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ELEMENTOS DO TRATAMENTO ROTEIRO

2 O ROTEIRO PUBLICITÁRIO

2.3 ELEMENTOS DO TRATAMENTO ROTEIRO

Após a sinopse mais adequada ser escolhida, chega a hora do tratamento, ou dos tratamentos, já que geralmente são feitos bem mais que um. O roteiro é tratado até os elementos da ação dramática estarem suficientemente aprimorados para serem filmados.

Antes dos elementos dramáticos, é crucial informar, onde e quando a história estará ocorrendo, pois é a partir dessas informações que se dividem as cenas. Segundo Barreto (2004, p. 77) "Cena é uma seção contínua de ação dentro de uma mesma localização".

A formatação de um roteiro de cinema geralmente se dá dividida em cenas. Mckee (1997) cita o método Master Scenes, em que a localização e o turno servem de cabeçalho para cada cena.

Os roteiros publicitários são mais fluídos em termos de regras de formatação, até porque são menores, compostos mais ou menos ao que corresponderiam, as vezes, a uma cena ou no máximo a um ato de um roteiro cinematográfico. Por isso, Barreto (2004) indica separar cada nova ação em um novo parágrafo, que se assemelha a uma descrição literária. Afinal, um ato geralmente contém um evento, começo e meio e fim. Segundo Mckee (1997), o evento é a narrativa de uma ação, sempre correspondente a uma alteração de valores, sendo esses positivos ou negativos em torno do objetivo desejado.

No momento do tratamento é sempre importante ponderar e excluir coisas que não alteram a mudança dos valores da situação, dos personagens, ou muitas

25 Para maiores esclarecimentos consultar a primeira página do Roteiro, escrito por Bráulio

Mantovani. Disponível em:< http://www.roteirodecinema.com.br/banco/cidadededeus12.pdf > Acesso em: 15 de setembro de 2016.

vezes do produto não agregando em nada ao objetivo e assim ao próprio roteiro. Outro detalhe colocado pelo autor de Story, é que a mudança de valor dentro de uma experiência não deve ocorrer por coincidência. Deve, sempre, ocorrer por uma razão: no presente caso, por exemplo uma mudança positiva poderia acontecer pela adoção dos princípios do Femvertising na propaganda ou uma mudança negativa pela total ausência deles.

Barreto (2004) disserta um pensamento similar ao de Mckee, aconselhando a nunca escrever uma cena sem função na narrativa do roteiro. Pois são as cenas da propaganda, que criam lembranças para marcas, produtos e propósitos na mente do consumidor. Na sequência, apresento um exemplo da formatação utilizada por Barreto, que será seguida no roteiro do presente trabalho (Figura 02).

Figura 02 – Exemplo da formatação de um roteiro publicitário

Podemos observar que após os elementos de identificação, o roteirista localiza a história, descreve de maneira literal o que precisa ser visto e ouvido no filme. Sem uma estrutura extremamente elaborada.

Existem diversas formas de orientar e detalhar uma localização, não precisa Fonte: (BARRETO, 2004, p.86)

ser tão genérica como no exemplo (praia). Barreto (2004) discorre, embasado pelo método de Eugene Vale, que localizar pode englobar a natureza do local, uma casa, um porão, ou um parque; o modo, se é noite, ou dia, se está cheio, ou vazio, se é pobre, brega, ou modernista; se tem relação com o personagem e sua ação, um esconderijo, uma casa que acentue sua personalidade, rica ou pobre; a atmosfera da localização, transmite angústia, magia, ou nostalgia.

O autor aconselha fugir do óbvio e sempre lembrar que a localização, o clima e tempo tem função dentro da narrativa, não deve ser apenas decorativa. Esta deve aparecer logo abaixo do título de forma concisa, e sempre que alterada, é preciso indicar logo acima da cena que diz respeito.

O tempo dramático pode ser diferente do tempo da realidade, trinta segundos podem durar uma vida, uma coisa nova, envelhecer ou o contrário. Usar relógios, cronômetros, informando a passagem de tempo, é o recurso mais comum, afinal são coisa óbvias que utilizamos no dia a dia. Mas se o tempo importa para a narrativa é interessante que sua passagem seja criativa, se o tempo apenas é outro da realidade, passado ou futuro, cenário, figurino, e elementos que podem ser descritos e também compor os personagens, acabam criando a atmosfera necessária para essa informação. O autor assinala, que é sempre importante perceber a diferença de tempo para temporalidade, já que esta é a indicação da data, da época, da hora, do período em que a história acontece, o tempo é a passagem, descontínuo, ou contínuo, ao contrário ou ordenado.

O filme publicitário “Dia do orgulho LGBT”26 da marca de cervejas SKOL, não é exatamente alicerçado sob a estratégia criativa do Femvertising, mas trabalha o tema da igualdade de direitos e é um bom exemplo do uso inteligente e arquetípico de elementos que demonstram a passagem do tempo.

Conflito:

SOM de uma sirene de polícia.

Em uma rua deserta à noite objetos estão pegando fogo, como em um front de protesto. Vemos alguém sozinho de costas.

A sirene cessa aos poucos e entra uma trilha sonora intensa.

Conforme nossa visão se aproxima, essa pessoa vira de frente e nos revela um rapaz de aparência andrógina e alternativa. Alguém passa correndo por ele, que começa a caminhar encurvado, demonstrando receio.

Desfecho:

O ambiente começa a se tornar mais iluminado como se amanhecesse.

O mesmo homem negro segura na outra mão do

protagonista e também segue caminhando ao seu lado. Aparecem muitas pessoas com diferentes estereótipos para seguir com ele.

As pessoas caminham em marcha ao lado e atrás dele. Amanhece completamente. Algumas pessoas da marcha carregam sinalizadores coloridos e a fumaça nas cores da bandeira do orgulho LGBT vai se espalhando pelo céu, enquanto todos seguem caminhando de cabeça erguida em nossa direção.

LETTERING: Respeito is on LETTERING: SKOL

A relação inteligente é a de relacionar noite, na exposição do conflito e o amanhecer para o desfecho, intensificando o significado entre a relação: preconceito versus vencer o preconceito. Dessa forma ocorre uma composição arquetípica, pois utiliza símbolos do imaginário cultural universal, como escuro para conflito e amanhecer para solução. Elementos como conflito e desfecho, serão explicados mais detalhadamente na sequência.

O conflito, também é conhecido por plot, Barreto (2004), afirma ser o elemento responsável por gerar a ação dentro da estrutura do roteiro. Sua importância é crucial pois sem ação, não há drama, não há cena.

McKee (1997) descreve o conflito como a revelação do que está em desequilíbrio na história, o momento que evidencia a necessidade de uma mudança de valor na vida do personagem ou nos eventos da história, algo que precisa ser reparado. Na publicidade, essa reparação, geralmente, ocorre através das marcas e seus valores, produtos ou principio a ser defendido. O conflito deve ser compreensível, arquetípico, universal, para alcançar a empatia do público pela dramatização. Barreto escreve (2004, p. 57) "É no plot que está a força do roteiro.

Ele é a forma da ideia, o caminho escolhido para causar o impacto. Junto com o personagem protagonista, o personagem coadjuvante e com a ação, ele forma o núcleo dramático do roteiro."

O elemento ponto de virada, chamado também de clímax ou plot twist, segundo Barreto (2004), não é obrigatório em roteiro publicitário, como é no cinema. Mas é um artifício cada vez mais utilizado, devido ao aumento do tempo dos filmes publicitários, em razão de muitos, atualmente, serem produzidos para web, e com o foco no entretenimento, precisarem de histórias mais complexas, para serem consumidos como conteúdos.

Mckee (1997) descreve o clímax como elemento surpresa responsável por preencher a lacuna da expectativa criada anteriormente, servindo de elo entre conflito e desfecho, ou seja, entre expectativa e resultado é o algo inesperado que ocorre e gera mudanças permanentes na história.

Barreto (2004, p. 57) escreve que "ponto de virada é qualquer incidente, episódio ou evento inesperado que leva a ação dramática para outra direção ou apresenta uma situação que o espectador não esperava".

A solução final ou desfecho, como o nome já deixa claro, é a resolução do conflito, e pode ser o fim do comercial. Segundo Barreto (2004), ela ocorre geralmente através do produto, marca ou adoção da ideia anunciada, que servem como super-heróis na história. Outro ponto adicionado pelo autor é que quando a solução final vem antecedida, ou é apresentada, através de um ponto de virada, o impacto do filme é maior e por isso o fator lembrança tem chance de funcionar melhor.

Penso que isso ocorre, pois o elemento surpresa sempre ajuda a lembrança a ser fixada na mente de quem assiste, pela carga emocional que transmite. E ao ler o livro de Barreto (2004), percebo que ele concorda com o fato, de que ao ser surpreendido, impactado, o consumidor através da carga emocional, lembrará melhor do que assistiu.

Mesmo que se aproxime mais ao documental, não explorando tanto a construção de um roteiro, o filme “Like a Girl”27 da marca de absoventes íntimos Always, considerado um marco na história do Femvertising, é um bom exemplo para ilustrar a existência de conflito, ponto de virada e solução final.

27 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yIxA3o84syY> Acesso: 15 de setembro de 2016.

A estratégia criativa de Like a Girl (Agir como uma Garota), gira em torno de uma pergunta em lettering, norteia a apresentação e o conflito, “O que significa correr como uma garota?”, nas cenas seguintes, vários adultos, mulheres e homens, e meninos dão sua opinião, nenhuma positiva. Outro lettering surge centralizado “Quando fazer algo como uma garota, virou sinônimo de insulto?” Então, um dos entrevistados anteriores percebe como a construção de discurso da sociedade, reproduzida por ele, é ofensiva e machista.

O ponto de virada ocorre logo após surgir o lettering “Então, perguntamos para as meninas.” E meninas, todas crianças, dão apenas respostas positivas. Assistindo como pesquisadora, fica mais evidente, que neste momento o impacto emocional se torna alto, em quem está consumindo este conteúdo.

Outros dois letterings iniciam o desfecho “A confiança de uma garota despenca durante a puberdade.” Seguido por “Mas isso não deveria acontecer”, então uma das garotinhas entrevistadas surge, e ouve a pergunta “O que significa correr como uma garota?”, para a qual ela responde “Significa correr o mais rápido que você puder”. E nesse momento é muito difícil não estar com os olhos marejados, mesmo tentando ficar distante do objeto. Por fim, o lettering entra como um convite, que demonstra bem o valor da marca: “Vamos transformar agir como uma garota em coisas maravilhosas” e posteriormente a assinatura da marca.

Como redatora, é muito satisfatório observar uma criação baseada pelo significado de expressões linguísticas, e a necessidade dos Letterings guiarem a estrutura do filme. Como publicitária, é de se observar a estratégia sutil com que o vídeo vende o produto (absorventes) tratando de símbolos relacionados a menstruação, como puberdade, autoconfiança, e soma a isso um posicionamento, ao colocar a marca ao lado de valores que empoderam as mulheres, seu público alvo.

Além desses elementos, há outros, elencados por Barreto (2004), igualmente importantes, o clima, as emoções, e o ritmo, pois tratam de provocar e aumentar o impacto no consumidor e assim o nível de lembrança. Eles estão presentes dentro do conflito, clímax e solução, e ajudam a trazer credibilidade para a propaganda, já que a função do roteiro é persuadir alguém a comprar, acreditar ou adotar um comportamento, a narrativa precisa apresentar, antes de tudo, credibilidade.

O clima é a sensação que precisa ser transmitida através dos recursos do audiovisual para o público, clima jovem, clima verão, são exemplos que o autor traz,

mas por trás desses nomes altamente usados estão elementos que precisam ser descritos no roteiro, como: movimentos, iluminação, detalhes de cenário, cores, referências, características físicas do personagem, letterings, tom da locução, tom das falas, para que seja certeiro ao objetivo, ao público alvo e a história. Essa descrição de detalhes, segundo o autor, deve ser breve, afinal o trabalho do roteirista é criar e desenvolver a narrativa, a ideia. A forma como ela será transformada em imagens, ou seja, o roteiro técnico, compete ao diretor do filme publicitário.

O ritmo é o elemento do roteiro formado por elementos da narrativa, como cenas, diálogos e ação dos personagens. É importante que seja dinâmico, já que raramente alguém assiste publicidade predisposto à experiência, mas o autor coloca que isso não significa ser muito dinâmico, o ritmo deve obedecer ao ritmo de compreensão do seu público alvo.

Emoções, ou a tentativa de gerá-las no consumidor, segundo Barreto (2004), são importantes para captar atenção e gerar lembrança. Mckee (1997) aprofunda essa relação de significado e emoção, expondo que a experiência emocional significativa relativa a obra fantasia serve para reviver a vida, de quem assiste, morta pela rotina. A ilustração discursiva da propaganda fornece em sentido, uma superação do estado atual, dos conflitos do real, para os conflitos da narrativa, que já apresentam um caminho, geralmente comercial ou ideológico, para atingir a harmonia e beleza.

Criar uma história em torno de marca, produto ou princípio tangível é dramatizar para emocionar. A construção da estrutura dos eventos serve para expressar uma ideia, mesmo que de maneira metafórica e comprová-la através da narrativa, por isso Mckee afirma que a estrutura serve de base retórica para justificar a escolha, a criação do desejo na audiência.

Quanto mais a propaganda faz as vezes de conteúdo, mais se fala nas propagandas que emocionam, pegam o público pela história que embala a marca, Segundo Barreto, essas emoções geram pontos de identificação com o público, o que Mckee chama de empatia gerada pela compreensão da narrativa. O público ao desenvolver empatia pelo conteúdo, fica motivado a se deixar envolver.

Barreto (2004), em seu livro, defende a existência desses pontos de identificação em todas as cenas de um comercial clássico de TV que geralmente possui duração de trinta segundos, alegando que o pouco tempo exige uma carga

de emoções não apenas para manter a cara atenção do consumidor, que não está disposto a ver propaganda, mas também para gerar identificação após o fim do comercial, a chamada lembrança, que muitas vezes é propulsora do desejo.

O roteiro do Filme “First Moon Party”28, explora algo universal da vida das mulheres, o conflito da primeira menstruação. Produzido pela empresa Hello Flo, que atua no ramo de consultoria para produtos e educação do segmento da menstruação e saúde da mulher, é um bom exemplo, que engloba Femvertising, e grande parte dos elementos aqui trabalhados.

Em “First Moon Party” (Festa da primeira Lua). Uma menina, pré-adolescente ao perceber que todas as suas amigas ficaram menstruadas, mas ela não, decide falsear a situação. O ponto de virada, A mãe diante da mentira, decide ensinar uma lição para a filha, e cria a festa “Da primeira Lua”, tematizada sobre a menstruação, e convidar amigos e família. Quando a menina não aguenta mais a situação que se seguiu, decide contar a verdade. A solução final ocorre, quando a mãe, ao ouvir a confissão, entrega o Kit educacional da Primeira menstruação, vendido pela Hello Flo, exemplificando que sem mentiras, mas como uma boa conversa tudo poderia ser resolvido mais rápido.

Após trabalhados conflito, clímax e desfecho, no processo de criação, parte- se para lapidar outros elementos, que estão no interior destes, os quais chamarei primários e por isso tratarei os próximos como elementos secundários do roteiro, não pela importância, mas pela ordem de etapas no método de desenvolvimento.

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