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Internação compulsória e serviço social: negação ou garantia de direitos?

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

CAMILA EICHELBERG MADRUGA

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E SERVIÇO SOCIAL: NEGAÇÃO OU GARANTIA DE DIREITOS?

Ijuí/RS 2013

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CAMILA EICHELBERG MADRUGA

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E SERVIÇO SOCIAL: NEGAÇÃO OU GARANTIA DE DIREITOS?

Orientadora: Ma. Solange Emilene Berwig

Ijuí/RS 2013

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

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CAMILA EICHELBERG MADRUGA

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E SERVIÇO SOCIAL: NEGAÇÃO OU GARANTIA DE DIREITOS?

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________________ Professora Ma. Solange Emilene Berwig (Orientadora)

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

____________________________________________________ Professora Ma. Marisa Camargo

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

Ijuí/RS, dezembro de 2013.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

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Aos meus pais, Jorge e Marli, pelo afeto e pelo cuidado incondicional, e ao meu namorado Fabrício, pela amizade e pelo incentivo para a realização deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.

Antoine de Saint-Exupéry

À Deus, pela energia e pela força.

À minha mãe Marli, símbolo de força e resistência, pela dedicação e pelo amor que sempre demonstrou nos grandes e pequenos gestos, e ao meu pai Jorge, pela amizade, pelo carinho e por um dia ter dito “vai, tenta, e se não der certo, vou estar aqui”.

Ao Fabrício, meu namorado e meu melhor amigo, por acreditar em mim, por me compreender e embarcar comigo nas minhas aventuras.

À minha afilhada Joana, melhor surpresa que a vida pode me reservar, que um dia vai entender os motivos da sua “dinda” não estar com ela por mais tempo nesses últimos anos.

Aos meus amigos, tanto aqueles que passaram por minha vida deixando boas lembranças, quanto aqueles que ainda me fazem companhia nesse caminho.

Aos professores do Curso de Graduação em Serviço Social da UNIJUÍ, pelo conhecimento que compartilharam com tanta dedicação, pela amizade, pelas experiências e momentos inesquecíveis que vivemos ao longo dos anos de formação acadêmica.

À minha orientadora, amiga e professora Solange Emilene Berwig, profissional competente que com dedicação, sabedoria e humildade me acompanhou nesse processo de formação, apaziguando meus medos e incentivando meus sonhos e projetos.

Às funcionárias da UNIJUÍ, Daiane e Raquel, pelo apoio e colaborações.

Aos colegas do Curso de Graduação em Serviço Social da Unijuí, companheiros de caminhada, e também aqueles de outros cursos que encontrei em espaços de pesquisa, ensino e extensão da universidade. Um agradecimento especial à querida colega e amiga Priscila Schmidt, pela sinceridade, cumplicidade e pelas boas discussões.

Às instituições da rede de atenção do município de Ijuí que autorizaram a realização da pesquisa que originou este Trabalho de Conclusão de Curso e às assistentes sociais, sujeitos da pesquisa, pela atenção e pelo conhecimento que partilharam durante a realização dessa pesquisa.

À banca examinadora, pela disponibilidade para a avaliação e contribuições para este Trabalho de Conclusão de Curso.

A todos aqueles que incentivaram e contribuíram para a realização deste trabalho. Muito Obrigado!

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[...] Liberdade – essa palavra, que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda!

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RESUMO

Este trabalho tem como tema a internação psiquiátrica compulsória. Objetiva analisar o trabalho dos assistentes sociais no atendimento de demandas de internação compulsória em Ijuí/RS no segundo semestre de 2013, visando contribuir no debate de alternativas de atendimento em saúde mental. O estudo tem abordagem qualitativa, norteada pelo método dialético crítico, o qual fundamenta o conhecimento do objeto de pesquisa a partir da apreensão das categorias contradição, totalidade, historicidade e mediação. A pesquisa é do tipo exploratória, sendo desenvolvida através de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A pesquisa de campo foi realizada com a utilização de formulário preenchido pelo pesquisador através de entrevista. Os dados coletados foram posteriormente transcritos e analisados utilizando a análise de conteúdo. Inicialmente, resgata-se brevemente a história do atendimento em saúde mental no Brasil principalmente a partir do surgimento da reforma psiquiátrica, contextualizando a organização da rede de atenção em saúde mental. Abordam-se também as discussões sobre a internação compulsória na contemporaneidade. Discute-Abordam-se a centralidade da categoria trabalho para a análise do modo de produção capitalista e para a compreensão da inserção do Serviço Social em processos de trabalho coletivos. Nesse sentido, são apresentadas as principais transformações do modo de produção capitalista nas últimas décadas, além dos elementos constitutivos dos processos de trabalho e a inserção do assistente social na área de saúde mental. Apresenta-se ainda o percurso da pesquisa de campo bem como são discutidos alguns dos principais resultados do estudo, considerando o problema de pesquisa e as questões norteadoras. Nesse contexto, evidencia-se o trabalho do assistente social no sentido de viabilizar o acesso dos usuários aos seus direitos, conforme o projeto ético-político da profissão.

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ABSTRACT

This work is subject to compulsory psychiatric hospitalization. It aims to analyze the social workers in meeting the demands of compulsory hospitalization in Ijuí/RS in the second half of 2013, aiming to contribute to the debate of alternative mental health care. The study has a qualitative approach, guided by critical dialectical method, which bases the knowledge of the research object from the seizure of categories contradiction, totality, historicity and mediation. The research is exploratory type, being developed through a literature review and field research. The field research was conducted with the use of form completed by the researcher through interviews. The collected data were later transcribed and analyzed using content analysis. Initially, we recall briefly the history of mental health care in Brazil mainly from the emergence of the psychiatric reform, contextualizing the organization of mental health care network. It addresses also discussions on compulsory hospitalization in contemporary times. It discusses the centrality of work category for the analysis of the capitalist mode of production and to understand the inclusion of Social Work in processes of collective work. In this sense, we present the main transformations of the capitalist mode of production in recent decades, in addition to the constituent elements of the work processes and the integration of the social worker in the mental health field. Still shows the course of field research are discussed as well as some of the main results of the study, considering the research problem and guiding questions. In this context, there is evidence of the work of the social worker in order to facilitate users' access to their rights as the ethical-political project of the profession.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – A assistência psiquiátrica nos períodos históricos do Brasil...22

Quadro 2 – As modalidades dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) I, II e III...27

Quadro 3 – Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS i) e Álcool e outras Drogas (CAPS ad e CAPS ad III)...28

Quadro 4 – Tipos de internação psiquiátrica...34

Quadro 5 – Quadro metodológico da pesquisa...57

Quadro 6 – Os sujeitos da pesquisa...60

Tabela 1 – Características dos usuários internados compulsoriamente...63

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ABESS - Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

CEDEPSS - Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

DINSAM - Divisão Nacional de Saúde Mental ESF - Estratégia de Saúde da Família

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MTSM - Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental NAPS - Núcleos de Atenção Psicossocial

NASF - Núcleos de Apoio à Saúde da Família OMS - Organização Mundial da Saúde

OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde

PNASH/Psiquiatria - Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria PRH - Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS SRT - Serviços Residenciais Terapêuticos

SUS - Sistema Único de Saúde UBS - Unidade Básica de Saúde

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA ... 14

2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL ... 14

2.2 O PROCESSO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL ... 17

2.3 ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL: OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XXI ... 23

2.4 A LEI 10.216/2001 E AS INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ... 31

2.5 DISCUSSÕES SOBRE A INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA COMPULSÓRIA NA CONTEMPORANEIDADE ... 35

3. TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL ... 39

3.1 O TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ... 39

3.2 PROCESSOS DE TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL ... 44

3.2.1 Os elementos constitutivos do processo de trabalho ... 47

3.3 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO CAMPO DA SAÚDE MENTAL ... 52

4. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL: A PESQUISA DE CAMPO ... 56

4.1 O PERCURSO DA PESQUISA DE CAMPO ... 56

4.2 A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL: AS APROXIMAÇÕES COM O OBJETO DE PESQUISA ... 61

4.2.1 A apreensão do objeto de trabalho: internação compulsória e questão social ... 61

4.2.2 O trabalho em si e os meios de trabalho ... 66

4.2.3 O produto do trabalho ... 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75

REFERÊNCIAS ... 78

APÊNDICE A – INSTRUMENTO PARA COLETA DE DADOS DA PESQUISA ... 84

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 87

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1. INTRODUÇÃO

O contexto do modo de produção capitalista se caracteriza pelo conflito entre duas classes sociais com interesses distintos. Nesse espaço de contradição, está exposta a luta contra a exploração do trabalho e a desigualdade ao mesmo tempo em que se afirma a defesa dos interesses do capital e a manutenção das relações sociais baseadas no acúmulo de riquezas. Assim, os avanços do modo de produção capitalista, radicalizando as formas de exploração e impondo a retração dos direitos, marcam o cenário contemporâneo.

No Brasil, entre os movimentos de luta pela garantia de direitos, destacam-se os movimentos de reforma sanitária e de reforma psiquiátrica, os quais desde a década de 1970 tencionam a garantia da saúde como um direito universal bem como o redirecionamento do modelo de atenção em saúde mental, apontando para um caminho diverso da institucionalização, histórico meio de atendimento das pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas.

Embora com os avanços conquistados nos últimos anos, a institucionalização ainda é marca recorrente no âmbito da saúde mental, exemplificada pela ampliação dos debates a respeito das alternativas de atendimento aos usuários de álcool e outras drogas, especialmente nos grandes centros urbanos do país. Esses debates foram reforçados por ações em âmbito legislativo que afirmam, entre outras coisas, a busca de atendimento para esses usuários através da internação involuntária e compulsória, regulamentadas na Lei 10.216/2001, embora indicadas somente em situações onde os recursos extra-hospitalares não tenham se mostrado suficientes.

Tendo em vista o contexto apresentado, muitos desafios têm sido colocados para os diferentes profissionais que atuam no campo das políticas sociais, neste caso, a política de saúde mental. Nesses processos coletivos de trabalho inserem-se os assistentes sociais, atuando em diversas instituições da rede de atenção com as múltiplas manifestações da questão social que conformam o seu objeto de trabalho.

Nesse sentido, este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo analisar o trabalho dos assistentes sociais no atendimento de demandas que envolvem a internação compulsória no município de Ijuí/RS, durante o segundo semestre de 2013. O interesse pelo tema iniciou durante a realização do Estágio Supervisionado em Serviço Social, o qual foi realizado na área sociojurídica, junto ao Núcleo de Práticas Jurídicas – Escritório Modelo da

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), durante o ano de 2012 e primeiro semestre de 2013.

O estágio supervisionado configura-se como um importante momento da formação profissional, uma vez que possibilita ao acadêmico estabelecer as relações entre as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa do Serviço Social, realizando a identificação do contexto em que o profissional atua em suas múltiplas relações, limites e possibilidades.

Durante a realização do estágio, foram acompanhadas situações que envolviam a internação compulsória, possibilitando discussões sobre o tema e sua eficácia no atendimento dos usuários, além da importância da família e da articulação da rede de atenção para o atendimento das pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas. Tais discussões despertaram o interesse pela área da saúde mental e, principalmente, em relação à luta pela garantia de direitos dos usuários.

A relevância acadêmica e profissional desta pesquisa se dá pela possibilidade de contribuir nos debates realizados pela categoria profissional em relação à luta pela garantia de direitos nos diversos espaços sócio-ocupacionais, além de oferecer subsídios para uma maior compreensão sobre a internação compulsória e o trabalho do assistente social. Ressalta-se também as poucas publicações que tratem especificamente do tema em estudo.

Assim, este Trabalho de Conclusão de Curso baseia-se em uma pesquisa com abordagem qualitativa, norteada pelo método dialético-crítico, o qual propõe o conhecimento do objeto de pesquisa a partir da apreensão das categorias contradição, totalidade, historicidade e mediação. Como categorias de estudo, tem-se a internação psiquiátrica compulsória e o processo de trabalho. O desenvolvimento da pesquisa deu-se através de pesquisa bibliográfica e de campo, com a utilização de formulário preenchido pelo pesquisador através de entrevista. Os dados coletados foram posteriormente transcritos e analisados utilizando-se a análise de conteúdo.

Considerando a introdução como primeiro capítulo deste trabalho, o segundo capítulo apresenta um breve resgate histórico do atendimento em saúde mental no Brasil, especialmente a partir da década de 1970, com o surgimento do movimento de reforma psiquiátrica, até o contexto mais recente, com a organização da rede de atenção em saúde mental. Aborda-se também o contexto das internações psiquiátricas regulamentadas pela legislação brasileira, apontando as principais discussões sobre a internação psiquiátrica compulsória na atualidade.

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No terceiro capítulo, discute-se a centralidade da categoria trabalho para a análise do modo de produção capitalista, bem como no âmbito do Serviço Social. Dessa forma, contextualiza-se o desenvolvimento desse modo de produção, apresentando suas principais transformações nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. Aborda-se ainda a centralidade desta categoria para o Serviço Social, compreendendo o trabalho do profissional a partir de sua inserção em processos de trabalho e, por fim, contextualiza-se o trabalho do assistente social na área da saúde mental.

No quarto capítulo, é apresentado o percurso da pesquisa de campo, considerando seu planejamento e execução, além da metodologia utilizada para a coleta e análise das informações. Em seguida, discutem-se os principais dados coletados tendo como orientador as questões norteadoras e o problema de pesquisa. Assim, apresenta-se uma análise em relação ao trabalho do assistente social com demandas de internação compulsória a partir dos elementos constitutivos do processo de trabalho.

Por fim, nas considerações finais do estudo apresentam-se algumas reflexões sobre a pesquisa de campo, seus limites e possibilidades, bem como sobre o trabalho do assistente social em relação à internação compulsória.

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2. A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Neste capítulo são resgatados os principais elementos referentes ao atendimento em saúde mental no Brasil nos seus diferentes períodos históricos, apresentando o processo de reforma psiquiátrica iniciado no final da década de 1970 e que mantém seu percurso de luta na atualidade, expressando-se tanto na busca pela redução de leitos em hospitais psiquiátricos quanto na ampliação e fortalecimento dos serviços extra-hospitalares.

Com a mudança do modelo de atenção hospitalocêntrico para um modelo baseado em serviços comunitários, são apresentadas as principais instituições que compõem a rede de atenção em saúde mental estruturada a partir de territórios e equipes multidisciplinares. Essa rede objetiva a reinserção social das pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas, bem como a garantia de seus direitos.

Tendo em vista o objeto de pesquisa, abordam-se as internações psiquiátricas regulamentadas pela Lei Nº 10.216, de 06 de abril de 2001, marco da reforma psiquiátrica brasileira. Por fim, a discussão se situa na internação psiquiátrica compulsória na contemporaneidade, abordando a contraditoriedade existente entre a garantia de direitos e o desenvolvimento do modo de produção capitalista.

2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL

Historicamente, o atendimento aos indivíduos com transtornos mentais caracterizou-se pelo asilamento e pela exclusão social. Com as transformações sociais, a loucura, inicialmente associada a uma perspectiva religiosa e mística, passa a ser vista com uma percepção moralizante e, mais tarde, submetida à ciência e à razão (AMARANTE, 1995; HEIDRICH1, 2007). A Idade Moderna, período histórico marcado pelas transformações ideológicas, políticas, sociais e econômicas, inaugurou a institucionalização da pobreza e da loucura, as

1 Tese de Doutorado intitulada Reforma psiquiátrica à brasileira: análise sob a perspectiva da

desinstitucionalização, defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sob a orientação da Professora Dra. Berenice Rojas Couto.

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quais passam a se constituir como um “obstáculo à nova ordem social”, marcada pela valorização do trabalho (AMARANTE, 1995, p. 24).

A internação não possuía finalidades médicas nesse período, sendo os hospitais responsáveis por “cuidar daqueles que a sociedade não queria ou não podia fazê-lo” (HEIDRICH, 2007, p. 28). Somente a partir do século XVIII, com as revoluções que transformaram as relações sociais a partir do estabelecimento do modo de produção capitalista e com a concretização da ciência como fonte de verdade, o hospital transforma-se em uma instituição médica.

A loucura se transformou em objeto de conhecimento científico, instituindo-se como uma doença. Nesse sentido, conforme Amarante (1995), há a constituição do campo médico da psiquiatria bem como o avanço dos manicômios, instituições psiquiátricas nas quais os indivíduos com transtornos mentais eram asilados, sendo sujeitos de estudos e pesquisas que buscavam a classificação dos transtornos mentais e ainda, métodos para o tratamento. A institucionalização da loucura com o objetivo de tratá-la legitimou a exclusão social desses sujeitos, tornando o manicômio como o espaço social dos loucos.

Assim como em outros lugares do mundo, no Brasil a atenção dada aos indivíduos com transtornos mentais também se caracterizou durante séculos pela institucionalização. Até o século XIX, a assistência dos indivíduos com transtornos mentais era realizada pela Igreja em instituições de caráter asilar, como as Santas Casas de Misericórdia. Nesse período, os indivíduos com transtornos mentais oriundos da classe dominante eram trancados em suas residências, recebendo o cuidado de familiares e criados, enquanto aqueles pertencentes à classe dominada, caso fossem tranquilos permaneciam livres, porém, se fossem violentos eram internados nos asilos onde enfrentavam maus tratos e precárias condições de vida (HEIDRICH, 2007).

O atendimento à loucura no Brasil passou por mudanças principalmente pela chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, tendo em vista o crescimento da urbanização e a modernização das cidades, o que exigiu a necessidade de criar espaços para o recolhimento dos loucos. Assim, no Período Imperial, são criados manicômios em várias cidades brasileiras, consolidando, dessa forma, o modelo hospitalar e institucional como forma de atendimento do indivíduo com transtornos mentais. Esse modelo de assistência em saúde mental tinha como finalidade a manutenção da ordem e do controle social, recolhendo os loucos aos manicômios, nos quais a figura do médico era central (NUNES; MACHADO; BELLINI, 2003).

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No Período Republicano2, há uma manutenção da demanda por hospitais psiquiátricos, bem como a legitimação da centralidade do médico e da psiquiatria no atendimento da loucura. Também nesse período são criadas as colônias de alienados, fazendas nas quais os indivíduos com transtornos mentais eram recolhidos para trabalhar na área agrícola, com a finalidade de recuperá-los e reintegrá-los à sociedade (HEIDRICH, 2007). Porém, as colônias de alienados não se mostraram eficazes na “recuperação dos loucos”, uma vez que não possibilitaram a reinserção social dos sujeitos em seu retorno ao espaço urbano.

Durante o século XX, o atendimento aos indivíduos com transtornos mentais no Brasil passou a relacionar-se com a saúde pública, tendo em vista a busca pelo saneamento das cidades. Nesse período histórico, a saúde pública passa a ser assumida como atribuição do Estado, uma vez que a partir da década de 1930 ocorre a formulação da política de saúde, estruturada a partir de dois subsetores: a saúde pública e a medicina previdenciária (BRAVO; MATOS, 2012; HEIDRICH, 2007).

O contexto da saúde pública caracterizava-se pela ênfase nas campanhas sanitárias e pelo combate às endemias (BRAVO; MATOS, 2012), envolvendo tanto as ações na área da psiquiatria, com o recolhimento dos loucos aos hospícios, como também ações voltadas à prevenção das epidemias, especialmente na eliminação de infecções e remoção dos cortiços. Destaca-se que com o fim da escravidão no final do século anterior e o desenvolvimento do modo capitalista de produção, houve um aumento da concentração de pessoas nos centros urbanos, com dificuldade de inserção no mercado de trabalho, o que gerou um processo de favelização, com aglomerados de indivíduos com poucas condições de vida (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

[...] A intervenção estatal na questão da saúde da população ocorre nesse momento da história do Brasil, não no sentido de garantir um direito, mas de assegurar que um dever seja cumprido, ou seja, o tratamento é obrigação inquestionável, e obrigar o enfermo ao tratamento é uma questão do Estado, e por conseguinte, da polícia (HEIDRICH, 2007, p. 79).

Entre as décadas de 1930 e 1960, são instituídas diversas políticas sociais no Brasil. A partir da Era Vargas, propõe-se um novo modelo de desenvolvimento do país, baseado em um processo de industrialização e modernização conservadora. As políticas sociais surgem, nesse

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O Período Republicano teve início em 1989 com a Proclamação da República do Brasil e permanece até os dias atuais, caracterizando-se como um sistema político no qual o povo elege seus representantes por um período determinado de tempo. É dividido em cinco fases: República Velha (1889 – 1930), Era Vargas (1930 – 1945), República Populista (1945 – 1964), Ditadura Militar (1964 – 1985) e Nova República (a partir de 1985). Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/periodos-historicos/brasil-republica. Acesso em: 03/Set/2013.

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momento, concebidas a partir de uma lógica de concessão, objetivando calar os movimentos sociais e controlar a classe trabalhadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Até 1960, há uma ampliação da estrutura estatal no âmbito da saúde pública, gerando uma elevação dos custos da assistência à saúde (HEIDRICH, 2007).

Na década de 1960, houve a instalação da ditadura militar no Brasil. Conforme Bravo e Matos (2012, p. 27), o Estado passa a “intervir na questão social a partir do binômio repressão-assistência”, com a expansão das políticas sociais e a retração dos direitos civis e políticos. No período da ditadura militar, a intervenção do Estado no âmbito da saúde privilegiou o setor privado, bem como aumentou os investimentos no subsetor da medicina previdenciária (BRAVO; MATOS, 2012; HEIDRICH, 2007). Na área da saúde mental, Heidrich (2007, p. 92) afirma que esse período “demarca, para a questão da loucura, o momento de privatização da psiquiatria e de transformação da doença mental em objeto de lucro”, tendo em vista o aumento do setor privado e a ampliação da compra pelo Estado de serviços privados no âmbito da saúde mental, como leitos em hospitais psiquiátricos.

A partir do contexto apresentado, entende-se que o modelo de atendimento aos indivíduos com transtornos mentais adotado pelo Brasil a partir do século XIX, assim como em outros países, caracterizou-se amplamente pela institucionalização da loucura, objetivando a manutenção da ordem e do controle social, baseando-se no atendimento centralizado no âmbito hospitalar, através dos hospitais psiquiátricos. Somente a partir de meados do século XX, esse modelo de atendimento passa a ser questionado, em um processo conhecido por reforma psiquiátrica, o qual será abordado a seguir.

2.2 O PROCESSO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

Ao analisar a dinâmica histórica dos processos de desinstitucionalização em âmbito internacional, Vasconcelos (2002) identifica alguns processos que contribuíram para as reformas psiquiátricas nos diversos países. Entre os processos identificados pelo autor, destacam-se os contextos de guerra (onde houve investimentos na reabilitação de soldados e civis com problemas relacionados à realidade vivida), conjunturas de escassez da força de trabalho, desenvolvimento de sistemas de bem-estar social ou ainda, de políticas neoliberais (quando a redução de gastos públicos na área social contribui para a desinstitucionalização, embora sem garantir a assistência no âmbito comunitário), além de conjunturas políticas voltadas à democratização, surgimento de movimentos sociais e luta pela garantia de direitos

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(VASCONCELOS, 2002). Este último processo relaciona-se com a emergência do movimento de reforma psiquiátrica no Brasil, conforme veremos a seguir.

As críticas à chamada “indústria da loucura”, como ficou conhecido o processo de transformação da área de saúde mental em objeto para exploração de lucro, tiveram início na década de 1970. Nesse período, o Estado passa a realizar algumas mudanças na área da saúde, tendo em vista o alto custo da assistência psiquiátrica, como afirma Heidrich (2007), bem como a tensão entre os interesses estatais e privados e o surgimento do movimento sanitário, de acordo com Bravo; Matos (2012). O movimento de reforma sanitária buscava a transformação do modelo de atenção em saúde, defendendo a garantia do direito de acesso à saúde, o fortalecimento do setor público e a maior participação da população na gestão da política de saúde (BRASIL, 2005; BRAVO; MATOS, 2012).

Nesse contexto, tem início o processo de questionamento e denúncia do modelo de assistência psiquiátrica brasileiro, conhecido como reforma psiquiátrica. Tal processo, que mantém uma articulação com a reforma sanitária, busca a superação do modelo de atendimento centrado no hospital psiquiátrico e a garantia de direitos das pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2005).

Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL, 2005, p. 6).

Amarante (1995) e Vasconcelos (2002) definem o início da reforma psiquiátrica brasileira no ano de 1978, quando emergem no país diversos movimentos sociais, após um longo período de repressão política, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), formado por trabalhadores, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e usuários (BRASIL, 2005). De acordo com Amarante (1995), o estopim para o surgimento do movimento de reforma psiquiátrica no Brasil foi a crise da Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), responsável pela formulação das políticas de saúde mental no Ministério da Saúde. A crise ocorreu devido à denúncia de profissionais sobre as condições de trabalho e falta de recursos, o que impactava no atendimento prestado à população.

O movimento de reforma psiquiátrica ganhou força, principalmente, pela influência da experiência italiana de Franco Basaglia, psiquiatra que construiu uma alternativa ao modelo manicomial baseada em uma rede de instituições de atendimento diário e territorial, a qual

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propunha um atendimento desinstitucionalizado e que possibilitaria a sociabilidade dos usuários (VASCONCELOS, 2002; BRASIL, 2005).

Entre as principais denúncias feitas pelo movimento estavam a precariedade das condições de trabalho nos hospitais psiquiátricos, a violência dos manicômios e a mercantilização da loucura. Segundo Vasconcelos (2002), o movimento reivindicou também a humanização dos hospitais psiquiátricos públicos e privados e a expansão dos serviços ambulatoriais em saúde mental. Nos anos seguintes, o MTSM passa ainda a defender a não criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos, a regionalização das ações do campo da saúde mental e a expansão dos serviços ambulatoriais constituídos por uma equipe multiprofissional (VASCONCELOS, 2002).

Ainda durante a década de 1980 são registrados importantes fatos que contribuíram para a evolução do processo de reforma psiquiátrica. A realização de eventos, dentre eles a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 e a I Conferência Nacional de Saúde Mental em 1987, foram importantes para promover o debate em relação a um novo modelo de atenção em saúde, bem como sobre o modelo de assistência psiquiátrica vigente e a construção de uma nova perspectiva de atendimento em saúde mental (AMARANTE, 1995).

Outro fato que se destaca no período é a implementação das primeiras experiências em âmbito municipal de uma rede de atendimento em saúde mental, com a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em 1987, na cidade de São Paulo, além da criação de Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) com funcionamento em turno intergral, cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações em Santos, no estado de São Paulo (BRASIL, 2005; VASCONCELOS, 2002).

Nos últimos anos da década de 1980, há a consolidação de importantes conquistas brasileiras, especialmente com a Constituição Federal de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual garante a saúde como um direito dos indivíduos. Essas conquistas refletem a mobilização da população em busca do direito à saúde através do movimento de reforma sanitária. Conforme o Art. 3° da Lei N° 8.080, de 19 de setembro de 1990, a saúde é entendida para além do bem-estar físico, envolvendo a acesso a condições que garantam a inserção social e a saúde mental dos indivíduos (BRASIL, 1990). Entre os princípios do SUS, destaca-se o acesso universal, a integralidade, a equidade e a intersetorialidade. O sistema tem ainda como princípios a descentralização, a hierarquização, a regionalização e o controle social, além de seu financiamento ocorrer a partir de recursos da União, Distrito Federal, estados e municípios (BRASIL, 1988; 1990).

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Em 1989 é lançado o Projeto de Lei Paulo Delgado “propondo a extinção e a substituição gradativa dos serviços do tipo manicomial” (VASCONCELOS, 2002), bem como a garantia dos direitos da pessoa com transtornos mentais. O Projeto de Lei representa “o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo” (BRASIL, 2005) e levou a discussão sobre o atendimento em saúde mental para o âmbito nacional, tendo em vista a repercussão da mídia sobre o projeto, conforme Amarante (1995).

A década de 1990 se inicia com a Conferência Regional para a Reestruturação da Atenção Psiquiátrica na América Latina no Contexto dos Sistemas Locais de Saúde (conhecida como Conferência de Caracas), realizada pela Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), a qual estabelece um consenso sobre a nova perspectiva de atendimento em saúde mental entre os países latino-americanos (VASCONCELOS, 2002).

Nessa década, são realizados também outros eventos que contribuem para legitimar, seja em âmbito municipal, estadual e nacional, a reforma psiquiátrica brasileira, sendo um deles a II Conferência Nacional de Saúde Mental (1992). Conforme Vasconcelos (2002, p. 28), durante os anos 1990 “há um relativo avanço da luta antimanicomial no plano legislativo”, uma vez que diversos estados e municípios aprovam leis com base nos princípios da reforma psiquiátrica. O autor destaca ainda a redução significativa de leitos em hospitais psiquiátricos públicos e privados, além da expansão dos serviços abertos como CAPS, NAPS e hospitais-dia, com a ampliação das equipes multiprofissionais.

No ano de 2001 a reforma psiquiátrica brasileira ganha um novo impulso com a aprovação da Lei N° 10.216, conhecida como Lei Paulo Delgado, a qual redireciona o modelo de assistência em saúde mental, dando preferência3 para os serviços comunitários, além de assegurar os direitos dos indivíduos com transtornos mentais (BRASIL, 2001a). Conforme o Art. 2°, parágrafo único, são direitos das pessoas com transtornos mentais:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e

3 Heidrich (2007, p. 116), ao analisar o projeto de lei Paulo Delgado apresentado em 1989 e a lei aprovada em

2001, afirma que o termo “preferencialmente” “[...] deixa uma brecha para a existência concomitante dos dois modelos antagônicos de cuidados em saúde mental”, visto que embora o modelo de assistência atual não seja mais hospitalocêntrico, os hospitais ainda estão presentes. Conforme a autora, a lei aprovada, embora indique o redirecionamento do modelo de assistência, não aponta qual é esta direção (HEIDRICH, 2007).

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de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental (BRASIL, 2001a, p. 1).

A lei define ainda as diferentes responsabilidades no atendimento em saúde mental, seja no âmbito do Estado, da família e da sociedade civil, além de vedar a internação de indivíduos em instituições asilares. Em relação à internação, a lei orienta que esta só será realizada quando todos os recursos extra-hospitalares tiverem sido esgotados, tendo este tratamento a finalidade de reinserção social do usuário. Destaca-se que a Lei 10.216/2001 considera três tipos de internação: a voluntária, que ocorre com o consentimento do indivíduo, a involuntária, realizada a pedido de terceiro e sem o consentimento do indivíduo e a internação compulsória, determinada pela Justiça (BRASIL, 2001a).

No final de 2001, também é realizada a III Conferência Nacional de Saúde Mental. O evento envolveu aproximadamente vinte e três mil pessoas nas conferências municipais e estaduais, além de um mil quatrocentos e oitenta delegados na etapa nacional, os quais representavam profissionais da área da saúde, movimentos sociais, familiares e usuários dos serviços (BRASIL, 2005).

A III Conferência Nacional de Saúde Mental representa o fortalecimento do consenso sobre a reforma psiquiátrica, onde são definidos os princípios e diretrizes para a transformação do modelo de atenção em saúde mental e os CAPS assumem uma posição estratégica nesse processo. A III Conferência Nacional de Saúde Mental defende também a criação de políticas públicas para atenção aos usuários de álcool e outras drogas integradas com o Sistema Único de Saúde, além de reafirmar a importância do controle social (BRASIL, 2002a; 2005).

Tendo em vista o contexto apresentado, o Quadro 1 sistematiza as principais informações referentes à assistência psiquiátrica nos diferentes momentos históricos do Brasil.

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Quadro 1 - A assistência psiquiátrica nos períodos históricos do Brasil

FONTE: Sistematização da autora, 2013.

Período Contexto histórico brasileiro Características da assistência psiquiátrica

Colonial 1500 a 1822

- Início da colonização portuguesa; - Colonização voltada à produção primária e exportação, baseada na

mão de obra escrava; - A capital do país, que inicialmente

localizava-se no Nordeste (Salvador), é transferida para o

Sudeste (Rio de Janeiro).

- A assistência era realizada pela Igreja em instituições de caráter

asilar, como as Santas Casas de Misericórdia;

- Os indivíduos com transtornos mentais ricos eram trancados em suas residências, enquanto os pobres permaneciam livres pelas

ruas ou internados nos asilos.

Imperial 1822 a 1889

- Período Imperial (tem início com a Proclamação da Independência);

- Crescimento da urbanização e modernização das cidades;

- Abolição da escravidão; - Utilização de mão de obra

imigrante.

- Criação de manicômios em várias cidades brasileiras, tendo em vista

o recolhimento dos loucos – ampliação da institucionalização. Republicano 1889 a 1978 - Proclamação da República (1889); - Início da industrialização; - O Estado passa a intervir na saúde

pública – saneamento das cidades; - Instituição de políticas sociais;

- A capital é transferida para o Centro-Oeste (Brasília); - Início da ditadura militar (1964) - retração dos direitos civis e políticos.

- Manutenção da demanda por hospitais psiquiátricos; - Criação das colônias de

alienados;

- Privatização da psiquiatria: aumento do setor privado e ampliação da compra pelo Estado de serviços privados no âmbito da saúde mental (leitos em hospitais

psiquiátricos).

1978 até os

dias atuais

- Fim da ditadura militar (1985); - Constituição Federal (1988) – garantia dos direitos civis, políticos e

sociais;

- Luta pela efetivação e garantia do acesso aos direitos.

- Início do movimento de reforma psiquiátrica com o surgimento do MTSM (denúncia das precárias condições de trabalho nos hospitais

psiquiátricos, da violência e da mercantilização da loucura); - Ampliação dos debates sobre a

reforma psiquiátrica; - Projeto de Lei Paulo Delgado (1989) - extinção dos manicômios;

- Aprovação da Lei N° 10.216/2001 – garante os direitos

das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de

assistência em saúde mental; - Implantação e ampliação da rede

de atenção em saúde mental com instituições extra-hospitalares; - Redução de leitos em hospitais psiquiátricos e ampliação dos leitos

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Com vistas à transição entre o modelo de atenção hospitalocêntrico para um modelo de atenção comunitário, há um processo de expansão da rede de atendimento com base no território/comunidade onde o usuário vive, bem como a redução dos leitos psiquiátricos (BRASIL, 2005). Nesse sentido, entende-se que a reforma psiquiátrica no Brasil é uma construção permanente, visto que a redução dos leitos em hospitais psiquiátricos e a ampliação e fortalecimento da rede de atendimento em saúde mental ainda é bandeira de luta dos diversos segmentos envolvidos com o campo da saúde mental. A seguir, serão apresentadas as principais características assumidas pela atenção em saúde mental nos últimos anos.

2.3 ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL: OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XXI

Conforme Heidrich (2007), a construção de uma rede de atendimento em saúde mental substitutiva ao modelo hospitalocêntrico e a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos caracterizam a política de saúde mental no Brasil no início do século XXI. Nesse sentido, a redução de leitos psiquiátricos deve ocorrer de forma planejada, concomitantemente com a ampliação dos serviços de base comunitária, impedindo a desassistência aos usuários (BRASIL, 2005).

Conforme dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012a), entre os anos de 2002 e 2011 foram reduzidos aproximadamente dezenove mil leitos em hospitais psiquiátricos. Dentre as ações propostas pelo Ministério da Saúde para a redução de leitos psiquiátricos, destaca-se a instituição do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria) e do Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH).

O PNASH/Psiquiatria, instituído no ano de 2002, permite a avaliação sistemática e anual dos hospitais psiquiátricos públicos e conveniados. A partir do programa são avaliados “a estrutura física do hospital, a dinâmica de funcionamento dos fluxos hospitalares, os processos e os recursos terapêuticos da instituição, [...] a adequação e inserção dos hospitais à rede de atenção em saúde mental em seu território e às normas técnicas gerais do SUS” (BRASIL, 2005, p. 13). Através da avaliação, os hospitais psiquiátricos são classificados em quatro categorias conforme a qualidade dos serviços oferecidos, sendo que aqueles

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classificados como de baixa qualidade são descredenciados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005).

Em relação ao PRH, estabelecido no ano de 2004, seu objetivo é a redução do tamanho dos hospitais psiquiátricos, atuando em hospitais de grande porte (superior a duzentos e quarenta leitos) e macro-hospitais (com mais de seiscentos leitos). Através desse programa, houve uma mudança no perfil dos hospitais psiquiátricos, com uma redução do número de leitos em hospitais com mais de duzentos e quarenta leitos e uma maior concentração de leitos em hospitais de pequeno porte, de acordo com informações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2012a). Entre as ações do PRH que contribuíram para essa redução, destacam-se os incentivos financeiros dados aos hospitais de acordo com a redução de leitos psiquiátricos e qualidade dos serviços oferecidos e avaliados pelo PNASH/Psiquiatria (BRASIL, 2005).

Além dos programas PNASH/Psiquiatria e PRH, outras ações contribuem para o processo de desinstitucionalização proposto pela reforma psiquiátrica, como a implementação dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) e do Programa de Volta para Casa. Os SRT são moradias localizadas no meio urbano que acolhem usuários com transtornos mentais graves egressos de hospitais psiquiátricos e hospitais de custódia, com internações de longa permanência (superior a dois anos ininterruptos), de acordo com a Portaria GM/MS Nº 3.090, de 23 de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011).

Os SRT devem acolher um número máximo de moradores definido conforme as modalidades Tipo I e Tipo II (estabelecidos de acordo com as necessidades de cuidado dos usuários). Nas residências, devem existir cuidadores que contribuam para a realização das atividades e inserção social dos moradores, visto que o objetivo dos SRT “[...] é ser um espaço de moradia que garanta o convívio social, a reabilitação psicossocial e o resgate de cidadania do sujeito, promovendo os laços afetivos, a reinserção no espaço da cidade e a reconstrução das referências familiares” (BRASIL, 2011). O número de SRT foi ampliado de 85 no ano de 2002 para 625 em 2011, porém, conforme o Ministério da Saúde, a expansão desse serviço ainda é um desafio, visto que acompanha o ritmo do processo de redução de leitos (BRASIL, 2012a).

Assim como os SRT, o Programa de Volta para Casa, instituído pela Lei Nº 10.708 de 2003, também visa contribuir para o processo de inserção social dos usuários através do auxílio-reabilitação psicossocial, destinado para as pessoas com transtornos mentais egressas de internações com período igual ou superior a dois anos (BRASIL, 2003). O benefício possui duração de um ano, podendo ser renovado quando necessário. Entre os requisitos para a

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obtenção do benefício, destaca-se a necessidade da garantia da atenção continuada em saúde mental em âmbito comunitário para os usuários.

O número de beneficiários do Programa de Volta para Casa era de aproximadamente quatro mil em fevereiro de 2012. Mesmo com a crescente evolução do número de beneficiários, o Ministério da Saúde entende que esse processo ainda é tímido tendo em vista o número de pessoas internadas com longa permanência hospitalar (BRASIL, 2012a), o que ocorre devido aos desafios na redução dos leitos psiquiátricos, a expansão insuficiente dos SRT e aos problemas na documentação dos usuários, visto que muitos não possuem nem mesmo certidão de nascimento ou documento de identidade (BRASIL, 2005).

Simultaneamente às estratégias adotadas pelo Estado visando à redução dos leitos em hospitais psiquiátricos, observa-se também a ampliação da rede de atenção à saúde mental, composta pelo CAPS, hospitais gerais e hospitais-dia, centros de convivência e ambulatórios de saúde mental, além dos SRT, Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégia de Saúde da Família (ESF). Nesse sentido, cabe ressaltar que a rede de atenção em saúde mental se orienta a partir de uma concepção territorial, na qual se articulam diferentes sujeitos e serviços (não somente aqueles voltados ao âmbito da saúde), buscando alternativas comunitárias e coletivas para o atendimento em saúde mental.

O território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária. Assim, trabalhar no território não equivale a trabalhar na comunidade, mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade que propõem soluções, apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns. Trabalhar no território significa assim resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, a multiplicidade de trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental (BRASIL, 2005, p. 25).

No processo de substituição do modelo centrado no hospital psiquiátrico por uma rede de atenção em saúde mental com base comunitária, os CAPS possuem um papel estratégico, uma vez que seu surgimento, nos anos finais da década de 1980, contribui para confirmar a “possibilidade de organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país” (BRASIL, 2005, p. 25). Os CAPS são serviços ambulatoriais de atendimento diário para usuários com transtornos mentais severos e persistentes e que possuem como função, além do atendimento clínico, a promoção da inserção social dos usuários, a regulação da porta de entrada da rede de atenção em saúde mental no seu território e o suporte à atenção em saúde mental na rede básica de saúde.

Os CAPS devem ser substitutivos, e não complementares ao hospital psiquiátrico. Cabe aos CAPS o acolhimento e a atenção às pessoas com transtornos mentais

(27)

graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território. De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento (BRASIL, 2005, p. 25).

Nos CAPS são realizados atendimentos individuais e em grupos, oficinas terapêuticas, visitas e atendimentos domiciliares, atendimento à família e atividades comunitárias voltadas à inserção familiar e social dos usuários. Esse serviço conta com uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de nível médio, como técnicos administrativos e de enfermagem, e de nível superior, como assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais e médicos.

Através da Portaria Nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, o Ministério da Saúde estabeleceu que os CAPS devem funcionar a partir de modalidades definidas por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional (BRASIL, 2002b). Assim, são estabelecidas cinco modalidades: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i e CAPS ad.

Os CAPS I funcionam cinco dias por semana e atendem usuários adultos com transtornos mentais severos e persistentes e transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, possuindo uma equipe mínima de nove profissionais (nível médio e superior). Os CAPS II, voltados ao atendimento de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, também atendem durante cinco dias semanais, porém com uma equipe mínima de doze profissionais tanto de nível médio quanto superior.

Diferentemente dos CAPS I e II, os CAPS III funcionam durante vinte e quatro horas diárias, incluindo feriados e finais de semana, possuindo uma equipe mínima de dezesseis profissionais de nível médio e superior, além de equipe para atendimento noturno e em finais de semana e feriados. Além das atividades descritas anteriormente, os CAPS III também realizam acolhimento noturno, dispondo de cinco leitos para repouso e/ou observação (quando necessário), realizado por um período de tempo limitado. O Quadro 2 apresenta informações que contribuem para a compreensão das diferenças entre as modalidades CAPS I, CAPS II e CAPS III.

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Quadro 2 – Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) I, II e III

Modalidade População Funcionamento Equipe técnica mínima4

CAPS I Entre 20.000 e

70.000 habitantes.

Segunda a sexta-feira, das 08 às 18 horas, em 02 turnos.

- 01 médico (com formação em saúde mental);

- 01 enfermeiro;

- 03 profissionais de nível superior; - 04 profissionais de nível médio.

CAPS II Entre 70.000 e 200.000 habitantes. Segunda a sexta-feira, das 08 às 18 horas, em 02 turnos. Pode comportar um 3º turno funcionando até às 21 horas. - 01 médico psiquiatra; - 01 enfermeiro (com formação em

saúde mental);

- 04 profissionais de nível superior; - 06 profissionais de nível médio.

CAPS III Acima de 200.000

habitantes.

24 horas por dia, nos feriados e finais

de semana.

- 02 médicos psiquiatras; - 01 enfermeiro (com formação em

saúde mental);

- 05 profissionais de nível superior; - 08 profissionais de nível médio.

Turno noturno: 03 técnicos/auxiliares

de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço) e 01 profissional

de nível médio da área de apoio.

Turno diurno nos finais de semana e feriados: 01 profissional de nível

superior; 03 técnicos/auxiliares técnicos de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço) e 01 profissional

de nível médio da área de apoio.

FONTE: Sistematização da autora, 2013.

Além dessas modalidades, existem ainda os CAPS que visam o atendimento de um público específico, como o CAPS Infantojuvenil (CAPS i) e o CAPS Álcool e outras Drogas (CAPS ad e CAPS ad III). Os CAPS i são serviços que atendem crianças e adolescentes com transtornos mentais, contando com uma equipe mínima de onze profissionais (nível médio e superior) que atendem cinco dias semanais. Os CAPS ad atendem usuários com transtornos decorrentes do uso e dependência de álcool e outras drogas. Entre as atividades realizadas por esse serviço, encontra-se também o atendimento de desintoxicação.

Nos últimos anos foi definida a modalidade CAPS ad III, que também atende usuários de álcool e outras drogas (crianças, adolescentes e adultos), porém que funciona vinte e quatro horas por dia, em feriados e finais de semana. O CAPS ad III também dispõe de acolhimento

4

A equipe técnica mínima para cada modalidade de CAPS é definida conforme o número de usuários atendidos por turno e o limite máximo de usuários por dia, estabelecidos pelo Ministério da Saúde através da Portaria N° 336, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002b).

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noturno, realizado em um período máximo de quatorze dias para cada usuário (BRASIL, 2012b). A seguir, o Quadro 3 apresenta informações sobre os CAPS i, CAPS ad e CAPS ad III.

Quadro 3 – Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS i) e Álcool e outras

Drogas (CAPS ad e CAPS ad III)

Modalidade População Funcionamento Equipe técnica mínima5

CAPS i Acima de 70.000 habitantes. Segunda a sexta-feira, das 08 às 18 horas, em 02 turnos. Pode comportar um 3º turno funcionando até às 21 horas.

- 01 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde

mental; - 01 enfermeiro;

- 04 profissionais de nível superior; - 05 profissionais de nível médio.

CAPS ad Acima de 70.000 habitantes. Segunda a sexta-feira, das 08 às 18 horas, em 02 turnos. Pode comportar um 3º turno funcionando até às 21 horas. - 01 médico psiquiatra; - 01 enfermeiro (com formação em

saúde mental);

- 01 médico clínico (responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento

das intercorrências clínicas); - 04 profissionais de nível superior;

- 06 profissionais de nível médio.

CAPS ad III 300.000 habitantes. Entre 200.000 e

24 horas por dia, nos feriados e finais

de semana.

- 01 médico clínico; - 01 médico psiquiatra; - 01 enfermeiro (com experiência e/ou

formação em saúde mental; - 05 profissionais de nível superior;

- 04 técnicos de enfermagem; - 04 profissionais de nível médio;

- 01 profissional de nível médio.

Turno noturno: 01 profissional de

saúde de nível superior, preferencialmente enfermeiro; 02

técnicos de enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço) e 01 profissional de nível fundamental ou

médio.

Turno diurno nos finais de semana e feriados: 01 enfermeiro; 03 técnicos de

enfermagem (sob supervisão do enfermeiro do serviço) e 01 profissional de nível fundamental ou

médio.

FONTE: Sistematização da autora, 2013.

5 A equipe técnica mínima para as modalidades CAPS i e CAPS ad é definida conforme o número de usuários

atendidos por turno e o limite máximo de usuários por dia, estabelecidos pelo Ministério da Saúde através da Portaria N° 336, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002b). Para o CAPS ad III, a equipe técnica mínima é definida pela Portaria Nº 130, de 26 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012b).

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O número de CAPS tem se expandido nos últimos anos. De acordo com informações do Ministério da Saúde, no ano de 1998 haviam 148 CAPS em funcionamento no país, número que se ampliou para 1742 até 2011, o que representa uma cobertura de 72%, considerando o indicador de um (01) CAPS para cada 100.000 habitantes (BRASIL, 2012a). Porém, a ampliação da cobertura não tem ocorrido de forma equitativa nas regiões brasileiras, visto que enquanto a região sul, por exemplo, possui uma cobertura considerada muito boa, a região norte possui uma cobertura regular/baixa, devido às características dessa região.

Além dos CAPS, a atenção básica também é um importante componente da rede de assistência à saúde mental. A atenção básica é o “conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde” (BRASIL, 2012c, p. 19), organizada a partir de territórios definidos. É a proximidade com a população do território que contribui para a constituição da atenção básica como a principal porta de entrada para a rede de atenção em saúde.

Tendo em vista o princípio do atendimento integral e a proximidade com o território dos usuários, a atenção básica, organizada a partir das UBS e ESF, se articula diretamente com a saúde mental. Nesse sentido, são realizadas ações que visam dar suporte para o atendimento em saúde mental pelas equipes de atenção básica. Essas ações constituem o apoio matricial, caracterizado como “um arranjo organizacional que viabiliza o suporte técnico em áreas específicas para as equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde” (BRASIL, 2005, p. 33).

O apoio matricial pode ser realizado tanto pelos CAPS, em municípios menores, quanto pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). O NASF objetiva apoiar as equipes de Saúde da Família e as equipes de atenção básica para populações específicas, desenvolvendo ações como discussão de casos, educação permanente, ações de prevenção e promoção da saúde, ações intersetoriais, dentre outras, visando ampliar a abrangência e a resolubilidade das ações desenvolvidas pelas equipes de atenção básica (BRASIL, 2012c). Existem dois tipos de NASF: o NASF 1 e o NASF 2, os quais são definidos de acordo com o número de equipes de Saúde da Família vinculadas.

O NASF é composto por equipes multidisciplinares, formadas por diversos profissionais, tais como assistente social, psicólogo, médicos de diferentes especialidades, terapeuta ocupacional, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, farmacêutico e profissional de educação física. De acordo com dados do Ministério da Saúde, no ano de 2010 aproximadamente 30% dos profissionais dos NASF em funcionamento no Brasil eram da

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saúde mental, indicando uma prioridade dos gestores na contratação de profissionais desta área (BRASIL, 2010).

Há ainda os ambulatórios de saúde mental e os hospitais dia. Os ambulatórios de saúde mental são serviços com equipe multidisciplinar que realizam atendimentos individuais e grupais, visitas domiciliares e atividades comunitárias (BRASIL, 1992). Conforme o Ministério da Saúde, os ambulatórios de saúde mental “têm em geral baixa resolutividade e um funcionamento pouco articulado à rede de atenção à saúde mental” (BRASIL, 2010, p. 14).

Os hospitais dia também são instituições que realizam atendimentos na área de saúde mental. Conforme a Portaria 44/GM, de 10 de janeiro de 2001, o hospital dia é definido como “a assistência intermediária entre a internação e o atendimento ambulatorial, para realização de procedimentos clínicos, cirúrgicos, diagnósticos e terapêuticos” (BRASIL, 2001b). O atendimento em saúde mental nos hospitais dia é realizado por uma equipe multidisciplinar em cinco dias semanais e carga horária diária de oito horas, sendo desenvolvidos atendimentos individuais e grupais, visitas domiciliares, atendimento à família e atividades comunitárias.

Em relação aos hospitais gerais, conforme a Portaria Nº 148, de 31 de janeiro de 2012, entende-se que estes devem estar articulados à rede de atenção psicossocial, garantindo a continuidade do atendimento dos usuários. Dessa forma, o hospital geral não deve ser um serviço isolado, visto que necessita estar integrado à rede. O hospital geral deve funcionar em período integral, todos os dias da semana, e com uma equipe multiprofissional (BRASIL, 2012d).

Além dos serviços citados, existem outras instituições que fazem parte da rede de assistência em saúde mental no país, considerando as diversas ações que objetivam a inclusão social através da geração de trabalho e renda, da cultura e do fortalecimento dos vínculos comunitários. Merecem destaque também as ações voltadas ao atendimento de usuários de álcool e outras drogas que buscam a ampliação de acesso ao tratamento e garantia de direitos a partir serviços extra-hospitalares, voltados para esse público e baseados na abordagem da redução de dados, com articulação à rede de atenção psicossocial (BRASIL, 2005).

A partir do exposto, percebe-se que houve uma ampliação dos serviços extra-hospitalares no Brasil durante a primeira década do século XXI, especialmente através dos CAPS e da atenção básica. Porém, o modelo de atenção em saúde mental que vem sendo construído no país ainda conserva traços de sua herança institucionalizante, legitimando a internação, embora na atualidade a mesma esteja envolta dos direitos previstos na legislação.

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Nesse sentido, a seguir serão discutidos os tipos de internação psiquiátrica existentes, especialmente a internação psiquiátrica compulsória, objeto desse estudo.

2.4 A LEI 10.216/2001 E AS INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS

O processo de reforma psiquiátrica no Brasil, iniciado no final da década de 1970, vem sendo construído a partir de avanços e retrocessos que caracterizam a luta entre os diferentes interesses existentes na sociedade. A Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, é fruto de um longo caminho de discussões, visto que o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado, o qual deu origem a lei em discussão, foi apresentado no ano de 1989. Nos doze anos decorridos entre a apresentação do projeto e sua sanção pelo presidente, diversas mudanças foram realizadas.

O Projeto de Lei tinha centralidade na extinção progressiva dos manicômios, proibindo “a construção de novos hospitais psiquiátricos públicos e a contratação ou financiamento, pelo setor governamental, de novos leitos em hospital psiquiátrico” (BRASIL, 1989, p. 10.696). O projeto regulamentava também a internação psiquiátrica compulsória, realizada em serviço de saúde sem o consentimento do usuário, sob a responsabilidade de um médico, o qual deveria comunicar a autoridade judiciária sobre a realização da internação em até 24 horas. De acordo com o projeto, caberia ao defensor público ou à autoridade judiciária a emissão de um parecer com um prazo de 24 horas sobre a legalidade da internação, após ouvir os diversos sujeitos envolvidos (usuário, familiares e equipe técnica).

A Lei 10.216/2001, além de dispor sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais, orienta a assistência em saúde mental no país. De acordo com a lei, há uma preferência pelo atendimento dos usuários em serviços comunitários de saúde mental, com garantia do direito de acesso às informações sobre seu tratamento, aos meios de comunicação disponíveis e a presença de um médico para realização de esclarecimentos sobre a internação (BRASIL, 2001a). Sobre a internação, a lei afirma que:

Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. § 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio. § 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. § 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados

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no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º (BRASIL, 2001a, grifo nosso).

Conforme destacado, a internação psiquiátrica é autorizada quando os recursos extra-hospitalares não forem eficientes no atendimento dos usuários. Britto6 (2004, p. 94) observa, porém que “não há uma definição para o que seja insuficiente”. Nesse sentido a autora entende que esta limitação – a internação quando houver insuficiência dos demais recursos – “pode funcionar como um incentivador, pois o fato de não existir uma rede assistencial extra-hospitalar abrangente no país (embora seja muito mais ampla do que há alguns anos atrás) autoriza a internação e não necessariamente estimula a constituição desta rede” (AMARANTE; YASUI, 2003 apud BRITTO, 2004, p. 94).

A Lei 10.216/2001, embora afirme o redirecionamento do modelo de atenção em saúde mental, não aponta a criação de serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico, mantendo as instituições hospitalares. Entretanto, ao afirmar os direitos das pessoas com transtornos mentais, a referida lei “promove a viabilidade de outro modelo de atenção psicossocial, que cuida e trata sem o dispositivo da internação hospitalar, embora alguns serviços possuam leitos” (BRITTO, 2004, p. 96), visto que questiona o modelo centrado na internação em hospital psiquiátrico. Nesse sentido, Britto (2004) afirma que os serviços voltados ao atendimento em saúde mental criados no Brasil não se baseiam na internação como única forma de tratamento.

Embora se observe a ampliação dos serviços extra-hospitalares nos primeiros anos do século XXI, bem como a criação de programas que contribuam para a desinstitucionalização dos usuários, a internação ainda é vista como um importante meio de tratamento para pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas. A Lei 10.216/2001 definiu três tipos de internação psiquiátrica: a voluntária, a involuntária e a compulsória. Em 2002, a Portaria Nº 2.391 do Ministério da Saúde, ao regulamentar as internações voluntárias e involuntárias, caracterizou também a internação psiquiátrica voluntária que se torna involuntária (BRASIL, 2002c).

A internação psiquiátrica voluntária ocorre com o consentimento do usuário. É realizada quando o usuário solicita voluntariamente a internação ou quando a consente. Para que a internação psiquiátrica voluntária aconteça, é necessário que o usuário assine uma

6 Dissertação de Mestrado intitulada A internação psiquiátrica involuntária e a Lei 10.216/01: Reflexões

acerca da garantia de proteção aos direitos da pessoa com transtorno mental, apresentada ao Mestrado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública, sob a orientação do Professor Dr. Paulo Duarte de Carvalho Amarante.

Referências

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