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DISCUSSÕES SOBRE A INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA COMPULSÓRIA NA

2. A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

2.5 DISCUSSÕES SOBRE A INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA COMPULSÓRIA NA

O contexto contemporâneo tem se caracterizado pelo desemprego e crescente exclusão de trabalhadores do mercado de trabalho, visto que tais características são constituintes do desenvolvimento do modo de produção capitalista (IAMAMOTO, 2010). Segundo Iamamoto (2010, p. 87), a “redução do emprego, aliada à retração do Estado em suas responsabilidades públicas no âmbito dos serviços e direitos sociais, faz crescer a pobreza e a miséria, passa a comprometer os direitos sociais e humanos, inclusive o direito à própria vida”.

Vasconcelos (2002), ao analisar os avanços da reforma psiquiátrica em determinados períodos históricos, afirma que o aprofundamento da desigualdade social, a retração de direitos, a precarização das condições de trabalho e a fragilização dos vínculos contribuem para o surgimento do sofrimento mental e para o aumento da utilização de álcool e outras drogas, colocando desafios aos serviços e profissionais da área da saúde mental tendo em vista a materialização dos princípios da reforma psiquiátrica.

Principalmente nas grandes cidades, o quadro econômico e social é marcado por um aumento significativo das taxas de desemprego, desfiliação social, miséria e os sinais de má qualidade de vida e de violência social, gerando aumento da incidência de estresses, ansiedades, fobias sociais, quadros de dependência química etc., e, consequentemente, aumentando a demanda e os desafios colocados para os programas de saúde mental. Nos últimos anos, a pressão tem se dado especialmente no campo dos serviços para dependentes químicos e moradores de rua (VASCONCELOS, 2002, p. 29).

Conforme afirma o autor, esses desafios se concentram, principalmente, no atendimento de usuários com dependência química. Nos últimos anos observa-se a crescente discussão quanto ao número de usuários de álcool e outras drogas, bem como a ampliação dos debates sobre a necessidade de leis mais severas e com viés punitivo que contribuam para a contenção do tráfico e do uso de drogas, além de alternativas de atendimento para esses usuários.

Como exemplos desse movimento, podem ser citadas algumas medidas de governos estaduais brasileiros voltadas à internação de usuários de álcool e outras drogas que se encontram, geralmente, em situação de rua nos centros urbanos, bem como proposições no campo legislativo voltadas à ampliação da criminalização do uso de drogas. Entende-se, porém, que tais estratégias estão orientadas em sentido contrário ao que define o documento Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas

(BRASIL, 2004), o qual afirma a necessidade da ampliação da rede de atenção baseada em serviços comunitários, voltados para a atenção integral e reinserção social dos usuários de álcool e outras drogas.

Em relação ao atendimento aos usuários de álcool e outras drogas, a internação, especialmente a involuntária e a compulsória, tem sido uma das alternativas mais discutidas enquanto meio de tratamento. Sendo a internação considerada a última alternativa para o atendimento de indivíduos com transtornos mentais ou usuários de álcool e outras drogas, realizada somente quando todas as outras possibilidades não se mostrarem eficazes, nota-se que, muitas vezes, a mesma passa a constituir-se como “porta de entrada” para os usuários na rede de atenção em saúde mental, demonstrando uma possível fragilidade das políticas públicas no sentido de promoverem a garantia e o acesso dos indivíduos aos seus direitos.

Considerando o objeto de estudo, observa-se que o termo internação compulsória geralmente tem sido associado ao tratamento de usuários de álcool e outras drogas, embora a Lei Nº 10.216/2001 discorra sobre a internação psiquiátrica compulsória para pessoas com transtornos mentais. Nesse sentido, destaca-se que alguns pesquisadores entendem que a internação compulsória para usuários de álcool e outras drogas é regulamentada pelo Código Penal como uma medida de segurança7. Conforme afirma o pesquisador da área da saúde mental, Amarante (2013), “a internação compulsória é voltada para a pessoa que cometeu um crime ou delito, ou que está prestes a cometer algo do gênero, quando há uma ameaça visível para a sociedade”.

Amarante (2013) afirma ainda que a utilização do termo internação compulsória por estados brasileiros que desenvolveram medidas para internação de usuários de álcool e outras drogas foi inadequada, visto que não é possível “pegar uma leva de pessoas na rua e carregar para uma instituição psiquiátrica. Isso é, no mínimo, um ato policial, e não jurídico”. Ressalta-se que o pesquisador entende que, nesse caso, o que ocorre é uma internação involuntária coletiva, geralmente solicitada por um familiar (AMARANTE, 2013).

Ainda em relação à internação compulsória de usuários de álcool e outras drogas, Dalsenter; Timi (2012, p. 5) destacam que o Decreto-Lei Nº 891, de 25 de novembro de 1938, “continua vigente no ordenamento jurídico brasileiro”. Este Decreto-Lei determina a internação compulsória desses usuários, não permitindo o tratamento em domicílio. Os autores ressaltam também que, quando o usuário for criança ou adolescente, deve ser aplicado

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As medidas de segurança são definidas no Art. 96 do Código Penal e se constituem de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial (BRASIL, 1940).

o Estatuto da Criança e do Adolescente, que autoriza a internação enquanto medida de proteção (DALSENTER; TIMI, 2012).

A internação compulsória tem sido objeto de discussões entre aqueles favoráveis à sua utilização e aqueles que defendem a consolidação e ampliação dos serviços extra-hospitalares como principal meio de tratamento e reinserção social tanto para pessoas com transtorno mental quanto usuários de álcool e outras drogas. Outra questão analisada nas discussões diz respeito ao consentimento dos usuários para a internação, visto que enquanto alguns afirmam que o usuário, por estar muitas vezes sob o efeito da substância psicoativa, não teria condições para decidir sobre o seu tratamento, outros afirmam que o consentimento do usuário é fundamental para a efetividade do atendimento.

Um dos principais argumentos utilizados por aqueles que são favoráveis à internação compulsória fundamenta-se no direito à saúde, garantido na Constituição Federal de 1988. Conforme o Art. 196 da Constituição e o Art. 2º da Lei 8.080/1990, a saúde é um direito de todos e um dever do Estado (BRASIL, 1988; 1990). Nesse sentido, entende-se que é um dever do Estado a garantia do acesso à saúde pela população, embora, em relação à internação psiquiátrica compulsória, não seja garantido a preservação da autonomia dos usuários, que é um dos princípios que regem o SUS (BRASIL, 1990).

Sobre essa discussão, a assistente social Cristina Brites, pesquisadora da área de saúde mental e uso de drogas, afirma que a internação compulsória de usuários de álcool e outras drogas “retira do usuário ou dependente de drogas sua autonomia, já que impõe um modelo único de tratamento. [...] É autonomia do sujeito em aderir ou não ao tratamento proposto, e isso deve valer também para o usuário de drogas” (BRITES, 2013). Em relação ao consentimento do usuário para a internação, a pesquisadora entende que é preciso considerar a decisão do usuário, reconhecendo sua autonomia, pois segundo Brites:

É preciso desmistificar a afirmação de que o usuário de drogas é incapaz de tomar decisões conscientes. Isso pode ser parcialmente verdadeiro no momento do efeito agudo da droga. Entretanto, sabemos que há momentos de lucidez e consciência, e isso tem que ser reconhecido por parte da equipe de atendimento que está lá para oferecer algum tipo de resposta. Resposta essa que tem que atender as necessidades do usuário, e não a um entendimento de uma equipe que não leva em consideração o que a pessoa dependente quer, às suas necessidades e o que ela quer fazer em relação ao uso de drogas (BRITES, 2013).

Em uma nota técnica sobre as internações psiquiátricas involuntárias e compulsórias no Brasil, publicada em maio de 2013, a OPAS/OMS afirma seu posicionamento contrário à priorização das internações no atendimento de usuários de álcool e outras drogas. Conforme o documento, a prioridade deve ser o fortalecimento e a ampliação da rede de atenção em saúde

mental, principalmente dos serviços extra-hospitalares. A internação compulsória deve ocorrer somente em casos excepcionais e respeitando os direitos humanos.

A internação compulsória é considerada uma medida extrema, a ser aplicada apenas a situações excepcionais de crise com alto risco para o paciente ou terceiros, e deve ser realizada em condições e com duração especificadas em Lei. Ela deve ter justificativa clara e emergencial, além de ter caráter pontual e de curta duração (OPAS/OMS, 2013).

A partir do exposto, entende-se que a internação psiquiátrica compulsória situa-se num território amplo de debates que excede o campo dos direitos. Para compreendê-la é necessário analisar o contexto histórico, social, econômico e político no qual se inscreve, visto que sua regulamentação como meio de tratamento para pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas ocorre em meio a um processo de luta pela reforma psiquiátrica e pela garantia de direitos em um período histórico caracterizado pela desigualdade social e retração de direitos.

Nesse espaço de tensão entre a garantia dos direitos humanos e o desenvolvimento do modo de produção capitalista, situa-se o trabalho de diferentes profissionais, entre eles os assistentes sociais, os quais atuam nas equipes multidisciplinares dos serviços da rede de atenção em saúde mental. Tendo em vista a ampliação dessa discussão, o capítulo a seguir analisa os elementos inerentes ao trabalho do assistente social e apresenta a inserção deste profissional na área de saúde mental.