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A TUTELA DE URGÊNCIA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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A TUTELA DE URGÊNCIA E O

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Alexandre Mota Brandão

SUMÁRIO: Introdução; I - Do direito comparado; II - Da tutela de urgência; III - Da tutela da evidência; IV - Do procedimento; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Atualmente, conforme previsão contida nos arts. 273 e 461, § 3º, do Código de Processo Civil para a antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela pretendida pela parte, não se afigura suficiente apenas a verossimilhança das alegações e a existência de prova inequívoca do fato. Devem se fazer presentes, do mesmo modo, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou que fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Não se pode olvidar a proibição de provimentos judiciais com caráter irreversível. Além disso, os aludidos dispositivos legais dispõem que é lícita a concessão de liminar sem a oitiva do réu, quando a citação deste puder tornar a medida ineficaz. Por fim, permitem que o juiz conceda a tutela antecipada quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas deles, mostre-se incontroverso, sendo certo que, se o autor requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar incidental do processo ajuizado.

Essa disciplina legal, no entanto, está prestes a ser revogada. Isto porque está pendente de apreciação na Câmara dos Deputados o projeto de um novo Código de Processo Civil - CPC, que já foi aprovado no Senado Federal. Este projeto é fruto do esforço de renomados juristas, preocupados

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em modernizar o atual CPC, que se encontra em vigor desde 1973, antes, portanto, da vigente Constituição Federal. Nesse sentido, o projeto foi todo elaborado com observância aos princípios e garantias constitucionais, como se verifica do disposto nos seus arts. 1º a 11, com especial atenção à celeridade e à razoável duração do processo. Institutos que se encontravam na legislação especial foram sistematizados em capítulo próprio, como a desconsideração da personalidade jurídica (arts. 62 a 65), e novas figuras foram criadas, como o incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 895 a 906).

No que diz respeito à antecipação de tutela e à tutela cautelar, a matéria ganha novo regramento no projeto. Esses provimentos foram batizados de tutela de urgência e de tutela da evidência, sendo tratados nos arts. 277 a 296. É que o projeto não cuida do processo cautelar em um livro próprio, tampouco prevê as medidas cautelares nominadas. No entanto, o art. 284 permite que o juiz, em casos excepcionais, conceda a medida de urgência de ofício.

Em que pese tais propostas, que serão objeto de análise ao longo deste artigo, mister destacar que o seu efeito, em relação à celeridade processual, não será completamente alcançado se não se destinar ao Poder Judiciário maior orçamento estatal.

Com efeito, o número de demandas que chegam ao Poder Judiciário hoje é expressivamente superior ao número de ações ajuizadas antes da vigente Constituição Federal. Isto porque essa Constituição, na linha do que preconizava Mauro Cappelletti1, garantiu o acesso universal ao Poder Judiciário (inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB), de modo que todos, atualmente, levam seus pequenos e grandes problemas à análise judicial. Se, por um lado, tal medida colaborou

1

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988. p. 08.

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para a efetividade da democracia, por outro, inchou o Poder Judiciário, sem que esse poder fosse dotado dos recursos necessários para dar cabo a esses conflitos em um tempo razoável.

Há, portanto, uma contradição, pois o constituinte garantiu o acesso universal ao Poder Judiciário, mas não dotou esse poder de estrutura apta a garantir a resolução expedida dos conflitos. Ou seja, incentivou a judicialização dos conflitos, mas não previu melhor estrutura em favor do Poder Judiciário para a boa solução desses litígios em tempo razoável. O fruto dessa omissão é a crise em que vive hoje o Poder Judiciário.

Por isso não se pode ter a ilusão de que o aprimoramento da técnica processual, por meio da edição de um novo Código de Processo Civil, será capaz de solucionar todos os problemas do Poder Judiciário. A crise numérica de processos evidenciada até o momento não foi debelada com a recente edição de leis processuais, como as de nº 11.232 e 11.235. Ao que parece, a edição de novas leis implica o surgimento de novas dúvidas e controvérsias. Como afirma Mancuso2, a nomocracia não consegue acabar com as deficiências e carências do sistema.

Por outro lado, é fato notório que o número de juízes e de servidores no Brasil é pequeno, proporcionalmente ao tamanho da população e ao número de processos em tramitação. A estrutura física dos fóruns também é, em muitas Comarcas e Seções Judiciárias, obsoleta. Não raro, o Poder Judiciário depende de parcerias com o Poder Executivo municipal ou estadual para o bom funcionamento de seus serviços, a exemplo da cessão de servidores e o empréstimo de prédios públicos municipais e estaduais.

O Estado-Administração também é outra fonte de grande número de processos. Não só porque muitas vezes defende teses carentes de

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 22.

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fundamentação jurídica, como também em razão dos privilégios de que desfruta na relação processual, sobretudo na fase de execução. Como destaca Leonardo José Carneiro da Cunha3, por exemplo, não há expropriação na execução intentada contra a Fazenda Pública, devendo o pagamento submeter-se à regra do precatório ou eventualmente à regra da Requisição de Pequeno Valor.

Todo esse contexto, infelizmente, colabora para o mau funcionamento do Poder Judiciário, retardando a solução dos conflitos. Não por acaso essa situação enseja o surgimento da construção de meios alternativos de solução de conflitos, a exemplo da arbitragem e da mediação. A necessidade de provimentos urgentes ou em tempo razoável faz com que as pessoas procurem outras alternativas, que não o Poder Judiciário.

É bem-vindo o projeto de um novo CPC, portanto, especialmente porque voltado a garantir a celeridade e a instrumentalidade processuais. Nada obstante, como já dito, além dessa brilhante iniciativa, é imprescindível uma reforma constitucional, que garanta mais estrutura e mais recursos ao Poder Judiciário, reforçando a garantia do autogoverno4, sob pena de se comprometer a sua independência e, por conseguinte, a tripartição dos Poderes.

I - DO DIREITO COMPARADO

3

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Dialética, 2007. p. 233.

4

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Alguns institutos do Direito processual civil brasileiro vigente são frutos da importação, em grande parte, do modelo italiano de processo civil. É inegável a influência de Liebman sobre a escola paulista de processo civil, e esta, por conseguinte, em grande parte da doutrina nacional.

O modelo de tutela de urgência vigente, destarte, é bastante semelhante ao que vigora na Itália. Isto porque, tanto no Brasil (arts. 796 a 889 do CPC brasileiro) como na Itália (art. 700 do CPC italiano), são previstas as medidas cautelares típicas e as atípicas em livro próprio. Com efeito, a autonomia da função cautelar foi inicialmente identificada por Chiovenda, que, contando com o apoio de Calamandrei, foi dos que mais contribuíram para a formação de uma doutrina jurídica a respeito dessa forma de tutela5.

No entanto, ao que parece, o projeto do novo CPC rompe com esse parâmetro, aproximando-se do modelo alemão. É que o projeto, além de não prever um título específico para o processo cautelar, tratando apenas da matéria de relance em um dos capítulos reservados ao título do processo de conhecimento, submete a tutela cautelar e a tutela antecipatória aos mesmos requisitos. Cuidou da matéria do mesmo modo que o Direito alemão.

Ao contrário, portanto, do que ocorre na Itália, em que o deferimento da tutela cautelar está sujeito a requisitos diferentes que os necessários ao deferimento da tutela antecipatória (arts. 186-bis e ter, introduzidos na legislação italiana pela reforma de 1990), o projeto do novo CPC não fez essa distinção.

Bedaque6, a propósito, assevera:

5

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativas de sistematização). 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 36.

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Não obstante a existência de diferenças visíveis, pode-se dizer que o sistema brasileiro é semelhante ao italiano, pois em ambos a tutela sumária pode ou não ter características cautelares.

Já no direito alemão e no direito francês, a questão é posta em termos um pouco diversos. Tanto as einstweilige verfügungen quando as

ordonnances de référé incidem sobre situações análogas àquelas cobertas

pelas várias modalidades de tutela sumária aqui reguladas.

Mas existe diferença substancial entre as soluções, quanto ao aspecto estrutural, pois naqueles países somente existe uma modalidade de provimentos antecipatórios. Não há nítida separação entre tutela cautelar lato

sensu, de um lado, e tutela sumária não cautelar, de outro. A estrutura dos

provimentos cautelares naqueles países é mais flexível que no Brasil e na Itália, pois, ou a eficácia do provimento não está subordinada a um prazo predeterminado pelo legislador, podendo o juiz fixá-lo, mas a pedido da parte contrária (ZPO, § 926), ou ele guarda certa independência em relação ao provimento principal, cuja ausência não faz com que cesse automaticamente sua eficácia.

Evidencia-se, porém, a prescindibilidade da tutela de cognição plena, podendo a provimento sumário transformar-se na solução definitiva do litígio. Não obstante isso, é tratado como modalidade de tutela cautelar, o que não corresponderia às ideias aqui desenvolvidas. [...]

A doutrina italiana, todavia, alerta para o fato de que a completa atipicidade das medidas cautelares pode gerar arbítrio judicial. Essa preocupação procede no direito italiano, haja vista que naquele ordenamento jurídico, até recentemente, não era prevista a possibilidade de recurso contra uma decisão interlocutória7. Como no Brasil sempre existiu a possibilidade de

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impugnação das decisões interlocutórias, essa crítica não merece guarida, em parte, como se verá a seguir.

Na Alemanha não existe diferença substancial entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória, sendo certo que a eficácia do provimento não está subordinada a um prazo predeterminado pelo legislador, podendo o juiz fixá-lo, mesmo na ausência de um provimento principal (§§ 916 e ss. da ZPO).

Bem se vê que os autores do projeto do novo CPC inspiraram-se no direito alemão, no que pertine às regras da tutela de urgência, para a confecção do art. 2838.

II - DA TUTELA DE URGÊNCIA

O processo, como técnica de solução de conflitos, não garante, em regra, a imediata solução da lide. Isto porque são necessárias várias fases para se atingir o julgamento da causa. Assim é que, antes de julgar definitivamente a lide, o juiz deve franquear a ambas as partes a possibilidade de se manifestarem sobre o mérito da causa, garantindo o contraditório e a ampla defesa, e, em seguida, se for o caso, permitir a produção de provas que entender necessárias ao seu convencimento, sob o crivo do contraditório. Além do mais, o juiz precisa de tempo para conhecer do conflito de interesses e habilitar-se a bem fundamentar as suas decisões e sentenças9. Tal é o motivo da existência das fases postulatória, saneadora, instrutória e julgadora no procedimento ordinário do processo de conhecimento.

8

"Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação."

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No entanto, é comum que a espera por um provimento de mérito, após todas as fases processuais, possa provocar um dano de grande monta ou irreversível à parte. Desse modo, com o fim de minimizar os efeitos deletérios do tempo sobre o bem da vida discutido em juízo, o Direito europeu contemporâneo, em primeiro lugar, e o Direito pátrio, posteriormente, reconheceram além da tutela cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, o poder do juiz, em determinadas circunstâncias, de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal10.

A antecipação de tutela significa que o juiz, com base em cognição não exauriente - situação absolutamente excepcional no âmbito do processo conhecimento11 -, profira decisão interlocutória em favor da parte, antecipando os efeitos de uma sentença de mérito favorável. Com essa medida, o juiz remediará os efeitos perversos do tempo sobre a pretensão da parte. A tutela de urgência é necessária para a distribuição equânime do tempo no processo.

Trata-se, em verdade, de concretização do direito à duração razoável do processo, que se afigura entre as garantias processuais (inciso LXXVII do art. 5º da CRFB), e já encontrava previsão na Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 04.11.1950 (art. 6º, § 1º), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22.11.1969 (art. 8º, § 1º).

Eis as palavras de Bedaque12 sobre o assunto:

10

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2007. p. 417.

11

WAMBIER, Luiz Rodrigues; DE ALMEIDA, Flávio Renato; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. V. 1: teoria geral do processo de conhecimento. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 322.

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Ainda que não se trate de duração patológica, o processo cognitivo, pela sua própria natureza, demanda tempo para efetivação dos atos a ele inerentes, possibilitando a cognição plena da relação substancial e a efetivação do contraditório. O dano sofrido pelo inadimplemento do direito seria, nessa medida, agravado pelo processo, cujo objetivo é exatamente restabelecer a normalidade no plano material.

O simples fato de o direito permanecer insatisfeito durante todo o tempo necessário ao desenvolvimento do processo cognitivo já configura dano ao seu titular. Além disso, acontecimentos podem também se verificar nesse ínterim, colocando em perigo a efetividade da tutela jurisdicional.

Esse quadro representa aquilo que a doutrina identifica como o dano marginal, causado ou agravado pela duração do processo.

Há várias décadas, a doutrina e a lei elencam a tutela cautelar e a tutela antecipatória como espécies do gênero tutela de urgência, delimitando, separadamente, os requisitos necessários para o deferimento de uma e de outra. O Brasil, inclusive, é um dos países mais respeitados no assunto, eis que dispõe de vasta e boa literatura sobre o Direito processual civil, especialmente quanto à tutela antecipada e à tutela cautelar.

O art. 283 do projeto cuida da "tutela de urgência cautelar e

satisfativa", dispondo que, "para a concessão de tutela de urgência serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação". Isto é, o

projeto submete a tutela cautelar e a tutela antecipatória aos mesmos requisitos.

Tal situação não passou despercebida da análise de Marinoni13:

13

MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto da CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 106-107.

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Rigorosamente, o texto já à partida confunde tutela antecipatória com tutela cautelar, na medida em que submete ambas à demonstração do "risco

de dano irreparável ou de difícil reparação". Esta confusão é acentuada pela

quantidade de alusões ao "processo principal" ou "pedido principal" nos artigos que tratam da tutela de urgência (arts. 280, 282, I, 287, § 1º, 289, 290, 291, I, 292 e 294), terminologia obviamente ligada à tutela cautelar, dada a sua referibilidade, mas não à tutela antecipatória

Esse regramento, todavia, poderá ensejar certa perplexidade ao aplicador da norma no caso concreto. Deveras, como dito anteriormente, o estudante e o operador do direito no Brasil estão acostumados com uma construção doutrinária, jurisprudencial e legal de décadas sobre as espécies de tutela de urgência, separando em categorias distintas os requisitos necessários para o deferimento da tutela cautelar e para a tutela antecipatória. A propósito, Dinamarco14 é bastante paradigmático:

A grande massa das medidas urgentes que se veem nas leis extravagantes e mesmo no Código de Processo Civil, inclusive as trazidas pelas duas Reformas, é composta de provimentos antecipatórios e não cautelares. São cautelares, das quatro espécies indicadas por Calamandrei, os provimentos instrutórios antecipados (produção antecipada de prova), os provimentos destinados a assegurar a execução forçada (arresto, sequestro, busca e apreensão) e, talvez, as cauções processuais. As antecipações de provimentos decisórios, justamente porque consistem em antecipar resultados finais, não são cautelares, mas antecipações de tutela.

Encontra-se, inclusive, em vigor dispositivo legal (§ 7º do art. 273 do CPC vigente) que visa a facilitar o deferimento dessas tutelas, em caso de dúvida entre uma e outra. Trata-se da fungibilidade das medidas liminares.

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O que o projeto procura instalar é uma completa flexibilidade para o deferimento de uma e outra. Se por um lado tal opção denota um escopo instrumentalista, visando a simplificar a apreciação dos pedidos de tutela de urgência, de outro pode complicar ainda mais a aplicação e o entendimento do direito. A opção pelo mesmo tratamento normativo das espécies de tutela de urgência representa uma completa mudança de rumo no tratamento da questão, o que ensejará grande discussão na doutrina e na jurisprudência sobre o assunto. Esse debate tem a chance de produzir o efeito inverso que o desejado pelos autores do projeto do novo CPC. A discussão poderá ensejar a interposição de vários recursos para os Tribunais, contribuindo para a sobrecarga do Poder Judiciário.

Ora, se, em última instância, o que se objetiva com o novo CPC é a celeridade e a segurança jurídica, é recomendável que se aproveite os conceitos sedimentados há décadas sobre o assunto, dando-lhes um melhor tratamento normativo.

Por outro lado, importante observar que no referido art. 283 não há previsão de tutelas contra o ilícito. Com efeito, o referido dispositivo legal condiciona o deferimento da tutela de urgência à demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Portanto, não prevê o deferimento de tutela de urgência para a proteção de situações em que, apesar de não existir um dano, há violação do direito, como, por exemplo, em algumas demandas envolvendo o Direito do consumidor, o Direito ambiental e o Direito administrativo.

A propósito, Marinoni15 disserta com maestria:

15

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 73.

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A distinção entre ato ilícito e fato danoso cresce em importância quando se percebe que a unificação da categoria da ilicitude civil com a da responsabilidade por dano é o resultado de um processo de evolução histórica que conduziu a fazer coincidir a tutela privada do bem com a reintegração do seu valor econômico no patrimônio do prejudicado, esquecendo-se que bens de grande importância, e considerados vitais para o

desenvolvimento da pessoa humana, não podem ser reintegrados

pecuniariamente. [...] de modo que deve haver à disposição do cidadão, ou de um ente que o faça valer em juízo, um instrumento processual civil capaz de impedir a violação destas normas, isto é, uma técnica processual civil capaz de impedir a violação do direito, sem se importar com o dano. Para melhor explicar, é preciso deixar claro que, na sociedade contemporânea, o ato que é contrário ao direito, mas não produz dano, não pode fugir do campo de aplicação do processo civil, pretendendo-se refugiar na seara exclusiva do processo penal. [...]

É uma lacuna que merece ser sanada, sobretudo porque as hipóteses enumeradas no art. 285 não alcançam todas as situações de tutela contra o ilícito.

Nesse sentido, Marinoni16 apresenta valiosa contribuição, ao sugerir a seguinte redação ao art. 283 do projeto:

Proposta: Art. 283. O juiz poderá prestar tutelas de urgência sempre que houver elementos que evidenciem a verossimilhança do direito e, conforme o caso, o perigo na demora da prestação jurisdicional ou o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

III - DA TUTELA DA EVIDÊNCIA

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MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto da CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 108.

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O art. 285 dispõe sobre a "tutela da evidência", que se constitui novidade normativa muito bem-vinda. Trata-se de medida urgente que poderá ser deferida sem a demonstração da existência de dano irreparável ou de difícil reparação.

Assim, a tutela da evidência poderá ser deferida nas seguintes situações:

I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido;

II - um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva;

III - a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou

IV - a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.

Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada do depósito legal ou convencional.

Algumas das hipóteses em que pode ser deferida essa espécie de tutela ensejam cognição sumária (I, III e IV), como no caso do abuso do direito de defesa, outra cognição exauriente (II). A propósito, merece crítica a inclusão do inciso II no art. 285, porquanto o projeto prevê que a solução para o caso de pedidos cumulados e incontroversos - ou parcela deles - será definitiva. O ideal seria que a hipótese do inciso II, quando todos os pedidos

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fossem incontroversos, fosse inserida no corpo do art. 353, que cuida do julgamento antecipado da lide17.

Marinoni não concorda com a referida redação, prefere a positivação de uma cláusula geral, seguida de uma lista casuística, de modo a facilitar sua operação prática. Ademais, sugere a previsão de deferimento dessa tutela em razão de precedentes jurisprudenciais, entre outras hipóteses, com o que concordamos, em vista não só do princípio da instrumentalidade processual, como também em razão da segurança jurídica. Eis o teor da proposta18:

Proposta: Art. 285. O juiz poderá prestar tutela antecipada toda vez que o direito do autor mostrar-se desde logo evidente, o que será caracterizado quando: I - a matéria for unicamente de direito e houver firme precedente nos tribunais superiores no sentido do pedido; II - a inicial for instruída com prova documental do fato constitutivo e a defesa indireta não se fundar em prova documental; III - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

IV - DO PROCEDIMENTO

Nos termos do art. 286 do projeto - que passa a figurar como art. 279 em razão das alterações apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira -, "a petição inicial da medida cautelar requerida em caráter

antecedente indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão". Nada a registrar quando a esse dispositivo,

17

Idem, p. 109.

18

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15

porquanto ao exigir a descrição dos elementos da lide na petição inicial, viabiliza o contraditório e a ampla defesa.

O requerido, então, de acordo com o art. 287, será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir. Do mandado de citação (§ 1º) deverá constar a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor. O prazo (§ 2º) será contado a partir da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido (I) ou da intimação do requerido de haver-se efetivado a medida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia. Esse dispositivo traz importante inovação, pois permite a vigência da tutela de urgência, indefinidamente, enquanto não houve impugnação judicial. Trata-se de medida que merece ser aplaudida, porquanto implicará grande economia e celeridade processual.

Não sendo contestado o pedido (art. 288), os fatos alegados pelo requerente presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros. O art. 288 fixa ao juiz um prazo de cinco dias para decidir. Contestada a medida no prazo legal, no entanto, o juiz deverá designar audiência de instrução e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida (§ 1º). Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando sua eficácia (§ 2º). Valioso destacar, no ponto, que a ausência de contestação, no âmbito de medida preliminar, não ensejará a formação de coisa julgada material.

Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de um mês ou em outro prazo que o juiz fixar:

Art. 282. Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de trinta dias ou em outro prazo que o juiz fixar.

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§ 1º O pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que tiver sido veiculado o requerimento da medida de urgência, não dependendo do pagamento de novas custas processuais quanto ao objeto da medida requerida em caráter antecedente.

§ 2º A parte será intimada para se manifestar sobre o pedido principal, por seu advogado ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação.

§ 3º A apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não impugnar a liminar.

§ 4º Na hipótese prevista no § 3º, qualquer das partes poderá propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado.

Esse dispositivo confere ao juiz grande poder discricionário, ao permitir que ele fixe o prazo em que deverá ser ajuizada a ação principal. Cuida-se de medida que propicia melhor condução do procedimento, em vista do direito material discutido em juízo. Além disso, merece encômios o quanto disposto no § 1º, pois, ao dispensar a parte do pagamento de novas custas processuais em virtude do ajuizamento da ação principal, favorece o acesso ao Poder Judiciário.

O art. 290 - que passou a ser o art. 283 no relatório-geral do Senador Valter Pereira - dispõe que as medidas requeridas em caráter antecedente conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal:

Art. 283. As medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas.

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17

§ 1º Salvo decisão judicial em contrário, a medida de urgência conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.

§ 2º Nas hipóteses previstas no art. 282, §§ 2º e 3º, as medidas cautelares conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.

Cuida-se de cristalização do entendimento sufragado há muito pela doutrina, pela lei e pela jurisprudência quanto à provisoriedade e à revogabilidade da tutela de urgência19, assim como sobre a ausência de formação de coisa julgada material nos provimentos de urgência e no processo cautelar.

Conforme o art. 291, que passou a ser o art. 284 no relatório-geral do Senador Valter Pereira, a eficácia da medida concedida em caráter antecedente cessa:

Art. 284. Cessa a eficácia da medida concedida em caráter antecedente, se:

I - tendo o requerido impugnado a medida liminar, o requerente não deduzir o pedido principal no prazo do caput do art. 282;

II - não for efetivada dentro de um mês;

III - o juiz julgar improcedente o pedido apresentado pelo requerente ou extinguir o processo em que esse pedido tenha sido veiculado sem resolução de mérito.

Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da medida, é vedado à parte repetir o pedido, salvo sob novo fundamento.

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Nos termos do art. 292, o indeferimento da medida não obsta a que a parte deduza o pedido principal, nem influi no julgamento deste, salvo se o motivo do indeferimento for a declaração de decadência ou de prescrição. Essa orientação, em suma, é a que já se encontra hoje positivada no art. 810 do CPC vigente.

O art. 293 do projeto traz importante ressalva, pois destaca que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes. O parágrafo único destaca que qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.

Por fim, a Seção II do Capítulo II veicula importantes regras sobre o procedimento da tutela de urgência. A primeira delas, veiculada no art. 294, que passou a ser o art. 286 no relatório-geral do Senador Valter Pereira, determina o seguinte:

Art. 286. As medidas de que trata este Capítulo podem ser requeridas incidentalmente no curso da causa principal, nos próprios autos, independentemente do pagamento de novas custas.

Parágrafo único. Aplicam-se às medidas concedidas incidentalmente as disposições relativas às requeridas em caráter antecedente, no que couber.

Portanto, de acordo com o projeto, referidas medidas podem ser requeridas incidentalmente no curso da causa principal, nos próprios autos, independentemente do pagamento de novas custas. Essa normatização deve ser elogiada, por facilitar a acesso ao Poder Judiciário mediante a redução do custo do processo.

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19

No art. 295, no entanto, é ressaltado que não se aplicam à medida requerida incidentalmente as disposições relativas à estabilização dos efeitos da medida de urgência não contestada.

O art. 296 consigna que tramitarão prioritariamente os processos em que tenha sido concedida tutela da evidência ou de urgência, respeitadas outras preferências legais.

CONCLUSÃO

Merece encômio o projeto de um novo CPC (PLS 166, de 2010) que se encontra em tramitação no Senado. Trata-se de obra que incorporou as modernas tendências do Direito processual, aproximando o Direito processual civil brasileiro do Direito processual alemão. É evidente que o projeto se afigura como uma importante ferramenta para se atingir a almejada celeridade processual.

Nada obstante, os entendimentos sedimentados há décadas pela doutrina e também pela jurisprudência pátrias merecem ser positivados no referido projeto, a fim de que não haja grande controvérsia na aplicação da lei processual. Do contrário, assistir-se-á à interposição de uma miríade de recursos, sobrecarregando os Tribunais e ensejando uma intensa discussão doutrinária.

Ademais, entendemos que, nada obstante a brilhante iniciativa do projeto, é imprescindível uma reforma constitucional que garanta mais estrutura e mais recursos ao Poder Judiciário, reforçando a garantia do autogoverno. Isso porque a vigência de um novo CPC, por mais moderno e bem elaborado que seja, não servirá, só por si, para garantir a celeridade e o bom funcionamento do Poder Judiciário.

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20 REFERÊNCIAS

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