da pessoa. Para isso, eles podem ser considerados como o poder que cada pessoa exerce sobre si mesma, acerca das decisões envolvendo a própria vida, o corpo, a liberdade e a honra. A doutrina majoritária considera os mesmos como subjetivos, visto que inerentes à condição humana, permitindo que cada ser humano possa se desenvolver livremente e guiar a sua própria vida segundo as suas convicções, cabendo aos demais respeitar as decisões de cada um. Trata-se de direitos absolutos (oponíveis erga omnes), vitalícios, inalienáveis, impenhoráveis, irrenunciáveis, irrestringíveis, imprescritíveis, indisponíveis e extrapatrimoniais, com destaque para o direito à vida, à saúde física e psíquica, à liberdade, à igualdade e à honra.

São considerados, no entanto, invioláveis como forma de protegê-los das agressões de terceiros. Nada impede que o próprio titular, se assim entender, opte pela prática da eutanásia como forma de garantir o direito de morrer em respeito a sua autonomia e dignidade, haja vista que esta opção estaria amparada como o próprio exercício do direito à vida.

Os direitos da personalidade, além de serem intrínsecos a todos os seres humanos, no ordenamento jurídico brasileiro são garantidos, até mesmo, ao nascituro desde a concepção, como será visto no próximo item.

1.1.5 O nascituro e os direitos da personalidade

A legislação brasileira, por meio do Código Civil, no seu art. 2º, determina que a personalidade civil da pessoa inicia somente com o nascimento com vida, ou seja, para a pessoa adquirir a personalidade, passando a ser sujeito de direitos, deverá imprescindivelmente nascer com vida. Mas, a legislação resguarda os direitos do nascituro, desde o momento da concepção, com o intento de proteger e garantir a vida do mesmo.

Nesse sentido, desde o direito romano, por meio de uma ficção jurídica, resguardavam-se os direitos do nascituro. O Direito brasileiro acompanha o direito romano, sendo que o nascituro não possui personalidade jurídica, contudo, irá adquirir a personalidade se nascer e respirar. Assim, há uma expectativa potencial que se concretizará com o nascimento com vida. A personalidade do nascituro pode ser considerada como fictícia (BARCHIFONTAINE, 2004).

Referências

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