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Sobre a trajetória afetiva de Psicose

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA

Tiago José Lima de Oliveira

SOBRE A TRAJETÓRIA AFETIVA DE PSICOSE

Natal 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA

Tiago José Lima de Oliveira

SOBRE A TRAJETÓRIA AFETIVA DE PSICOSE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos da Mídia.

Linha de pesquisa: Estudos da Mídia e Produção de Sentido.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Angela Pavan.

Natal 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Oliveira, Tiago José Lima de.

Sobre a trajetória afetiva de Psicose / Tiago José Lima de Oliveira. - Natal, 2018. 138f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2018.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Angela Pavan.

1. Psicose - Filme - Dissertação. 2. Alfred Hitchcock - Diretor - Dissertação. 3. Afeto e emoção - Dissertação. 4. Estudos da Mídia e do Cinema - Dissertação. 5. Produção de sentido - Dissertação. I. Pavan, Maria Angela. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 791:159.942

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Tiago José Lima de Oliveira

SOBRE A TRAJETÓRIA AFETIVA DE PSICOSE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos da Mídia.

A apresentação aconteceu em 19 de Setembro de 2018 e foi examinada por:

______________________________________________ Profa. Dra. Maria Angela Pavan

Orientadora

______________________________________________ Profa. Dra. Maria Helena Braga e Vaz da Costa

UFRN – Membro interno

______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Antonio dos Santos Segundo

UFRN – Membro externo ao programa

______________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Carreiro

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AGRADECIMENTOS

O diretor Alfred Hitchcock não tinha o hábito de enaltecer a contribuição daqueles com quem trabalhou em suas obras. Aqui, gostaria de me desvincular do cineasta para reconhecer a importância de diversas pessoas no desenvolver desta pesquisa.

Seguramente, este trabalho não teria sido possível se não fosse as bases proporcionadas pela minha família: meus pais, Naldo e Nilza, e minha irmã, Janaina. Da minha memória, consigo trazer alguns momentos que deram origem à minha relação com o cinema, e em quase todos enxergo a presença do meu pai. A cada filme alugado ou comprado, eu agradeço a ele por ter brotado em mim a paixão que foi o alicerce deste trabalho. Pelos seus esforços em relação aos meus estudos, também sou grato porque eles foram fundamentais para que eu chegasse até aqui. Para minha mãe, o meu maior agradecimento é pelo apoio incondicional ao longo desses anos de pesquisa, sem o qual nada disso seria possível. Mas minha gratidão vem desde a minha gênese, por ter oferecido a maior experiência afetiva que eu poderia ter. Também agradeço por ter reconhecido em mim habilidades que por vezes nem eu mesmo vi. A cada baixo astral, suas falas foram doses de autoestima. A esse respeito, também reconheço a contribuição da minha irmã, que é provavelmente a pessoa que mais sabe ser e ter o que conheço por empatia. Suas aulas particulares na infância, debates intelectuais quando adultos e ensinamentos estatísticos para esta pesquisa, fizeram com que a sua participação aqui fossem além da esfera afetiva para a acadêmica. Por tudo que ela representa, foi a quem dediquei este trabalho.

Do suporte afetivo indireto, mas incondicional, meu agradecimento abraça cada membro familiar e do meu ciclo de amizade. Da interseção entre esses grupos, eu aponto Pedro Henrique, que é primo, mas também um amigo quase irmão, e Alisson Gutemberg, que é cunhado, mas também um parceiro acadêmico. Da família que a academia me deu, está Eutália Ramos, que começou colega na graduação e permanece hoje como uma das grandes afeições pessoais e profissionais; meus colegas do mestrado, em especial Vivi, Veruza, Isa, Mari e Alisson; e minha querida orientadora Maria Angela Pavan, que me ensina constantemente sobre vida e teoria. A essa última, meu agradecimento também vai para a confiança que depositou em mim ao longo dessa pesquisa. Dos grandes mestres, também agradeço aos professores que contribuíram com sugestões durante as bancas de pré e de Qualificação, em especial aos professores Maria Helena Braga e Vaz da Costa, Josimey Costa e Carlos

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Segundo. A todos os outros que figuraram nessa trajetória, mas que não foram citados: vocês fazem parte de mim e deste trabalho.

Eu não estaria nem mesmo escrevendo esta seção se não fossem algumas instituições acadêmicas e agências de fomento. Dessa maneira, sou grato à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sobretudo na forma do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, pela abertura que possibilitou o desenvolvimento desta pesquisa. À Capes, eu agradeço pelo investimento financeiro que me permitiu ampliar o currículo profissional através da dedicação exclusiva ao curso de mestrado e do acesso a obras ainda nem publicadas no Brasil. De forma indireta, também foi graças a esta última que tive a oportunidade de conhecer locais que serviram de cenário para a parte britânica da narrativa pessoal e profissional da vida de Hitchcock. Em Londres, pude visitar as imediações de onde o diretor nasceu e viveu nos primeiros anos de vida, a casa em que morou depois do casamento até mudar-se para Hollywood com sua família, o lugar que endereçava o estúdio Gainsborough, para o qual trabalhou nos primeiros anos de carreira, dentre outros espaços que usou como locação em seus filmes.

Comecei este texto me afastando de Hitchcock para que eu pudesse agradecer devidamente a todas as pessoas que tiveram participação neste trabalho, mas cá estou, já me reaproximando e falando sobre ele. Para ele, que também me afetou, e em sua memória, meu muito obrigado!

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RESUMO

Baseado no livro homônimo de Robert Bloch, o quadragésimo sétimo longa-metragem do diretor Alfred Hitchcock foi um fenômeno de bilheteria nos Estados Unidos e em países da Europa, América Latina e Ásia. Hoje, Psicose (HITCHCOCK, 1960) continua sendo referência para outras narrativas cinematográficas, televisivas, literárias e documentais. Desde a sua estreia, o filme foi discutido em outras ocasiões por perspectivas psicanalíticas e/ou linguísticas, mesmo quando alguns pesquisadores apontaram brechas nesses tipos de teorias para a explicação de fenômenos da experiência cinematográfica. Dessa maneira, sob a ótica de teorias modernas, o objetivo desse trabalho foi analisar os tipos e intensidades de emoções e afetos estimulados pelo filme Psicose. Começando por uma discussão do processo da compreensão narrativa, destrinchamos o enredo e apontamos alguns elementos culturais do ano de 1960. Em seguida, discorremos sobre a relação do pensamento no estímulo de emoções no cinema e observamos as respostas estimuladas pela narrativa. No que tange os afetos automáticos e pré-conscientes, utilizamos como aporte teórico-metodológico principal a teoria cognitivo-perceptual de Carl Plantinga (2009) para explicar a influência do estilo no processo de fruição deste filme. A partir do método quantitativo desenvolvido por Barry Salt (1974; 2009a), comparamos ainda as estratégias sensíveis entre as cenas deste filme e entre ele e filmes de outros diretores e épocas. Ao final, apresentamos uma revisão dos principais assuntos abordados no texto e consideramos diretrizes possíveis para pesquisas futuras.

Palavras-chave: Psicose (Filme); Alfred Hitchcock (Diretor); Afeto e emoção; Estudos

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ABSTRACT

Based on the homonym book by Robert Bloch, the forty-seventh feature film by the director Alfred Hitchcock was a box office phenomenon in the United States and in countries of Europe, Latin America and Asia. Today, Psycho (HITCHCOCK, 1960) remains a reference for other film, television, literary and documentary narratives. Since its release, the movie has been discussed in many occasions under psychoanalytic and/or linguistic perspectives, even though some film researchers have pointed to some gaps in these types of theories in explaining cinematic experience phenomena. Thus, from the perspective of modern theories, the aim of this research was to analyse the types and intensities of emotions and affects stimulated by Psycho movie. Starting with a discussion about narrative comprehension, we unravel the main plot of this film and point to some cultural elements of 1960. Then, we discuss the relation of cognition to the process of emotion stimulus in cinematic experience and observe the responses incited by the narrative. Regarding automatic and preconscious affects, we use as main theoretical-methodological approach the cognitive-perceptual theory by Carl Plantinga (2009) to understand the influence of stylistic elements in spectator’s responses. By using quantitative method developed by Barry Salt (1974; 2009a), we were able to compare sensitive strategies between the scenes within this film and also in comparison to other films by different directors and periods. A review of our main findings and some possible guidelines for future research are also discussed.

Keywords: Psycho (Film); Alfred Hitchcock (Director); Affect and emotion; Film and

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SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ... 11 LISTA DE TABELAS ... 12 LISTA DE GRÁFICOS ... 12 INTRODUÇÃO ... 13 1. CINEMA E COGNIÇÃO ... 21 A cognição no cinema ... 23 Estados Unidos, 1960 ... 36 2. NARRATIVA E EMOÇÃO ... 45 As emoções no cinema ... 47 As emoções de Psicose ... 55 3. ESTILO E AFETO ... 71 Os afetos no cinema ... 73

Outros afetos de Psicose ... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 104

REFERÊNCIAS ... 107

Referências filmográficas ... 110

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Imagens de filas para ver Psicose nos cinemas dos EUA ... 14

Figura 2: Pôster oficial do lançamento cinematográfico de Psicose ... 37

Figura 3: Pôsteres oficiais dos lançamentos cinematográficos de Um corpo que cai (acima) e Intriga internacional (abaixo) ... 37

Figura 4: Pôster de Psicose para ônibus ... 39

Figura 5: Imagens de um dos trailers de lançamento de Psicose... 40

Figura 6: Cartaz de Psicose explicava a política de admissão nos cinemas ... 41

Figura 7: Cartaz de divulgação de Psicose mostrava o horário da sessão seguinte ... 42

Figura 8: Recorte de jornal e fotografia de Janet Leigh são evidências de que a política de admissão de Psicose também foi utilizada no Brasil ... 43

Figura 9: Plano de Psicose nos convida a inferir que Marion fugirá com o dinheiro do chefe ... 58

Figura 10: Grito de Marion pode estimular respostas de mimetismo afetivo ... 74

Figura 11: Representação do eixo da ação em uma suposta cena de diálogo ... 78

Figura 12: Lila reage ao ver o cadáver da Sra. Bates ... 79

Figura 14: Representação das diferentes distâncias focais de lentes fotográficas ... 89

Figura 15: Câmera nos aproxima de Norman para nos afetar ... 101

Figura 16: Cena 20 enquadra Arbogast em close-up médio ... 102

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Segmentação do enredo de Psicose ... 30

Tabela 2: Tipos de emoções do espectador ... 52

Tabela 3: Semelhanças entre As diabólicas e Psicose ... 84

Tabela 4: Média da DMP ao longo dos anos ... 86

Tabela 5: Variações no ritmo dos cortes nas cenas da primeira parte de Psicose ... 99

Tabela 6: Variações no ritmo dos cortes nas cenas da segunda parte de Psicose ... 100

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Quantidade de planos por enquadramento em Psicose... 89

Gráfico 2: Representação gráfica dos planos de Psicose ... 91

Gráfico 3: DMP de Psicose antes e depois da morte de Marion ... 93

Gráfico 4: Duração em tela dos personagens de Psicose medida em segundos ... 95

Gráfico 6: Quantidade de POV por personagem em Psicose ... 97

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INTRODUÇÃO

A primeira vez que assisti a Psicose (HITCHCOCK, 1960) foi no ano de 2013. Naquela época, com vinte anos de idade, assistir a filmes antigos não era de fato um hábito, mas, como consumidor de cultura pop, começava a me interessar por antigos clássicos de Hollywood, como os das atrizes Audrey Hepburn e Marilyn Monroe. Desse interesse, não tardei a chegar aos filmes de Alfred Hitchcock. Naquela época, a sua popularidade estava sendo revivida pelo destaque na crítica no ano anterior1 e pelas facilidades que as novas tecnologias proporcionaram no acesso a seus filmes.

Nesse contexto, Janela indiscreta (HITCHCOCK, 1954) foi meu “primeiro Hitchcock”. Lembro-me do desespero que senti no momento em que o antagonista Lars Thorwald (Raymond Burr) volta para o seu apartamento e flagra Lisa (Grace Kelly) vasculhando os pertences da sua (falecida) esposa. Hoje, quando me pedem recomendações de filmes do diretor, quase sempre é por este que começo, talvez numa tentativa (espero que de sucesso) de estimular nessas pessoas algo similar ao que senti na minha primeira, e que tornou a ser sucessiva, experiência com o filme.

Psicose foi o segundo filme do diretor ao qual assisti. Sem hesitar, posso

afirmar que minha experiência com o cinema mudou a partir dali. Numa das cenas mais icônicas da história do cinema mundial, eu não conseguia acreditar que estava perdendo Marion Crane (Janet Leigh) em pouco menos de a metade do filme. Estava tão envolvido com ela, que simplesmente não podia acreditar. Certo que fragmentos da sequência já haviam me passado aos olhos e ouvidos, mas aquilo definitivamente foi inesperado, sobretudo pelo momento em que ela acontece no enredo. Para completar, Norman Bates (Anthony Perkins), que também havia capturado a minha simpatia, era, digamos, o culpado de tudo. O que havia acontecido?

O filme foi lançado nos Estados Unidos em junho de 1960. De lá para cá, diversas inovações técnicas e narrativas foram cristalizadas em filmes dos mais variados gêneros e períodos. Ainda assim, Psicose conseguiu me afetar de forma pouco convencional. Com quase sessenta anos desde o seu lançamento, certamente não fui o único. Um espectador da época, por exemplo, descreveu sua experiência da cena do chuveiro em diante como um “pandemônio” (citado por DURGNAT, 2010).

1 Em 2012, a revista britânica Sight and Sound considerou Um corpo que cai (HITCHCOCK, 1958) o melhor filme de todos os tempos, superando Cidadão Kane (WELLES, 1941), que ocupou a posição por cinquenta anos. A votação acontece a cada dez anos entre críticos e acadêmicos. Disponível em <http://www.bbc.co.uk/news/entertainment-arts-19078948>. Acesso em 28 abr. 2018.

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Outro, falou sobre o choque sentido por todos na sala de cinema e que todos estavam em “luto total pela perda”. De modo mais extremo, um exibidor de Boston relatou três desmaios durante projeções do filme (citado por REBELLO, 2013).

A movimentação causada naquela época foi traduzida por Marshall Schlom (citado por ibid.), continuísta de Psicose, como um “frenesi” (Figura 1). Apesar das sensações adversas, os espectadores continuavam (e continuam) a assisti-lo. Desde a sua pré-estreia, na Broadway, em Nova York, o biógrafo Stephen Rebello (2013) afirma que filas começavam a se formar desde as oito horas da manhã e continuavam até a última sessão. Em outras cidades, ele ainda faz alusão ao sucesso do filme ao afirmar que o escritório de Hitchcock se tornou destinatário frequente de notícias que vinham de todo o país após o lançamento nacional simultâneo.

Figura 1: Imagens de filas para ver Psicose nos cinemas dos EUA (Fonte: Canal oficial do Oscar no YouTube2)

Nas esferas sociais, Rebello destaca que Psicose foi assunto recorrente desde púlpitos de igrejas a consultórios psiquiátricos, que tinham em comum o objetivo de proibir a sua exibição. Segundo ele, o filme foi associado a diversos problemas da época, como: o aumento na criminalidade; a queda nas vendas de cortinas de chuveiro opacas; a ascensão da violência, sobretudo contra mulheres; e a redução do número de hóspedes em motéis. Além disso, o autor ainda conta que a estrela Janet Leigh, durante anos, recebeu cartas e ameaças de morte quando o filme começou a ser exibido em canais de TV norte-americanos.

A acusação mais séria em relação ao filme talvez tenha sido a de ter influenciado os assassinos Leroy Pinkowski e Henry Adolph Busch, nos Estados Unidos. De acordo com Rebello, o primeiro a mencionar tal inspiração foi Pinkowski, que na época tinha dezenove anos. Quando condenado à prisão perpétua por ter matado a facadas uma garota de quatorze, ele teria admitido que assistira ao filme várias vezes e que isso o teria influenciado. De modo similar, Busch, na época com 29 anos, citou o filme como inspiração para o assassinato de três mulheres idosas.

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Embora essas associações sejam questionáveis em termos de associação direta com a obra, elas são sintomáticas de sua popularidade naquela época.

No quesito financeiro, Rebello afirma que Psicose faturou U$ 9,5 milhões pelos primeiros treze mil contratos de exibição só nos EUA. No final de 1960, esse valor tinha crescido para U$ 15 milhões em bilheterias domésticas3, perdendo apenas para a bilheteria de Ben-Hur (WYLER, 1959), cujo orçamento foi dezesseis vezes maior do que o do filme de Hitchcock. No mercado internacional, o biógrafo enfatiza que o filme quebrou recordes de audiência em países como Colômbia, Portugal, Itália, Alemanha, Índia e China. Segundo o crítico Raymond Durgnat (2010), em 1990,

Psicose continuava sendo o filme em preto e branco mais rentável da história,

perdendo possivelmente para O nascimento de uma nação (1915), de D. W. Griffith. Do sucesso de Psicose, foram originadas sequências cinematográficas e televisivas. Entre as influências diretas, estão os filmes Psicose 2 (FRANKLIN, 1983),

Psicose 3 (PERKINS, 1986) e Psicose 4 – A revelação (GARRIS, 1990), todos

dirigidos por diferentes cineastas. Em 1998, Gus Van Sant (1998) modernizou o enredo do filme de Hitchcock com um remake que seguiu fielmente a planificação original de 1960. De modo menos idêntico, mas ainda explícito, o filme ainda serviu de grande referência em cenas do filme Vestida para matar (1980), de Brian de Palma.

Na televisão, o mundo de Norman foi explorado em um filme intitulado

Bates Motel (ROTHSTEIN, 1987), que seria inicialmente uma série de TV, e, mais

recentemente em um seriado transmitido pelo canal norte-americano A&E (2013-2017). Enquanto que o filme televisivo dedicou-se à história de um colega que Norman fez no sanatório, a série serviu como uma espécie de prólogo contemporâneo do filme de Hitchcock, apresentando eventos que antecederam seu enredo em um total de cinco temporadas. Embora tenham recebido o mesmo título, o telefilme e a série possuem enredos distintos e não possuem relações muito estreitas.

Em termos de influência, o crítico François Truffaut (2004) acredita que

Psicose foi um dos filmes mais copiados da história do cinema. Mas além de

influenciador, o filme também foi influenciado. Dentre as suas referências, a mais conhecida é a do livro homônimo de Robert Bloch, lançado em 1959, que por sua vez foi inspirado no caso real do serial killer Ed Gein, de Wisconsin, EUA. Em 1957, Gein foi preso sob a acusação de ter matado e exumado corpos de mulheres para confecção de roupas e utensílios domésticos para uso pessoal (REBELLO, 2013). Na ficção de Bloch e no filme de Hitchcock, conhecemos a história de Norman Bates, um

3 No IMDb, o faturamento acumulado de Psicose desde o seu lançamento é de 32 bilhões de dólares. Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt0054215/>. Acesso em: 20 jun. 2018.

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psicopata que comete assassinatos de mulheres enquanto está vestido e dominado patologicamente pela personalidade da mãe. Apesar das semelhanças narrativas, a versão literária de Bloch não teve a mesma repercussão de público que o filme de Hitchcock (REBELLO, 2013; DURGNAT, 2010).

Para o diretor Martin Scorsese (citado em LEVA, 2009), os filmes de Hitchcock conseguem impactar diferentes plateias porque comunicam assuntos comuns à existência humana. Truffaut (2004) disse algo similar para defender dos críticos aquele a quem chamou de “oráculo”. Nessa mesma perspectiva, o biógrafo Donald Spoto (2008) acredita que os filmes do cineasta continuam a entreter audiências de todo mundo porque lidam frequentemente com questões eternas e importantes da vida e do destino humano. Mas que assuntos são esses e qual a sua relevância na nossa experiência?

Em Psicose, o tema principal é a loucura. No entanto, esse não é um elemento comum ao ser humano ou recorrente no cotidiano. Além disso, o que as respostas desses cineastas e autores parecem apontar é que o impacto de um filme está relacionado aos temas apresentados por ele. Contudo, se assim fosse, tanto o livro como o filme teriam repercussão igual ou pelo menos semelhante entre si, o que não foi exatamente o que aconteceu.

Considerando ao mesmo tempo esses questionamentos e a relevância dada por Carl Plantinga (2009) na relação entre o sucesso de um filme com os afetos estimulados por ele, o objetivo desse trabalho foi analisar os tipos e intensidade de emoções e afetos incentivados pelo filme Psicose. Com esse compromisso, não significa que acreditamos na possibilidade de respostas “hipodérmicas”, ainda mais entendendo que houveram reações inusitadas em algumas plateias4. Tampouco pretendemos elaborar um trabalho conclusivo quanto às respostas estimuladas pela obra. Entendemos que esse seria um trabalho inconclusivo e provavelmente impossível. Dessa maneira, nossa intenção foi identificar respostas que são mais ou menos compartilhadas transculturalmente. Para evitar qualquer equívoco ao longo do texto, tratamos essas respostas como “possibilidades”.

Ao longo desses dois anos e alguns meses de pesquisa, uma das coisas que mais me chamaram atenção foi a frequência com que ouvi falar sobre a

4 Segundo relatos, algumas cenas do filme causaram risos durante exibições em algumas salas de cinema (REBELLO, 2013). Tais respostas podem ter sido motivadas pela personalidade espirituosa que Hitchcock buscava transmitir naquela época. No entender de Rebello, as posteriores afirmações do diretor de que o filme foi feito como uma “brincadeira” pode ter sido uma forma de justificar essas reações, mas que ele não esperava que o filme fosse respondido com humor. Por sua vez, a afirmação do diretor podia estar se referindo ao baixo custo do filme, como se tivesse sido produzido de forma mais despretensiosa que os outros.

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quantidade de estudos a tratar de Hitchcock e sua obra. Essas afirmações não são errôneas. Antes mesmo dos primeiros cursos de cinema, esses filmes já eram debatidos por grandes nomes da crítica, como os franceses da Cahiers du Cinéma: André Bazin, Éric Rohmer, Claude Chabrol e François Truffaut. Em 1957, época em que a crítica considerava Hitchcock um cineasta inferior, Rohmer e Chabrol (1979) lançaram o primeiro livro sobre os primeiros 44 filmes do diretor. Dentre esses nomes, talvez o maior entusiasta tenha sido Truffaut (2004), que, no ano de 1964, entrevistou Hitchcock durante uma semana e em seguida publicou as transcrições em um livro com descrições de cada produção do diretor até aquele momento.

Em relação a Psicose, especificamente, obras marcantes são o livro de Rebello e o filme que o tomou como base, a cinebiografia Hitchcock (GERVASI, 2012). Ambas apresentam os bastidores do filme, que também foi assunto na autobiografia de Janet Leigh (1995). Entre as críticas mais relevantes, estão a de Durgnat (2010), Robin Wood (2002) e Donald Spoto (1992). Mais recentemente, o documentário 78/52 de Alexandre O. Philippe (2017) forneceu um estudo detalhado sobre a cena do chuveiro, com entrevistas e citações importantes sobre os envolvidos no processo.

Já no âmbito acadêmico, Rebello afirma que Psicose não foi apenas o filme que consagrou seu diretor como um dos “mais imitados, invejados e poderosos de Hollywood”, mas também o que fez com que ele fosse “estudado, psicanalisado, testado e julgado a distância” (2013, p.192) como nunca havia sido antes. Segundo o biógrafo, foi a primeira vez que Hitchcock foi cobrado publicamente pela perspectiva moral “supostamente expressada” em seus filmes. Foi também quando suas declarações foram alvo de análises minuciosas por sociólogos e psicólogos que tinham por objetivo encontrar significados e implicações ocultos.

Entre as décadas de 1960 e 1970, David Bordwell (2005) percebe o surgimento dos primeiros cursos de cinema nos EUA. Como forma de justificar a relevância do campo, o teórico afirma que era comum traçar-se paralelos entre o cinema e a literatura na tentativa de proclamar que filmes tinham a mesma relevância que livros e que mereciam também ser estudados. Com esse objetivo, era comum voltar-se a teorias linguísticas para análises interpretativas similares ao que se fazia em estudos literários. O resultado foi que a figura do “autor” foi quase sempre privilegiada em detrimento do “leitor”. Quando este era considerado, quase sempre era por um viés psicanalítico, que levava a entender a realidade fílmica como uma ilusão do mundo cotidiano e o espectador como um ser passivo-contemplativo.

No cinema hollywoodiano, como a grande maioria dos protagonistas eram masculinos, a indústria cinematográfica foi acusada de reproduzir e reafirmar padrões

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capitalistas e patriarcais. Pela popularidade de Hitchcock, ele e seus filmes foram objetos de investigação comuns neste período. Dentre esses trabalhos, talvez o mais notório tenha sido o de Laura Mulvey (1983), originalmente lançado em 1975. Em seu estudo, a autora menciona Janela indiscreta como um exemplo de filme que incentiva “escopofilia” e “castração” ao despertar desejos e prazeres essencialmente masculinos através de processos de identificação com protagonistas homens e do uso de técnicas como a do plano de ponto de vista. Estudos mais recentes, no entanto, têm problematizado as afirmações de Mulvey, a exemplo dos pesquisadores Valerie Orpen (2003) e Carl Plantinga (2009). Enquanto Orpen analisa que nem sempre a técnica do ponto de vista é motivada por um personagem masculino neste filme, Plantinga percebe que esta mesma narrativa incentiva uma maior simpatia com Lisa (Grace Kelly) do que com Jefferies (James Stewart), o protagonista masculino.

O que o exemplo acima transparece é que, embora haja uma quantidade considerável de estudos que abordem o cinema de Hitchcock, sua filmografia permanece inesgotável sob a ótica de teorias modernas. O pesquisador Ismail Xavier parece concordar com esse ponto de vista ao afirmar que o prestígio do cineasta tem crescido junto a “[...] uma consagração evidenciada pela bibliografia sempre renovada que seu cinema tem encontrado, seja no âmbito das revistas de cinema, seja no da produção universitária, dos dois lados do Atlântico” (2004, p.18-19).

Com o cumprimento do objetivo proposto, esperamos contribuir com a lacuna identificada por Fernando Mascarello (2005) quanto à falta de estudos brasileiros que abordem o outro lado do processo comunicacional do cinema. Embora seu estudo date do ano de 2005, tal problema foi sentido pessoalmente ao longo desta pesquisa, com a quantidade limitada de trabalhos e de traduções para o português de produções que aprofundem a questão da experiência cinematográfica. Essa brecha é sentida mesmo analisando obras de cineastas canônicos como Hitchcock.

No que diz respeito aos interesses do campo de Estudos da Mídia, em especial à linha de pesquisa de Produção de Sentido, acreditamos que nosso alinhamento se dá pela investigação de um filme que teve, e continua tendo, grande impacto na sociedade e cultura ocidental. Além disso, por analisar suas estratégias sensíveis, nos aproximamos de investigações como as de Muniz Sodré (2006), que, dentre outras coisas, ressalta a influência dos afetos no uso da comunicação midiática para fins políticos. Dos pesquisadores da comunicação, Wilson Gomes (2004) também tem sido uma referência brasileira no estudo da dimensão afetiva da experiência cinematográfica; orientou, inclusive, Emília Maria da Conceição Valente Galvão (2011)

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que apresentou um dos poucos estudos brasileiros a percorrer o viés das teorias cognitivistas, vinculando o estudo das emoções a análises fílmicas.

Tratando da investigação de afetos em um filme com mais de 50 anos, é possível supor que este estudo tenha sido baseado em críticas da época. No entanto, como afirma Rebello (2013), Psicose teve grande repercussão entre os espectadores mesmo quando a crítica o recebeu de forma “mediana a hostil” no momento em que foi lançado. Ainda hoje, uma rápida passagem por plataformas digitais como IMDb, Letterbox e Filmow, onde o público é quem vota, é suficiente para perceber que a preferência popular em relação aos filmes de Hitchcock não se alinha com a dos especialistas. Em todas elas, a avaliação de Psicose supera a de Um corpo que cai (1958), considerado pelos críticos contemporâneos como o melhor filme de todos os tempos. Dessa forma, tal metodologia não correspondia à nossa necessidade. Pelo tempo e condições estipulados em uma pesquisa de mestrado, também não percorremos o caminho dos estudos de recepção. Embora tenhamos feito uma projeção do filme com alguns alunos de graduação para entender níveis de simpatia e emoção incentivadas pela narrativa, nossa metodologia principal foi outra.

Para Plantinga (2009), as respostas de um filme podem ser investigadas recorrendo ao próprio filme, independente das respostas concretas, que por sua vez podem ser influenciadas por padrões culturais ou por idiossincrasias pessoais. Isto porque filmes constroem intencionalmente trajetórias afetivas para conduzir a nossa experiência, e é nessa trajetória que enveredamos.

Ainda na concepção do teórico, a trajetória afetiva de um filme pode ser investigada a partir de quatro vieses. O primeiro diz respeito aos tipos de afetos que o enredo busca evocar. Outro, é o modo como a intensidade de convite aos afetos varia ao longo da experiência, alternando entre picos de tensão e de relaxamento. Também é possível identificar a valência dos afetos que o filme desperta: se são negativos ou positivos; prazerosos ou não. E, por fim, ainda é possível investigar o valor que a experiência afetiva assume para nós, se é de entretenimento, aprendizado ou ainda como uma experiência terapêutica, através do oferecimento de conforto e gratificação emocional. Nesse trabalho, embora possamos fazer menção a todas essas perspectivas, o maior destaque é nas duas primeiras, as de tipos e intensidade, cada uma tratada com maior ou menor ênfase de acordo com o capítulo em questão.

Em se tratando de estrutura, esta dissertação foi dividia em três seções. No primeiro capítulo, começamos com uma explicação das bases da experiência cinematográfica segundo a teoria cognitivista, passando por uma segmentação do filme e esboçando algumas respostas em relação à narrativa, como as de suspense,

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surpresa e curiosidade. Pela influência das expectativas nesse processo, explanamos ainda alguns pontos referentes ao contexto histórico e à estratégia de marketing no lançamento do filme. No segundo capítulo, destrinchamos as emoções incentivadas pelo enredo, com atenção à sua estrutura e ao engajamento com os personagens. Nessa parte da análise, nossa concentração é maior nos tipos de afetos incentivados pela narrativa, especialmente as emoções. Levando em consideração que a nossa experiência se desenrola no tempo, a análise foi realizada segundo a ordem das cenas do filme, conforme os pensamentos vão sendo construídos. No terceiro e último capítulo, os elementos estilísticos formam o principal eixo de análise. Utilizando o método quantitativo de Barry Salt (2009a), observamos de forma sistemática os picos de tensão e relaxamento das cenas, nos aprofundando, dessa forma, na intensidade dos afetos proporcionada principalmente pelas imagens5. Através deste método, criamos ainda paralelos com outros filmes de diretores e períodos distintos.

Por falar em estilo, vale a menção de alguns aspectos técnicos que são importantes para a experiência desse trabalho. Em primeiro lugar, o leitor atento perceberá que preferimos a utilização da primeira pessoa do plural ao longo de toda a nossa discussão. Tal uso linguístico se deu porque entendemos que um pretenso afastamento entre pesquisa e pesquisador pode ser prescindível e até incoerente para uma pesquisa relacionada a afeto. Também optamos pelo uso de títulos curtos, que por sua vez foram ponderados cuidadosamente para comunicar o centro da questão discutida na respectiva seção. Em relação às figuras, algumas delas apresentarão um

timecode, no formato hh:mm:ss (hora:minuto:segundo). Esse dado foi incluído nas

imagens que são fotogramas extraídos do filme, servindo como ferramenta de indexação do plano no momento em que ele é iniciado na projeção.

Ao final de toda a discussão a seguir, estabelecemos as considerações finais, relembrando os problemas levantados nessa introdução ao tecer paralelos com as descobertas realizadas. Damos ainda um pontapé inicial direcionando trabalhos futuros – nossos e, esperançosamente, de outros pesquisadores.

5 Para o leitor interessado no som dos filmes de Hitchcock, o trabalho de Rosinha Spiewak Brener (2003) pode ser um bom começo.

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1. CINEMA E COGNIÇÃO

Você sabe que o público sempre procura prever e gosta de poder dizer: ‘Ah! sei o que vai acontecer agora’. Então, temos não só de levar isso em conta

como temos de dirigir completamente os

pensamentos do espectador. [...] Fazemos com que o público fique quebrando a cabeça, o mantemos tão longe quanto possível do que vai acontecer.

— Alfred Hitchcock

Psicose foi o quadragésimo sétimo longa-metragem do diretor Alfred Hitchcock.

Baseado no livro homônimo de Robert Bloch, o filme conta a história de Norman Bates, um serial killer de mulheres, que comete seus crimes quando está dominado psicologicamente pela personalidade da mãe6. Do ponto de vista temático, o filme apresenta motivos recorrentes em toda a filmografia de Hitchcock: mulheres loiras, crimes, loucura, polícia, duplo, mães, pássaros, culpa, voyeurismo/olhar, assassinatos e escadas. Além disso, faz ainda uso da técnica do MacGuffin7 na forma dos U$ 40 mil e trás a sua famosa aparição (cameo)8 no início da cena da imobiliária. Psicose, em particular, mostra banheiro, nudez, faca e dupla personalidade (WALKER, 2005), sendo um dos primeiros filmes norte-americanos a mostrar um vaso sanitário e a apresentar assassinato e nudez de forma mais explícita, em uma época em que o código Hays ainda operava em Hollywood (REBELLO, 2013).

Em 1963, o teor de violência em Psicose foi o principal assunto da entrevista de Hitchcock para o psiquiatra Dr. Fredric Wertham, publicada na revista Redbook. Embora tenha admitido que não tivesse visto o filme, o entrevistador acusou o diretor de mostrar mais violência do que já havia feito até então (GOTTLIEB, 1998). Depois de hesitar em responder, Hitchcock finalmente concordou com o Dr. Wertham,

6 Para uma descrição detalhada do enredo, ver o Anexo A desse trabalho.

7 Na compreensão de Donald Spoto (2008), o MacGuffin consiste em algo que se torna insignificante no final das contas, mas que faz a ação acontecer e leva a história adiante. 8 Com exceção dos dois primeiros filmes dirigidos por Hitchcock, o cineasta figurou em todos os filmes da sua obra. A Truffaut (2004), ele explicou que tais aparições haviam começado por falta de atores para preencher o elenco, em O inquilino sinistro (1927). Depois, se tornou uma superstição; e, por fim, uma “gag”. Costumava aparecer nos primeiros cinco minutos do enredo para que o público assistisse ao filme “tranquilamente”, sem esperar por sua aparição. A relação descrevendo essas aparições pode ser conferida em Truffaut (2004) e Spoto (2008).

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mas justificou que só fez isso porque percebia que as plateias haviam mudado. Em cenas amorosas, por exemplo, acreditava que mostrar os clássicos abraços e beijos no rosto fariam os adolescentes da época rirem; por esse motivo, Marion aparece com pouco ou nenhum traje no filme e nos principais meios de divulgação.

A preocupação do Dr. Wertham era em relação à influência que a violência no cinema teria na sociedade. Por outro lado, Hitchcock só acreditava que Psicose poderia influenciar desse modo alguém que já tivesse personalidade violenta. Mencionando o caso do assassino Leroy Pinkowski, que afirmou ter o filme como inspiração, o diretor lembrou que antes mesmo do lançamento da obra, Pinkowski já havia cometido outro assassinato (GOTTLIEB, 1998). Nesse sentido, Stephen Rebello (2013) pareceu concordar com diretor ao vê-lo mais como um relator do que um

formador do comportamento humano. No entender do biógrafo, o cineasta era dono de

uma “profunda compreensão da fragilidade da vida”, e que “escondida sob a aventura e as emoções está a indignação de Hitchcock com a crueldade que as pessoas infligem umas às outras [...]” (REBELLO, 2013, p.192). De modo similar, Donald Spoto considera Psicose uma “análise brilhante da perversidade” (2008, p.252).

A compreensão de cinema pelo Dr. Wertham parece dialogar com as teorias de cinema da época. Segundo o pesquisador David Bordwell (2005), desde as décadas de 1960 e 1970, tem sido recorrente a compreensão do espectador de cinema como um sujeito passivo. Nesse sentido, o autor compreende que o cinema hollywoodiano costumava ser considerado como um sistema de gratificação de desejos ao oferecer satisfações aceitas socialmente por meio de códigos cinematográficos. Nesse panorama, a produção alternativa era mais valorizada entre críticos e estudiosos por propiciar identificações alternativas que eram capazes de desconstruir as bases ideológicas do cinema dominante.

Em oposição a esse tipo de pesquisa, Bordwell (1985) lançou a primeira tese do que ficou conhecida como Teoria Cognitivista do Cinema. Nessa corrente, o processo de espectatorialidade é entendido como um fenômeno mais ativo e dinâmico, que recorre aos processos de percepção em uso no dia-a-dia. Como uma forma de se desvincular da psicanálise, parte dos teóricos cognitivistas evitou o uso de conceitos como: identificação, desejo, prazer e fantasia. Mais recentemente, Carl Plantinga (2009) reconheceu a importância desses últimos três por entender que eles são eficientes na explicação da nossa relação com filmes. Por exemplo, um dos motivadores para vermos essas narrativas é a possibilidade de satisfazer prazeres, e, para despertar esses prazeres, os filmes nos despertam desejos quanto ao futuro da história. Antes de retomar o uso desses termos, no entanto, o pesquisador antecipa

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que o seu uso está mais ligado à linguagem popular do que ao jargão técnico da psicanálise, pois também considera que este último é limitado na compreensão do processo de experiência cinematográfica.

A ideia de um espectador cognitivamente ativo parece dialogar com a compreensão de Hitchcock e com seus interesses pela psicologia do espectador. Nas palavras do cineasta, “[os espectadores] vão ao cinema, sentam e dizem: ‘mostre-me’. Depois têm vontade de antecipar: ‘posso adivinhar o que vai acontecer’. E sou obrigado a aceitar o desafio: ‘ah, é? Vocês acham mesmo? Pois bem! Veremos’” (TRUFFAUT, 2004, p.290). Dessa maneira, vejamos como se dá o processo de experiência cinematográfica segundo a Teoria Cognitivista.

A cognição no cinema

Na produção acadêmica, não são raras as analogias entre cinema e linguagem. Nas origens do cinema mudo, o teórico e diretor soviético V. I. Pudovkin (2013) já fazia comparações do tipo quando afirmava que o plano era o equivalente à palavra e a montagem o equivalente à frase. Em meados do século passado, os esforços da

Nouvelle Vague em considerar alguns diretores como “autores” também implicavam

que havia alguma semelhança entre esses dois. Hoje, com frequência, podemos ouvir falar sobre a “leitura de um filme” para descrever a experiência cinematográfica ou “linguagem cinematográfica” para explicar o seu modelo de comunicação.

Para alguns teóricos, comparações desse tipo podem ser problemáticas porque descaracterizam a natureza sensorial do meio. Carl Plantinga (2009), por exemplo, afirma que filmes precisam ser vistos e ouvidos, não apenas interpretados, porque eles engajam ao mesmo tempo a nossa visão e audição, diferente do que acontece na apreciação literária ou de audiolivros. De modo similar, Noël Carroll (2003) problematiza aquela noção de Pudovkin por acreditar que planos não funcionam como e nem são análogos a palavras. Para ele, normalmente, planos carregam quantidades de informações que seriam equivalentes a sentenças ou até parágrafos se fossem descritos de modo linguístico. Além disso, ele lembra que a relação entre uma palavra e o seu referente é arbitrária: costumamos usar a palavra “cachorro” para nos referirmos a caninos, mas, nas origens da linguagem, poderíamos ter utilizado a palavra “gato” para nos referirmos a eles. Já no cinema o plano de um gato não poderia representar qualquer outro animal que não fosse o felino. Dessa maneira, pelo menos inicialmente, a compreensão de um filme não é nem arbitrária e

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nem necessariamente ensinada porque recorre a processos perceptuais e automáticos, adquiridos naturalmente e em uso no mundo cotidiano.

A fim de solidificar seu pensamento, Carroll (2003) menciona alguns estudos cognitivistas com imagens, a base do plano cinematográfico. Dentre as evidências apontadas, está um experimento de Julian Hochberg e Virginia Brooks. Criando um dos seus filhos em um ambiente desprovido de qualquer tipo de imagem, o casal de psicólogos apresentou uma série de imagens que consistiam basicamente em desenhos em linhas e fotografias em preto e branco. Quando a criança beirava os dois anos e já tinha um vocabulário mais ou menos diversificado, ela foi capaz de identificar corretamente a maioria das imagens a ela apresentadas. De modo similar, o psicólogo Jan Deregowski apresentou algumas imagens à tribo Me’en, da Etiópia. Quando solicitados a identificarem o que estava representado, a maioria não teve problemas em compreender a que as imagens se referiam. Na conclusão de Carroll, portanto, somos capazes de reconhecer imagens naturalmente a partir do momento em que podemos reconhecer esse objeto no mundo cotidiano.

Apesar dessa capacidade inata, o filósofo reforça que não significa que não existam “convenções pictóricas”. Para ele, quando nos deparamos com um desenho egípcio de Osíris, podemos não identificar de precisamente que se trata de um deus se não formos familiarizados com a iconografia egípcia. Da mesma forma, entender um Anticristo em uma pintura de Bosch também requer certo conhecimento de convenções específicas. Assimilar que essa figura representa um homem, no entanto, não requer conhecimento especial além do conhecimento do mundo. Dessa forma, Carroll conclui que, embora a compreensão pictórica dependa inicialmente do reconhecimento natural, convenções podem operar em sentidos mais específicos.

No que diz respeito à montagem, também mencionada por Pudovkin, Carroll não acredita que ela possa ser associada à linguagem porque não existe uma “gramática” propriamente dita. Na produção ou teoria cinematográfica, termos como “regra dos 180º” são usados com frequência para definir um estilo específico, mas a compreensão de uma sequência não requer necessariamente um conhecimento técnico dessa convenção e nem segue uma norma exata para todos os filmes. Como ilustração ele oferece a seguinte situação: em um filme, a sequência “plano de um homem andando; corte; plano de outro homem andando” pode ser entendida como “um homem segue o outro”, mas em outro filme podemos entendê-la como se dois homens estivessem andando em lugares distintos. Isto posto, ele acredita que a nossa compreensão é mais influenciada pelo contexto narrativo do que por uma regra ou uma “gramática”, como implica a analogia com a linguagem.

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Nesse sentido, Carroll também problematiza a noção de que filmes se comunicam internacionalmente por causa de um imperialismo da cultura Ocidental. Para ele, o impacto do cinema hollywoodiano está mais relacionado com a forma com que engaja as nossas capacidades cognitivas e perceptivas, que são presentes virtualmente em qualquer ser humano que não sofra de deficiência. A esse respeito, Plantinga (2009) acredita que a afirmação de que filmes exploram nossas capacidades perceptuais inatas não significa promover um realismo ingênuo que assume que filmes são gravações da realidade. Na compreensão desse autor, essa afirmação é problemática até mesmo em relação a filmes que não pretendem ser ficcionais.

Da relação entre cinema e percepção, o porquê de percebermos movimento entre imagens inicialmente estáticas talvez seja a questão mais enigmática. De acordo Bordwell e Thompson (2013), por muitos anos, especulava-se que isso acontecia por causa de uma “persistência da visão”, que diz respeito ao prolongamento de uma imagem por alguns instantes na retina. No entanto, eles acreditam que, se assim fosse, o que veríamos seria uma “confusão de fotos sobrepostas”, ao invés de uma “ação suave e contínua”, como acontece. Embasados por teorias modernas, eles entendem que o “movimento cinematográfico” acontece no cérebro, e não na retina, através de processos ópticos como a “frequência crítica da fusão de estímulos intermitentes” e o “movimento aparente”.

Como o nome já indica, a “frequência crítica da fusão de estímulos intermitentes”, ou efeito flicker, diz respeito à quantidade de vezes com que uma luz cintila até que seja percebida como um único feixe de luz. Como ilustração, os autores sugerem a experiência de que, se acendermos e apagarmos uma luz em uma frequência crescente, chegará um momento em que ela será vista como uma luz contínua. Similar é o que acontece no cinema: as imagens são gravadas e projetadas numa frequência de 24 quadros por segundo, e para que vejamos o movimento entre elas, o feixe de luz é interrompido duas vezes pelo obturador do projetor, uma quando uma nova imagem é posicionada e outra enquanto ela é mantida na posição. Dessa maneira, cada quadro é projetado duas vezes na tela, fazendo com que as cintilações atinjam o limite da frequência crítica de fusão de estímulos intermitentes9.

O “movimento aparente” está relacionado a uma rápida mudança de um aparato visual. Cartazes de neon, por exemplo, criam uma ilusão de movimento com

9 Antes do cinema sonoro, Bordwell e Thompson (2013) afirmam que os filmes costumavam ser gravados em uma taxa de 16 a 20 quadros por segundo. Por sua vez, o feixe de luz do projetor era interrompido apenas uma vez por imagem. Pela intermitência que o processo resultava, os primeiros filmes eram popularmente chamados por “flickers”.

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luzes estáticas que piscam numa frequência relativamente alta. Segundo Bordwell e Thompson (2013), o movimento é percebido porque algumas de nossas células dos olhos e do cérebro são dedicadas exclusivamente à análise desse tipo de agitação. Por esse motivo, qualquer estímulo que pareça movimento pode enganar essas células e fazer com que elas enviem uma informação “equivocada”.

Mas a experiência fílmica também depende de outros mecanismos perceptivos. No mundo cotidiano, os teóricos acreditam que sondamos o nosso redor por objetos e pessoas que nos saltem à vista, seja por sua familiaridade ou porque despertam a nossa curiosidade. Para eles, a nossa mente está sempre trabalhando em busca de ordem e sentido nos estímulos que recebe do nosso ambiente. Isto é, vivemos testando o mundo para ver se há mudanças no padrão habitual, e, de modo similar, o fazemos também na experiência com obras de arte. Quando vemos uma pintura, eles acreditam que são suas cores, traços e outras técnicas que convidam a nossa imaginação ao espaço simbolizado; num poema, nossa mente nos leva a imaginar a cena descrita ou nos faz perceber uma quebra de ritmo em uma mudança de padrão. Nessa compreensão, o trabalho artístico consiste justamente em fornecer pistas que devem ser assimiladas se quisermos compreender o todo. No caso de incapacidade de nos envolver ou de essas pistas não serem coletadas, a obra permanece um mero artefato: um poema se torna nada mais do que “palavras em um papel”, ao passo que uma música se transforma em simples “vibrações acústicas”. Já em relação ao cinema, o filme se torna um mero “padrão de luz e sombra numa tela”.

Isto posto, Bordwell e Thompson afirmam que, enquanto espectadores, participamos da própria criação da forma fílmica, entendida por eles como o “sistema geral das relações que percebemos entre os elementos do filme todo” (2013, p.111). Nessa compreensão, o próprio conteúdo se torna parte integrante da forma. Para os teóricos, a ideia de forma e conteúdo como elementos distintos sugere que um objeto artístico pode ser comparado a um jarro, que em sua forma externa contém algo que poderia estar igualmente contido em uma xícara ou um balde, por exemplo, sem que houvesse alterações no conteúdo. Com esse entendimento, a forma acaba se tornando menos importante do que aquilo que contém, mas, se tratando de filmes, é justamente ela que distingue obras que apresentam os mesmos temas. Dessa maneira, o conteúdo de um filme depende diretamente do seu contexto formal.

No cinema mundial, os mesmos autores observam que a forma mais comum é a forma narrativa, de tal modo que, quando nos referimos a “ir ao cinema” quase sempre estamos falando sobre ver um filme narrativo. Por sua vez, como narrativa, eles entendem uma cadeia de eventos que acontecem no tempo e no

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espaço e que são ligados por encadeamentos de causa e efeito. Embora existam inúmeras narrativas possíveis, a produção em grande escala é dominada pela forma nomeada por Cinema Clássico de Hollywood. Segundo os teóricos, esse sistema é “clássico” por causa da sua história influente, estável e longa; e “hollywoodiano” porque foi lá onde essa forma foi mais lapidada. Apesar do nome apontar um local específico, esse modo conduz vários tipos narrativos em outros países.

Nessa convenção, Bordwell e Thompson (2013) analisam que a ação costuma surgir através de personagens que servem como agentes causais. Isto é, causas naturais ou sociais podem afetar a história, mas a narrativa geralmente se concentra em causas psicológicas e pessoais. Essas causas podem estar relacionadas às decisões, opções ou traços de um personagem, mas o mais comum é que sejam focadas em um desejo, a partir do qual um objetivo é estabelecido e percorrido normalmente durante toda a narrativa. Para dificultar a concretude, as narrativas introduzem uma força contrária à do protagonista, normalmente um personagem com traços e objetivos opostos aos seus. Pelo desejo de mudança, os traços e desejos de personagens são grandes fontes em relações de causa e efeito.

A estrutura narrativa que se concentra nos objetivos de um personagem foi nomeada por Carl Plantinga (2009) como “protagonista único”. Segue abaixo a relação dos tipos identificados pelo teórico tendo como base o cinema mainstream:

1. Protagonista único. Estrutura mais comum de protagonista, na qual a narrativa é dirigida aos objetivos, preocupações, decisões e ações de um único personagem, em conjunto com personagens que servem como “ajudantes”.

2. Protagonista único e antagonista parcialmente simpático. Um filme com um protagonista tradicional, mas com um antagonista que é parcialmente simpático e de importância quase igual, talvez interpretado por uma grande estrela.

3. Protagonistas duplos e alinhados. Protagonistas que interagem e têm objetivos diferentes, mas não opostos.

4. Protagonistas duplos e paralelos.

5. Protagonistas duplos inicialmente desalinhados. Protagonistas que são opostos inicialmente, mas que passam a dividir um objetivo próximo ao final do enredo.

6. Protagonistas opostos. 7. Três protagonistas.

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8. Narrativas em rede. Múltiplos protagonistas com importância quase idêntica.

No que diz respeito aos objetivos, o(s) protagonista(s) também pode(m) ser de diversos tipos, mas esses foram os identificados por Plantinga:

1. Herói convencional. Objetivos louváveis e personagem superior.

2. Herói falho. Objetivos e/ou personagem parcialmente falho(s). Com frequência, mas nem sempre, o personagem é resgatado ao final. 3. Protagonista distorcido. Objetivos e/ou personagem distorcido(s), que

não se rendem ao final.

4. Protagonista confuso ou em conflito. O protagonista tem objetivos conflitantes e é atormentado pela ambiguidade ou conflito, algumas vezes precisando fazer escolhas difíceis.

De modo geral, o autor percebe que uma das convenções dos filmes hollywoodianos é o uso de três ou quatro atos e de vinte a trinta cenas. Cada ato é marcado por um ponto de virada (reversal) que muda o objetivo do protagonista. Por sua vez, cada cena é entendida como uma unidade de ação em uma única locação. Além de estabelecer o lugar, as cenas também têm as funções de: estabelecer o tempo e o estado de ânimo (mood) da cena; avançar a história; e revelar algo adicional em relação ao protagonista. Segundo ele, as cenas também podem ter um conflito que bloqueia o objetivo do protagonista e sugere possíveis saídas que ameacem os nossos desejos para a narrativa e para os personagens.

Baseado no modelo se segmentação narrativa de Bordwell e Thompson (2013) e na definição de cena mencionada por Plantinga (2009), o enredo de Psicose pode ser dividido da seguinte forma:

Créditos iniciais Ph o e n ix

1. Hotel Marion e Sam discutem o relacionamento. 2. Imobiliária Marion recebe o pagamento do Sr. Cassidy. 3. Quarto de Marion Marion faz as malas para fugir.

4. Carro Marion encontra seu chefe no sinal de trânsito.

Es tr. p a ra Fa irv a le

5. Carro Marion aparenta estar com sono.

6. Carro Marion é interrogada por um policial. 7. Concessionária a. Marion negocia um novo carro.

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b. Marion vê o policial lhe vigiando. c. Marion pega o dinheiro da bolsa. d. Marion foge do policial.

8. Montagem Marion devaneia sobre o roubo.

Ba te s M o te l

9. Pátio Marion chega ao Bates Motel. 10. Recepção Marion é recepcionada por Norman.

11. Quarto Um

a. Norman apresenta o quarto a Marion. b. Marion tenta esconder o dinheiro. c. Marion ouve os berros da Sra. Bates. 12. Corredor Norman leva lanche para Marion.

13. Escritório a. Marion e Norman conversam. b. Norman espia Marion se despir. 14. Mansão Norman vai para casa.

15. Quarto Um

a. Marion calcula o quanto já gastou. b. Marion é assassinada no banheiro. c. Norman limpa os vestígios de Marion. 16. Pântano Norman se livra do carro de Marion.

Fv

. 17. Loja de ferragens Lila, Sam e Arbogast se encontram.

18. Montagem Montagem: Arbogast visita hotéis.

Ba te s M o te l 19. Bates Motel

a. Arbogast chega ao Bates Motel. b. Arbogast confronta Norman.

c. Arbogast pede para conhecer a Mãe. 20. Telefone Arbogast conta para Lila o que descobriu.

21. Bates Motel a. Arbogast volta ao motel.

b. Arbogast vai à mansão e é assassinado.

Fv

.

22. Loja de ferragens Lila convence Sam a procurar por Arbogast.

BM 23. Montagem

Sam procura por Arbogast no motel enquanto Norman afunda o carro do detetive no lago.

Fv

. 24. Loja de ferragens Lila e Sam decidem procurar ajuda.

25. Casa do xerife Sam e Lila visitam o xerife Chambers.

BM 26. Mansão Norman esconde a Sra. Bates.

Fv

. 27. Igreja Lila e Sam reencontram o xerife e decidem ir ao motel.

28. Carro Lila e Sam planejam a abordagem.

Ba te s M o t el

29. Pátio Lila e Sam chegam ao Bates Motel.

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31. Quarto Dez Lila e Sam planejam.

32. Quarto Um Lila e Sam procuram por pistas.

33. Montagem Lila procura pela Mãe na mansão enquanto Sam distrai Norman na recepção do motel.

34. Porão Lila e Sam descobrem o segredo de Norman.

Fv

. 35. Escritório do delegado Psiquiatra explica o transtorno de Norman.

36. Cela Sra. Bates domina a mente de Norman.

BM 37. Pântano Carro de Marion é encontrado no lago.

Créditos finais

Tabela 1: Segmentação do enredo de Psicose

Na segmentação acima, as duas primeiras colunas estão relacionadas aos espaços em que as cenas acontecem. Na primeira, temos “grandes grupos” que agrupam lugares mais específicos, os da segunda coluna. Com um total de 37, cada cena foi individualizada tendo as mudanças de locação como critério. Quando essas cenas apresentam mudanças significativas de ação ou humor, mas a locação continua a mesma, elas também podem ser subdivididas em unidades mais específicas, marcadas por uma letra. Na cena 11, por exemplo, a subdivisão entre “a” e “b” pontua a saída do personagem Norman do Quarto Um, que por sua vez muda consideravelmente o comportamento de Marion e o ânimo da cena.

Em termos de estrutura e protagonista, Psicose é um filme relativamente complexo. De modo geral, podemos considerar que, desde o título, o filme trata da história de Norman Bates e o seu Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI). Por outro lado, existem outros personagens cujos objetivos é que levam a história para frente, como os de Lila e Sam. Dessa maneira, poderíamos entender que o filme faz uso da estrutura de “protagonistas opostos”, pois, enquanto Lila e Sam procuram desvendar o mistério do sumiço de Marion, Norman faz o possível para impedi-los. Nessa perspectiva, Lila e Sam se apresentam como “heróis convencionais”, por terem objetivos louváveis, e Norman um “herói falho”, ao acobertar os crimes da sua mãe.

Até a cena 15b, no entanto, o filme nos incentiva a crer que todo o enredo tratará da história de Marion, no formato de “heroína confusa ou em conflito”. Com o intuito de casar, ela se vê constantemente em conflito com e pelas suas decisões. Pela interrupção da trajetória causada pela sua morte, a cena do chuveiro se torna inesperada e chocante ao quebrar a norma clássica que acompanha o protagonista do início ao fim do enredo. Pela duração e importância dada a Marion ao longo da

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narrativa, podemos entender o filme a partir de dois movimentos: na primeira parte (cenas 1-15b), a história é apresentada através da estrutura do “protagonista único”, que por sua vez é uma “heroína confusa ou em conflito”; já na segunda parte (cenas 15c-37), o enredo faz uso do modelo de “protagonistas opostos”, alternando entre dois “heróis convencionais” e um “herói falho”.

Na compreensão de Bordwell (1985), as narrativas cinematográficas apresentam duas dimensões, a fábula e a syuzhet. A fábula diz respeito à cronologia dos eventos na vida dos personagens, enquanto que a syuzhet está relacionada à forma com que esses eventos são apresentados no filme. Se um filme é apresentado por uma ordem, frequência ou duração diferente da vivida pelos personagens, significa que o tempo da syuzhet é diferente do tempo da fábula. Dessa maneira, a fábula é uma construção mental que surge com base nas pistas fornecidas pela syuzhet. Para fins didáticos, utilizaremos os termos “história”, para nos referirmos à fábula, e “enredo”, para falarmos sobre a syuhzet, termos utilizados por Bordwell e Thompson (2013) para descreverem as mesmas dimensões narrativas.

No enredo clássico, a narrativa costuma ser apresentada segundo a ordem e a frequência da história. Isto é, os eventos são mostrados apenas uma vez e no presente. Quando a narrativa precisa repetir uma situação ou mostrar algo do passado (flashback) ou futuro (flashforward) dos personagens, o enredo apresenta alguma variação estilística para que possamos compreender com facilidade a mudança no tempo, seja através de uma alteração na fotografia (tom, foco, cor...) ou na encenação (figurino, maquiagem...). Já no que diz respeito a duração, raramente o tempo do enredo equivale ao tempo da história, pois quase sempre ele exclui momentos da vida dos personagens que são irrelevantes para a compreensão da narrativa. Menor que a duração da história e a duração do enredo costuma ser a duração na tela, que se refere à duração do filme em sua projeção. Normalmente, as durações dos filmes hollywoodianos costumam seguir a lógica: história > enredo > tela.

Referindo-se a essas diferenças temporais, o diretor Alfred Hitchcock afirmou que “o drama é uma vida cujos momentos maçantes foram eliminados” (citado em TRUFFAUT, 2004, p.101). Em Psicose, ele excluiu vários anos da história ao apresentar um enredo que acontece em apenas alguns dias, com uma duração na tela de 01h48m44s. Enquanto que o tempo do enredo compreende o intervalo entre a cena em que Marion e Sam estão no hotel (cena 1) ao momento em que o carro da personagem é encontrado no lago (cena 37), o tempo da história é maior porque abrange a nossa imaginação da infância de Norman, mencionada por ele na cena do

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escritório (cena 13a). Nesse momento, o enredo não faz uso de flashback: é a nossa mente que faz a assimilação do período, por isso que faz parte da história.

Além de poder mudar a ordem, frequência e duração da história, o enredo também pode nos privilegiar com informações que não estão disponíveis para os personagens. À dimensão espacial de um filme, Bordwell e Thompson (2013) usam o termo “diegese” para se referir ao espaço do mundo ficcional. Todas as outras informações que estão disponíveis para nós, mas não fazem parte desse espaço, são chamadas de “extradiegéticas”. No cinema clássico, o mais comum é que a narrativa seja apresentada pela perspectiva diegética, mas dados extradiegéticos também nos são fornecidos na forma de créditos de abertura, títulos, créditos finais e músicas que não são ouvidas pelos personagens, como acontece em Psicose. Algumas vezes, imagens extradiegéticas também podem ser apresentadas ao longo da narrativa para nos incentivar associações entre elas e a ação.

Para explicar o nosso envolvimento com as partes de um filme, Bordwell e Thompson (2013) se inspiram no exemplo de Barbara Herrnstein Smith sobre a forma literária para propor um simples jogo que serve de ilustração:

 Considere “A” como a primeira letra de uma série. Sabendo que se trata de uma série, o que viria em seguida? Instantaneamente, somos remetidos à letra “B”, o que transformaria a série em:

 AB. “A” se torna, portanto, uma pista que nos ajuda a criar uma hipótese: a de que a série seguirá a mesma ordem do alfabeto que estamos familiarizados. Supondo que a sequência AB seja confirmada, esperamos que a letra “C” venha na sequência. No entanto, nem sempre a forma segue a nossa expectativa inicial, causando-nos surpresa e nos fazendo reformular as nossas hipóteses a partir do que já temos como evidência. Se ao invés de ABC a série for

 ABA, reajustamos as nossas expectativas e tentamos novamente. A partir de ABA, podemos supor que as principais possibilidades de continuidade sejam ABAB ou ABAC. Se a série confirma o padrão

 ABAC, nossas expectativas são recompensadas e podemos prever a próxima letra com maior confiança. Pelo padrão proposto desde o princípio, esperamos que o resultado da série, por fim, seja:

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Para Bordwell e Thompson (2013), o exemplo acima ilustra que assistimos a filmes criando inferências e expectativas em relação ao desenvolvimento da trama, assim como acontece com as letras acima. No caso de um filme, ao invés de nossas expectativas serem formuladas com base no alfabeto, fazemos uso das nossas vivências da vida cotidiana e experiência com outros objetos artísticos. Quando esses princípios entram em conflito, no entanto, é a nossa bagagem com outras obras que costuma assumir o controle. A presença de seres com poderes extraordinários em um filme de super-herói, por exemplo, não nos causa surpresa porque o seu gênero já antecipa que o que veremos não é um filme realista. Nesse mesmo sentido, os teóricos afirmam que qualquer obra estilizada depende da nossa vontade de suspender as leis da experiência ordinária e aceitar as convenções específicas.

Em relação às nossas respostas a um filme, os autores falam sobre como a forma narrativa pode nos ativar surpresa, suspense e curiosidade. Na ilustração ABACA, o segundo A nos causou surpresa porque a nossa expectativa era de ver um C. Em Psicose, como vimos, somos surpreendidos pelo assassinato de Marion porque a convenção hollywoodiana nos faz pensar que ela permanecerá por toda a narrativa. Segundo Bordwell e Thompson, a forma também pode nos fazer esperar para ver o que vai acontecer. O uso da elipse, por exemplo, tornaria o padrão em algo similar a “AB...”. Para eles, o que costumamos chamar de suspense está justamente relacionado ao atraso na satisfação de uma expectativa previamente estabelecida.

Hitchcock acreditava que o suspense era o meio mais poderoso de manter a nossa atenção no filme (citado em TRUFFAUT, 2004). Por essa preferência, o diretor foi convidado em diversas ocasiões a explicar a sua compreensão do assunto. Nessas situações, o diretor costumava recorrer ao clássico exemplo da bomba para esclarecer a diferença entre suspense e surpresa. Basicamente, ele dizia que, se um filme mostra personagens conversando despreocupadamente e uma bomba explode repentinamente, teremos apenas alguns segundos de surpresa; mas se o filme mostra a bomba para em seguida mostrar os personagens desavisados, sentiremos minutos

de suspense por querer informá-los do perigo iminente (ibid.).

O que Hitchcock dava a entender era que o suspense estava relacionado ao alcance do nosso conhecimento em comparação ao dos personagens: precisamos saber mais que eles. Embora tenha preferido o suspense como forma de engajar a nossa atenção para a narrativa, parte do efeito emocional de Psicose acontece por causa das surpresas reservadas pelo enredo. Além da morte de Marion, o diretor também escondeu o rosto da Sra. Bates para que, até o final, não descobríssemos a sua verdadeira identidade. Foi para preservar essas surpresas que ele também teria

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