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O femvertising no roteiro publicitário: estudo e prática

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E

PROPAGANDA

Mariana Gasparetto Feistauer

O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E

PRÁTICA

Santa Maria, RS

2016

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O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para a obtensão do título de Barachel em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Luciano Mattana

Santa Maria, RS 2016

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O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para a obtensão do título de Barachel em Publicidade e Propaganda.

Aprovado em ____ de dezembro de 2016.

_______________________________ Prof. Luciano Mattana

(Orientador)

_______________________________ Prof. Leandro Stevens (UFSM)

_______________________________ Prof.ª Dr.ª Milena Freire (UFSM)

Santa Maria, RS 2016

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À vovó Tetê, que me ensinou a torcer para o Grêmio, a nunca parar de viajar e que as cobras só morrem quando o golpe é dado na cabeça. Isso sempre me pareceu uma metáfora sobre acertá-las em seus argumentos. Este trabalho é uma tentativa de atacar o machismo em sua cabeça.

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Agradeço ao Guto, que não só me impediu de desistir de tudo, como sempre acreditou em mim, mesmo que nem eu acreditasse. Agradeço às cinco mulheres que vieram antes, Therezinha, Marta, Marizete, Maira e Carolina, obrigada por me inspirarem e me incentivarem a ser livre. Muito antes que eu pudesse ler qualquer coisa de Beauvoir.

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“Toda palavra é um equívoco” (autor desconhecido)

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O FEMVERTISING NO ROTEIRO PUBLICITÁRIO: ESTUDO E PRÁTICA

AUTORA: MARIANA GASPARETTO FEISTAUER ORIENTADOR: Prof. LUCIANO MATTANA

Este projeto experimental tem como foco a criação de um roteiro para filme publicitário para a web, que aplique como estratégia criativa o femvertising. Anterior a prática, há uma reflexão teórico-metodológica sobre desigualdade de gênero na sociedade e na propaganda, o femvertising e o reconhecimento dos elementos necessários à escrita de um roteiro publicitário. Com base no conhecimento apreendido, uso um briefing hipotético e aplico o femvertising na criação do roteiro de um filme publicitário, que visa sensibilizar criativos, anunciantes e agências a repensar a representação da mulher na propaganda.

Palavras-chaves: Publicidade; Propaganda; Femvertising; Roteiro; Filme

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THE FEMVERTISING IN THE ADVERTISING SCRIPT: STUDY AND PRACTICE

AUTHOR: MARIANA GASPARETTO FEISTAUER ADVISOR: Prof. LUCIANO MATTANA

This experimental Project focuses in the development of a web advertising filmscript, which applies the femvertising as creative strategy. Before the practice itself, there is a theoric and methodological observation about inequality of gender in society and in advertising, the presentation of the femvertising concept and also the recognition of the necessary elements for film script writing. And then, based on what was learnt, using a hypothetical briefing, I apply the femvertising on the creation of a film script, that aims sensitize professionals of creativity, brands and advertising agencies to rethink the representation of women on advertising.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Diagrama da estrutura ideal de um roteiro publicitário ... 37 Figura 02 - Exemplo da formatação de um roteiro publicitário ... 39

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INTRODUÇÃO ... 10 1 FEMVERTISING ... 14 1.1 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO ... 15 1.2 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE ... 19 1.3 FEMVERTISING: FEMINISMO E PUBLICIDADE ... 23 1.3.1 Dados de pesquisas sobre Femversting ... 27 2 O ROTEIRO PUBLICITÁRIO ... 29 2.1 A TEORIA DO ROTEIRO ... 31 2.2 TRATAMENTOS DO ROTEIRO ... 36 2.3 ELEMENTOS DO TRATAMENTO ROTEIRO ... 38 2.4 ELEMENTOS SECUNDÁRIOS NO ROTEIRO ... 45 2.5 ELEMENTOS TERCIÁRIOS NO ROTEIRO ... 49 3 O FEMVERTISING APLICADO AO MEU ROTEIRO PUBLICITÁRIO ... 51 3.1 O BRIEFING ... 51 3.2 TRATAMENTOS E ROTEIRO FINAL ... 53 3.3 EXPLICANDO AS ESCOLHAS DE FEMVERTISING NAS CENAS. ... 62 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 67 APÊNDICE A – LIBRESSE – BLOOD ... 72 APÊNDICE B – SKOL – DIA DO ORGULHO LGBT ... 74 APÊNDICE C – HELLO FLO – FIRST MOON PARTY ... 76

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INTRODUÇÃO

Uma breve consulta a algumas das narrativas míticas que geraram as bases morais, éticas e filosóficas da sociedade ocidental revela que, desde os primórdios, se reservou um lugar de opressão às mulheres. Isso porque, quando a sociedade se elevou as bases escritas, os homens eram quem estavam no domínio da história e, então, se colocaram em lugar de soberania frente ao que estabeleceram como sendo mulher. A esse pensamento do macho soberano, dá-se o nome de machismo. Através dele, a desigualdade de gênero foi justificada, fazendo uso de ideias estapafúrdias, repressão social e política, e se alastrou nas mais diversas esferas de reprodução simbólicas do social, uma delas, a publicidade.

As mulheres, até hoje, ainda vivenciam diariamente as violências derivadas do machismo, na publicidade. Isso se torna explícito quando a mulher é objetificada, ou seja, representada como um mero objeto de uso e prazer de outros os dos próprios produtos e marcas. Se dentro do espaço sócio-político a resposta a essas opressões veio da criação do movimento feminista, que luta pela igualdade de gênero, na publicidade, esfera simbólica que atende aos abarcados pelo consumo, a reação foi o Femvertising. O termo vem da união entre Feminism (Feminismo em inglês) e Advertsing (Propaganda em inglês), e prega o uso de representações empoderadas de mulheres e meninas nas propagandas. A diferença é que essa reação é mercadológica, surge dentro do próprio mercado de publicidade e marketing, quando pesquisas começam a apontar forte rejeição das mulheres aos estereótipos objetificados do machismo.

Afinal, as mulheres conseguiram algumas conquistas: apesar de ainda receberem salários mais baixos que os dos homens, aumentaram sua participação nos espaços de trabalho e sociedade e, consequentemente, sua renda e seu poder de consumo. Com o advento de novos espaços de representação como a internet, principalmente as redes sociais, conseguiram negociar lugares onde fazem valer as suas vozes e a reivindicação dos seus direitos.

A publicidade desenvolve o Femvertising em prol de não perder esse público consumidor, obedecendo à lógica de sempre acompanhar as mudanças sociais para atender os desejos dos consumidores e continuar a vender. Mesmo com a face completamente voltada ao consumo, o Femvertising tem pontos positivos, não

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reforça estereótipos nocivos à sociedade e acaba abrindo o debate sobre igualdade de gênero dentro das esferas sociais que participam dessa lógica.

Descobri o termo quando, ao me aproximar do final da graduação, necessitava desenvolver meu projeto de trabalho de conclusão. Com uma vaga ideia baseada em preferências pessoais, desejava realizar um roteiro publicitário, que questionasse a criação de propagandas machistas. Tinha apenas um briefing em mente, no qual, algum cliente que representasse a insatisfação com a representação das mulheres na propaganda, após pesquisas decidi pela consultoria 65/101, empresa, que segundo eles mesmo se definem, tem como missão “mudar o papel da mulher na publicidade para acompanhar os novos papéis da mulher na sociedade” Em hipótese a 65/10 desejaria atingir um o público alvo de publicitários e marcas para que se conscientizassem a não utilizar estereótipos opressivos.

A ideia ainda era rasa para construir um trabalho acadêmico, então, realizei mais pesquisas para transformar isto em um projeto consistente. Assim, me deparei com as teorias sobre gênero e objeticação da mulher na propaganda e, dentro deste escopo, encontrei o femvertising para aplicar no roteiro.

A partir dessa pesquisa, consegui construir, de fato, um projeto sólido para o projeto experimental, que conta com objetivos específicos: empreender um debate acerca do tema femvertising, sociedade contemporânea e igualdade de gêneros, reconhecer os elementos compositivos de roteiros publicitários audiovisuais, redigir uma série de tratamentos de um roteiro de filme publicitário sob a luz do femvertising. Esses servem de auxílio para chegar ao meu objetivo geral: compor um roteiro de filme publicitário sob a luz do femvertising.

Dessa forma me sinto satisfeita, em fazer a união de duas coisas que me acompanham há muito tempo: a escrita criativa, ao trabalhar a teoria sobre roteiro, e a luta pela igualdade de gênero, quando trato do femvertising. Comecei e finalizo a faculdade como redatora e, assim, meu objetivo é levar o que foi apreendido para minha vida profissional. Já os estudos de gênero e a participação no movimento feminista iniciaram anteriormente à graduação e, como mulher e criativa, sempre me incomodaram as entrelinhas de muitos anúncios publicitários, dos mais diversos produtos, por meio dos quais havia um reforço das ideias do machismo. Com este

1 Informações sobre a 65/10 – consultoria de comunicação com mulheres disponível em < http://meiacincodez.com.br>

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trabalho, não posso mudar a indústria da propaganda, mas tento justificar a importância da atuação dos profissionais da criação ser feita com responsabilidade de não advogar por mensagens nocivas às mulheres, e consequentemente, à sociedade. Também desejo levar esse aprendizado, tanto sobre criação, quanto estudo de gênero para dentro do mercado onde pretendo atuar como redatora e roteirista.

Além de um tema consistente, precisava de uma metodologia que casasse com a ideia do trabalho. Dado a sua natureza de projeto experimental, a metodologia foi construída para se chegar ao objetivo, reunindo o método de roteirização às ideias de empoderamento da mulher que compõem a estratégia do femvertising. Para tanto, realizei um processo que aliou reflexão teórica para adquirir conhecimento sobre o que, simbolicamente, é este empoderamento através do femvertising, e sobre a teoria da escrita dos roteiros e seus elementos a serem trabalhados no texto, para só assim, posterior a este estudo, seguir para a aplicação prática.

Dentro do escopo da reflexão teórica, dedico um capítulo a empreendender um debate sobre o tema femvertising, mas para chegar ao entendimento deste recente conceito, antes, exploro as relações de desigualdade de gênero dentro da sociedade e da própria publicidade, para compreender e apreender este novo conceito como um todo e, assim, adquirir propriedade para, posteriormente, aplicá-lo na prática.

Ainda sobre a dimensão teórica, também dedico um capítulo ao estudo sobre a estrutura e os elementos do roteiro publicitário. Realizo análise de como podem ser trabalhados os esses elementos, avaliando alguns roteiros que fazem uso do femvertising, para apreender e demonstrar opções da construção dessa estratégia criativa dentro das narrativas.

Após a parte teórico-reflexiva, me dedico a criação da ideia que atenda o briefing, contratado pelo cliente (consultoria 65/10), com objetivo de atingir publicitários e marcas para que não façam uso de estereótipos machistas na propaganda. Essa parte é essencialmente prática, durante a qual são apresentados 4 tratamentos de roteiro, que demonstram um percurso de como, ao longo do processo de criação, vai se dando o refino de descrições e elementos, o enriquecimento da narrativa, a partir da adição ou subtração textual: ocorre uma

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evolução da descrição de personagens, cenas, locuções, diálogos e slogans, até chegar ao roteiro que se aceita como final.

O femvertising fica explícito durante toda narrativa através do uso de personagens mulheres, sempre em situação de sujeito, possuindo o poder dentro da situação que protagonizam. Trata-se de um roteiro que opera por meio da exemplificação de como a propaganda pode mudar em prol das mulheres sem perder em conteúdo e criatividade, muito pelo contrário, acaba até ganhando nestes quesitos.

A formatação de roteiro é feita com base no modelo literário definido por Barreto (2004), em que não há uma separação clara das cenas. O roteiro é uma descrição da história para que o diretor visualize o todo e, então, dê o tratamento técnico necessário para a produção de um filme. Faço isso, pois realizo este trabalho sob a perspectiva exclusiva de alguém que pretende se aprofundar apenas no universo de criação da redatora publicitária.

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1 FEMVERTISING

No SuperBowl2 de 2014, o evento que possui um dos intervalos comerciais mais caros do mundo, a marca de Absorvente Íntimos Always decidiu veicular uma propaganda para questionar o fato da expressão “Agir como uma garota”3 ter se tornado sinônimo de ofensa, colocando para debate a importância de alterar a percepção do significado desta expressão. O absorvente íntimo, principal produto da marca, não foi sequer mencionado.

Há algum tempo, a publicidade descobriu que ao invés de focar nos atributos físicos dos seus produtos e marcas, poderia vendê-los através de um conceito, baseado em emoções, estilos de vida e qualquer coisa que faça parte do subjetivo do ser humano e da sociedade. Os direitos sociais não ficaram de fora, entre eles a igualdade de gênero.

No mesmo ano de 2014, foi publicado, em um relatório de pesquisa sobre tendências para marcas e produtos se comunicarem com as mulheres, o termo Femvertising, explicado como a propaganda que se apropria de ideias feministas, ou seja, faz uso do empoderamento da mulher e de meninas em suas narrativas em prol do consumo. Até o presente ano, está crescendo a lista de exemplos de campanhas que utilizam dessa imagem da mulher real, empoderada, inteligente, talentosa, diversa em sua beleza para vender marcas e produtos.

Essa “nova tendência” não indica que a publicidade resolveu se redimir, depois de anos reproduzindo a lógica machista da sociedade em suas narrativas e representando a mulher de forma objetificada4, submissa, a serviço da família, da casa, do marido, do sexo e da sua própria beleza, ou seja, sempre como um personagem passivo e oprimido. Ocorre que em uma sociedade, onde as mulheres apesar de não adquirirem igualdade, ganharam poder de compra e encontraram nos espaços de rede social canais para amplificar o debate sobre gênero, a propaganda, que em sua maioria utiliza subterfúgios machistas para a construção do seu

2 Campeonato da FNL (principal liga de futebol-americano dos Eastados Unidos) que decide o campeão da temporada.

3 'Like a Girl' Is No Longer an Insult in Inspiring Ad From P&G's Always. Disponível em

<http://www.adweek.com/adfreak/girl-no-longer-insult-inspiring-ad-pgs-always-158601> Acesso em: 5 de julho de 2016.

4 Para mais esclarecimentos sugere-se o episódio documental: The Sexy Lie: Caroline Heldman at TEDxYouth@SanDiego. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=kMS4VJKekW8> Acesso em: 5 de julho de 2016.

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discurso, passa a ter seu conteúdo amplamente questionado e as pressões sociais vão ganhando terreno para imprimir uma face renovada na criação de campanhas.

Para ilustrar este argumento, cito o caso da campanha da cerveja Skol5 para o carnaval de 2015, em que algumas mulheres ao perceberem os outdoors com a mensagem “Esqueci o não em casa” - que faz chacota com a séria questão dentro da cultura do estupro, sobre abuso com quem está fora do seu autocontrole - decidiram alterar as mensagens com fita isolante para “Esqueci o não e trouxe o nunca”. As mesmas postaram as imagens na rede social Facebook e pouco mais de uma hora depois, já contavam com 4 mil curtidas. A marca reagiu com um pedido de desculpas pelo seu erro e retirou a campanha das ruas.

Há algum tempo, está em curso esse processo do cidadão agir e se fazer ouvir principalmente através das redes sociais. Pode-se afirmar que há uma espécie de Democracia conectada6, em que o cidadão oprimido e os movimentos políticos da sociedade encontraram no espaço online um canal de comunicação para expor seu discurso, se organizar, reivindicar seus direitos e ampliar debates, que não chegam às grandes mídias.

A indústria publicitária, apesar de possuir caráter de grande mídia, precisa constantemente acompanhar as evoluções sociais e adequar suas mensagens e representações à nova conjuntura, se quiser continuar persuadindo estes consumidores-cidadãos. A tônica no futuro dos discursos publicitários necessariamente deverá considerar o desejo dos consumidores de consumir valores éticos, ao mesmo tempo que consomem produtos e serviços. Nesse cenário se desenvolve a estratégia criativa do Femvertising.

1.1 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO

Antes de explicar o que é Femvertising e sua importância como estratégia criativa nos roteiros do presente projeto experimental, é importante empreender uma reflexão a cerca das relações de poder e desigualdade de gênero existentes na sociedade.

5 Mulheres se irritam com tom da campanha de Skol e alteram mensagem de outdoor. Disponível em <http://www.b9.com.br/55133/advertising/mulheres-se-irritam-com-tom-da-campanha-de-skol-e-alteram-mensagem-de-outdoor/> Acesso em: 5 de julho de 2016.

6 Para entender melhor esse movimento sugere-se o mini-doc Democracia Conectada. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=TRILlAtKEVc> Acesso em: 5 de julho de 2016.

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Basta uma incursão até a Bíblia, o livro máximo dos cristãos, para perceber como foi construída a narrativa mítica sobre origem da mulher. Tudo tem início no capítulo de Gênesis, quando Adão reclama a Deus sobre sua solidão. Deus, então, decide retirar uma das costelas do primeiro representante dos homens e, a partir dela, criar a mulher. Dessa forma, como escreve Lopes (2010), no pensamento cristão, que é um dos pilares de nosso pensamento ocidental, a mulher vem a ser apenas uma companheira do homem, está ao lado daquele de quem se originou para serví-lo.

Outra importante narrativa escrita, que faz influência à construção do pensamento ocidental, são os livros dos sábios filósofos da Grécia antiga. Um exemplo é o de Pitágoras, quando filosofa sobre a origem de tudo e atribui a origem do homem ao mesmo princípio bom que criou a ordem e a luz; já a origem da mulher atribui ao princípio mau responsável por gerar o caos e as trevas:

Na época em que o gênero humano se eleva até a redação escrita de suas mitologias e de suas leis, o patriarcado se acha definitivamente estabelecido: são os homens que compõem os códigos. É natural que deem à mulher uma situação subordinada. Mas poder-se-ia imaginar que a considerassem com a mesma benevolência com que encaravam as reses e as crianças. Não é o que ocorre. Organizando a opressão da mulher, os legisladores têm medo dela (BEAUVOIR, 1970, p. 101).

Assim, a construção do significado de mulher, como relata Beauvoir (1970), se estabeleceu através da relação binária de gênero, em que o homem é considerado a norma e a mulher é considerado o outro.

Nesta análise, faço uso dos estudos de gênero, pois para a compreensão do significado construído de mulher/feminino na sociedade é necessário entender que esse existe em oposição ao que significa homem/masculino nos processos culturais e históricos. Não se pode examinar o significado de mulher de forma isolada, já que resultaria em uma análise vazia e erroneamente essencialista, pois mulher só existe com o significado que lhe foi atribuído, em oposição ao que se atribui de significado para homem. Importantes são as palavras de Saffiotti (1992), utilizadas por Oliveira-Cruz (2016), ao defender a corrente de estudos de gênero como um estudo das relações de poder e desigualdade construídos a partir do que simbolicamente significa como feminino e como masculino:

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Como o gênero é relacional, quer como categoria analítica, quer enquanto processo social, o conceito das relações de gênero deve ser capaz de captar a trama das relações sociais, bem como as transformações historicamente por ela sofridas através dos mais distintos processos sociais, trama esta na qual as relações de gênero têm lugar. As relações de gênero não resultam da existência dos dois sexos, macho e fêmea, como fica explícito no conceito de sistema de sexo/gênero, de Rubin. O vetor direciona-se, ao contrário, do social para os indivíduos que nascem. Tais indivíduos são transformados, através das relações de gênero, em homens e mulheres, cada uma destas categorias-identidades excluindo a outra (SAFFIOTI, 1992, p. 187 apud OLIVEIRA-CRUZ, 2016, p. 41).

Cabe tomar como verdade a memorável afirmação de Beauvoir (1970): "não se nasce mulher, torna-se mulher.", que refuta a oposição essencialista da definição de homem e mulher a partir de premissas biológicas. O debate do trabalho compreende que as relações de desigualdade são geradas através de um mesmo processo de construção social e histórica dos significados. Afinal, também não se nasce homem, reconhece-se homem. O porém da relação de desigualdade está em o que se convencionou como feminino ter sido definido pelo poder masculino, partindo da oposição e opressão em relação a ele.

Ser mulher é ser o que os homens não são, como escreve Woodward (2007), essa afirmação é comumente interpretada pelo viés biológico, como se o gênero estivesse apenas ligado ao sexo de nascimento, mas não passa de uma ideia cultural e histórica, um processo construído no simbólico baseado na oposição, gerando exclusão, opressão e dominação ao longo da história das relações de gênero. Nessa mesma linha, Bourdieu (1999) discorre sobre existir uma construção social do biológico, o que faz com que a divisão de gêneros pareça ser justificável, exatamente por fatores de diferença presentes no biológico, que ilusoriamente foram utilizados como justificativa pelo olhar da sociedade machista.

Apesar do movimento feminista iniciar um longo processo de luta e resistência, conseguiu apenas criar espaços de negociação. Não atingiu o desejado estágio de sociedade em que existe uma relação de igualdade entre os gêneros, porque as instituições do sistema simbólico ainda operam reproduzindo o feminino como lugar de passividade, de dominação por um ativo e soberano masculino. Logo não é a luta que falha, mas o constante reforço de significados já amplamente assimilados, que faz a estrutura de poder desigual se perpetuar. A partir do olhar de Skeggs (2004) sobre a obra de Bourdieu (1999), Oliveira-Cruz (2016) escreve:

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feminismo, aponta que as disposições de gênero são pouco reconhecidas, porque operam de forma oculta, uma vez que são tomadas como naturais ou universais. A feminilidade, desse modo, muitas vezes, é essencializada como uma disposição da personalidade (SKEGGS, 2004, p. 23 apud OLIVEIRA-CRUZ 2016, p. 40).

Sobre essa visão essencializada, Bourdieu (1999) discorre que há dentro do social uma construção simbólica do ser mulher: se traduz em dispor um “comportamento de mulher” em oposição ao “comportamento de homem”. Logo, compreende-se que as relações de diferença de gênero definem comportamentos, gestos, desde a maneira de sentar, até lugares que você pode frequentar, coisas que você pode consumir. Essas disposições são atribuídas ao feminino e ao masculino como se fossem verdades irrefutáveis, mas não passam de construções simbólicas ilusórias para dar sustentação a um sistema de significados em que o masculino ocupa sempre a posição de poder e também estabelece a partir dele quem ocupará o lugar do oprimido na experiência social.

É importante atentar-se aos sistemas de reprodução simbólica que fazem parte dos sistemas de significação e que dão sentido à experiência social, como a publicidade. As mensagens publicitárias, que geralmente fazem a promoção de marcas, produtos e ideias, também reproduzem o discurso da cultura e da sociedade em que estão inseridas e possuem um importante papel em reforçar esses significados, como afirma Joan Scott ao estudar o processo histórico de significado sobre as relações de gênero na nossa experiência social:

Penso que não podemos fazer isso sem conceder uma certa atenção aos sistemas de significado, que dizer, aos modos pelos quais as sociedades representam o gênero, servem-se dele para articular as regras de relações sociais ou para construir o significado da experiência. Sem significado, não há experiência; sem processo de significação, não há significado. (SCOTT, 1995, pg. 82)

A importância de compreender essas “verdades simbólicas” a partir do ponto de vista de construções ilusórias, frutos de um processo histórico e cultural, serve para que essas práticas não sejam naturalizadas nas chamadas experiências sociais, que envolvem os espaços de lazer, trabalho, estudo, vivência e convivência de cada ser social.

Torna-se ainda mais necessária essa compreensão e reflexão aos publicitários, pois como agentes em uma das engrenagens mais persuasivas de

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produção de sentido, há uma responsabilidade ética em não reproduzirem representações que sigam gerando opressão sobre a mulher na sociedade.

1.2 RELAÇÕES DE PODER E DESIGUALDADE DE GÊNERO NA PUBLICIDADE

No universo da publicidade, assim como na sociedade, foram os homens quem cunharam os códigos, já que foram eles que tiveram liberdade para inventar e trabalhar a publicidade. Aliás, ainda são os homens, se levarmos em conta que no presente ano de 2016, dados de uma pesquisa do Meio e Mensagem7 realizada nas trinta maiores agências do país, indicam que mulheres ocupam apenas 20% dos cargos gerais na criação publicitária brasileira. Em cargos de chefia, como os de presidente, vice-presidente ou diretoria, quem poderia de fato alterar as mensagens criadas, são apenas 6% de mulheres.

Não é de se espantar que as mensagens publicitárias produzidas por essas criações, muitas vezes, reproduzam as relações desiguais de gênero e reservem à mulher o lugar da opressão reproduzindo o discurso machista.

O problema se torna para além de apenas reproduzir um discurso perigoso dentro da experiência social, quando também fere a ética do ponto de vista das normas que regem a atividade publicitária. No próprio código do CONAR8 está previsto:

(SEÇÃO I) Artigo 19º - Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às Autoridades constituídas e ao núcleo familiar; Artigo 20º - Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade; (SEÇÃO II) Artigo 22º - Os anúncios não devem conter afirmações ou apresentações visuais ou auditivas que ofendam os padrões de decência que prevaleçam entre aqueles e que a publicidade poderá atingir.

E mesmo, quando campanhas são corretamente denunciadas, julgadas e vetadas pelo CONAR, a postura de quem criou a campanha pode ser de naturalizar o sexismo contido em suas mensagens, com afirmações provenientes do senso

7 Dados disponíveis em

< http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2016/01/12/mulheres-sao-20-porcento-da-criacao-das-agencias.html> Acesso em: 5 de julho de 2016.

8 Conselho Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, responsável pelo código de normativas que regem produção publicitária, ao mesmo tempo que garante a liberdade de expressão publicitária, também recebe denúncias e as julga mediante seu código ética. Consulta do código disponível em <http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php>. Acesso em 5 de Julho de 2016.

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comum e não do senso ético, indo contra a postura esperada de um profissional de publicidade:

…declaração do redator Ricardo John, responsável pela criação da campanha de lançamento da cerveja Devassa, vetada pelo Conar sob a acusação de desvalorizar a imagem da mulher. Inquirido sobre o conteúdo do filme, fortemente imagético, que mostrava em seus 30 segundos de duração uma modelo norte-americana seminua, insinuando-se numa janela envidraçada, o criador valeu-se da mais rasante lógica para sua explicação, na realidade, mais próxima de uma elucubração, ao dizer que o público não goste da ideia, né? Mulher e cerveja combinam, e a gente não precisa falar mais nada, né? … (NEGRI, 2011, p. 06).

Na verdade, diante de tal afirmação é preciso falar muita coisa. Afinal, tanto mulheres, quanto homens só deveriam combinar com o fato de serem seres humanos dotados de suas subjetividades. O grifo revela o processo violento e depreciativo de representar a mulher como se fosse um objeto dentro da publicidade, não só presente nas peças, mas no inconsciente dos criativos que compõem a sociedade.

Conforme Heldman (2007, p.10, tradução nossa), a Publicidade adquire grande importância como sistema de produção e reprodução de sentido, que ao mesmo tempo cria novos desejos e necessidades e reproduz os valores vigentes na sociedade. Logo, ao reproduzir os valores machistas, em que o feminino/mulher ocupa o lugar do oprimido, ajuda a implementar um projeto, que a autora chama de objetificação da mulher, conceituado por ela como:

...objetificação ocorre quando o corpo de uma mulher é tratado como objeto e (especialmente como um objeto que existe para o prazer e uso de outros), e é ilustrado interpessoalmente através do olhar ou ‘checking out’ na representação da mulher na mídia” (SLATER e TIGGERMAN, 2002, apud HELDMAN, 2007, p. 3, tradução nossa).

Com mensagens altamente sedutoras, emocionais e sexualmente apelativas as narrativas da propaganda, em que estão contidas essas mensagens, cada vez mais se assemelham ao entretenimento aos olhos do consumidor, contendo um enredo, personagens e situações fictícias se tornando altamente persuasivas. Isso, Randazzo (1996 apud Bittes, 2014) conceitua como função romantizada da Publicidade. Não raro, a representação da mulher dentro destas narrativas é

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construída como agente passivo, um objeto de consumo, ou um consumidor objetificado, sendo subjugada, se não por um homem, pelo próprio produto ou marca:

O feminino aparece reduzido à sua expressão mais simples e simplória: consumidoras, fazendo funcionar poderosos setores industriais ligados às suas características “naturais”: domesticidade (eletrodomésticos, produtos de limpeza, móveis), sedução (moda, cosméticos, o mercado do sexo, do romance, do amor) e reprodução (produtos para maternidade/crianças em todos os registros, da vestimenta/alimentação aos brinquedos) (SWAIN, 2001 apud BITTES, 2014, p. 17).

Esse processo desumaniza o ser, e da mesma forma que nasce no simbólico da cultura, dentro nas narrativas míticas criadas sobre o que é a mulher, é reproduzido na publicidade. Assim é criada uma via de mão dupla no que diz respeito a significação, pois essa reprodução dos mesmos signos da sociedade na produção publicitária gera a manutenção de significados dentro da própria experiência social. No caso, a manutenção ocorre através do reforço que naturaliza a opressão da mulher na sociedade. A frase é de Maria Guimarães9, que foi uma das criadoras da primeira cerveja feminista do país:

Quando uma propaganda hipersexualizada de cerveja objetifica uma mulher de forma tão agressiva, ela está dizendo para as pessoas por todo o país que uma mulher é um objeto. E um objeto tem um dono. Ele é o dono. E como dono do objeto ele pode fazer o que quiser com ele. Você pode até jogar fora, ou quebrar aquele objeto.

É preocupante aos publicitários e a todo resto da sociedade, pois no presente sistema neoliberal, como afirma Heldman (2007) em seu estudo, o consumo possui um papel chave na construção das nossas identidades, gerando a outra face desse processo, uma espécie de autoaceitação pelas próprias mulheres sob a condição de oprimida. Isso contribui para reforçar lógicas machistas de violência contra mulher, cultura do estupro, distúrbios alimentares e bullying. Como exemplo de violências e opressões, o Anuário de Segurança Pública de 201410 relata que só no Brasil ocorre um caso de estupro a cada 10 segundos.

9 Frase retirada do Relatório de pesquisa (F)EMPOWERMENT: É hora de apoiar e empoderar as mulheres na América do Sul & Central. Disponível em:

<http://trendwatching.com/pt/trends/fempowerment/> Acesso: 5 de julho de 2016.

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Todo esse sistema não prejudica apenas a mulher como ser humano, mas também o desenvolvimento de uma sociedade igualitária, onde o gozo por direitos iguais traz benefícios à convivência de todos e deveria ser um compromisso da atividade publicitária que segue as normas do seu atual código de Regulamentação.

Existe um compromisso em prestar atenção a estas questões, pois isso afeta diretamente a indústria da publicidade, pois, por definição de seus compromissos, esta possui para além de um objetivo comercial, um dever ético e pedagógico na sociedade em que dissemina seus conteúdos.

No sistema neoliberal, o argumento de cumprir com a ética perante sociedade, muitas vezes, parecia quase invisível para a indústria publicitária, até o incômodo do público com as imagens desiguais de gênero ganhar amplo debate na internet com a popularização do espaço online.

O advento das redes sociais, em que os consumidores interagem de maneira significativa com a comunicação das marcas, gerou essa ampliação do debate e do direito à manifestação dos consumidores e da sociedade em geral, principalmente minorias, que antes só assistiam as propagandas sem direito de resposta. Negri (2011) trata desse importante processo estar formando uma nova postura engajada dos cidadãos brasileiros, resultado da evolução de uma sociedade que durante longos anos enfrentou uma ditadura e agora sai do silêncio para não mais voltar a retroceder:

…estão contextualizadas em uma sociedade que, mesmo tardiamente, aprendeu a reivindicar direitos fundamentais; a discutir modelos impostos; a amparar-se na legalidade; a duvidar de padrões preestabelecidos; a encarar a necessidades de informação, de engajamento e de alguma politização; a adotar corretos hábitos nutricionais, comportamentais, ecológicos, ambientais, hoje considerados valores universais inquestionáveis. Sociedade que começa a reagir quando necessário e agora transita da condição de passividade para a busca de cidadania em um país redemocratizado (NEGRI, 2011, p. 08 - 09).

Essa ampliação do debate aumentou o número de denúncias contra a representação misógina e depreciativa das mulheres ao próprio CONAR e também fez a indústria publicitária abrir os olhos para esses consumidores-cidadãos. Logo, para não afetar seu desempenho como ferramenta persuasiva em prol de marcas e produtos, a reação foi “adequar” as mensagens publicitárias, começando por representar mulheres de maneira empoderada, vendendo como valor simbólico do

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produto ou da marca a ética e os direitos sociais que essa sociedade deseja consumir. A este tipo de tendência criativa se deu o nome de Femvertising e é em torno dela que o presente roteiro deste projeto experimental será desenvolvido.

1.3 FEMVERTISING: FEMINISMO E PUBLICIDADE

O Femvertising, junção entre Feminism (feminismo em inglês) e Advertising (Propaganda em inglês), foi citado pela primeira vez, dentro do mercado de publicidade e marketing, no relatório de pesquisa Norte-Americano do site de estilo de vida SheKnows11. Publicado em setembro de 2014, identifica o Femvertising como uma nova tendência da indústria publicitária, que serve de estratégia criativa para empregar mensagens e imagens pró-talentos de mulheres e meninas em função de empoderá-las.

Não é como se de alguma forma, após anos de luta feminista e mensagens misóginas dominando a publicidade, tenha-se descoberto a américa em forma de publicidade feminista com o Femvertising. Anteriormente, dentro do universo acadêmico, um conceito próximo foi cunhado por Goldman, Heath, Smith (1991), o Commoddity Feminism ou “Feminismo Commoddity12(tradução nossa)”:

... definido como a apropriação do feminismo ou crenças feministas para propósitos comerciais, uma estratégia tanto elogiada como vanguardista, quanto duramente criticada por diminuir a significância política do movimento feminista ao reduzí-lo a um item de consumo para o público geral” (DONSBACH, 2008 apud MARCUS REKER, 2016, p. 4, tradução nossa).

Quando cunhado, Goldman, Heath, Smith (1991) se dedicaram a perspectiva crítica do termo. Afirmou em seu artigo que, quando apropriado por corporações, os ideais do feminismo são transformados em atributos de um objeto, de um estilo e de um produto, nos quais esvaziam-se os sentidos de independência, sucesso e empoderamento, utilizados apenas para seduzir em prol da realização de um objetivo comercial e não da luta pela libertação da mulher na sociedade.

11 Relatório de pesquisa “Here’s How Women Respond to All Those ‘Female Empowerment’ Ads” Disponível em:

<http://time.com/3502904/heres-how-women-respond-to-all-those-female-empowerment-ads/> Acesso em: 5 de julho de 2016.

12 “Commodity Feminism," é atribuído a Robert Goldman, Deborah Heath, and Sharon L. Smith (1991). Trabalho citado nas referências.

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Maclaran (2012), em seu artigo “Marketing e Feminismo em uma perspectiva histórica” (tradução nossa), realiza um apanhado histórico da relação entre o consumo, a propaganda e o movimento feminista. No que tange a propaganda, cita como precursora a campanha “Tochas da Liberdade” (tradução nossa), de Edward Bernays para a Lucky Strike, que em 1928 encorajava as mulheres a fumar em público, tabu para a sociedade da época. O cigarro seria a tocha que libertaria as mulheres, mas por trás dessa apropriação do feminismo, estava o objetivo de expandir as vendas da Lucky Strike.

A autora, fazendo uso de uma linha histórica, elenca a primeira onda feminista dedicada diretamente com o voto feminino. A segunda onda coloca direcionada aos direitos civis e políticos, de ordem marxista, a luta é de massas, com um olhar crítico para as relações do capital. Sobre o estágio atual de terceira onda, a descreve como a mais próxima do mercado, possuindo um olhar pós-moderno e liberal, a ideia de empoderamento é ligada ao indivíduo e o seu direito à liberdade do corpo e do prazer:

a crítica pós-moderna posiciona gênero como outro elemento lúdico de um ser fluído e mutável, um indivíduo que pode ser percebido através do consumo” (CATTERALL et al ., 2005 apud MaCLARAN, 2012, p.466, tradução nossa).

Maclaran conclui seu artigo, dizendo que este atual estágio vive uma reconciliação do feminismo com o marketing, em que o empoderamento da mulher geralmente está ligado ao seu poder de consumo e sua liberdade sexual. Na ficção, um bom exemplo, citado pela autora, são as personagens de Sex and the City 13, em que tudo relacionado ao consumo e a liberdade sexual pode ser percebido como elementos empoderadores das quatro protagonistas.

No presente projeto experimental, por se tratar de um trabalho acadêmico, é importante ponderar, dentro do referencial teórico, sobre a perspectiva crítica da relação entre feminismo e propaganda, mas já esclareço que o roteiro será construído com base na perspectiva pós-moderna de terceira onda. Apesar de compreender que as mensagens publicitárias com viés empoderador de gênero não trazem mudanças significativas no âmbito do social e cultural e funcionam melhor

13 Seriado transmitido pela HBO entre 1998 e 2004, foi um marco para as representações femininas na ficção.Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sex_and_the_City>. Acesso: 5 de julho de 2016.

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como uma espécie de autoajuda para mulheres abarcadas pelo processo de consumo, pelo menos, concordo que as campanhas podem ampliar o debate sobre desigualdade de gênero e de certa forma influenciar no desejo da mulher em se aproximar da representação empoderada.

Em seu Artigo “Por que “Run like a Girl” não pode significar ganhar a corrida? Feminismo Commodity e Marcas Participativas como formas de Autoajuda no espaço neoliberal da propaganda.”14 , Markus Reker (2016) analisa o uso da “menina” nas narrativas de Femvertising dentro do espaço online. Apesar de seu olhar crítico e necessário, em função da apropriação de valores do movimento feminista por marcas e produtos, expõe que funcionam como uma espécie de autoajuda para melhorar a autoestima das mulheres, afirmando ser esta a utilidade mais concreta dos anúncios que utilizam Femvertising.

Ao examinar a atual disseminação dos filmes publicitários no espaço online, Markus Reker percebe que ocorre debate e manifestações a partir dos consumidores, o que a autora chama de conteúdo gerado pelo usuário.

Markus Reker (2016) olha diretamente para campanhas com #hashtags: ao passo que servem para reunir todo esse conteúdo gerado pelo consumidor em prol das marcas, também criam canais de discussão em que qualquer um com acesso online pode participar. Como no exemplo analisado, em que uma propaganda de absorventes íntimos questiona porque a expressão “Agir como uma garota” significa “fazer algo de forma ridícula” e por que é preciso mudar isso, abrindo a discussão no online com a hashtag “#LikeAGirl”15. Claro, que tudo está atrelado a marca de absorvente, mas como a autora conclui em seu artigo:

Se em tempos que os direitos das mulheres continuam sendo atacados no âmbito social e político, e estes anúncios sugerem e inspiram empoderamento às mulheres, mesmo que seja através do consumo, quem somos nós para julgar? (MARKUS REKER, 2016, p. 31, tradução nossa).

É possível enxergar uma nova perspectiva dessa relação entre feminismo e propaganda com o advento e popularização do espaço online, em que as campanhas publicitárias não estão apenas nos intervalos, são motivos de

14 “Why Can’t Run ‘Like a Girl’ Also Mean Win The Race?”: Commodity Feminism and Participatory Branding as Forms of Self-Therapy in the Neoliberal Advertising Space” Tradução nossa.

15 Filme publicitário disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XjJQBjWYDTs> Acesso 5 de julho de 2016.

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repercussão e debate participativo da sociedade, comparado a perspectiva do Commodity Feminism, da época das Tochas da Liberdade de Edward Bernays.

Ao mesmo tempo que essa apropriação é feita em benefício dos negócios, se tem dado certo, observa-se que os consumidores estão dando importância para sua dimensão cidadã e mesmo que equivocadamente acreditando na promessa publicitária de conquistar direitos através do consumo. Vou parecer utópica e romântica, mas talvez abrir esse debate em cada vez mais esferas simbólicas, como a publicidade, utilizando do seu grande alcance pode-se aumentar a possibilidade de futuras gerações assistirem florescer a igualdade de gênero de fato.

A própria indústria mundial discute não só a representação, mas a participação da mulher dentro do mercado publicitário. No presente ano de 2016, no último festival Internacional Cannes Lions16 (ocorrido entre 18 – 24 de junho), o tema gênero foi estrela dos painéis, debates e polêmicas17. Publicitárias falaram sobre o assunto para todos ouvirem, entre elas, Madonna Badger, publicitária responsável pelo projeto que quer acabar com a objetificação da mulher dentro da propaganda18.

Também durante o festival, devido às denúncias nas redes sociais de outra publicitária, Cindy Gallop, uma agência premiada por uma propaganda altamente sexista se viu em maus lençóis, juntamente com a direção do festival, e precisou se desculpar e devolver o prêmio19.

É possível observar algumas mudanças, abrir o diálogo tem se mostrado um início para elas. Há pela frente um longo caminho para o empoderamento de fato, na cultura e sociedade, inclusive existe uma preocupação destas propagandas falsearem uma relação de igualdade de gênero, uma visão chamada pós-feminista, o que ainda não ocorre no âmbito social. Mas se a mudança na representação da mulher amplia o debate e a autoestima das mulheres, mesmo que os ganhos sejam pequenos para o feminismo, e enormes apenas para as marcas, ao menos, o Femvertising é uma via não prejudicial às mulheres, diferente de como a maior parte das representações publicitárias, que se utiliza de subterfúgios machistas, têm sido

16 Cannes Lions: Festival inernacional de Publicidade que ocorre anulamente em Cannes na França, mais informações em <https://www.canneslions.com> Aceso em: 5 de julho de 2016.

17 Disponível em<

http://cannes.meioemensagem.com.br/cobertura2016/seminarios/2016/07/05/sim-e-preciso-falar-sobre-igualdade-em-cannes> Acesso em: 5 de Julho de 2016

18 Mais informações sobre o projeto em <http://womennotobjects.com> Acesso 5 de julho de 2016. 19 Disponível em <

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até agora. Inclusive, considero interessante que o Femvertising saísse da categoria tendência criativa para virar a normativa de representação das mulheres na propaganda, como se pretende no roteiro do filme publicitário do presente trabalho.

1.3.1 Dados de pesquisas sobre Femversting

A mesma pesquisa que cunhou o termo Femvertising, citada anteriormente, traz resultados úteis para o desenvolvimento do roteiro deste projeto experimetal. Por este motivo, será realizado o presente resumo. A partir de uma amostra composta por 628 mulheres, o site de estilo de vida SheKnows constatou que a maioria dessas consumidoras opta por produtos, que em suas mensagens publicitárias, representam as mulheres dessa forma empoderada, lembra melhor dessas marcas e acredita ser prejudicial representar mulheres como símbolos sexuais.

Outro dado interessante é que muitos veem esse tipo de propaganda como sendo socialmente responsável com as futuras gerações, pois assim elas poderão crescer sem estereótipos de gênero que prejudiquem seu desenvolvimento saudável e sua autoestima. O relatório também traz observações das próprias mulheres a serem levadas em conta e a maioria faz referência a enxergar uma mulher mais próxima do real, menos perfeição, mais diversa, em situações de empoderamento, demonstrando seus talentos e inteligência. De certa forma, elas pretendem assistir a personagens femininos melhores desenvolvidos na propaganda, na teoria de roteiros nomeamos estes personagens tridimensionais ou complexos.20

Olhando para América do Sul e Central, contendo informações sobre o Brasil, um relatório parecido, compilando dados de outras pesquisas foi publicado em Novembro de 2015 pelo portal de tendências de mercado TrendWatching21. Em (F)EMPOWERMENT (título do relatório)22 “É hora de apoiar e empoderar mulheres nas Américas do Sul & Central”, o subtítulo já deixa claro o que é preciso que as marcas façam para crescer em um mercado, que de maneira similar ao

Norte-

20 Esse assunto será abordado no próximo capítulo.

21 Informações retiradas em TrendWatching, disponível <http://trendwatching.com/about/> Acesso em: 5 de julho de 2016.

22 Retirada do Relatório de pesquisa (F)EMPOWERMENT: É hora de apoiar e empoderar as mulheres na América do Sul & Central. Disponível em: <

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Americano, viu a participação da mão de obra feminina no mercado aumentar e consequentemente sua renda e poder de compra também.

De acordo com os dados, só no Brasil, mulheres possuem 85% do poder de compra no país e a grande maioria além de não se identificar com as mensagens publicitárias sexistas, também afirma que gostaria de ver personagens do gênero feminino mais próximas do real, inteligentes e independentes nas propagandas. Ou seja, ambos os relatórios de pesquisas indicam que de fato as mulheres consumidoras, gostariam no que tange ao universo do filme publicitário, explorado nesse trabalho, ver personagens femininos mais complexos, melhores desenvolvidos, evidenciando a diversidade e também liberdade, ou seja aumentar o espectro de situações e espaços em que estes personagens interagem e desempenham suas ações, que não devem aparecer limitadas, devem desafiar essa personagem que é capaz de tudo.

Quando trato de filme publicitário, o primeiro passo importante do processo de desenvolvimento de uma nova narrativa para a representação da mulher ou de realizar críticas quanto a desigualdade de gênero na propaganda, está concentrado na escrita do roteiro. Este deve ser construído com base em ideias que sustentem o Femvertising aliadas ao papel persuasivo e sedutor, para que ao mesmo tempo atenda aos objetivos comercias de produtos e marcas.

O próximo capítulo será dedicado ao método técnico e a teoria de desenvolvimento de roteiros publicitários.

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2 O ROTEIRO PUBLICITÁRIO

Em minha vida, de um passatempo divertido, a escrita logo se transformou em ofício. Desde o início da graduação em Publicidade e Propaganda, fui redatora, numa sociedade em que, cada vez mais, utilizam-se tecnologias que abrem portas ao audiovisual e acabei, muitas vezes, fazendo as vezes de roteirista. Nunca foi um problema, sempre fui amante declarada do cinema.

No último ano, fui selecionada para participar de um programa estadual para o desenvolvimento de jovens roteiristas. Em uma das aulas, ouvi uma definição da origem da palavra roteiro, que me deixou maravilhada: roteiro é de origem latina, do Latim “Rupta”: Caminho Rompido, aberto à força”. Livros clássicos da teoria de roteiro como Jornada do herói, a Jornada do escritor, já trazem em seu título a ideia de caminho a ser cumprido pelo personagem ou no caso da publicidade, muitas vezes o produto ou a marca. No presente caso, temos a metáfora voltada para o iniciar uma abertura de caminhos para a representação da mulher na publicidade. Mas essa força, responsável por abrir o caminho é a ideia do roteirista e o seu domínio dos elementos para a criação de roteiro. Isto determinará a intensidade responsável por impactar o espectador, ou neste caso, o consumidor da mensagem. Todos esses elementos que formam o roteiro são variáveis da linguagem. Esta é a matéria que forma o roteiro, segundo Mckee (2007). Adaptando a um olhar mais próximo do publicitário, a linguagem serve para comunicar algo com o objetivo de gerar reação no público consumidor.

Neste projeto experimental, o roteiro publicitário é a plataforma na qual será aplicada a estratégia criativa do Femvertising, explicada no primeiro capítulo. O roteiro é o guia do filme publicitário, responsável por conter a história que irá transmitir para o público o apelo persuasivo para criação de campanhas. No caso deste projeto, os a história tecerá uma critica à objetificação das mulheres e não objetificará, defendendo, assim, a representação empoderada das mulheres e a igualdade de gênero.

Ao longo deste capítulo, o foco será observar cada um dos elementos da criação de roteiro em publicidade e o método necessário para que o projeto experimental tenha êxito em fazer parte da abertura desse caminho para uma publicidade que não objetifica a representação das mulheres.

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A metodologia é escassa em teoria específica sobre roteiro publicitário. A maior parte do que já foi desenvolvido prioriza a visão do criador cinematográfico com um olhar dirigido à arte e ao mercado de Cinema e Entretenimento. Estas teorias serão adaptadas à criação publicitária, que como explicita Barreto (2004), visa sempre um objetivo persuasivo de comunicação em torno de produto, marca ou ideia, em detrimento da história criada.

O roteiro, tanto na publicidade, quanto no cinema, continua sendo uma estrutura organizada das ideias de quem escreve, para ser compreendida por quem irá produzir e dirigir o filme formado através da ideia. Este processo, que no cinema, muitas vezes, mistura roteirista e diretor na mesma pessoa, na publicidade, geralmente ocorre em empresas diferentes: a escrita na agência e a produção em uma produtora audiovisual.

O roteiro publicitário é a organização de ideias do criador, a representação do cenário de um sonho, feito para vender um produto. Tecnicamente, é um texto sintético, baseado no argumento, de cenas, sequências, diálogos e indicações técnicas de um filme. Esses elementos, que o roteiro traz ordenados e relacionados entre si de forma dinâmica, são distribuídos entre as três unidades da ação dramática segundo Aristóteles: tempo, espaço e ação. Quando essas três unidades da ação, as três partes do todo - o roteiro-, são organizadas, forma-se uma estrutura linear, ou seja, a forma do roteiro. Estrutura vem do latim structura, que significa disposição e ordem das partes de um todo. Assim, o roteiro é uma estrutura. Um esqueleto (BARRETO, 2004, p. 22).

O livro “Vende-se em 30 segundos”, de Tiago Barreto, esmiúça a construção do Roteiro do ponto de vista publicitário. Por isso, a obra foi escolhida para nortear a metodologia de construção do roteiro que proponho neste projeto. Faço uma ressalva: a obra escrita em 2004 olha para o meio televisão. Entretanto, no presente ano de 2016, o fazer do filme publicitário está cada vez mais próximo do universo da web, em que há uma liberdade maior em termos de tempo e criação, e muitas vezes isso ajuda a criar uma ideia de conteúdo, não de intervalo, na percepção de quem assiste propaganda.

Outra obra, que será usada para contribuir com o método de Barreto de maneira pontual, é Story, de Robert Mckee. Orientado para a criação cinematográfica, é utilizado em diversas instâncias da produção audiovisual, seja no cinema, na publicidade, na literatura e no meu dia a dia, servindo como base para

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contar histórias, afinal, como o autor afirma no inicio desse livro: as histórias são equipamentos para viver.

Há que se adicionar, quase reclamando, que Roteiro publicitário não é matéria muito valorizada. Nas agências brasileiras consultadas não havia um arquivo dos roteiros, geralmente guardaram-se apenas os filmes prontos, utilizados em portfolio. Sobre os filmes internacionais não tive acesso às agências. Por isso, os exemplos de roteiros, utilizados na sequência, são transcrições minhas, feitas a partir dos filmes publicitários que ilustram o bom uso das ferramentas e utilizam o Femvertising ou de alguma forma possuem narrativas que discutem igualdade gênero e direitos humanos, criando novas representações da sociedade, quebrando tabus e preconceitos, ao mesmo tempo que comunicam produtos, marcas ou ideais.

2.1 A TEORIA DO ROTEIRO

Não existem regras mais ou menos corretas para criar, mas existem diversos métodos. Neste capítulo, será apresentada a teoria e o método explicados por Barreto (2004), que servirão como estrutura para a construção do roteiro proposto neste projeto.

Antes de iniciar o processo de escrita de um roteiro publicitário, segundo Barreto (2004), ocorre a leitura do briefing, documento comum dentro das agências, que contém a temática e o objetivo da mensagem a ser comunicada pelo redator.

Lido e analisado o briefing, você já tem informações suficientes para começar a escrever o roteiro. Ainda existem, no entanto, quatro pontos que podem ser analisados mais a fundo para que você tenha uma ideia ainda mais original, interessante e certeira para os objetivos do cliente: o próprio cliente, o produto, o target (seu espectador) e o meio (tevê) (BARRETO, 2004, p. 31).

As informações do briefing geralmente são concisas, vão direto ao ponto e, por isso, é importante que o redator tenha para além do background de referências criativas, muitos conhecimentos gerais e, sempre que necessário, realize pesquisas para se aprofundar sobre o tema, produto, ou público para quem irá criar. Pois, se baseando unicamente no achismo e no senso comum, segundo McKee (2007), é impossível criar um roteiro arquetípico, que consegue atravessar mentes e tocar o público de maneira universal. Na publicidade, como explicitado no primeiro capítulo deste trabalho, muitas vezes ocorre o contrário, usa-se de estereótipos femininos,

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baseados no machismo. O problema disto, não está em apenas em reforçar preconceitos, mas também em afetar a relação do público com a própria publicidade, reduzindo sua credibilidade. Eis a importância e a justificativa de dedicar todo um capítulo sobre o Femvertising, antes de aplicarmos o método prático de roteiro.

Após a compreensão do briefing e a realização de pesquisas sobre o tema, chega a hora de orientar a ideia. Barreto (2004) cita a teoria de Terence Shimp (2002), responsável por identificar quatro estilos básico de comercial, afirmando a importância de definir um estilo de realização para orientar a maneira como a mensagem será comunicada, ou seja, a maneira que se estruturará o roteiro para que cumpra mais assertivamente seu objetivo: “é fundamental que essa forma cumpra os objetivos do roteiro e, posteriormente, do filme: fazer a mensagem ser compreendida, persuadir e gerar recall” (BARRETO, 2004, p. 42).

Os estilos de realização são quatro: o orientado para o indivíduo, quando prioriza-se o indivíduo que fala ou reforça um exemplo por meio de ação ou aparecimento, através de um depoimento, de sua autoridade, por ser celebridade, ou por experiência; o orientado para a história apresenta grande proximidade com a linguagem do cinema, pois há dramatização, personagens, diálogos, narrador, ou seja, todos os elementos necessários para se contar uma história; orientado para o produto, quando o produto é o foco e ocorre a informação sobre suas características ou sua apresentação de modo atrativo; orientado para a técnica, mais genérico, quando o que importa são os efeitos visuais ou apenas o uso de analogias que envolvem técnicas audiovisuais, como utilizar um animal para representar o produto, por exemplo.

Adicionando pontos a partir do meu olhar, observo que estilos mesclam-se, por exemplo, no comercial da marca internacional Libresse23, de absorventes íntimos.

Agência: AMV BBDO Cliente: Bodyform

Produto: Libresse (Absorvente íntimo) Título: Blood

Vemos mulheres, uma a uma. Todas têm algo em comum, se preparam para algo.

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Uma gota de sangue escorre em uma superfície coberta por cristais de gelo.

As mesmas mulheres são mostradas uma a uma praticando esportes de forma intensa.

Boxe. Rugby. Corrida. Surf.

Na sequência a lutadora de boxe é nocauteada e sangue escorre pela sua face.

A corredora cai.

A surfista é derrubada pela onda.

Submerge no mar de olhos fechados e o sangue forma uma mancha vermelha que se dispersa na água.

Uma a uma se levanta.

A bailarina ensaia em um estúdio de dança.

Tira a sapatilha e revela sangue nos dedos machucados. Na floresta coberta pela neve, a praticante de BMX carrega sua bicicleta com bravura.

Um buraco na parte externa de sua calça, revela um corte em sua coxa.

Ela aparece andando na bicicleta de forma intensa no mesmo cenário de neve.

Três meninas andam de skate em uma pista. Caem. Riem. O cotovelo de uma delas sangra.

A alpinista sobe uma montanha. Vemos suas mãos machucadas sangrando.

O time de Rugby volta a aparecer. A jogadora mostrada no início é derrubada. O sangue escorre pela sua face. Ela corre com a bola na mão em direção a vitória.

Uma Cavaleira Bárbara montada em um cavalo segura sua espada e tem seu rosto marcado por cortes.

Os dedos da bailarina reaparecem machucados entrando em posição de ponta.

A surfista submersa abre os olhos.

A corredora ainda olhando para os asfalto começa a levantar do chão.

A cavaleira bárbara levanta sua espada. A corredora volta a correr.

A jogadora de Rugby comemora a vitória com sangue escorrendo pelo rosto.

A skatista faz uma manobra e levanta as mãos para o alto. Um dos joelhos da corredora sangra enquanto corre. A cavaleira cavalga pela neve.

LETTERING: NO BLOOD SHOULD HOLD US BACK. (NENHUM SANGUE PODE NOS SEGURAR)

A boxeadora cospe sangue pela boca. A bailarina dança gloriosamente.

A boxeadora nocauteia sua rival e encara a câmera com um corte no nariz.

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Muito Sangue forma manchas dentro de um plano apenas de água.

LETTERING: LIVE FEARLESS (VIVA SEM MEDO) ASSINATURA: Marca (LIBRESSE)

Observe que ao mesmo tempo em que as atrizes atuam como exemplos através das suas ações, o filme também está totalmente orientado ao valor principal da marca, que é viver sem medo, o que nos mostra como os estilos são perfeitamente complementares. No caso, o medo é do sangue da menstruação, representado em sentido figurado, pelo sangue nos machucados gerados através dos esforços e fracassos esportivos que cada uma das personagens desempenha, mas diante deles, não desistem e obtêm êxito.

O que quero exemplificar com isso, é que a teoria pode passar uma noção muito fixa e estruturada de como é a escrita de um roteiro, mas no território da criação publicitária, bastante similar ao das artes, nada é estático. Todas as descrições feitas, aqui, são conselhos, formas para facilitar a organização da estrutura, mas não existe uma lei ou regra suprema quando se está criando, tudo se mistura e se recria.

Após a decisão de como orientar a mensagem do roteiro, o autor afirma que é sempre bom sintetizar a ideia central da propaganda em uma sinopse. Com estilo mais literário, a sinopse, na propaganda, segundo o autor, faz as vezes do argumento do roteiro de cinema:

Sinopse é uma narração breve, um resumo, um sumário, uma síntese. É o roteiro sem as divisões de cenas, as falas, as locuções. Ela é objetiva e traz apenas a ideia principal, descrita, é claro de maneira interessante e vendedora, sedutora (Barreto, 2004, p. 48).

Apesar de um texto mais simples, a sinopse já deve conter, o que o autor chama de três atos narrativos fundamentais que compõem um evento: apresentação, desenvolvimento e a solução. Também é necessário que a sinopse responda três perguntas: quando, onde, o quê e qual é o desfecho final. Nas sinopses geralmente cria-se o título da propaganda, que será útil para identificação em documentos de veiculação de mídia e também para inscrever nos festivais de propaganda.

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Particularmente, gosto muito de escrever várias sinopses diferentes, explorar diversos caminhos, até decidir qual submeterei a estrutura de roteiro, criarei diálogos, personagens, aprofundarei o enredo. Em uma das agências que estagiei, o diretor de criação sempre exigia que apresentasse três caminhos criativos para as campanhas e geralmente isso ocorria em forma de sinopse. Aprendi, e levo comigo a ideia que a sinopse ajuda a oxigenar as ideias boas e satisfazer a vontade de expressar àquelas ideias que no momento não servem tanto assim, mas podem ser guardadas como boas opções futuras.

Um caso que não obedece à criação de uma sinopse, é o que poderíamos chamar de gênero documentário na propaganda. É muito raro que um filme publicitário seja totalmente documental, afinal no cinema a definição do gênero se dá por:

[...] como a definição é difícil, em geral se explica o documentário não por suas qualidades intrínsecas, mas pela negativa: documentário é não-ficção (não por acaso, os povos de língua inglesa chamam os documentários de nonfiction films) (MACHADO, 2011, p. 6 apud BATISTA; REVERS 2015, p.5).

Como o foco do presente trabalho é a construção de um roteiro sob a estratégia criativa do Femvertising, esse assunto nos interessa pouco, pois na criação de filmes publicitários que se aproximam do documentário não há uma pré-construção narrativa, ou seja, não existe um trabalho de pré-construção de roteiro, envolve um pré-roteiro que apenas organiza a ideia ou conceito a ser reforçado pelo filme.

O documento que estamos nomeando por pré-roteiro, geralmente expõe um problema de pesquisa para o documentário, que serve de conflito, e a procura de um universo que seja o desejado para averiguar o resultado dessa pesquisa. Ou também pode ser do tipo expositivo, que elege alguém, ou algumas pessoas, para serem gravadas situações de suas vidas, que servem de exemplo, ilustrando o funcionamento, uso de um produto, ou os princípios de uma marca ou propósito.

Justifico não ter ido a fundo no assunto de filmes próximos ao documental, pois dado o arco da ação dramática, início, meio e fim, no pré-roteiro desses comerciais, apenas construiríamos um conflito, o desenvolvimento seria resultado da gravação e a solução, se daria pela cena gravada mais a manipulação realizada na montagem, não necessitando amplamente da figura do redator ou roteirista.

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Faço esse adendo, pois encontrei essa escolha narrativa em alguns casos do que até agora é conhecido como Femvertising que atingiram grande projeção midiática. Julgo que isso ocorra, talvez porque a realidade exposta seja uma forma de gerar credibilidade para a ideia mostrada, principalmente por envolver um tema ainda tabu para a propaganda e a sociedade, como a igualdade de gênero.

Um exemplo é o filme da marca Adidas, “Candace Parker. Here to Create”24. Criado a partir da seleção de posts reais, feitos pela jogadora de basquete Candace Parker, na rede social Instagram, em que interage com sua filha. O conceito da propaganda gira em torno do “Here to Create” (Aqui para criar), é incluída no Femvertising, pois trata de recriar a imagem da mulher e mãe.

O que vemos nos posts é uma atleta destemida, o mote da propaganda fica em um vídeo, feito pela própria Candace, retirado na íntegra da rede social, em que treina próximo a filha, e esta grita feliz “My mom is a beast” (Minha mãe é uma fera), no sentido de que a mãe é demais. Desvinculando a ideia de uma figura de mãe e sexo frágil, que vive apenas para os filhos e família. Os vídeos de Candace ilustram o dia a dia da mulher, que também é mãe, tem uma filha feliz e nem por isso deixa de ser uma das maiores jogadoras de basquete dos Estados Unidos. A Adidas ganha com isso, pois aparece como uma marca que apoia essas ideias de recriar estereótipos por um mundo mais igualitário.

2.2 TRATAMENTOS DO ROTEIRO

Decidida a sinopse a ser transformada em roteiro, chega a hora de tratar o roteiro. Geralmente, um mesmo roteiro é tratado mais de uma vez, pois esta fase é responsável por lapidar o texto antes que seja submetido a produção de fato. Segundo Barreto (2004, p. 52), esse tratamento significa fragmentar a sinopse em cenas, acrescentar os diálogos, indicações, todos os detalhes necessários, e colocá-la em uma sequência lógica, para obter drama e o nível de tensão ideais”.

A elaboração do tratamento resulta na estrutura do roteiro pronto, o esqueleto da ação dramática, previamente explicada. Esta é composta em qualquer texto literário, cinematográfico ou publicitário, em linhas simples por: conflito, clímax e

24 Filme “Candance Parker:Here to Create” Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?time_continue=3&v=8luSJxVswFw> Acesso em: 15 de setembro de 2016.

Referências

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