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“Nem santa, nem puta”: performances de gênero e sexualidade em mulheres praticantes de swing

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA

SÂMELLA DOS SANTOS VIEIRA

“NEM SANTA, NEM PUTA”:

PERFORMANCES DE GÊNERO E SEXUALIDADE

EM MULHERES PRATICANTES DE SWING

RECIFE 2013

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SÂMELLA DOS SANTOS VIEIRA

“NEM SANTA, NEM PUTA”:

PERFORMANCES DE GÊNERO E SEXUALIDADE EM MULHERES PRATICANTES DE SWING

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Psicologia, do Programa de Pós-graduação em Psicologia, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Orientador: Dr. Luís Felipe Rios do Nascimento

RECIFE 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

CURSO DE MESTRADO

“Nem santa, nem puta”: performances de gênero e sexualidade

em mulheres praticantes de swing

Comissão Examinadora:

______________________________________ Prof. Dr. Luís Felipe Rios do Nascimento

1º Examinador/Presidente

______________________________________ Profª. Drª. Ivia Maksud

2º Examinador

______________________________________ Profª. Drª. Karla Galvão Adrião

3º Examinador

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À vovó, pela bravura singela que me enche de saudades. Às minhas mulheres, pela coragem de seus desejos.

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AGRADECIMENTOS

Nada mais justo que, ao final desse processo, os créditos sejam dados às vozes presentes ou presentificadas que fizeram parte dos meus escritos.

Às minhas mulheres: Nina, Camila, Amanda e Carol, sem as quais essa dissertação não teria cor. E aos seus companheiros que não ficaram imunes a minha presença nos seus cotidianos, agradeço pelo carinho e disposição nem sempre desinteressados: Edu, Vinny, Sr. Latino e Marcos.

À minha família, especialmente meus pais, pela força, segurança e (des)equilíbrio. Ao apoio incontestável para eu me aventurar no mestrado e por garantir um lugar que eu pude chamar de meu, mesmo que só por um fim de semana longe de livros, papéis e escritos.

A Tarcísio, por estar sempre presente, me acompanhando na vida e na pesquisa. Por me escutar, por me amar. Obrigada por construir comigo o melhor amor-humor. A Luís Felipe, por me escolher como orientanda dissidente, e especialmente pela leveza com que conduziu esse processo. Por me dar autonomia de criação e segurança, ao ter paciência e ao acreditar no meu trabalho.

Aos amigos e amigas que fiz no mestrado, por todas as alegrias e desventuras vividas! Às amigas de vida: Maria Natália pela doçura e braveza, e Lilian Arcoverde por entender como é difícil conciliar todas as dores pelo caminho. Meninas, obrigada pela amizade!

À Rita Luiza Britto, amiga inestimável, pelos longos almoços catárticos que me fizeram mais forte. À Marianna Almeida, minha querida, por ter sido peça fundamental para que tudo se construísse, e por escutar meus devaneios.

Aos que compõem o Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFPE. Especialmente aos professores Benedito Medrado, pelos ensinamentos em aula e pelo bom acolhimento; Jaileila Menezes, pela alegria e sabedoria que me afeta;

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Karla Galvão, pela delicadeza e pelas preciosas dicas que deram cara a esta dissertação. Também à avaliadora externa, professora Ívia Maksud, pela gentileza em fazer parte da banca e contribuir com minha formação. A João, grande João, sempre solícito ao me salvar do início ao fim nesses meandros burocráticos.

Às instituições que me acolheram em minha empreitada docente: Universidade Federal do Vale do São Francisco, Universidade de Pernambuco e Faculdade São Francisco de Juazeiro. Com gratidão especial aos meus alunos e alunas que me ensinaram sobremaneira! À Cristiane Quirino, pela beleza e por ser minha revisora oficial.

Ao Recife, pelos encantos, te dou meu coração. A CAPES, pelo financiamento da pesquisa.

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Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e o que me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá a ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava pra dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.

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RESUMO

Dentro do campo de estudos do construcionismo da sexualidade, esta dissertação buscou compreender como operam os marcadores de gênero e sexualidade nas práticas eróticas de mulheres que fazem swing, a troca de parceiros entre casais. Convencionalmente considerada uma prática sexual dissidente, esse estudo sobre mulheres buscou refletir acerca dos papéis sexuais assumidos pelas praticantes de

swing e, em que medida, as questões de gênero estão implicadas nas suas

experiências eróticas. Adotando uma perspectiva etnográfica, balizei o percurso metodológico na observação participante em espaços de sociabilidades swingers (encontros e festas destinadas à prática) e em entrevistas em profundidade com base nas carreiras sexuais de quatro (04) mulheres. A partir de análise fundamentada na Dupla Hermenêutica, foi possível indicar nuances das feminilidades na troca de casais. Por um lado, as convenções sociais que ainda constituem o exercício da sexualidade: ideal de um corpo perfeito, manutenção do casamento, práticas proibidas e permitidas para uma “mulher direita”. Por outro, entretanto, o swing como possiblidade de liberdades sexuais, através do conhecimento do corpo e da vivência dos desejos e prazeres em uma prática transgressora. Entre noções de “santa x puta”, foi possível refletir acerca dos jogos de posicionamento inerentes à transgressão, erotismo e desejo que orientam tais vivências.

Palavras-chave: etnografia; sexualidades dissidentes; troca de casais; gênero;

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ABSTRACT

Within the field of sexuality studies of constructionism, this thesis sought to understand how to operate the markers of gender and sexuality in erotic practices of women doing swing trading partners among couples. Conventionally considered a dissident sexual practice, this study sought to reflect on women's sexual roles assumed by practitioners of swing, and the extent to which gender issues are involved in their erotic experiences. Adopting an ethnographic perspective, realized the methodological course on participant observation in spaces of sociability swingers (togethers and parties intended for practice) and in-depth interviews based on sexual careers of four (04) women. From the analysis based on Double Hermeneutics was possible to indicate nuances of femininity in swapping. On the one hand, social conventions which still constitute the exercise of sexuality: the ideal of a perfect body, maintaining the marriage, prohibited practices and allowed for a "right woman." On the other, however, the possibility of swing as sexual freedoms, through the knowledge of the body and the experience of the desires and pleasures from a transgressive practice. Between notions of "holy x bitch", it was possible to reflect on the games positioning inherent transgression, eroticism and desire that drive such experiences.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 1. Comunidades virtuais encontradas no site de relacionamentos Orkut . 30

QUADRO 2. Demonstrativo das Casas/clubes de swing na cidade de Recife/PE. .. 30

QUADRO 3. Descrição socioeconômica das participantes ... 63

FIGURA 1. Organograma com a configuração inicial de informantes ... 64

FIGURA 2. Organograma com a configuração inicial de informantes ... 65

FIGURA 3. Local das entrevistas/conversas ... 68

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

Capítulo 01. A prática do swing e sua inscrição no campo das sexualidades dissidentes ... 21

1.1. Pontos de inteligibilidade sobre o swing ... 22

1.2. “Quer conhecer a putaria? É só entrar na internet” ... 28

1.3. Entrecruzamentos teóricos: sexualidades como construções sociais... 34

Capítulo 02. Mulheres, direitos sexuais e a perspectiva feminista ... 41

2.1. Sobre mulheres e feminilidades ... 41

2.2. Gênero e sexualidade: confluências necessárias para pensar direitos sexuais ... 45

Capítulo 03. Meandros da observação participante: incursões etnográficas no swing ... 50

3.1. A cidade e sua inscrição no turismo sexual do Vale do São Francisco ... 51

3.2. Primeira ida a uma festa de swing ... 54

Capítulo 04. Histórias de vida: situando minhas mulheres e suas carreiras sexuais ... 63

4.1. “A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos” - Reminiscências de trajetórias sexuais ... 66 4.2. Minhas mulheres ... 70 4.2.1. Camila ... 72 4.2.2. Nina ... 73 4.2.3. Carol ... 74 4.2.4. Amanda ... 75

Capítulo 05. Entre histórias de vida e scripts sexuais: os prazeres da dissidência ... 77

5.1. “Pra mim, fazer swing foi uma quebra de paradigmas” – a descoberta do universo swinger ... 77

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5.2. “Puta na cama e dama na sociedade”, performatizando efeitos de uma

economia erótica ... 83

5.3. Transgredindo a transgressão. Há como? ... 89

Capítulo 06. “Não é esse glamour todo!”: outros sentidos produzidos .... 96

6.1. O mito da mulher gostosa ... 97

6.2. O mito da macheza e do bom comedor ... 100

6.3. “Nem sempre é consentido, nem sempre é gostoso” ... 101

Capítulo 07. Últimas notas ... 103

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INTRODUÇÃO

De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição de conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir. (FOUCAULT, 2010b, p. 15).

Dentro da vasta área de conhecimentos produzidos acerca da Sexualidade Humana, ligados ao construcionismo crítico da realidade, esta dissertação de mestrado se situa no que se convencionou chamar de Sexualidades Dissidentes. De caráter exploratório-descritivo, tem como tema o swing que consiste na troca erótica/sexual de parceiros entre casais com relacionamentos estáveis, a partir de negociações, nem sempre simétricas, entre as partes envolvidas. O argumento que sustento, tomando como foco de análise as feminilidades no swing, é que a troca de casais – mais que sujeição e aprioristicamente instrumento de dominação masculina – deve ser considerada sob a égide de um movimento de direito das mulheres ao exercício do prazer e das suas liberdades sexuais.

Antes de me debruçar sobre as incursões em campo e as bases teóricas que sustentam essa dissertação, gostaria de tratar um pouco sobre os processos pessoais que caminharam comigo durante todo esse percurso. Assim, entender acerca da vivência da sexualidade e de como as pessoas – incluindo eu mesma – se reconhecem enquanto sujeitos desta, começa a partir de minhas próprias inquietações: Por que meninos e meninas tem que se comportar desta ou daquela

forma?; Só porque sou mulher devo ter apenas um marido para sempre?; Ser piriguete1 é algo tão ruim assim? Essas questões (ainda no campo das indagações e

sem muitas respostas!) remontam a minha infância/adolescência e continuam a me acompanhar cotidianamente, alicerçando o que eu chamaria de meu projeto

feminista de encarar o mundo.

1 Piriguete é o termo pejorativo dado a adolescente ou mulher namoradeira, também chamada de galinha ou

rapariga. Termo usual em muitas regiões do país, sendo bastante utilizado no cotidiano onde a pesquisa se

delineou, para referir-se àquelas que tem uma vida sexual “desregrada”, não tendo parceiro fixo. Aqui, se pode perceber a complexidade das performances da mulher safada de todo homem, em detrimento da mulher direita. Soares (2012), em seu estudo sobre os shows de brega na cidade do Recife, nos chama à reflexão sobre como essas feminilidades são marcadas a partir de noções como erotismos, performances e desejos.

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A epígrafe que inicia este estudo retrata justamente minhas questões acirradas em relação aos ditames de gênero. Fala daquela que foi minha primeira companheira nos sentimentos de indignação: Capitu, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Talvez sem tal conotação para o leitor alheio às implicações feministas que eu carrego, a leitura de Dom Casmurro fomentou em mim, já nas primeiras leituras aos 11 anos, o sentimento de inquietação pelo rechaço social àquelas que não seguem, à risca, as regras impostas pela sociedade e pela cultura.

Donna Haraway (2005), filósofa feminista, nos traz a reflexão para o fato de que estudamos aquilo que nos afeta; então pesquiso a partir de minhas próprias reflexões e significações sobre o mundo, do lugar o qual ocupo e sou constantemente redesenhada. Não por acaso, parto de curiosidades situadas do lugar que falo: de filha, mulher e companheira, nascida e criada num contexto marcado pelo machismo e pelas iniquidades de gênero. Diante dessas variáveis, o que me chama atenção é o fato de que, embora numa sociedade ainda de controle e normatização de condutas especialmente quando falamos do âmbito das experiências afetivo-sexuais, as pessoas (re)significam, (re)criam e dão forma às mais variadas estratégias de construção de seus próprios projetos de felicidade. Liberdades situadas, subjetividades reguladas por expertises da alma como propôs Rose (1998), mas liberdades com poder inventivo de criação e transgressão.

Destaco aqui uma fala vinda de minha mãe – mulher de meia idade, casada, heterossexual e evangélica – no final de 2010 quando, em comemoração a minha aprovação no mestrado, ao perguntar sobre o tema da pesquisa, me interpela: você

vai pra Recife estudar orgia? E complementa: eu pensei que você fosse estudar alguma coisa normal! Segue-se daí um processo de (des)crédito na minha pesquisa

que foi instigador para eu continuar a ler e a produzir dando, de certo modo, a dimensão do que estava por vir. Essa fala denota toda uma construção acerca de um objeto de pesquisa abjeto. Pensar numa pesquisa abjeta, assim como em corpos abjetos como sugere Butler (2012), é perfazer a noção de uma materialidade não importante, alocada no lugar da produção de conhecimentos que não deva existir, pois não se faz correto estar no campo de saberes e do que deve ser pesquisado. Isso se traduz no meu desconforto sobre onde e como falar sobre o meu tema de

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pesquisa, imposição inclusive do meu companheiro sob a alegação de: o que as

pessoas podem pensar?!

Os olhares do universo acadêmico e do grupo de amigos e amigas sempre foram de interesse. Muitos foram os convites para desenvolver a pesquisa de campo comigo, ir a uma casa de swing ou participar das festinhas de sexo2. Inúmeras vezes foi difícil falar sobre a pesquisa na sala de aula, tantas eram as risadas e burburinhos sobre a menina do swing. Entretanto, questões de sobre como dar à pesquisa de/sobre swing a legitimidade científica de práticas sexuais que merecem ser ditas e problematizadas foram bastante tensionadas. Essa legitimidade inclui tanto as mulheres que o praticam, quanto a pesquisadora que se debruça sobre esse campo de conhecimento.

É neste sentido que demarco aqui o caráter político de fazer ciência; minha renúncia pela neutralidade tão arraigada a partir de referenciais positivistas, minha aposta de trabalhar no campo com prazer e em olhar o (des)conhecido a partir do lugar da problematização e não da simples descrição de dados e resultados. Acredito que este exercício talvez seja o mais interessante, e importante, feito por aquelas e aqueles que dedicam parte de suas existências ao labor da ciência.

Delineando o campo de estudo

O desejo de estudar o “Universo Swing” adveio de minha curiosidade sobre a prática desde 2007. Foi a partir das confidências de uma amiga que entrei em contato pela primeira vez com a existência dessas experiências. Movida pelo interesse de conhecer práticas sexuais diferentes das que eu vinha estabelecendo, e já estudando sobre as questões de gênero e sua relação com o campo da sexualidade, comecei a pesquisar sobre a prática em páginas na internet. A citação de Foucault (2010b) que inicia este capítulo introdutório foi de fundamental importância para guiar meu olhar em campo. Se, a partir de minhas experiências pessoais, eu começo a conhecer o swing e a formar minhas próprias acepções valorativas sobre seus e suas praticantes, chegar ao mestrado e propor transformar curiosidade em conhecimento – remetendo aos embates da academia entre senso

2 Nas dissertações de mestrado sobre swing realizadas por Olívia Won der Weid (2008) e Marcelo Alves dos

Santos (2010), os autores falam sobre situações parecidas com as que aponto na introdução de meus escritos, que retratam as excitações existentes nas pessoas em relação à troca de casais e a pesquisa sobre a temática.

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comum x conhecimento científico – foi um processo que me chamava o tempo todo para uma reorganização de meus modos de ver e pensar o tema.

São nessas primeiras incursões etnográficas, conversando com pessoas na

internet e partilhando das experiências de alguém próxima a mim, que entender

como mulheres e homens subvertem ou reiteram a lógica machista da nossa sociedade, como elas e eles produzem sentido aos seus desejos e prazeres, foi a mola propulsora do projeto de investigação que só ganha corpo a partir do ingresso no mestrado do Programa de Pós Graduação em Psicologia na UFPE e no Laboratório de Estudos da Sexualidade Humana.

Inicialmente, o objetivo era analisar os discursos produzidos por casais

swingers em contextos de interação online. As estratégias de captação dos/das

informantes e realização de entrevistas/conversas semiestruturadas seria via MSN

Messenger. A pesquisa online (THOMPSON, 1995) permite que, embora distantes

espacialmente, haja trocas simbólicas entre os envolvidos, configurando um processo de interanimação dialógica. Essa estratégia seria então importante para a compreensão das versões, pontos de vistas e significados que são produzidos pelos usuários, levando em conta os aspectos da prática do swing em um dos seus lugares mais genuínos: a internet e suas redes sociais.

As discussões com o orientador permitiram novos direcionamentos para a pesquisa. Se, a princípio, a ideia era entender como homens e mulheres, enquanto casais, significavam suas experiências no swing, a dimensão dessa proposta pareceu não atender às limitações temporais do curso de mestrado. Ter uma informante-privilegiada “real” também trouxe algumas questões sobre os rumos da investigação: continuaria tentando compreender o swing a partir de contatos na

internet ou a técnica da entrevista face-a-face seria mais interessante?

Frente a esse questionamento, foi a assertiva de um praticante que me fez delinear o projeto para a forma como ele se apresentará nos próximos capítulos. Diante da minha pergunta sobre o fato de eu não observar a existência de casais homossexuais nos espaços que eu transitava, ele me relatou: só existe swing se

tiver mulher. Sem a figura feminina não há swing, porque não há troca. Começo a

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Seria um privilégio para as mulheres terem tal destaque no swing ou isso implica um lugar de reiteração das normas de gênero?

Para além dessa primeira inquietação, algumas outras questões foram provocadas. Elas foram, de certo modo, os fios condutores que construíram a rede de significados pretendidos para meus escritos: Quais papéis sexuais são assumidos por essas mulheres? Em que medida as questões de gênero interferem na vivência desse fenômeno cultural? Como conceber as noções de direitos e liberdade sexual por parte das mulheres praticantes?

É nessa seara que os objetivos de pesquisa se apresentam. O objetivo geral foi identificar como operam os marcadores de gênero e de sexualidade existentes nos jogos de posicionamento das mulheres praticantes. Especificamente, busquei compreender a dinâmica da troca de casais nos espaços de sociabilidades próprios à prática, e identificar nas narrativas e nas observações participantes os roteiros sexuais e afetivos que delineiam as vivências da sexualidade no swing.

Ao me orientar pela perspectiva etnográfica (CLIFFORD, 2002; GEERTZ, 2004) de produção de conhecimentos optei, como percursos metodológicos, pela observação participante em espaços de sociabilidades swingers, e entrevistas em profundidade a partir de histórias de vida com quatro (04) mulheres praticantes. As entrevistas tiveram como base um roteiro norteador3 em que foi tomado como referência as carreiras sexuais dessas mulheres, através das narrativas sobre suas fases de vida e tendo como mote a entrada no swing. Como forma de coleta de

dados, realizei a produção sistemática de diários de campo das observações, e a

gravação e posterior transcrição das entrevistas, obedecendo os pré-requisitos do Código de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (CNS 196/96).

Para análise do material, adotei a perspectiva da Dupla Hermenêutica proposta por Giddens (1984). O autor compreende que, no tratamento do material coletado, a produção de sentidos dada pelo grupo pesquisado sobre suas experiências está em íntima relação com o aparato conceitual e pessoal que a pesquisadora carrega.

3 Este projeto está vinculado a um projeto maior sobre a comunidade LGBT do Recife, aprovado pelo Comitê de

Ética da UFPE, sob a coordenação do professor Dr. Luis Felipe Rios. Desse modo, o roteiro de entrevista e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizados correspondem a uma adaptação, assim como prevê o projeto guarda chuva, para responder aos objetivos dessa pesquisa.

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As observações em campo e a análise das narrativas sobre tais vivências se tornam relevantes na medida em que abrem a discussão sobre a garantia de direitos sexuais, não apenas desse público em específico, mas refletindo como ocorrem as liberdades sexuais. A proposta não é inserir a mulher, e suas feminilidades, no campo apenas da opressão e da dominação masculina, discurso que reitera o lugar da mulher como passiva nos processos de decisão referentes às suas sexualidades. A perspectiva é lançar um olhar para que lugares ela ocupa nas configurações socialmente construídas sobre corpo, desejo e práticas eróticas.

Assim, tendo o swing como um contexto de suposta liberdade sexual e considerando todas as tensões referentes à vivência da sexualidade, foi adotada a perspectiva de um construcionismo da sexualidade. Temos como referência os estudos de John Gagnon (2004), Michel Foucault (2010; 1995), Judith Butler (2012; 1998), Richard Parker (2006; 1991), Gayle Rubin (1993; 1984), Carol Vance (1989), dentre outras e outros pesquisadores que indicam as sexualidades como socialmente construídas, imersas em relações de poder que marcam masculinidades e feminilidades, onde operam diversos outros marcadores tais como idade, classe social, gênero.

Apresentando a dissertação

O capítulo 1 centrou-se na tentativa de procurar inteligibilidades para o fenômeno do swing. A partir da busca de conceituação para a prática em sites e páginas na internet, este capítulo já se configurou como primeiros resultados da investigação, subsidiando – ou até mesmo antecipando – a análise realizada posteriormente. Localizei o lugar de destaque que a cibercultura estabelece na sua propagação, especialmente quanto ao comércio gerado para satisfazer esse nicho de mercado. Além disso, tracei um panorama sobre alguns dos principais estudos sobre o swing no Brasil. Por fim, delimitei teoricamente a pesquisa, ao discorrer acerca da noção de construção social/cultural que constitui as sexualidades, com conceitos como transgressão e scripts sexuais.

No capítulo 2, considerando a problematização sobre o lugar das feminilidades na prática do swing, resgatei as noções de gênero que embasam esse trabalho, no que concerne aos seus atributos sociais e seu caráter político.

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Demarquei o lugar do feminismo e da luta de direitos sexuais como importantes para atrelarmos os marcadores de gênero-sexualidade.

Os capítulos 3 e 4 se referem ao percurso metodológico, com descrição detalhada da etnografia realizada. Embora tenham o mesmo intuito - apresentar os passos seguidos para a obtenção dos resultados da pesquisa - optei por mantê-los em capítulos distintos, em decorrência dos desdobramentos que cada um assume. No Capítulo 3, intitulado Meandros da Observação Participante, escrevi sobre minha entrada em campo e as vicissitudes ocorridas na apropriação de espaços no cotidiano urbano das cidades de Petrolina/PE e Recife/PE, locais onde realizei a pesquisa. Especialmente em Petrolina, onde a maior parte da pesquisa se desenrolou, situei a cidade como lócus privilegiado do turismo sexual no Vale do São Francisco, bem como descrevi minha primeira experiência em uma festa

swinger. Terminei o capítulo com minhas impressões e sentidos sobre o trabalho em

campo, e em como isso reverberou em meus posicionamentos como mulher pesquisadora da sexualidade, sob o prisma da Dupla Hermenêutica. O capítulo 4 tratou, de maneira mais oportuna, sobre a formação da rede de atores que compõem essa dissertação. Trazendo as histórias de vida de quatro informantes-chave que me conduziram em campo e que se dispuseram a conversar comigo sobre suas carreiras sexuais, procurei descaracterizar o momento de entrevista como parte formal do trabalho de pesquisa. Assim, forneci indicadores de como conduzi as entrevistas que, no corpo do texto, prefiro nomeá-las de “conversas” que tive com minhas mulheres: Carol, Nina, Camila e Amanda.

No capítulo 5 apresentei os resultados elencados, demonstrando como se configuram os roteiros sexuais implicados na prática do swing. Discuti, a partir do que as mulheres e as experiências me trouxeram, sobre que performances de gênero e sexualidade constituem as experiências eróticas, especialmente quando analisadas as noções de “puta” e “safada” como caras para pensarmos a sexualidade dessas mulheres. A bissexualidade e a possibilidade de experiências sexuais diversas se apresentaram, nesse capítulo, como possibilidades de vivência de prazeres, erotismo e transgressão das relações de poder que constituem essas feminilidades. Ainda como parte dos resultados, o capítulo 6 sinalizou os perigos da sexualidade; as formas como normas de gênero se estabelecem, a partir de padrões

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como a ditadura da beleza feminina, e macheza masculinizada. Outros sentidos para as experiências são produzidos pelas mulheres, que deslocam o swing apenas do lugar glamourizado em que as práticas se assentam nos discursos dos seus adeptos.

Por fim, no último capítulo, tracei possibilidades de olhar o fenômeno do

swing, resgatando os objetivos propostos e as dimensões de prazeres e perigos da

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CAPÍTULO 1. A PRÁTICA DO SWING E SUA INSCRIÇÃO NO CAMPO DAS SEXUALIDADES DISSIDENTES

João pegava Tereza, que pegava Maria, que pegava Joaquim, que pegava Lili, que não pegava ninguém4 (Camila).

A proposta deste capítulo foi tentar entender a teia de significados que localizam o swing no campo das sexualidades dissidentes. Como o swing se caracteriza? Quais os estudos sobre a temática, especialmente no contexto brasileiro? Que posições teóricas são possíveis nesse campo: adotar a noção de que de uma prática localizada no terreno das perversões, ou pensá-la enquanto produção histórica? Como campo de produção textual, esse capítulo figura como espaço para circunscrever o referencial teórico sobre sexualidade em que essa dissertação se assenta, bem como propor uma revisão teórico-conceitual sobre a troca de casais.

De antemão, é importante ressaltar que não existe um a priori que constitui a troca de casais como uníssona. Esta é uma prática social espacialmente localizada e que, só a partir da leitura da sociedade em que está inserida e das pessoas que a compõem, é que podemos sugerir um entendimento sobre sua dinâmica; entendimento sempre parcial e incompleto assim como a própria construção do conhecimento científico.

Para Parker (1991), no Brasil as questões de gênero e o modo como operam as práticas sexuais são apenas um dos desenhos sugeridos na vivência da sexualidade. Segundo o autor, a conotação simbólica constituinte da experiência humana, pensando no campo do erotismo e do desejo, é permeada por normas de gênero, raça e etnia, classe social, religião, dentre outros. Nessa dissertação, tomei como ponto de análise a interrelação entre gênero e sexualidade e, embora outros marcadores como religião e classe social sejam pontos importantes a serem considerados, não foi possível discussões mais aprofundadas sobre estes.

4 Adaptação feita por uma das informantes sobre o poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade. Tal

adaptação se refere a variedade de “pegações” (sic), aqui em atribuição as interações sexuais que ocorrem no

swing. Ao fazer a analogia, Carol indica principalmente com a troca da palavra, que diferente do poema onde o

verbo é amar, no swing interações afetivas/amorosas não são permitidas e os relacionamentos se dão apenas no âmbito do desejo erótico.

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1.1. Pontos de inteligibilidades sobre o swing

A revisão proposta não tem a pretensão de traçar um Estado da Arte sobre todos os estudos nacionais e internacionais que tiveram o swing, ou os aspectos relacionados à prática, como objeto de investigação científica. Diante da necessidade de se debruçar sobre suas dimensões teórico-metodológicas e explicitar suas principais lacunas, abarcar todas as pesquisas sobre a área carece de maior tempo de dedicação e estudo. O acesso aos bancos de dados internacionais e a leitura do material porventura encontrado necessitam de um esforço de tradução e compreensão.

Meu objetivo se referiu, então, a levantar possibilidades, nem sempre viáveis, de entendimento das características que colocam o swing na categoria de uma prática sexual com delineamentos próprios. Para tanto, optei por dar ênfase aos estudos nacionais sobre o tema. A ideia não foi apenas apresentar o swing com a descrição dos estudos mas, em certa medida, confrontar posicionamentos e tensionar as formas distintas de como o fenômeno é apresentado.

Para tal, a revisão de literatura sobre a temática foi realizada em bancos de dados na internet (como o Banco Nacional de Teses e Dissertações e artigos publicados na plataforma Scielo), nas referências bibliográficas apresentadas nas dissertações encontradas sobre o tema, e pela consulta ao orientador e outros pesquisadores da sexualidade. Cabe destacar que centrar-se numa busca infindável por uma teorização e por um conceito pré-fixado não é possível pela fluidez que o objeto carrega. Por ora, gostaria de reforçar que as construções de sentido para a prática do swing, o que ela é e como se apresenta, adveio das minhas vivências empíricas de contato com o campo e de estudos exploratório-descritivos sobre a temática, em nível nacional. Priorizei tais produções por aproximar espacialmente e culturalmente o lugar onde as práticas sexuais estão inseridas.

Os estudos que localizam a troca de casais como uma prática socialmente construída ainda são incipientes. A dificuldade que mais se sobressaiu foi a busca por trabalhos acadêmicos com os descritores específicos: Swing ou Troca de

Casais. A partir do levantamento bibliográfico realizado até meados de 2013, foi

possível encontrar no Brasil duas dissertações de mestrado sobre o tema swing / troca de casais, situadas especificamente no contexto Rio de Janeiro - São Paulo.

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Em ambos os estudos, os sujeitos das pesquisas foram tanto os homens quanto as mulheres.

A primeira delas, de Olivia Von Der Weid (2006), contextualizada na cidade do Rio de Janeiro, trouxe como foco as discussões sobre gênero e conjugalidades. A partir de uma óptica etnográfica e fundamentada na Antropologia, tem como mote a análise dos novos/velhos arranjos conjugais. A autora levanta a tese do swing como “adultério consentido” e indica a possibilidade de significação da prática sob a égide da infidelidade/fidelidade. Tal adultério consentido figura como possibilidade de sair da lógica do casamento tradicional e supostamente impedir que haja traição. Ao discutir sobre as noções de fidelidade, e de sua valorização no contexto da troca de casais, o swing assume sentidos polissêmicos que abrangem uma maior expressão de liberdade sexual, mas que também reitera formas de controle. Tais normatizações – que esbarram, por exemplo, na hipervalorização da bissexualidade feminina e na depreciação da bissexualidade masculina – mantém os jogos de poder que estão presentes nas questões de gênero, e que situam o swing ora no lugar de prática dissidente, ora no lugar de dominação. Essas mesmas questões, de certo modo, orientaram também minha dissertação.

Outra dissertação nacional encontrada foi a de Marcelo Alves dos Santos (2010), em São Paulo, que se concentrou no campo de estudos da Psicologia Social, e teve como base de análise a matriz conceitual de identidade-metamorfose-transformação de Ciampa. O foco recaiu sobre a compreensão de como se constitui a identidade dos swingers e como esses sujeitos dão sentido às suas experiências afetivo-sexuais. As discussões propuseram uma identidade pós-convencional tomando como referencial as matrizes normativas de nossa sociedade no campo da sexualidade. A partir da história de vida de um casal swinger, o autor trouxe contribuições importantes para pensar nos fundamentos que fazem do swing uma prática sexual com nuances próprias e que a distancia de outras formas de vivência do sexo. É a instituição do casamento que vai fundamentar a prática; assim como no casamento, o swing é formado por regras e normas de conduta que o burocratizam, e ser um “casal casado” é uma delas. Para o autor, a utilização do adjetivo swinger prevê um componente identitário. A entrada no campo de práticas da troca de casais permite, embora não seja pré-requisito, que os sujeitos construam identidades

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coletivas por compartilhar das mesmas regras e formas de vida. No meu trabalho, embora usualmente utilize o termo swinger para adjetivar práticas e praticantes, tomei por opção teórica não trabalhar com a noção de que ser swinger se configura como identidades sexuais e de gênero, como será melhor explanado no capítulo 2.

Conforme descrição de Orejuela et al (2012), “la palabra swinger alude a ‘oscilar’, ‘hamacarse’, ‘ir y volver’, y remite al intercambio sexual de parejas con pleno consentimiento de los partenaires y necesariamente en su presencia” (p. 40). Desse modo, prevê um casal (usualmente descrito como heterossexual) onde as partes estão de acordo com sua realização, e as regras são discutidas tanto dentro do relacionamento conjugal, como também com o outro casal participante.

Os autores procuraram, de forma interessante, desconstruir a ideia corrente da troca de casais como uma prática perversa, e da noção de patologia trazida pela psicanálise e medicina. Propõem que o estudo de práticas swingers leve em consideração as contribuições das Ciências Sociais e da Antropologia ao vê-las como rituais. Isso permite olhar tal fenômeno pelo viés de uma prática coletiva, o que contribui para entender o swing como um estilo de vida. Enquanto subcultura sexual, abrange condicionantes que regulam a própria transformação da intimidade proposta por Giddens (1993), permitindo outras formas de exercício da sexualidade e a mudança da própria concepção do que é casamento.

Se a intenção supracitada é conceber o swing como prática sexual constituída sócio culturalmente, é corrente a atribuição de significados, especialmente legitimados nos discursos médicos, que situam o swing como prática patológica e que carece de estudos e intervenções a fim de livrar o indivíduo de tais desvios de conduta5. A noção de comportamentos sexuais desviantes é de fundamental importância para o entendimento de tais questões. Para a Medicina Legal, especialmente para a psiquiatria forense, a perversão sexual agora chamada de

parafilia é tida como "desvio em relação ao ato sexual normal, definido este como

coito que visa à obtenção do orgasmo por penetração genital, com uma pessoa do

5 Agradeço a contribuição de meu companheiro Tarcísio Menezes que, acadêmico de Medicina, chamou minha

atenção de forma insólita para o fato de encontrar, na literatura proposta para seu curso, uma visão corrente do

swing ligado às perversões e parafilias, especialmente no que concerne aos livros de Medicina Legal. Embora

haja avanços na forma como as sexualidades vêm sendo estudadas no âmbito da academia, ainda há uma forte tradição em classificar como patológica práticas sexuais que saiam do padrão tido como de normalidade. Tais classificações, ao serem forjadas ainda na graduação de estudantes dos cursos de saúde, reiteram posturas excludentes e discriminatórias sobre a alteridade.

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sexo oposto" (cf. LAPLACHE, 1988). Embora a literatura já aponte que as parafilias se caracterizam por serem comportamentos sexuais que causem sofrimento ao indivíduo, a grande maioria dos estudos mantém uma visão tradicional de doença, de que precisa ser tratada; classificam-nas, então, como patologias médicas.

Dentre as parafilias, a troca de casais é definida como pluralismo, e tem como sinônimos swing, bacanal e/ou suruba. Tal prática, para os compêndios de psiquiatria, é tida como a atividade sexual libidinosa, em que três pessoas ou mais se satisfazem sexualmente entre si. Esta definição, erroneamente simplista, carrega consigo uma conotação moralista. É nessa dimensão que é importante a proposta de desconstrução do quesito de anormalidade que enviesa a prática do swing, bem como todas aquelas que são colocadas no lugar de aberrações sexuais.

Ao fazer um levantamento sobre as práticas sexuais com multiplicidade de parceiros sexuais, Santos (2010) recorreu a Roma e Grécia Antiga onde as orgias eram aceitas em prol de rituais que celebravam prosperidade, seja no âmbito econômico ou político. Ao citar o caso dos povos Iñupiat do Alasca, o autor permite, ao fazer uma análise cultural do fenômeno, que a troca de casais possa ser estratégica prática para sobrevivência do grupo em relação ao modo inóspito em que viviam e a necessidade de estreitar os laços societais de apoio. O surgimento da prática é inexato, e remete aos anos 20, embora referências encontradas pelo autor em websites datem o swing como originário de uma maior liberação sexual nos anos 60, em virtude das liberdades sexuais ligadas ao movimento hippie e ao movimento feminista.

Outra possibilidade para a origem da prática remete à Segunda Guerra Mundial, onde os soldados americanos realizavam um pacto de que, em ocasião da morte de algum deles, outro soldado assumiria sua cônjuge no sentido de ampará-la financeira e sexualmente, tomando-a como legítima esposa. Nas minhas buscas sobre a origem do swing, pude encontrar material audiovisual sobre filmes pornográficos franceses (1910-1980), fornecido por um dos casais pesquisados, onde já primeira década do século XX foi possível perceber que a troca de casais existia em roteiros que remetiam às festas de gala ou encontros casuais entre pares. Nesses filmes, pude perceber também que além da troca heterossexual, havia o

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sexo entre mulheres e entre homens sem as restrições ora vistas, como a não aceitação da bissexualidade masculina, melhor explorada no capítulo 6.

Won der Weid (2006) remete o surgimento nos Estados Unidos na década de

50, com a prática do wife swapping, ou troca de esposas. Cabiam às esposas, nas chamadas Festas das Chaves, a realização de um sorteio aleatório de chaves dos carros que eram depositadas em determinado recipiente com o intuito de, contando com a sorte, indicar com quem a mulher passaria a noite. Já em desuso, a autora aponta que troca de esposas não é mais um termo utilizado, pois não abrange a complexidade de fenômenos e práticas sexuais do swing.

No livro The Ethical Slut: a practical guide to polyamory, open relationships e

other adventures (EASTON e HARDY, 1997), os autores reafirmam que, nas últimas

décadas, o termo troca de esposas ganha um viés sexista. Para os casais heterossexuais, a busca da comunidade swinger é uma alternativa para sair da monogamia das interações sexuais. A possibilidade de conhecer a troca de casais permite, desse modo, que homens e mulheres heterossexuais possam interagir fora dos limites dos deveres do casamento.

Segundo a exposição feita por uma Casa de Swing, em sua página da

internet, a troca de casais assim se define:

O swing, ou Troca de Casais, é uma troca de parceiros e o Sexo entre dois casais estáveis que praticam o sexo grupal. (...) Os swingers não são polígonos, na sua essência, não se apaixonam por outras pessoas. O swing é a prática do sexo social, entre casais, que poderá ter variantes ao gosto das fantasias de cada um. (...) Há muitos motivos para que um casal decida praticar o swing. Entre as muitas opiniões, a mais invocada é naturalmente a monotonia a que a vida a dois acaba por atingir!.(Club Privê Mistura Fina)

O excerto acima sugere que, mesmo o swinger tendo como matriz a ode à sexualidade liberal, o swing não tem como matriz a poligamia uma vez que não há um envolvimento afetivo com as outras pessoas com quem se relacionam. Assim, acreditam que o amor e o sexo não devam andar atrelados pois, segundo eles, “por

amarmos e termos uma relação estável com alguém, poderemos sentir desejo por outra pessoa, embora seja apenas desejo sexual”. Nesse sentido, a apologia feita à

prática do swing a coloca no lugar de uma prática libertária e que, ao apimentar a relação conjugal, inviabiliza seu fracasso natural servindo de antídoto à traição entre seus cônjuges.

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Nessa perspectiva, o swing é um termo amplo usado para definir uma grande variedade de interações que vão desde: a) o sexo no mesmo ambiente sem necessariamente implicar a troca; b) a troca de parceiros parcial (carícias e sexo oral apenas); c) a troca de parceiros total (penetração vaginal); e d) o ménage a trois que, embora se refira a inserção de um(a) solteiro(a) na trama sexual do casal, é considerado por muitas pessoas com quem pude conversar no decorrer da pesquisa como uma prática swinger.

Em relação à constituição de vínculos afetivos entre os envolvidos, alguns grupos aceitam que o relacionamento entre os casais não seja só estritamente de cunho sexual. Tais laços de amizade com sexo é nomeado por uma das entrevistadas como “amizade com concessões” (Amanda). Assim, além do sexo casual com casais encontrados em saídas noturnas e baladas próprias da troca de casais, o swing se constitui como possibilidade para a formação de nova rede de amizades onde há maior liberdade para falar de temas não tratados no grupo de amigos comuns não swingers. É interessante perceber que algumas comunidades se limitam às interações sexuais e desencorajam relações afetivas entre os casais, enquanto outras se ligam ao conceito de poliamor ao agregar na parceria sexual o estabelecimento de vínculo romântico e afetivo.

Quando usualmente a temática troca de casais surge em discussão, seja em grupos de amigos, seja em espaços da academia, em geral as pessoas utilizam termos como bacanal, orgia e putaria como sinônimos para a prática. É importante ressignificá-la, em termos inclusive conceituais: enquanto dados preliminares, a pesquisa apontou que, tendo em vista o caráter discreto e o status civil dos casais que a realiza, a prática da troca de casais não pode ser situada nesse patamar. No

swing, o que foi possível perceber a partir da leitura de materiais e vivências de

campo é que a prática preconiza pessoas em relacionamentos estáveis, prioritariamente casados6 como seu elemento constitutivo.

6 Em relação a isso, muitas vezes para entrar na casa de swing, ou me aproximar de algum casal em festa

privada ou internet, me intitulei casada para ter maior aceitação no grupo. Entretanto, as pessoas com as quais tive maior contato aceitaram meu status de namorando, mas segundo elas, devido ao meu tempo de relacionamento, isso já era considerado quase um casamento e me dava maior credibilidade. Tal noção de credibilidade frente ao grupo se refere ao fato de minha relação implicar em laços que porventura não permitissem que, após o término da relação, a prática da troca de casais não fosse exposta.

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1.2. “Quer conhecer a putaria? É só entrar na internet!”7

Para minha preparação de entrada em campo, recorri à internet como privilegiada fonte de buscas para o entendimento sobre o que era o swing, sobre como a prática da troca de casais se operacionalizava, sobre os sentidos atribuídos aos seus adeptos, bem como para traçar estratégias de abordagem aos meus informantes privilegiados ou como me portar em eventos swingers.

Segundo Lévy (2004), a internet surge a partir da interface de computadores a nível mundial não apenas no campo da tecnologia material mas, como o autor nomeia, “no universo oceânico de informações que ele abriga” (p. 17). Enquanto tecnologia de informação, ela permite a circulação de conhecimentos através da interação que não a face-a-face, tomando dimensões não pensadas há poucas décadas.

É nesse conjunto complexo de comunicações que se funda a cibercultura, segundo a qual a internet se constitui como campo em que os fenômenos sociais contemporâneos ganham expressão. O contexto online - enquanto lócus privilegiado de relações, onde as pessoas se comunicam e organizam suas vidas - traduzem a popularização de um espaço onde as tecnologias da informação operam como um campo produzido em uma dada cultura, em contextos sociais específicos, por grupos e pessoas (cf. STALER, 2002).

No campo de construção do conhecimento científico, o ciberespaço é importante ferramenta metodológica para acessar como as pessoas se comportam e dão sentido às suas experiências. Experiências demonstraram que a pesquisa

online sobre gênero e sexualidade (SILVA, 2010) tem o privilégio de propiciar que

temas polêmicos possam ser discutidos preservando-se a identidade dos informantes-chave, garantindo assim o anonimato fundamental que cerca as práticas sexuais não aceitas. Segundo o autor, é legítimo apontar para a interrelação dos contextos “online e off-line” (p. 154), revelando assim uma possibilidade de acessar como tais sujeitos pensam, se comportam e vivem.

Já apontados em outros estudos sobre a prática da troca de casais (VON

DER WEID, 2006; SANTOS, 2010), no ciberespaço conheci um dos mais

7 Essa frase denota a assertiva de uma participante ao ser questionada, em momentos iniciais da pesquisa,

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importantes locais de sociabilidades na rede: o Sexlog8. A entrada nesse campo de

comunicações online se configurou como um dos mais interessantes para se conhecer os contornos que o swing ganha quando tratamos da importância da

internet na profusão de práticas sexuais dissidentes e transgressoras.

O Sexlog é um site de relacionamentos voltado para o público sexualmente liberal. Criado em 2004 com a proposta de ser uma rede social de sexo e erotismo, afirma ser o maior site relacionado a troca de casais e ao ménage, comportando mais de dois milhões de usuários cadastrados, possibilitando a realização de fantasias sexuais, por intermédio da internet: Este ambiente virtual traz em sua proposta acentuar a interatividade entre os usuários, permitindo encontros online e

off-line, como informa em sua homepage: “nosso principal objetivo no Sexlog é

garantir a nossos assinantes sucesso na formação de relacionamentos e meios de obter entretenimento real (...)”. A proposta também conflui aspectos da sexualidade relacionados ao que eles denominam exibicionismo, voyeurismo e a leitura de contos eróticos amadores.

É interessante perceber que, nos dois anos em que acompanhei assiduamente o site, foi possível ver seu desenvolvimento em termos comerciais com a expansão de sua proposta inicial de entretenimento adulto. Se, a princípio, a postagem de fotos e o acesso a perfis de outros casais eram gratuitos, com o passar do tempo, a equipe organizadora ampliou seus negócios com a criação de uma revista virtual paga com conteúdos, artigos e ensaios fotográficos de mulheres, intituladas de Gostosas do Sexlog, que são desde celebridades do pornô à usuárias do serviço. No Sexlog X, os assinantes do site podem assistir vídeos erótico-pornôs de grandes produtoras do meio. Há ainda outro recurso, o Clube Sexlog, que oferece descontos e promoções no cartão do clube em estabelecimentos previamente cadastrados, como Casas de Swing e Night Clubs.

Para entender a amplitude da prática no estado de Pernambuco, realizei um levantamento9 em redes sociais e em sites onde as pessoas conversavam a respeito de suas experiências. Foi possível elencar o seguinte panorama:

8 Endereço eletrônico: www.sexlog.com.br

9 O levantamento sobre as comunidades virtuais destinadas à prática do swing em Pernambuco, bem como as

Casas comerciais destinadas à troca de casais, foi realizado em meados de 2011. Embora o site de relacionamentos Orkut tenha sido utilizado como fonte de buscas, com a popularização do Facebook e de outras redes sociais, é interessante uma busca mais atualizada nessas outras fontes.

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COMUNIDADES ENDEREÇO ELETRÔNICO

Quem ama não trai, faz swing PE http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=74410565 Swing Recife http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=57504229 Brincadeiras Reais de Swing-PE http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=86016513 Swing em Caruaru & Interior http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=109622905 Casais do Interior PE. http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=94258664 Casais Swings – PE http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=98012967 Casais Reais Petrolina – Juá http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=23627182 Msn para casais e mulheres bi http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=30276034 Sexo em casa de swing – recife http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=6104389 Casais Swing Sexo Recife http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=8566485 Mulheres de Recife para Casais http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=16730430

QUADRO 1. Comunidades virtuais encontradas no site de relacionamentos Orkut

Em relação às buscas na internet tendo como descritores “Casas de Swing em Pernambuco”, consegui captar lugares específicos na cidade do Recife, o que denota que, embora a prática ocorra em várias outras cidades (como demonstra a tabela acima), é na capital que o comércio do sexo explora esse nicho de mercado.

NOME

ENDEREÇO ELETRÔNICO

Club Prive Mistura Fina

http://www.clubprivemisturafina.com.br/

Catedral

http://www.swingzonasul.com.br/

‘DP’ Duplo Prazer

http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=1780385844562581447

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Embora não seja possível afirmar quantos casais fazem swing no estado de Pernambuco, o levantamento acima descrito serve de referência para pensar sobre o alcance do swing em nosso contexto. Entretanto, a cibercultura implica um processo de desterritorialização que pressupõe a inexistência de uma noção de pertencimento próprio a quaisquer lugares, físicos e espaciais. Nesse ponto, ao analisar as páginas da internet com a intenção de tentar circunscrever um campo/lugar definido (homepages de Casas de Swing em Pernambuco) há de se ultrapassar a noção de temporalidade e espacialidade, adentrando num não lugar (AUGÉ, 1994; ROCHA E MONTARDO, 2005).

Fruto de uma pós-modernidade, esses não-lugares se apresentam como pontos de inteligibilidade para pensar os espaços de sociabilidades na troca de casais. É no não-lugar das páginas na rede onde se observa, para além do valor agregado pela apologia à prática per si, uma relação contratual e que pressupõe normas de conduta, formas prescritivas advindas de códigos para sua utilização. Rocha e Montardo (2005) situam nesse espaço a noção de netnografia, ou

etnografia virtual, para indicar as interlocuções metodológicas no campo da

Antropologia. Se o cibermarketing – negócios feitos a partir da internet, como indica Lévy (2004) – é um dos pilares da sociedade de consumo atual, nada mais viável que entender o que é o swing a partir do acesso às homepages das Casas destinadas à prática.

Embora fuja ao escopo desse trabalho uma análise mais aprofundada sobre esses espaços de sociabilidades virtuais, cabe um adendo em respeito à profusão de informações sobre a troca de casais que os sites ou comunidades fornecem. Entrar em contato com esse universo me permitiu tecer algumas considerações sobre a prática que envolve uma dimensão que vai além dos encontros marcados com a tônica da discrição, mas envolvem toda uma estratégia de marketing virtual para ‘vender’ a prática ou angariar clientes para as Casas, que colocam o swing num lugar privilegiado do comércio sexual.

No conjunto de espaços de sociabilidades possíveis para a prática, a Casa de

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anonimato e discrição. Na descrição de uma Casa de Swing10 localizada na cidade

do Recife, temos uma amostra do que esses espaços representam:

A Catedral foi idealizada para casais liberais e que são amantes da sensualidade. Um ambiente moderno, confortável, agradável, e discreto. Propício aos casais realizarem seu sonho, desejos eróticos e fantasias, facilitando a completa interação entre os casais.

O apelo comercial é marcadamente notado quando são apresentadas as características da Casa. Seu lema indica um espaço seguro, onde os casais não precisem passar pelas incertezas do encontro de casais falsos que estão na internet nem pelo constrangimento de serem obrigados a realizar algo que não do consentimento do casal, uma vez que a propaganda indica um local que, além de boa higiene, conta com seguranças profissionais.

Com uma programação semanal definida, as Casas realizam a mais variada gama de brincadeiras eróticas para o entretenimento de seus clientes: Festa

Havaiana, Festa Caribenha, Escolha da Marquinha Sexy, dentre outras que

puderam ser vistas nos cartazes expostos nos sites. É interessante pontuar que o público não é apenas composto por casais, mas também de pessoas solteiras que tem dias específicos para participar das festas promovidas.

Se a entrada de casais não requer um controle mais rigoroso, os solteiros e solteiras devem se apresentar como “seletos e de nível, com estrutura emocional bem definida” (Club Mistura Fina) . Em termos de valor monetário, aos homens a entrada é cobrada de forma diferente das mulheres; se eles pagam valores muito superiores aos casais, as mulheres pagam valores irrisórios, sendo que, em muitas Casas, a cobrança é dispensável até determinado horário. Os solteiros (especificamente os homens) devem seguir um roteiro pré-estabelecido pela Casa para evitar constrangimentos: é indicado que não abordem as mulheres de forma direta, e devem mostrar seu interesse apenas tocando em partes “não íntimas”. Alguns sites ainda indicam que, diante do interesse por algum casal, a abordagem deve ser feita ao marido e não à mulher, no sentido de mostrar respeito e educação.

Uma das Casas mais antigas na região metropolitana do Recife, e que é reconhecida por seus praticantes como uma das mais organizadas do ramo, institui

10 A Casa de Swing a qual me refiro é a Swing Zona Sul – Catedral. O texto transcrito pode ser acessado na

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em sua página na internet regras de convivência bem definida. Dada a riqueza de informações contidas, transcrevo-as na íntegra:

- Estes eventos são para casais swingers e voyeurs exclusivamente, sendo vedada a entrada de pessoas desacompanhadas, tanto homens quanto mulheres, salvo em eventos específicos.

- Casais representam sempre obrigatoriamente um homem e uma mulher, sendo vedada a entrada de casais do mesmo sexo.

- A administração da Mistura Fina poderá excepcionalmente admitir a presença de pessoa desacompanhada (HOMEM SOZINHO E MULHER SOZINHA) desde que o evento permita, não sendo permitido a ele abordar outros casais, a não ser quando solicitado.

- Não é permitido andar sem roupas nas dependências externas da casa.

- Não é permitido em nenhuma hipótese o registro de imagem da festa, seja por meio de máquina fotográfica, filmadora, aparelho telefônico ou de qualquer outro método existente ou que venha a ser inventado.

- Caso alguém venha a ser apanhado registrando imagens dos encontros terá o equipamento apreendido até que se tenha certeza de que todas as imagens registradas foram devidamente inutilizadas com a destruição total do filme, fita, disco rígido ou cartão de memória.

- O traje obrigatório para os encontros é "esporte fino".

- Deve-se adotar postura sóbria e elegante em relação aos demais participantes, "ONDE TUDO É POSSÍVEL E NADA É OBRIGATÓRIO", a aceitação do convívio deve ser natural. - Devem-se evitar atitudes inconvenientes e que possam afetar o ambiente dos eventos, brigas, gritos e palavrões de forma alguma serão admitidos.

- O nome de qualquer participante dos eventos jamais poderá ser fornecido a terceiros sob qualquer desculpa.

- É expressamente proibido utilizar bebidas que não sejam as comercializadas pela Mistura Fina.

- A qualquer casal é facultado o direito de realizar shows artísticos espontâneos, exige-se apenas que seja nos horários determinados aos espetáculos.11

Considerando que a prática do swing prevê a máxima do “tudo é permitido, nada é obrigatório”, são nessas inscrições que comecei a questionar o lugar de liberalidade ao qual a troca de casais se propõe. Tais regras são comuns nos sites que falam sobre o assunto e buscam inscrever o swing dentro do universo da permissividade sexual. Tal reflexão pode ser atrelada à alusão já feita anteriormente, no que tange a diferenciação com a suruba, bacanal, onde as regras de privacidade

11 Transcrito na íntegra da página virtual http.//www.clubprivemisturafina.com.br/normas.php, em

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não podem ser resguardadas e as pessoas não são confiáveis: “swing é uma opção de prazer consciente e consentida, que só satisfaz plenamente àqueles que formam verdadeiramente um casal, sejam eles casados efetivamente, noivos, namorados de algum tempo” (Catedral).

É esse status de casal ‘de verdade’ que vai configurar seus praticantes. A diferenciação com a suruba prevê um distanciamento de práticas libertinas, não organizadas. Isso se traduz na recusa de pessoas que não atendam ao perfil acima descrito e reverbera no imaginário popular do swing como um grupo fechado. Esse casal ‘de verdade’ é determinantemente taxado: é formado por homem e mulher, não sendo aceitos casais do mesmo sexo. Se considerarmos o swing como espaço privilegiado onde se podem manifestar os desejos e prazeres de forma livre, sua inscrição numa matriz que prevê uma heterossexualidade compulsória – numa acepção clara ao termo de Judith Butler (2012) – indica que as regulações normativas de expressão da sexualidade não o inscreve necessariamente no ideal imposto do “tudo é permitido e nada é obrigatório”. Tais regras de convivência das Casas de Swing traduzem o que é o swing e de como alguns marcadores de gênero e sexualidade se operam aí.

1.3. Entrecruzamentos teóricos: sexualidades como construções sociais

A perspectiva foucaulteana acerca da sexualidade, e de como as pessoas se tornam sujeitos desta, é bastante cara para entendermos como ela foi sendo construída no interior da sociedade ocidental, e de que forma regula corpos e desejos. É na contraposição às normas socialmente instituídas de como as pessoas devem guiar seus desejos que a prática do swing se inscreve.

Em A História da Sexualidade I: a vontade de saber, Foucault (2010a) inicia falando de uma sexualidade “muda, contida, hipócrita” (p. 9). A questão que nos provoca, ao tratar do tema sexualidade e tomando como referência os escritos de Foucault é: quais os lugares da sexualidade? O autor demarca que, a partir do século XVII, inserida no seio de uma sociedade burguesa, a sexualidade vai para o espaço privado. É no interior do quarto dos pais que ela é reconhecida pela sua funcionalidade: mantenedora da espécie humana, procriadora, monogâmica.

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Pensar na troca de casais e do seu pré-requisito para caracterizá-lo ser presença do casal (homem + mulher) traz dois eixos de reflexão: em que medida o

swing é apenas localizado no campo de uma prática heterossexual, por conceber o

casal como um a priori a prática? Como esse casal subverte sua funcionalidade de procriação e monogamia?

Os discursos produzidos sobre o sexo vão além do que o autor chama de uma hipótese repressiva (2010a, p.16). A noção de repressão da sexualidade, inscrita na ordem burguesa imersa com o nascimento do sistema capitalista, instaura o que se pode considerar como uma polícia dos enunciados, numa conotação clara ao controle dos discursos. Entretanto, no decorrer da história do sexo, ela (a repressão) não pode/deve ser o único referencial tomado para análise. É no século XVIII que surge uma incitação técnica e política a falar do sexo. São nos três últimos séculos que a ideia não é escondê-lo, mas uma ânsia de saber sobre ele, a partir da noção de que assim é possível controlá-lo e geri-lo. Inicialmente no cerne de uma pastoral cristã – a partir da prática da confissão e das penitências impostas à expiação dos pecados da carne e da alma – passa a tomar corpo para além de prerrogativas morais, mas embasados em três grandes lugares: a medicina, a psiquiatria e a justiça.

É nesse espaço que o swing adquire um status de comportamentos sexuais desviantes anteriormente descritos. Seja nas notícias veiculadas pela mídia, seja na produção de conhecimentos ainda hoje baseada na perspectiva de tratar a prática como anormal. Se a instituição de uma scientia sexualis, que toma como parâmetro uma linha de desenvolvimento de uma sexualidade normal, não sabe sobre o sexo, o relega às aberrações e perversões. São essas ditas perversões que acabam por configurar a identidade dos indivíduos e são, para Foucault, uma das marca do exercício de poder sobre os corpos e seus prazeres.

Mas, em que medida a noção de swing se insere no eixo de inteligibilidades de uma sexualidade dissidente?

A obra O Erotismo de Bataille (1957), que tem inúmeras reedições e que é constantemente revisitada nos estudos sobre sexualidade, ao construir uma noção do que seja erotismo, o coloca no plano de uma matriz heterosexual. Para o autor, as noções de continuidade e descontinuidade são importantes, pois fundamentam

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sua visão de homem como ser descontínuo, que tem no amor a busca pela plenitude. De seu legado, as noções de interdito e transgressão são bases para refletirmos sobre o swing e sua dimensão no campo das transgressões. Como

interditos, Bataille situa o trabalho e a razão; No que se refere às transgressões, o

autor sugere as questões relativas à violência e aos excessos cometidos.

O erotismo se configura aí como a vivência do homem dessas duas dimensões. O sexo se conforma como uma transgressão; o erotismo proposto por Bataille só é possível atrelados numa noção de transgressão a partir de contornos como violência, profano, em oposição ao mundo do trabalho e dos interditos.

No que tange às discussões sobre as sexualidades dissidentes, Rubin (2003) ilustra de forma bastante interessante como a vivência da sexualidade implica no que é considerado moralmente valorizado; há um sistema hierárquico que demarca as práticas sexuais. Nessa escala decrescente de valores, a autora aponta que no topo, em destaque, estão os heterossexuais casados e reprodutivos, seguidos dos heterossexuais monogâmicos não casados, e demais heterossexuais. A partir daí, em ordem de menor valor moral, se encontram os casados homossexuais de relacionamentos estáveis e longos, seguidos de “sapatões de bar e homens gays promíscuos” (p. 13). Entretanto, atribui-se ser a parcela mais ínfima na pirâmide, o seguinte grupo:

As castas sexuais mais desprezadas correntemente incluem transexuais, travestis, fetichistas, sadomasoquistas, trabalhadores do sexo como as prostitutas e modelos pornográficos, e abaixo de todos, aqueles cujo erotismo transgride as fronteiras geracionais. (RUBIN, 2003, p.14).

A estes, a scientia sexualis, de que nos fala Foucault, relega-os à marginalidade, expropriando seus direitos de existência. É interessante pontuar que, se pensamos que a instituição das interdições acerca da vivência da sexualidade ocorre partir da ordem cristã, a noção de liberdade dos prazeres no paganismo dos primeiros tempos deve ser revista (FOUCAULT, 2010b).

Também no pensamento grego-romano, questões referentes à desqualificação de determinadas práticas em detrimento de outras podem ser percebidas, e muitos escritos da sua filosofia embasam nosso pensamento cristão:

um medo (acerca da censura à masturbação); um esquema de comportamento

Referências

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