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O tratamento judicial para os casos de superendividamento

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MARCOS FERNANDO KUPSKE

O TRATAMENTO JUDICIAL PARA OS CASOS DE SUPERENDIVIDAMENTO

Santa Rosa (RS) 2013

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MARCOS FERNANDO KUPSKE

O TRATAMENTO JUDICIAL PARA OS CASOS DE SUPERENDIVIDAMENTO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Francieli Formentini

Santa Rosa (RS) 2013

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Dedico este trabalho à minha família e a todos que me auxiliaram durante esta jornada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida.

À minha família pelo apoio e incentivo em todos os momentos.

À minha orientadora Francieli Formentini

pela dedicação e disponibilidade na

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“A pobreza não vem da diminuição da riqueza, mas da multiplicação dos desejos.” Platão.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise do instituto do superendividamento, conceito, características e classificações do consumidor superendividado, bem como verifica as razões da insolvência do consumidor na sociedade capitalista. Além disso, é estudada a importância do crédito para o consumidor moderno, sendo, muitas vezes, indispensável à satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. São estudados os princípios do direito que possuem aplicabilidade direta no instituto do superendividamento, constituindo as bases norteadoras para o estudo do presente tema. Ademais, são analisadas as soluções e as experiências práticas adotadas pelo Poder Judiciário no combate e na prevenção ao superendividamento do consumidor.

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This study course conclusion analyzes the institute indebtedness, concept, characteristics and classifications consumer superendividado and verifies the reasons for the insolvency of consumer capitalist society. Furthermore, it is studied the importance of credit for the modern consumer, and often essential to meeting basic needs of individuals. Are studied law principles that have direct applicability in the institute's indebtedness constituting the basis for guiding the study of this subject. Moreover, the solutions are analyzed and practical experiences adopted by the judiciary in combating and prevention of over-indebtedness of the consumer.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...08

1 O CRÉDITO E O SUPERENDIVIDAMENTO ...10

1.1 O crédito e a sociedade ...10

1.1.1 Conceito de crédito ...10

1.1.2 A evolução do crédito na antiguidade ...12

1.1.3 O crédito ao consumo na sociedade moderna ...14

1.2 O superendividamento ...16

1.2.1 Conceito de superendividamento ...16

1.2.2 Classificação do superendividamento ...18

2 O SUPERENDIVIDAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO ...19

2.1 Breve análise do projeto de lei nº 283/2012 ...19

2.2 Princípios jurídicos aplicáveis ao superendividamento ...20

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ...21

2.2.2 Princípio da boa-fé objetiva ...23

2.2.3 Princípio do empréstimo responsável ...24

3 O TRATAMENTO DOS CASOS DE SUPERENDIVIDAMENTO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO ...27

3.1 Estudo do projeto-piloto instalado nas comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul.28 3.1.1 Objetivos do projeto-piloto ...29

3.1.2 Consumidores e dívidas abrangidas pelo projeto ...29

3.1.3 Sistemática de procedimentos utilizados ...30

3.1.4 Relatório geral e experiências obtidas com a instalação do projeto-piloto... 32

CONCLUSÃO...35

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INTRODUÇÃO

O acesso facilitado ao crédito possibilitou aos consumidores brasileiros o aumento no consumo interno de produtos e serviços e na melhora considerável da qualidade de vida de todos. Além disso, o crédito apresenta importante papel na economia globalizada atual, sendo o propulsor do desenvolvimento e do progresso de uma sociedade.

No Brasil, especialmente nas últimas décadas, o crédito foi estendido, de maneira mais intensa, aos cidadãos menos favorecidos economicamente, aspecto que contribuiu, significativamente, para o aquecimento interno da economia, promovendo o aumento da produção e da circulação de bens e serviços.

Contudo, a concessão do crédito ao consumo precisa acontecer de forma responsável e com a observância das condições financeiras necessárias para o posterior adimplemento das obrigações contraídas. No caso de não serem observados esses requisitos mínimos necessários à disposição do crédito, combinado ao consumo irresponsável ou o acontecimento de imprevistos na vida do consumidor (como o desemprego, doenças, morte na família, divórcio, etc), o resultado certamente será o seu superendividamento, tornando-o, portanto, incapaz de honrar com o montante global de dívidas contraídas.

O superendividamento tornou-se um fenômeno mundial, atingindo, sobremaneira, a dignidade do consumidor e repercutindo na sua exclusão social. O superendividamento causa, dessa forma, um contraponto às vantagens oferecidas pelo crédito e, consequentemente, demonstra a necessidade da sociedade aprofundar os conhecimentos acerca do tema e dispor de ferramentas próprias de solução aos casos que sobrevierem.

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superendividamento, no entanto, o Poder Judiciário antecipou-se ao legislador e trabalhou projetos que objetivam o tratamento adequado do consumidor atingido pelo endividamento demasiado, possibilitando que este retorne ao convívio social de maneira digna e tenha garantido o mínimo necessário à sua subsistência.

Nesse sentido, o presente trabalho observará o projeto-piloto implementado, inicialmente, nas Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, e, que, posteriormente, estendeu-se a outras Comarcas, considerando o sucesso do trabalho realizado.

O projeto-piloto conduzido pelas juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello teve a preocupação de tratar os casos de superendividamento de maneira diferenciada e qualificada, especialmente, no que tange à proteção do mínimo existencial ao consumidor superendividado e objetivando, sobretudo, a renegociação do montante inadimplido, apresentando, portanto, resultados satisfatórios.

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1 O CRÉDITO E O SUPERENDIVIDAMENTO

Neste capítulo, o estudo estará pautado na problemática do superendividamento, levando em consideração o crédito, explicando a relação existente entre ambos, bem como os seus principais aspectos, conceitos e as interferências que estes causam no meio social.

1.1 O crédito e a sociedade

O crédito, conforme explica Brunno Pandori Giancoli (2008), apresentou-se, desde os primórdios até a sociedade contemporânea, como uma importante ferramenta de desenvolvimento social e econômico, a fim de custear a produção e incentivar o consumo de bens e serviços, e, por consequência, propiciar maior qualidade de vida às pessoas.

Nesse aspecto, a facilitação e o incentivo ao crédito tornaram-se constantes, especialmente na sociedade moderna, marcada pela globalização da economia e o crescimento vertiginoso do consumo em massa. O crédito, dessa forma, passou a figurar como o principal responsável pela circulação de bens e serviços na sociedade e essencial para a manutenção da economia aquecida (GIANCOLI, 2008).

O objetivo durante o estudo do superendividamento será analisar o crédito fornecido aos consumidores, que se apresentam em situação de vulnerabilidade econômica e jurídica diante dos fornecedores e, por muitas vezes, devido à facilitação, em demasia, do acesso ao crédito, sem quaisquer requisitos básicos, acabam por usar de forma irresponsável essa ferramenta do capitalismo, enfrentando, por conseguinte, problemas econômicos na hora de honrar com as obrigações contraídas.

1.1.1 Conceito de crédito

A palavra crédito tem origem na Roma Antiga e provém do latim credere, que significa crer, ter confiança. Logo, sob uma análise sociológica, tinham acesso ao crédito, naquela época, as pessoas que desfrutavam de boas qualidades perante a sociedade, a chamada boa fama, conforme explica Giancoli (2008).

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Segundo Giancoli (2008), a confiança, como qualidade do credor desse negócio, aliada ao fator tempo, que o devedor necessitaria para pagar sua dívida/obrigação ante aquele, traduzia-se na mais pura acepção de crédito.

Nas palavras do professor francês Jean Calais-Auloy, apud Clarissa Costa de Lima (2010, p. 21):

O crédito é uma operação que permite ao consumidor obter imediatamente uma prestação cujo valor será pago somente mais tarde. Pouco importa o objeto da prestação: pode ser uma soma de dinheiro, uma coisa ou um serviço. Pouco importa que a prestação seja obtida por meio de um empréstimo, uma venda, locação ou outro contrato. O que é essencial e distingue a operação a crédito de uma operação à vista é o fracionamento (diferimento) do tempo. O fornecedor de crédito aceita esperar um certo prazo para exigir o pagamento de seu crédito.

Quanto à classificação, Calais-Auloy (apud LIMA, 2010, p. 22) divide o crédito em três diferentes categorias, no que tange à sua afetação:

a) crédito sem afetação determinada: aquele que não é destinado à compra de um bem determinado, toma a forma de um empréstimo a juros, sendo concedido em consideração à pessoa do tomador;

b) crédito pré-afetado: aquele através do qual se financia um produto ou um serviço determinado. O contrato principal e o contrato de crédito estão ligados um ao outro desde o momento da sua conclusão, não tendo o consumidor nenhuma liberdade para a utilização do crédito que lhe é concedido;

c) crédito pós-afetado: aquele que não tem destinação precisa no momento que é concedido, mas que recebe uma destinação quando é utilizado. O consumidor tem direito a um crédito que tem liberdade de utilizar para financiar bens ou serviços de sua escolha. Desde o momento em que o consumidor utiliza o crédito na compra de um bem ou de um serviço, se estabelece um liame entre o contrato principal e o contrato de crédito.

Do ponto de vista jurídico, conforme os ensinamentos de Lima (2010, p. 21) “[...] o crédito somente aparece por ocasião de um contrato e no interior de um contrato, pois é o instrumento capaz de escalar a prestação no tempo, além de permitir a previsão de garantias.” Dessa forma, verifica-se a importância que a redação do contrato possui na estipulação dos prazos e nas condições de pagamento às partes envolvidas.

O contrato de crédito, todavia, apresenta uma natureza muito variável, ou seja, existem diversas formas de crédito e, por conseguinte, são criados múltiplos e diferentes contratos com

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o objetivo de atender as mais diversas operações de crédito realizadas e estimular as vendas. Inicialmente, “a primeira forma jurídica do crédito foi o contrato de empréstimo, mas, além dele, inúmeras formas contratuais permitem escalar a prestação no tempo, desde a simples compra e venda a prestações, o leasing e o contrato de abertura de crédito, entre outros” (LIMA, 2010, p. 22).

Em suma, o crédito está diretamente vinculado ao sistema econômico, como uma ferramenta capaz de impulsionar as vendas e propiciar mais renda às pessoas, bem como, está atrelado ao sistema jurídico, através da interferência legal na regulamentação das modalidades contratuais creditícias.

1.1.2 A evolução do crédito na antiguidade

A origem do crédito, de acordo com Giancoli (2008), ocorreu antes mesmo à indústria, ao banco e a cunhagem de moedas, sua procedência remonta no sedentarismo agrícola do neolítico. Teve um surgimento natural e apresentou por escopo principal a satisfação das necessidades fundamentais do homem.

O Código de Hamurabi caracteriza-se por ser um dos mais antigos e bem conservados códigos gerais. Nos ensinamentos de Jonh Gilissen apud (GIANCOLI, 2008, p. 16):

O Código de Hamurabi e os numerosos atos da prática do mesmo período dão-nos a conhecer um sistema jurídico muito desenvolvido [...] Os mesopotâneos praticavam a venda (mesmo a venda a crédito) [...], o empréstimo a juros, o título de crédito à ordem [...] Eles faziam operações bancárias em grande escala e tinham já comandita de comerciantes.

A Mesopotâmia possuía uma agricultura muito rica e suas duas moedas eram o açúcar e o dinheiro. Foi encontrado nesse Código o primeiro dispositivo que tratava sobre a usura, prevendo como punição a perda da própria vida a quem ultrapassasse o valor dos juros pactuados (GIANCOLI, 2008).

Segundo Giancoli (2008), o Código de Hamurabi teve o cuidado e ateve-se a todas as dimensões que o crédito poderia oferecer para a época, desde taxas de juros, garantias, punições a quem descumprisse as regras estabelecidas, dentre outros.

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Outro marco importante para o crédito aconteceu na sociedade romana, que inicialmente, acostumada com o direito costumeiro, teve que adaptar-se aos ditames da lei, com a entrada em vigência da Lei de XII Tábuas, advinda após a República, por volta de 450 a.C. (GIANCOLI, 2008).

O Império romano ficou conhecido pela prática rotineira da usura, como explica Giancoli (2008, p. 21), “o empréstimo com muita usura não era socialmente bem visto. Mas, como recompensa, a usura era perfeitamente aceita e não havia nenhuma vergonha de a ela se entregar. Ao contrário, era uma maneira nobre de enriquecer.”

Na contramão dos métodos creditícios de Roma, despertavam, por volta do século III, as doutrinas da Igreja Católica, condenando fervorosamente a prática da usura e os abusos cometidos em desfavor dos pobres. Movidos pelos sentimentos de caridade e de amor ao próximo e, seguindo as regras do Velho Testamento, os defensores dessa ideologia proibiam a cobrança de juros e a opressão aplicada aos menos favorecidos (GIANCOLI, 2008).

Para essa sociedade “a usura é vista como o comércio da mentira, ela desenvolve a ingratidão e o perjúrio. Os juros nascem devorando a casa dos devedores.” (GIANCOLI, 2008, p. 24). Dessas ideias nasce o sentimento social pela solidariedade dos ricos em favor dos pobres.

No entanto, por volta do século XVI, os grandes pensadores da ideologia católica começam a rever sua doutrina e reconhecem a necessidade do capital e do crédito e “rompem com a tradição que considerava repreensível toda a utilização de juros econômicos, a não ser aquele que é necessário para a subsistência.” (GIANCOLI, 2008, p. 29).

Portanto, os argumentos cristãos atribuídos ao crédito mudam e, a partir desse momento histórico, a cobrança de juros é permitida, desde que, as taxas cobradas atendam a percentuais razoáveis.

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1.1.3 O crédito ao consumo na sociedade moderna

O crédito, por ser uma importante ferramenta do capitalismo, usado, principalmente, para impulsionar a economia de um país e propiciar uma maior qualidade de vida aos seus cidadãos, teve forte expansão em todo o mundo a partir do século XX, conforme discorre Giancoli (2008).

Nesse contexto histórico, as economias mundiais apresentaram um forte crescimento, “fruto do desligamento dos modelos antigos europeus e a consagração da forma revolucionária de venda parcelada, surgida nos Estados Unidos para financiar equipamentos domésticos.” (GIANCOLI, 2008, p. 31).

No Brasil, segundo Giancoli (2008), a inserção do crédito ao consumo teve início por volta dos anos 50, momento em que a concessão do mesmo era feita pelo comerciante e dirigida ao consumidor, no entanto, o acesso era bastante complexo e demandava muito trabalho, visto que era necessário o preenchimento de um longo cadastro de informações.

A expansão do crédito ao consumo deu-se especialmente após a implementação do Plano Real de 1994, o qual trouxe uma estabilidade financeira e, diferentemente dos períodos passados, nesse momento “[...] não havia escassez de produtos nas lojas. Pelo contrário, com a abertura comercial e com a taxa de câmbio supervalorizada a situação era francamente favorável ao consumidor.” (GIANCOLI, 2008, p. 44).

Com o crédito ao consumo em alta, para exemplificar,

os efeitos se fizeram sentir rapidamente. A venda de refrigeradores aumentou em 140% nos três anos posteriores ao início do Real. [...] a venda de televisores cresceu 123% e o consumo de cimento saltou 39% no mesmo período. (BELIK, apud GIANCOLI, 2008, p. 44).

Posteriormente, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, governo que teve o foco das políticas públicas voltadas à população de baixa renda, pode-se notar uma expansão ainda maior do acesso do crédito ao consumo e, consequentemente, um forte aquecimento interno da economia. (GIANCOLI, 2008).

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Todos esses aspectos possibilitaram mais empregos e, todavia, trouxeram mais renda aos cidadãos que, por sua vez, na ânsia de construírem uma vida melhor e realizarem seus sonhos materiais, como a compra da casa própria, do carro novo, dentre outros, buscaram, cada vez mais, o crédito fornecido pelas instituições financeiras, a fim de satisfazer seus desejos capitalistas. (GIANCOLI, 2008).

Na visão de Lima (2010, p. 15), os reflexos do crescimento da economia no governo Lula:

A política do estímulo ao crédito popular do governo Lula foi responsável por ampliar o consumo entre a população de baixa renda, que absorveu cerca de 17 milhões de reais ofertados no mercado. Entre 2005 e 2006, 2,15 milhões de famílias deixaram a classe de consumo D/E e passaram a integrar a classe C.

O crescimento da procura pelo crédito despertou a atenção do segmento financeiro, conforme estudo do BNDES (NICHTER; GOLDMARK; FIORI, apud LIMA, 2010, p. 14):

O setor bancário vê cada vez mais os mercados de baixa renda como oportunidade de crescimento, e vários bancos de prestígio estabeleceram, explicitamente, o avanço neste mercado como estratégia comercial central. Numa tentativa de atrair 50 milhões de novos indivíduos para o setor bancário, os bancos vêm alavancando canais alternativos para a abertura de pontos de serviços. Exemplos desses canais incluem agências de correio (usadas pelo Bradesco, com meta de 5.500 novos locais), supermercados (usados pelo Banco do Brasil, com meta de 5.700 novos locais) e lojas lotéricas (usadas pela Caixa Econômica Federal, com meta de 5.561 novos locais).

Todos esses dados demonstram as mudanças positivas que o estímulo ao crédito causa na economia da sociedade como um todo e, como consequência, na melhoria da qualidade de vida de cada indivíduo. No entanto, é necessário que o uso do crédito aconteça de forma consciente e responsável, considerando os reflexos negativos que o mesmo pode apresentar.

Dentre os malefícios da democratização do crédito ao consumo de forma irresponsável, aparece o superendividamento do consumidor, que pode desencadear em grandes problemas sociais e financeiros aos indivíduos atingidos.

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1.2 O superendividamento

A situação financeira do indivíduo e sua qualidade de vida é um aspecto muito importante para os governantes de uma nação, principalmente em época de recessão, como a que está acontecendo atualmente em todo o mundo, instaurada pela forte crise financeira que acometeu as maiores potências econômicas do planeta. (LIMA, 2010).

O Brasil, por ser um país que está em pleno desenvolvimento econômico, objetiva a manutenção de sua economia interna sempre aquecida, e, como forma de incentivo governamental para tanto, facilitou, especialmente na última década, o acesso ao crédito para todas as classes sociais, visando fomentar a produção e intensificar a circulação de bens e serviços. (LIMA, 2010).

Como explica Eduardo Antonio Andrade Amorim (2010), quando a economia interna de uma nação perpassa por bons momentos, os reflexos positivos são percebidos por todos, no entanto, basta uma classe social, ou um conjunto determinado de indivíduos sofrer complicações financeiras, que este problema resulta em preocupação para todos os envolvidos na cadeia produtiva.

Diante das diversas facetas apresentadas pelo acesso facilitado ao crédito, na maioria delas benéficas à sociedade, outras nem tanto, ou seja, o crédito pode ser responsável pela superficialidade dos negócios jurídicos e desencadear, portanto, um fenômeno de superendividamento social, atingindo, sobremaneira, as classes sociais menos favorecidas. (AMORIM, 2010).

1.2.1 Conceito de superendividamento

O consumidor, na medida em que desempenha papel fundamental na organização do sistema capitalista, precisa atentar para cuidados mínimos, principalmente, no que tange a aquisição de bens ou serviços para pagamento futuro. As facilidades apresentadas pelas empresas no momento da compra poderão reverter-se em sérios problemas na hora de adimplir as obrigações contraídas.

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O superendividamento do consumidor, também designado por falência ou insolvência da pessoa física, é um fenômeno recente, contudo, que está tomando proporções consideráveis em todo o mundo, a exemplo disso, são as legislações de países europeus que passaram a tratar do endividamento crônico do consumidor de maneira específica (LIMA, 2010).

Nestes termos, Claudia Lima Marques, define o superendividamento como:

[...] a impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio (2010, p. 21).

Analisando cada aspecto separadamente, o estado de superendividamento é privativo ao consumidor pessoa física, não podendo, portanto, ser estendido aos empresários, profissionais liberais ou pessoas jurídicas que encontram-se em situações de sobreendividamento. Nota-se que o conceito de consumidor para os casos de superendividamento é compreendido de forma mais restrita que o disposto no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor.

Outra importante análise que deve ser feita, é que o consumidor deve apresentar manifesta incapacidade de adimplir com as obrigações contraídas, ou seja, o montante de suas dívidas, se comparado ao seu patrimônio e a renda mensal auferida, afasta-o totalmente de possibilidades concretas de vê-las cumpridas.

Nesse aspecto, devem ser consideradas as necessidades básicas de todo ser humano, como a alimentação, vestuário, dentre outras, indispensáveis para a subsistência e a preservação da dignidade da pessoa humana, não podendo, todavia, ser comprometida toda a renda do superendividado para satisfazer todos os seus encargos.

As dívidas podem ser de vencimento atual (já exigíveis), ou futuras, neste caso, apontando que o consumidor “teria de fazer um esforço por longos anos, quase uma escravidão ou hipoteca do futuro para poder pagar suas dívidas” (MARQUES, 2010, p. 21).

O último requisito, porém não o menos importante, é o princípio da boa-fé, pressuposto essencial e de observância obrigatória no instituto do superendividamento. O princípio da boa-fé, que perpassa todos os institutos do Direito, é a base nas relações contratuais, ou seja, todos

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que se dispõe a negociar precisam agir com boa-fé, tanto o consumidor quanto o fornecedor.

Em análise restrita quanto à caracterização do consumidor superendividado, faz-se necessário verificar o comportamento do consumidor à época do negócio jurídico, considerando a lealdade contratual deste para com o fornecedor, objetivando sempre, o cumprimento de suas obrigações.

1.2.2 Classificação do superendividamento

O superendividamento é classificado pelos estudiosos da matéria em ativo ou passivo, distinção feita a partir da análise da conduta do consumidor que o levou a este estado de falência financeira.

No caso do superendividamento ativo, o consumidor contribuiu diretamente para a situação que está vivenciando, sendo o principal responsável pelo seu momento de dificuldade financeira. Em outras palavras, o consumidor, diante das diversas possibilidades facilitadas de acesso ao crédito, agiu de forma descuidada e acabou comprando mais do que o seu patrimônio e o seu orçamento mensal suporta, levando-o ao endividamento crônico.

Já no superendividamento passivo, o consumidor foi surpreendido por situações além de sua vontade, fatores externos foram decisivos para a sua insolvência financeira. Nesse sentido, Amorim (2010):

[...] a causa não é o abuso do crédito ou a má gestão orçamentária, mas um “acidente da vida” (desemprego, redução de salários, enfermidades crônicas, divórcio, acidentes, mortes, etc), o consumidor não contribui diretamente para o inadimplemento global de suas dívidas.

O instituto do superendividamento, contudo, acolhe as duas situações indistintamente, considerando que, uma vez atingido o plano de superendividado, tanto o consumidor ativo quanto o passivo, estão nas mesmas condições de vulnerabilidade social e expostos à exclusão do sistema capitalista. No entanto, é imprescindível analisar sempre, e, principalmente no caso do consumidor que contribuiu diretamente para seu endividamento excessivo, a presença do princípio da boa-fé, indispensável para a caracterização do superendividamento.

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2 O SUPERENDIVIDAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO

Os casos de superendividamento possuem particularidades próprias que precisam ser observados, para tanto, é necessário um tratamento com métodos específicos que visam à solução dos problemas já existentes, bem como, indiquem formas de prevenção. Assim como fizeram outros países, o Brasil precisa atualizar sua legislação e enfrentar o superendividamento com regras próprias.

2.1 Análise do projeto de lei nº 283/2012

O Brasil não dispõe atualmente de legislação específica que esteja em plena vigência e em possibilidade de aplicação imediata para os casos de superendividamento. Entretanto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 283/2012, que pretende suprir essa lacuna legislativa e conferir maior proteção aos consumidores que enfrentam dificuldades financeiras.

O Projeto de Lei nº 283/2012 objetiva atualizar o Código de Defesa do Consumidor, propondo a criação de mecanismos de prevenção do superendividamento, bem como, dispor sobre o aperfeiçoamento das técnicas de resolução dos conflitos resultantes desse problema social, econômico e jurídico.

Dentre as principais inovações trazidas pelo projeto em estudo, constitui a preocupação da atual redação do projeto com o acesso responsável do consumidor ao crédito, bem como a necessidade do Estado auxiliar na educação financeira deste. Nesse sentido, conforme expõe o Projeto de Lei nº 283/2012, é dever do fornecedor, sobretudo, informar, de maneira clara e objetiva o consumidor, quanto às possíveis consequências geradas, caso o consumidor incorrer no inadimplemento do crédito assumido. Além disso, o fornecedor precisa avaliar as condições apresentadas pelo consumidor para honrar, posteriormente, com a dívida contraída.

Outro aspecto fundamental abordado pela nova legislação que tramita no Senado Federal corresponde aos casos de crédito consignado, devendo, o fornecedor, não comprometer montante superior a 30% da renda mensal do consumidor, a fim de preservar o mínimo existencial. Ainda, quanto à consignação em folha de pagamento, o projeto prevê a possibilidade de o consumidor desistir do contrato pactuado, no prazo de sete dias, sem ser

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necessário, contudo, externar o motivo da desistência.

Ainda, nesse sentido, o legislador pretende dispor especificamente sobre a garantia ao mínimo existencial e a dignidade humana nas relações de consumo, objetivando a proteção da parte mais vulnerável, reservando, dessa forma, um percentual mínimo de sua renda mensal para o custeio das necessidades primárias de todo ser humano.

O projeto de lei nº 283/12, prevê, também, a aplicação da conciliação nos casos de superendividamento, objetivando, dessa forma, promover a repactuação das dívidas do consumidor atingido com a possibilidade de pagamento do montante no prazo máximo de 5 anos, observando, contudo, a garantia ao mínimo existencial.

2.2 Princípios jurídicos aplicáveis ao superendividamento

Os princípios funcionam como fontes norteadoras para o direito e constituem-se relevantes na aplicação legal e na busca de soluções adequadas para o enfrentamento dos problemas existentes. Em outras palavras, “(...) os princípios servem como um expediente hermenêutico, ou seja, uma diretriz metodológica da interpretação do sistema das culturas jurídicas pós-modernas” (GIANCOLI, 2008, p. 89).

Nesse diapasão, a utilização de princípios do direito torna-se essencial para fornecer respostas aos fatos da vida, considerando a impossibilidade do legislador de pensar em todas as circunstâncias possíveis de ocorrer no cotidiano. Diante dessas afirmações, tanto a Constituição Federal quanto o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil contam com vários princípios aptos a proteger as pessoas físicas do endividamento crônico (GIANCOLI, 2008).

Alguns princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a proteção do consumidor, por exemplo, possuem interpretação intimamente ligada aos casos concretos de falência da pessoa física, projetando soluções para essa adversidade de repercussão social (GIANCOLI, 2008).

A legislação consumerista e o Código Civil, por sua vez, impõem regramentos que deverão ser seguidos por ambas as partes relacionadas, como por exemplo, a boa-fé contratual e

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a função social dos contratos (GIANCOLI, 2008).

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto nos artigos 1º, III e 170, caput, da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, tendo reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro por sua importância ímpar diante do Estado de Direito, partindo do pressuposto que é fundamento basilar da República Federativa do Brasil (LIMA, 2010).

Historicamente, o princípio da dignidade da pessoa humana alterou toda a concepção do ser humano frente ao Estado, uma vez que, que seu conceito concentra a ideologia de que o ser humano precisa ser valorado e respeitado acima de tudo, e, o Estado, por sua vez, tem o dever de primar por mecanismos jurídicos e enfatizar ações governamentais que garantem a dignidade humana aos seus cidadãos. Em outras palavras, a existência do Estado está condicionada em razão das pessoas e para atender às necessidades destas (GIANCOLI, 2008).

Nos casos de superendividamento, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser interpretado, de forma que, possa assegurar ao consumidor atingido o mínimo existencial, ou seja, o devedor não pode dispor de toda sua renda para adimplir seu passivo contratual. Da mesma maneira, o consumidor superendividado precisa satisfazer seu direito ao acesso ao crédito, pois “trata-se de mecanismo econômico que permite a materialização de uma parcela do consumo sem a qual ele não sobrevive com dignidade” (GIANCOLI, 2008, p. 109).

Nesse aspecto, (LIMA, 2010, p. 104), observa que a exigência ao mínimo existencial visa “[..] garantir ao devedor recursos para as despesas da vida cotidiana, não podendo ser inferior à porção impenhorável do salário”. Ainda nesse sentido, Lima (2010, p. 106), escreve que deve haver “[...] a intangibilidade de parte da renda do consumidor para o pagamento das despesas correntes da família (alimentação, saúde, transporte, vestuário e lazer), em atendimento aos direitos mais básicos de moradia e sobrevivência digna”.

O entendimento jurisprudencial segue o raciocínio doutrinário e confere proteção ao consumidor visando a garantia do mínimo existencial, com ênfase no princípio da dignidade da

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pessoa humana, senão vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO

ESPECIFICADO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM FOLHA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, MÍNIMO EXISTENCIAL E

SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. Consoante

entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, revela-se válida a cláusula contratual que prevê o desconto em folha de pagamento. A limitação deste ao percentual máximo de 30% dos rendimentos auferidos pelo consumidor, subtraídos os descontos legais, decorre da eficácia também entre os particulares do princípio da dignidade da pessoa humana (mínimo existencial), bem como objetiva evitar o superendividamento do consumidor. Assim, visa-se a assegurar um mínimo de rendimento para sobrevivência digna deste e de sua família. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. Todavia, in casu, as dívidas não ultrapassam o limite de 30%, razão pela qual nega-se provimento ao recurso. Apelo improvido (RIO GRANDE DO SUL, 2010).

Como fica evidente nesta decisão, o mínimo existencial, assegurado pelo julgador, atende ao percentual máximo de 30% que poderão ser comprometidos da renda mensal auferida, funcionando como um limitador contratual e visando, para tanto, o acesso do consumidor e de sua família às condições básicas necessárias à concretização de uma vida digna.

Ainda, nesse diapasão, segue outro julgamento do Tribunal Gaúcho, assegurando o mínimo existencial e, por conseguinte, aplicando o princípio da dignidade da pessoa humana nos casos concretos:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS

BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. LIMITAÇÃO EM 30% DOS DESCONTOS EM FOLHA. SERVIDOR PÚBLICO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A situação de consumidores que vem sendo denominada de “superendividamento” não é nova e há algum tempo vem sendo tratada com maior sensibilidade na seara judicial. 2. Para estes casos, excepcionalmente, vem-se admitindo a limitação dos descontos realizados em folha de pagamento à margem de 30% da receita líquida, como forma de efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, a fim de possibilitar que a parte disponha minimamente de seus vencimentos para gerir suas finanças e não comprometa o atendimento de suas necessidades básicas. Apelação desprovida (RIO GRANDE DO SUL, 2012).

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causa para o nosso sistema jurídico, de tal sorte que, constitui condição básica à vida de todo e qualquer cidadão brasileiro, devendo o Estado, todavia, criar os mecanismos necessários à proteção e à garantia deste fundamento constitucional.

2.2.2 Princípio da boa-fé objetiva

De acordo com os ensinamentos de Diego Martins Silva do Amaral (2009), o princípio da boa-fé é um dos principais pilares que precisam ser observados nos negócios jurídicos efetuados sob a égide do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. As previsões legais encontradas sobre esse assunto no Código de Defesa do Consumidor estão nos artigos 4º, inciso III; e 51, inciso IV. Já no Código Civil de 2002, são diversos os dispositivos que citam a necessidade da observância do princípio da boa-fé entre os agentes contratuais, constituindo-se em um princípio de análise indispensável.

Conforme explica Amaral (2009), é possível dividir a boa-fé em objetiva e subjetiva. Entende-se, por boa-fé objetiva, como o comportamento praticado pelo agente contratual, analisando, em particular a sua conduta utilizada diante da outra parte e do pacto estabelecido entre ambos, devendo esta ação estar acompanhada de lisura, ética e moral. A boa-fé subjetiva, por seu turno, deriva do estado de ignorância apresentada pelo sujeito concernente a uma situação fática analisada.

Conceitualmente, a boa-fé objetiva, nas palavras de Amorim (2010) “[...] é verdadeira regra de conduta que exige das partes um agir pautado em valores como honestidade, lealdade, cooperação e franqueza, de modo a equilibrar as relações travadas, inclusive as de consumo.”

Em análise específica da incidência do princípio da boa-fé no fenômeno do superendividamento consumerista, evidencia-se, desde logo, uma íntima ligação entre ambos, isto porque, a boa-fé é pressuposto indispensável para a caracterização do estado de superendividamento (LIMA, 2010).

Por ser um princípio indispensável a todos os contratos celebrados, evidentemente, a boa-fé precisa ser manifestada tanto pelo consumidor, quanto pelo fornecedor do produto ou serviço. No caso do consumidor que se encontra em situação de superendividamento, para

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receber a proteção do instituto, precisa, sobretudo, manifestar sua boa-fé e torná-la inerente à sua intenção frente ao estabelecimento do contrato consumerista para com o fornecedor, considerando o seu desejo de adimplir com suas obrigações contratadas (GIANCOLI, 2008).

Além disso, a boa-fé em relação ao consumidor é presumida, restando ao credor provar o contrário e, importando, dessa forma, na consideração de que o ato comportamental foi probo, mesmo que a parte hipossuficiente, já se encontre em situação de superendividamento quando da pactuação de novos contratos, conforme explica Giancoli (2008, p. 103):

devem ser considerados de boa-fé inclusive os consumidores

superendividados que, aprisionados por uma espiral de endividamento, agravaram sua situação para pagar dívidas antigas, pois se tratam de vítimas de um sistema pernicioso de estimulação ao consumo.

Da mesma forma, a boa-fé precisa ser demonstrada pelo fornecedor do produto ou serviço, como muito bem discorre sobre o assunto Cláudia Lima Marques, apud Lima (2010, p. 80), devendo o fornecedor ter

uma atuação refletida, pensando no outro, na contraparte contratual, respeitando-a, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, atuando com lealdade, sem abuso de sua posição contratual, sem causar lesão ou desvantagens excessivas, com cuidado para com a pessoa e o patrimônio do contratante, cooperando para alcançar a finalização das obrigações, isto é, o cumprimento do objeto contratual e a realização dos interesses legítimos de ambos contratantes.”

Ademais, fica nítida a preocupação dos operadores do direito em verificar na vontade e, consequentemente, na conduta dos agentes contratuais a presença de um tratamento recíproco de lealdade, ética, honestidade e cooperação, valores que representam, portanto, o respeito e a harmonia entre os interesses das partes relacionadas contratualmente.

2.2.3 Princípio do empréstimo responsável

O princípio do empréstimo responsável teve origem na União Européia e é uma das medidas adotadas com a finalidade de prevenir o superendividamento dos consumidores. A Bulgária e a Suíça são exemplos de países que disciplinaram legalmente a responsabilidade do fornecedor de crédito (LIMA, 2010).

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Em linhas gerais, o princípio do empréstimo responsável, exige do fornecedor de crédito ao consumo, a coleta de informações capazes de esclarecer quanto às possibilidades razoáveis do consumidor de cumprir com a obrigação contraída. Sendo que, em caso de inobservância do fornecedor às regras exigidas pela legislação, poderá sofrer sanções no contrato consumerista em análise (LIMA, 2010).

Na visão de Olinda Pires Botelho (2012),

“o princípio volta-se não somente ao controle da situação financeira do consumidor, mas ao próprio consumidor, visando a que ele não se torne vítima de compromissos desarrazoados e desproporcionais, que não consigam ser honrados e levem à sua exclusão econômica.”

Denota-se, sobretudo, o compromisso exigido ao fornecedor de crédito em verificar a possibilidade de o consumidor dispor de renda suficiente para adimplir, no futuro, a obrigação contraída, sem, contudo, interferir nas suas despesas mensais básicas, necessárias á satisfação das condições mínimas de sobrevivência do indivíduo envolvido contratualmente, bem como de sua família. Nesse sentido, a decisão do Tribunal carioca:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Consumidor. Ação

Declaratória. Relação creditícia. Mútuos sucessivos e concomitantes. Desconto em folha. Conta-salário. Superendividamento. Tutela Antecipada. Limite de desconto. Descumprimento. Multa.// Decisão do Juízo a quo que, ao conceder liminarmente antecipação parcial dos efeitos da tutela em demanda declaratória ajuizada por funcionário público contra instituição financeira, fixa multa para o fim de impedir o desconto total de valores referentes a contratos de mútuo sucessivos e concomitantes que comprometem todo o seu salário, determinando o limite dos descontos em 30%. Teoria do Superendividamento em função da má concessão de crédito pela instituição financeira. Aplicação analógica da Lei 10820/03 (Art.6º,§5º). Provimento liminar de urgência que visa resguardar a dignidade da pessoa humana do devedor, resguardando parcela imprescindível da verba alimentar percebida mensalmente. Razões recursais expendidas que, atinentes ao mérito da controvérsia, não obstam os fundamentos processuais e constitucionais da decisão proferida. Multa corretamente majorada em função da recalcitrância da instituição financeira que, ao descumprir ordem judicial, atenta contra a dignidade e autoridade do Poder Judiciário. Jurisprudência da Corte em reforço da decisão impugnada. Manutenção decisum, não se mostrando teratológico ou contrário à prova dos autos (Arts.84,§§3º/5º,CDC c/c 273,CPC). Inteligência conjunta das súmulas 58 e 59 TJRJ. Recurso manifestamente improcedente. Negativa de seguimento (RIO DE JANEIRO, 2007).

Por outro lado, o consumidor tem o dever de prestar as informações solicitadas pelo fornecedor, não devendo, todavia, omitir fatos que sejam relevantes à outra parte. No entanto,

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conforme os ensinamentos de Lima (2010, p. 117) “os dados pessoais requeridos do consumidor encontram limite na proteção da vida privada, devendo sempre ser pertinentes, apropriados e não excessivos.” Ou seja, a análise da situação financeira do consumidor pode ser feita com dados objetivos, que se preocupam em verificar os rendimentos do interessado, suas despesas mensais e as dívidas que possuir (LIMA, 2010).

Ademais, o princípio do empréstimo responsável tem o objetivo de qualificar e tornar mais consciente o acesso do consumidor ao crédito, de modo a impedir o uso inadequado e exacerbado dessa importante ferramenta do capitalismo. Além disso, a utilização prática deste princípio pelas instituições bancárias promove, consequentemente, o combate às situações de superendividamento.

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3 O TRATAMENTO DOS CASOS DE SUPERENDIVIDAMENTO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O cenário econômico atual mostra-se positivo, fator que impulsiona as pessoas ao consumo, frente às inúmeras ofertas e promoções tentadoras que o comércio dispõe. Apostando num forte marketing, as empresas dos mais diversos ramos da economia, apostam no aumento dos lucros aliado ao aumento da capacidade produtiva, refletindo, consequentemente, no acréscimo das vagas de emprego no mercado de trabalho.

Todo esse ciclo gerado pelo sistema capitalista repercute de forma satisfatória à sociedade, considerando as vantagens econômicas geradas na vida de todos os cidadãos. Contudo, o consumo precisa ser consciente, de modo a não comprometer excessivamente a renda mensal do consumidor e possibilitar, posteriormente, o adimplemento das obrigações contraídas.

Diante de todo esse contexto econômico favorável aos negócios, muitos consumidores, por vezes, agindo de forma descuidada, ou por consequência de algum imprevisto da vida, como por exemplo: desemprego, divórcio, doenças, morte, etc; incorrem em situações que acaba por impossibilitá-los, permanentemente, de honrar com o montante de dívidas pactuadas, enquadrando-se, portanto, nas situações de superendividamento.

A previsão dos artigos 748 a 786 do Código de Processo Civil, destinado à “[...] hipótese de insolvência civil do devedor pessoa física e não comerciante, quando as dívidas excederem a importância dos bens do devedor” (BERTONCELLO, 2010, p. 220). Esse instituto não trata, contudo, de maneira adequada, os casos de superendividamento dos consumidores, de modo que, “configura uma modalidade de execução por quantia certa contra o devedor” (BERTONCELLO, 2010, p. 220).

A declaração de insolvência civil do devedor, “[...] tem como efeito o vencimento antecipado das dívidas [...]” (BERTONCELLO, 2010, p. 220). E, posteriormente, o devedor terá seus bens penhorados e executados, até que seja satisfeito o montante de dívidas existentes perante o(s) credor(es). Dessa forma, “as causas geradoras do superendividamento não são investigadas, seu principal objetivo é acertar e definir o estado patrimonial do devedor e

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declarar quais são os credores que participarão do resultado da execução coletiva” (BERTONCELLO, 2010, p. 220).

Nesse diapasão, as magistradas Káren Rick Danilevicz Bertoncello e Clarissa Costa de Lima, das Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul, do Estado do Rio Grande do Sul, preocupadas com o crescimento das situações de superendividamento, instituíram um Projeto-Piloto denominado de: “Tratamento das situações de superendividamento do consumidor,” que visa a auxiliar no restabelecimento ao consumo do indivíduo afetado, bem como garantir o seu acesso ao mínimo existencial.

3.1 Estudo do projeto-piloto instalado nas Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul

Diante da inexistência de dispositivos legais capazes de tratar os casos de superendividamento de maneira diferenciada, resta ao Poder Judiciário solucionar as situações concretas que surgem. Preocupadas com esse fenômeno social, as juízas de direito das Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul, elaboraram e puseram em execução o projeto-piloto que visa tratar os casos de superendividamento de modo particular.

A iniciativa inovadora teve sua instalação nas Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul nos meses de novembro e dezembro, respectivamente, do ano de 2006. O Projeto “[...] observou o modelo europeu da reeducação, porquanto teve como ênfase seu aspecto pedagógico como forma de prevenção e de tratamento do superendividamento.” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 63 a).

A efetivação prática do referido projeto, “[...] apresenta custo zero aos cofres públicos, valendo-se da estrutura material dos recursos humanos já existentes ou de fácil arregimentação, tais como conciliadores e juízes leigos [...]” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 59 a). Além disso, o plano não depende da edição de novas leis para a sua regulamentação e busca facilitar o acesso da população ao Poder Judiciário, através da interiorização da justiça, pretendendo instalar pólos de conciliação em vários municípios que não dispõe da presença do Judiciário, incentivando a realização de convênios com universidades interessadas (LIMA; BERTONCELLO, 2010 a).

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3.1.1 Objetivos do Projeto-Piloto

Os objetivos almejados pelas autoras com a aplicação do projeto-piloto nos casos de superendividamento constituem em:

[...] diminuir substancialmente o tempo de duração da lide, viabilizar a solução

delas e de conflitos por intermédio de procedimentos simplificados e informais, reduzir o número de processos que avolumam no Judiciário, alcançando, portanto, as ações em trâmite nos foros e as ocorrências que possam vir a se transformar em futuras demandas judiciais, concebidas como um mecanismo acessível a todo cidadão, enfrentando o gravíssimo fato de litigiosidade contida, por meio não adversariais de resolução de conflitos, da justiça participativa e coexistencial, levando-se, enfim, instrumentos da jurisdição às comunidades (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 59 a).

Nesse sentido, é possível destacar como principais inovações trazidas por essa iniciativa a tentativa de reeducação e ressocialização dos consumidores superendividados, através do ajuste amigável dos débitos, procedendo com a aplicação de procedimentos, que ao invés de causar “[...] a ruptura ou a inexecução do contrato em nome da utilidade social [...]”, (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 63 a), atua como “instrumento privilegiado do tratamento do endividamento contemporâneo” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 63 a).

A renegociação da dívida é o aspecto fundamental na análise nesse trabalho, considerando que ela visa, sobretudo, rever o montante de obrigações contraídas pelo consumidor e fracioná-las ao longo do tempo, sem que seja atingida, contudo, a renda mensal indispensável à garantia do mínimo existencial (LIMA; BERTONCELLO, 2010 a).

3.1.2 Consumidores e dívidas abrangidas pelo projeto

Para participar do projeto-piloto em estudo, o consumidor precisa ser pessoa física; maior de idade, absolutamente capaz; ter agido de boa-fé para com o fornecedor quando da aquisição do bem ou serviço, ou seja, não serão aceitos os consumidores que agiram de má-fé no momento da pactuação do contrato, objetivando fraudar o negócio jurídico em análise; quanto à renda familiar do indivíduo superendividado, o projeto não promulga objeções; e, o crédito, por sua vez, não deve ser contraído visando o exercício de atividades profissionais (LIMA; BERTONCELLO, 2010 a).

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Quanto às dívidas abrangidas pelo projeto “[...] podem ser as decorrentes de créditos consignados, contratos de crédito ao consumo em geral, contratos de prestação de serviços (essenciais ou não), podendo estar vencidas ou não e não havendo limitação do seu valor” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 64 a).

Entretanto, não será aplicado o projeto nas dívidas

[...] alimentícias, fiscais, créditos habitacionais, decorrentes de indenização por ilícitos civis ou penais, por não serem oriundas de relação de consumo e, no caso dos créditos habitacionais, devido à complexidade dos contratos e legislação incidente (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 64 a).

Nesse diapasão, fica clara a intenção das autoras do projeto em proteger somente os consumidores que possuem débitos de natureza formada, exclusivamente, pela prática do consumo. Não devendo ser outra a interpretação, caso contrário, perder-se-ia o objeto principal do plano estudado, quanto aos casos de superendividamento.

3.1.3 Sistemática de procedimentos utilizados

O consumidor que enquadrar-se nos requisitos necessários para configurar a situação de superendividamento poderá, sob sua iniciativa voluntária, manifestar a vontade de participar do projeto. O acompanhamento de advogado durante o procedimento é dispensável. Além disso, não haverá a incidência de custas processuais (LIMA; BERTONCELLO, 2010 a).

De acordo com Lima e Bertoncello (2010 a), o desenvolvimento do projeto ocorre da seguinte forma:

a) Inicialmente o consumidor será atendido de modo individual e reservado. Na sequência, preencherá um formulário- padrão, informando sua situação econômica, social, e demais dados associados aos seus débitos e respectivos credores. Ainda, nesse primeiro momento, o consumidor é alertado quanto à necessidade de prestar informações sob o eixo da boa-fé e condizentes com a realidade;

b) Num segundo momento, é reforçado o espírito pedagógico e de prevenção que o projeto-piloto objetiva, no qual o consumidor recebe a cartilha do superendividado contendo os

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“10 mandamentos da prevenção ao superendividamento.” Esta cartilha teve lançamento no ano de 2006 e contém as seguintes dicas para o consumidor não endividar-se de maneira excessiva, como discorre Juliana Cristina Wanderley (2012):

1. Não gaste mais do que você ganha; 2. Tenha cuidado com o crédito fácil;

3. Não assuma dívida sem antes refletir e conversar com a família; 4. Leia o contrato e os prospectos;

5. Exija a informação sobre a taxa de juros mensal e anual;

6. Exija o prévio cálculo do valor do total da dívida e avalie se é compatível com sua renda;

7. Compare as taxas de juros dos concorrentes; 8. Não assuma dívidas em benefício de terceiro;

9. Não assuma dívidas e não forneça seus dados por telefone ou pela internet; 10. Reserve parte de sua renda para as despesas de sobrevivência.

c) Na sequência, os credores recebem convites para participarem de uma audiência de tentativa de renegociação;

d) Nessa etapa é realizada a audiência de renegociação. Trata-se de uma audiência conjunta entre todos os credores e o consumidor superendividado, mediado por um Juiz de Direito. Nessa fase, é observado o mínimo existencial do indivíduo e de sua família, a fim de “[...] garantir ao devedor recursos para as despesas da vida cotidiana, não podendo ser inferior à porção impenhorável do salário nos termos do art.L. 145-2 do Código do Trabalho[...]” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 66 a). Contudo, o projeto em estudo não aderiu à uma fórmula matemática para garantir ao consumidor e sua família o mínimo necessário para promoção de seu sustento. Em linhas gerais, a preocupação está em preservar ao consumidor endividado “[...] o montante suficiente para o pagamento das despesas correntes do lar como água, luz, alimentação, educação, saúde, aluguel, condomínio, entre outras indispensáveis ao bem estar e dignidade do núcleo familiar” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 66 a). No que tange à soma das dívidas que o consumidor dispõe “[...] a renegociação poderá consistir no parcelamento das dívidas, concessão de moratória com alteração no vencimento da obrigação, redução dos encargos ou, até mesmo perdão parcial ou total da dívida” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 66 a);

e) Havendo acordo exitoso entre as partes, o Juiz de Direito responsável pela coordenação da audiência de conciliação, homologará a decisão, que terá força de título executivo judicial. “A ata da audiência de renegociação é redigida em documento único, com a

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identificação de cada credor individualmente, valor da dívida, forma de pagamento, encargos para a hipótese e descumprimento” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 66 a);

f) No caso do acordo restar inexitoso, o consumidor receberá orientação para procurar os seus direitos nas vias ordinárias do Poder Judiciário.

Além disso, é consignado na ata de audiências que, caso o consumidor, incorrer na prática de alguns dos atos a seguir, suas dívidas terão vencimento antecipado:

Preste dolosamente falsas declarações ou produza documentos inexatos com o objetivo de utilizar-se dos benefícios do procedimento de tratamento da situação de superendividamento; dissimule ou desvie a totalidade ou parte de seus bens com o objetivo de fraudar credores ou a execução; sem o acordo de seus credores, agrave sua situação de endividamento mediante a obtenção de novos empréstimos ou pratique atos de disposição de seu patrimônio durante o curso do procedimento de tratamento da situação de superendividamento (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 67 a).

Nesse sentido, denota-se a exigência de responsabilidade por parte do consumidor que se encontra em situação de superendividamento e, procura o Projeto-Piloto a fim de adimplir suas dívidas perante os credores, devendo ter comprometer-se, todavia, aos atos formatados em audiências, caso contrário, sofrerá a sanção devida.

3.1.4 Relatório geral e experiências obtidas com a instalação do projeto-piloto

A análise de dados produzidos e a experiência obtida através do projeto-piloto sobre os casos de superendividamento é de fundamental importância. Os estudos aqui relatados ocorreram durante a execução do projeto nos anos de 2007 e 2008. Nesse período, mais de 3.000 pessoas receberam atendimento pelo projeto inovador, dentre as quais, em torno de 1.000 eram consumidores superendividados (LIMA; BERTONCELLO, 2010 b).

Durante esse período, o projeto foi desenvolvido em quatro Comarcas gaúchas: inicialmente nas Comarcas de Charqueadas e Sapucaia do Sul, e, com a consequente expansão do projeto, tiveram a implementação do projeto as Comarcas de Sapiranga e de Porto Alegre

(LIMA; BERTONCELLO, 2010 b).

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período. Outro resultado de muita importância, é que os casos tiveram resolução no prazo máximo de 30 dias, contados desde a data de preenchimento do formulário-padrão, pelo consumidor superendividado, até o acordo na audiência de renegociação, demonstrando, dessa forma, a agilidade do procedimento estudado (LIMA; BERTONCELLO, 2010 b).

O estudo das juízas Lima e Bertoncello (2010 b), também revelou que as pessoas mais acometidas pelo fenômeno do superendividamento são os jovens, os idosos e as pessoas de baixa renda. O consumidor jovem está em busca de sua colocação no mercado de trabalho, não dispondo de muita renda, além das despesas com estudo, aquisição de veículo, imóvel, etc.

Os idosos, por sua vez, também são muito freqüentes entre as pessoas em situação de superendividamento. E as pessoas que dispõe de uma renda familiar mensal de até três salários mínimos, lideraram os indicadores do estudo.

Outro aspecto relevante do estudo demonstra que “[...] os núcleos familiares estão superendividados” (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 317 b). Nesse contexto, as pessoas casadas e em união estável respondem pela maioria dos casos de sobreendividamento consumerista. Quanto às consequências desse demonstrativo, esclarece Lima e Bertoncello (2010, p. 317 b):

As potenciais consequências geradas com a submissão ao superendividamento familiar podem ser identificadas pela repercussão nos procedimentos de violência doméstica, pelos procedimentos de apuração de ato infracional e até mesmo nas dificuldades em solucionar a partilha de bens da separação/divórcio do casal, dada a ausência de distribuição de ativos patrimoniais e a presença de excesso de dívidas contraídas no curso da união.

Quanto às causas propulsoras do endividamento dos consumidores analisados pelo projeto-piloto, a redução de renda, o acometimento de doenças e morte na família, foram os fatores mais citados pelos indivíduos atendidos. Além disso, a maioria esmagadora dos consumidores auxiliados pelo projeto-piloto a honrarem com suas obrigações contraídas estavam com o nome negativado, perante os cadastros de inadimplentes.

Dessa perspectiva, é possível completar que

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de trabalho, uma vez que os empregadores tem recorrido à consulta prévia destes cadastros quando da seleção dos candidatos. [...] este dado revela as inúmeras situações de crédito pendente e ausência de processo judicial de cobrança, em virtude do alto custo a ser enfrentado pelos credores,, que preferem manter os dados do superendividado nestes cadastros negativos, como forma de coação ao pagamento (LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 321 b).

O projeto-piloto, sobretudo, auxilia de maneira ímpar os consumidores atingidos por todos esses fatores que não condizem com uma vida digna, tornando-os livre de sentimentos de culpa e de vergonha, por que os indivíduos sofrem nessas situações.

Ainda, nessa linha de raciocínio, o projeto é abordado com a finalidade de possibilitar o acesso à justiça, especialmente, às pessoas menos favorecidas economicamente, contribuindo, portanto, com uma sociedade mais cidadã e igualitária.

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CONCLUSÃO

O consumo repercute na qualidade de vida das pessoas proporcionando grandes benefícios à sociedade. Da mesma forma, o crédito apresenta-se como ferramenta imprescindível para o capitalismo, ao ponto que propicia uma maior circulação de mercadorias entre as pessoas, e, influenciando, diretamente, na qualidade de vida dos cidadãos.

No entanto, é indispensável a proliferação de uma cultura que preze pelo consumo consciente, caso contrário, estaremos, com maior frequência, diante de situações nas quais as dívidas contraídas podem representar um montante insuportável diante dos rendimentos mensais auferidos pelo consumidor, resultando, dessa forma, no superendividamento do indivíduo afetado.

O fornecedor precisa ofertar o crédito de forma responsável, observando requisitos básicos e a situação financeira do consumidor interessado. Por outro lado, o consumidor deve fornecer informações capazes de externar a sua condição econômica. Ou seja, é dever de ambas as partes colaborarem para a prevenção do superendividamento.

Além disso, é necessário ações que venham a contribuir para o estudo aprofundado e ideias que aprimorem o tratamento diferenciado das situações de sobreendividamento, bem como, a presença de uma legislação que regule as relações de consumo, especialmente, no que tange ao fornecimento de créditos ao consumo, a fim de impedir o assolamento desse fenômeno social.

Não obstante, o projeto-piloto analisado no presente trabalho, mostrou-se bastante eficaz e contributivo à sociedade, especialmente, verificada a maneira de como foram

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procedidos os atendimentos aos consumidores, observando as particularidades de cada caso, além de evitar o litígio entre as partes e garantir ao consumidor superendividado o mínimo existencial necessário para sua subsistência.

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REFERÊNCIAS

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Referências

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