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2 O ROTEIRO PUBLICITÁRIO

2.1 A TEORIA DO ROTEIRO

Não existem regras mais ou menos corretas para criar, mas existem diversos métodos. Neste capítulo, será apresentada a teoria e o método explicados por Barreto (2004), que servirão como estrutura para a construção do roteiro proposto neste projeto.

Antes de iniciar o processo de escrita de um roteiro publicitário, segundo Barreto (2004), ocorre a leitura do briefing, documento comum dentro das agências, que contém a temática e o objetivo da mensagem a ser comunicada pelo redator.

Lido e analisado o briefing, você já tem informações suficientes para começar a escrever o roteiro. Ainda existem, no entanto, quatro pontos que podem ser analisados mais a fundo para que você tenha uma ideia ainda mais original, interessante e certeira para os objetivos do cliente: o próprio cliente, o produto, o target (seu espectador) e o meio (tevê) (BARRETO, 2004, p. 31).

As informações do briefing geralmente são concisas, vão direto ao ponto e, por isso, é importante que o redator tenha para além do background de referências criativas, muitos conhecimentos gerais e, sempre que necessário, realize pesquisas para se aprofundar sobre o tema, produto, ou público para quem irá criar. Pois, se baseando unicamente no achismo e no senso comum, segundo McKee (2007), é impossível criar um roteiro arquetípico, que consegue atravessar mentes e tocar o público de maneira universal. Na publicidade, como explicitado no primeiro capítulo deste trabalho, muitas vezes ocorre o contrário, usa-se de estereótipos femininos,

baseados no machismo. O problema disto, não está em apenas em reforçar preconceitos, mas também em afetar a relação do público com a própria publicidade, reduzindo sua credibilidade. Eis a importância e a justificativa de dedicar todo um capítulo sobre o Femvertising, antes de aplicarmos o método prático de roteiro.

Após a compreensão do briefing e a realização de pesquisas sobre o tema, chega a hora de orientar a ideia. Barreto (2004) cita a teoria de Terence Shimp (2002), responsável por identificar quatro estilos básico de comercial, afirmando a importância de definir um estilo de realização para orientar a maneira como a mensagem será comunicada, ou seja, a maneira que se estruturará o roteiro para que cumpra mais assertivamente seu objetivo: “é fundamental que essa forma cumpra os objetivos do roteiro e, posteriormente, do filme: fazer a mensagem ser compreendida, persuadir e gerar recall” (BARRETO, 2004, p. 42).

Os estilos de realização são quatro: o orientado para o indivíduo, quando prioriza-se o indivíduo que fala ou reforça um exemplo por meio de ação ou aparecimento, através de um depoimento, de sua autoridade, por ser celebridade, ou por experiência; o orientado para a história apresenta grande proximidade com a linguagem do cinema, pois há dramatização, personagens, diálogos, narrador, ou seja, todos os elementos necessários para se contar uma história; orientado para o produto, quando o produto é o foco e ocorre a informação sobre suas características ou sua apresentação de modo atrativo; orientado para a técnica, mais genérico, quando o que importa são os efeitos visuais ou apenas o uso de analogias que envolvem técnicas audiovisuais, como utilizar um animal para representar o produto, por exemplo.

Adicionando pontos a partir do meu olhar, observo que estilos mesclam-se, por exemplo, no comercial da marca internacional Libresse23, de absorventes íntimos.

Agência: AMV BBDO Cliente: Bodyform

Produto: Libresse (Absorvente íntimo) Título: Blood

Vemos mulheres, uma a uma. Todas têm algo em comum, se preparam para algo.

Uma gota de sangue escorre em uma superfície coberta por cristais de gelo.

As mesmas mulheres são mostradas uma a uma praticando esportes de forma intensa.

Boxe. Rugby. Corrida. Surf.

Na sequência a lutadora de boxe é nocauteada e sangue escorre pela sua face.

A corredora cai.

A surfista é derrubada pela onda.

Submerge no mar de olhos fechados e o sangue forma uma mancha vermelha que se dispersa na água.

Uma a uma se levanta.

A bailarina ensaia em um estúdio de dança.

Tira a sapatilha e revela sangue nos dedos machucados. Na floresta coberta pela neve, a praticante de BMX carrega sua bicicleta com bravura.

Um buraco na parte externa de sua calça, revela um corte em sua coxa.

Ela aparece andando na bicicleta de forma intensa no mesmo cenário de neve.

Três meninas andam de skate em uma pista. Caem. Riem. O cotovelo de uma delas sangra.

A alpinista sobe uma montanha. Vemos suas mãos machucadas sangrando.

O time de Rugby volta a aparecer. A jogadora mostrada no início é derrubada. O sangue escorre pela sua face. Ela corre com a bola na mão em direção a vitória.

Uma Cavaleira Bárbara montada em um cavalo segura sua espada e tem seu rosto marcado por cortes.

Os dedos da bailarina reaparecem machucados entrando em posição de ponta.

A surfista submersa abre os olhos.

A corredora ainda olhando para os asfalto começa a levantar do chão.

A cavaleira bárbara levanta sua espada. A corredora volta a correr.

A jogadora de Rugby comemora a vitória com sangue escorrendo pelo rosto.

A skatista faz uma manobra e levanta as mãos para o alto. Um dos joelhos da corredora sangra enquanto corre. A cavaleira cavalga pela neve.

LETTERING: NO BLOOD SHOULD HOLD US BACK. (NENHUM SANGUE PODE NOS SEGURAR)

A boxeadora cospe sangue pela boca. A bailarina dança gloriosamente.

A boxeadora nocauteia sua rival e encara a câmera com um corte no nariz.

Muito Sangue forma manchas dentro de um plano apenas de água.

LETTERING: LIVE FEARLESS (VIVA SEM MEDO) ASSINATURA: Marca (LIBRESSE)

Observe que ao mesmo tempo em que as atrizes atuam como exemplos através das suas ações, o filme também está totalmente orientado ao valor principal da marca, que é viver sem medo, o que nos mostra como os estilos são perfeitamente complementares. No caso, o medo é do sangue da menstruação, representado em sentido figurado, pelo sangue nos machucados gerados através dos esforços e fracassos esportivos que cada uma das personagens desempenha, mas diante deles, não desistem e obtêm êxito.

O que quero exemplificar com isso, é que a teoria pode passar uma noção muito fixa e estruturada de como é a escrita de um roteiro, mas no território da criação publicitária, bastante similar ao das artes, nada é estático. Todas as descrições feitas, aqui, são conselhos, formas para facilitar a organização da estrutura, mas não existe uma lei ou regra suprema quando se está criando, tudo se mistura e se recria.

Após a decisão de como orientar a mensagem do roteiro, o autor afirma que é sempre bom sintetizar a ideia central da propaganda em uma sinopse. Com estilo mais literário, a sinopse, na propaganda, segundo o autor, faz as vezes do argumento do roteiro de cinema:

Sinopse é uma narração breve, um resumo, um sumário, uma síntese. É o roteiro sem as divisões de cenas, as falas, as locuções. Ela é objetiva e traz apenas a ideia principal, descrita, é claro de maneira interessante e vendedora, sedutora (Barreto, 2004, p. 48).

Apesar de um texto mais simples, a sinopse já deve conter, o que o autor chama de três atos narrativos fundamentais que compõem um evento: apresentação, desenvolvimento e a solução. Também é necessário que a sinopse responda três perguntas: quando, onde, o quê e qual é o desfecho final. Nas sinopses geralmente cria-se o título da propaganda, que será útil para identificação em documentos de veiculação de mídia e também para inscrever nos festivais de propaganda.

Particularmente, gosto muito de escrever várias sinopses diferentes, explorar diversos caminhos, até decidir qual submeterei a estrutura de roteiro, criarei diálogos, personagens, aprofundarei o enredo. Em uma das agências que estagiei, o diretor de criação sempre exigia que apresentasse três caminhos criativos para as campanhas e geralmente isso ocorria em forma de sinopse. Aprendi, e levo comigo a ideia que a sinopse ajuda a oxigenar as ideias boas e satisfazer a vontade de expressar àquelas ideias que no momento não servem tanto assim, mas podem ser guardadas como boas opções futuras.

Um caso que não obedece à criação de uma sinopse, é o que poderíamos chamar de gênero documentário na propaganda. É muito raro que um filme publicitário seja totalmente documental, afinal no cinema a definição do gênero se dá por:

[...] como a definição é difícil, em geral se explica o documentário não por suas qualidades intrínsecas, mas pela negativa: documentário é não-ficção (não por acaso, os povos de língua inglesa chamam os documentários de nonfiction films) (MACHADO, 2011, p. 6 apud BATISTA; REVERS 2015, p.5).

Como o foco do presente trabalho é a construção de um roteiro sob a estratégia criativa do Femvertising, esse assunto nos interessa pouco, pois na criação de filmes publicitários que se aproximam do documentário não há uma pré- construção narrativa, ou seja, não existe um trabalho de construção de roteiro, envolve um pré-roteiro que apenas organiza a ideia ou conceito a ser reforçado pelo filme.

O documento que estamos nomeando por pré-roteiro, geralmente expõe um problema de pesquisa para o documentário, que serve de conflito, e a procura de um universo que seja o desejado para averiguar o resultado dessa pesquisa. Ou também pode ser do tipo expositivo, que elege alguém, ou algumas pessoas, para serem gravadas situações de suas vidas, que servem de exemplo, ilustrando o funcionamento, uso de um produto, ou os princípios de uma marca ou propósito.

Justifico não ter ido a fundo no assunto de filmes próximos ao documental, pois dado o arco da ação dramática, início, meio e fim, no pré-roteiro desses comerciais, apenas construiríamos um conflito, o desenvolvimento seria resultado da gravação e a solução, se daria pela cena gravada mais a manipulação realizada na montagem, não necessitando amplamente da figura do redator ou roteirista.

Faço esse adendo, pois encontrei essa escolha narrativa em alguns casos do que até agora é conhecido como Femvertising que atingiram grande projeção midiática. Julgo que isso ocorra, talvez porque a realidade exposta seja uma forma de gerar credibilidade para a ideia mostrada, principalmente por envolver um tema ainda tabu para a propaganda e a sociedade, como a igualdade de gênero.

Um exemplo é o filme da marca Adidas, “Candace Parker. Here to Create”24. Criado a partir da seleção de posts reais, feitos pela jogadora de basquete Candace Parker, na rede social Instagram, em que interage com sua filha. O conceito da propaganda gira em torno do “Here to Create” (Aqui para criar), é incluída no Femvertising, pois trata de recriar a imagem da mulher e mãe.

O que vemos nos posts é uma atleta destemida, o mote da propaganda fica em um vídeo, feito pela própria Candace, retirado na íntegra da rede social, em que treina próximo a filha, e esta grita feliz “My mom is a beast” (Minha mãe é uma fera), no sentido de que a mãe é demais. Desvinculando a ideia de uma figura de mãe e sexo frágil, que vive apenas para os filhos e família. Os vídeos de Candace ilustram o dia a dia da mulher, que também é mãe, tem uma filha feliz e nem por isso deixa de ser uma das maiores jogadoras de basquete dos Estados Unidos. A Adidas ganha com isso, pois aparece como uma marca que apoia essas ideias de recriar estereótipos por um mundo mais igualitário.

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