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Jogando bola, fazendo história: a educação no bairro dos Coelhos (2008 – 2012)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

ANDERSON WALACE NASCIMENTO DE QUEIROZ

JOGANDO BOLA, FAZENDO HISTÓRIA: A EDUCAÇÃO NO BAIRRO DOS COELHOS

(2008 – 2012)

RECIFE 2016

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ANDERSON WALACE NASCIMENTO DE QUEIROZ

JOGANDO BOLA, FAZENDO HISTÓRIA A EDUCAÇÃO NO BAIRRO DOS COELHOS

(2008 – 2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. José Luís Simões.

RECIFE 2016

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A meu filho, Pedro Queiroz, para quem sou e quero ser.

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AGRADECIMENTOS

Eis que chegamos ao fim de mais uma jornada, conseguimos alcançar nossos objetivos. E ao olhar para trás, percebemos que a vitória só foi possível porque não estávamos sozinhos. Muitos nos ajudaram, muitos participaram do processo de construção dessa conquista e nos ajudaram a ser quem somos hoje. Por isso, cumpre agradecer. Por isso, peço que recebam meus profundos e sinceros agradecimentos, sabendo que “gratidão é algo que não prescreve”.

Gostaria de começar agradecendo a todos os professores e professoras que contribuíram com a minha formação: desde Tia Nalva, professora do primeiro ano do ensino fundamental, na Escola Estadual Manoel Gonçalves, ao professor Dr. José Batista Neto, meu último professor na graduação em história, da Universidade Federal de Pernambuco, nas disciplinas de Prática de Ensino de História I e II, passando por Maria Clara e Tia Silvia, professoras do Centro de Educação Musical de Olinda. Todos e todas contribuíram para que eu viesse a ser o que eu sou hoje.

Agradeço a todos os meus familiares, através das memórias dos meus avós, Vó Nice (Eunice Pereira do Nascimento) e Voinho (Severino José do Nascimento). Ela, exemplo de força e coragem, ele, de sabedoria e amor. Agrada-me saber que sou produto dessa cepa.

Meus pais, Arnaldo Gonçalves Queiroz (in memória) e Maria das Graças Pereira do Nascimento. Foram eles que construíram a base que me possibilitou chegar até aqui. Foi minha mãe, a primeira que ousou, a custo de muito sofrimento, romper com o destino que a configuração do bairro dos Coelhos nos reservava, me possibilitando enxergar horizontes mais amplos e diversos, sem nunca me deixar perder de vista minhas origens. Acredito que foram os novos horizontes abertos por minha mãe e a permanente vinculação com minhas origens que estão na base da minha reflexão acerca da realidade social. Mesmo com minhas incompreensões, e até agressões, ela sempre me amou e me possibilitou ir mais longe. Obrigado, Mainha. Te amo!

Agradeço, também, as minhas irmãs, as psicólogas Andreza Waleska Nascimento de Queiroz e Alyne Wilka Nascimento de Queiroz, elas mereciam um irmão melhor. Mas agradeço a Deus por elas.

Pedro Henrique Santos Queiroz, meu filho, que é a melhor representação do amor que tenho nessa vida. É por ele que estou sempre procurando ser uma pessoa melhor e

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construir um mundo melhor. Costumo dizer que não mereço o filho compreensivo e amoroso que tenho. Pedro, tu és o Cara. Te amo!

Alexandre Falbo, um grande amigo, um verdadeiro pai que a vida me deu. Nossas conversas, muitas vezes contando as mesmas histórias, me ensinaram muitas coisas. Mas foi no silêncio, nos exemplos, na postura diante dos desafios e assédios do cotidiano é que residiram as maiores lições. Obrigado, Falbo.

Luiz Henrique Lira, outro exemplo de pessoa humana que a vida me deu o privilégio de conviver. Foi ele quem, com outras palavras, em uma conversa comum do dia a dia, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, me disse, quando eu ainda estava na metade da minha graduação em História (2008), que eu iria terminar o mestrado. Galego, chegamos!

Todas as funcionárias e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, nas pessoas de Karla Gouveia e Márcio Eustáquio, sem eles a vida dos mestrandos e doutorandos do Centro de Educação seriam bem mais difíceis.

Todas as amigas e amigos mestrandos e doutorandos do programa, nossa convivência me trouxeram muitos ensinamentos, me apresentaram novas perspectivas, que vão para além do mundo acadêmico. As amizades construídas vão ficar para sempre.

Todas as minhas professoras e professores da Linha de Pesquisa Teoria e História da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, suas aulas me ensinaram muito para a vida. Nominalmente: Clarissa Martins, Metodologia da Pesquisa Educacional; Rosangela Tenório, Educação – Cultura e Sociedade; Batista Neto, Didática do Ensino Superior; Edílson Fernandes e José Luís Simões, Pesquisa em Teoria e História da Educação II; e Adriana Paulo, Seminário de Pesquisa.

A Banca Examinadora pela grande contribuição que deu a essa pesquisa desde a qualificação:

Professor Dr. Henrique Gerson Kohl, pelo seu rigor técnico e conceitual, que foram me cobrados com muita compreensão e cuidado. Com a sua atenção e contribuições, foi possível ir mais longe.

Professor Dr. Thiago Vasconcellos Modenesi, amigo de longa data que sempre me estimulou a estudar e a querer ir mais longe. Suas contribuições extrapolam essa pesquisa.

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Professor Dr. Edílson Fernandes de Souza que sempre depositou em mim bastante confiança e me fez acreditar que eu poderia desenvolver pesquisas mesmo antes que eu soubesse o que significava fazer pesquisa. Sem suas orientações e motivações eu não teria chegado até aqui.

Meu orientador, Professor Dr. José Luís Simões, que sempre demostrou bastante confiança no meu trabalho. Para quem ousa entrar no mundo da pesquisa acadêmica, ter quem transmita confiança é fundamental. Zé, tenho certeza que não conseguiria com outro orientador. Muito obrigado!

Todas e todos que fazem o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, em especial os atores desta pesquisa, são eles e elas quem fazem tudo acontecer, essa dissertação é só um esforço para analisar, conhecer e registrar um pouco da valorosa contribuição que vocês estão dando à sociedade.

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O Operário Em Construção Vinicius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:

- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Lucas, cap. IV, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um

templo

Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.

De fato, como podia Um operário em construção Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse, eventualmente Um operário em construção.

Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão - Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário, Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia Ele, um humilde operário

Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamento Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário Soube naquele momento!

Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava.

O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção

E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão

Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário.

Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele não cresceu em vão Pois além do que sabia - Exercer a profissão -

O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu Que a todos admirava:

O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edifício em construção

Que sempre dizia sim Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas A que não dava atenção:

Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão. E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte

Na sua resolução. Como era de se esperar

As bocas da delação Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão. Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupação - "Convençam-no" do contrário -

Disse ele sobre o operário E ao dizer isso sorria. Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação

E sofreu, por destinado Sua primeira agressão. Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não! Em vão sofrera o operário

Sua primeira agressão Muitas outras se seguiram

Muitas outras seguirão. Porém, por imprescindível Ao edifício em construção

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Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia.

Sentindo que a violência Não dobraria o operário

Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando

Ao alto da construção E num momento de tempo

Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário

Fez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não. Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário

O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas

Via coisas, objetos Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via

Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! - Loucura! - gritou o patrão

Não vês o que te dou eu? - Mentira! - disse o operário Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram

Por outros que viverão. Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e

esquecido Razão porém que fizera

Em operário construído O operário em construção.

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Pescador de Ilusões O Rappa

Se meus joelhos Não doessem mais Diante de um bom motivo

Que me traga fé Que me traga fé Se por alguns Segundos eu observar E só observar A isca e o anzol A isca e o anzol Ainda assim estarei Pronto pra comemorar

Se eu me tornar Menos faminto E curioso Curioso O mar escuro Trará o medo Lado a lado Com os corais Mais coloridos Valeu a pena Êh! Êh! Valeu a pena Êh! Êh!

Sou pescador de ilusões Sou pescador de ilusões

Se eu ousar catar Na superfície De qualquer manhã

As palavras De um livro Sem final, sem final Sem final, sem final

Final Valeu a pena

Êh! Êh! Valeu a pena

Êh! Êh!

Sou pescador de ilusões Sou pescador de ilusões

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O aumento da demanda de livros numa sociedade constitui bom sinal de um avanço pronunciado no processo civilizador, porque sempre são consideráveis a transformação e regulação de paixões necessária tanto para escrevê-los quanto para lê-los. (ELIAS; 1993: 229).

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RESUMO

Este estudo procurou refletir e analisar o processo social e histórico da elaboração e implantação do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, localizado no bairro dos Coelhos, bairro periférico da cidade do Recife-PE, entre os anos de 2008 e 2012. Seu objetivo geral consiste em analisar, historicamente, as contribuições dos indivíduos e do grupo da sociedade civil participante desta intervenção para o processo civilizador dos moradores e moradoras deste bairro. Selecionamos como fundamentação teórica central a teoria do Processo Civilizador, desenvolvida pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1993, 1994a, 1994b e 2001), a qual procuramos estabelecer um diálogo com o método pedagógico proposto por Paulo Freire (1996 e 2011) e os conceitos da educação não formal defendidos por Maria da Glória Gohn (2010 e 2012). A pesquisa foi desenvolvida na perspectiva de analisar o processo histórico vivenciado pelos atores da intervenção, e para tanto, julgamos mais apropriado basear nossa estratégia de coleta de dados nos procedimentos metodológico apontados pela História Oral, do tipo História Temática (LE GOFF, 1990 e THOMPSON, 1992), os atores selecionados para este trabalho participaram de uma entrevista semiestruturada, onde eles e elas puderam relatar suas memórias e impressões do processo ora em análise. Para a análise dos dados coletados optamos pela teoria da Análise de Discurso, nos baseando na obra de Eni Orlandi (1999 e 2008). Buscamos neste trabalho analisar que influência pode exercer o espaço, em suas múltiplas dimensões, no processo civilizatório; qual a importância do método (no caso em estudo, o futebol) para uma intervenção que visa promover transformações sociais; sobre quais fenômenos da vida em sociedade os indivíduos precisam se apropriarem para desenvolver uma leitura crítica da realidade e poderem assim terem uma ação mais protagonista nas suas vidas; e, por fim, analisamos o papel do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã neste processo. Este trabalho foi realizado a fim de testar a hipótese de que apesar de todos os condicionamentos que cada realidade social impõe aos indivíduos, sempre será possível sua transformação, mesmo levando em conta a estrutura social atualmente vigente. Os resultados obtidos apontam que os fenômenos presentes dentro da configuração do bairro dos Coelhos atuam no sentido de impor dificuldades e limitações para os moradores e moradoras daquele bairro. Dentro desta perspectiva, concluímos que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã se constituiu como um centro indicador de alternativas, lócus de resistência a lógica do individualismo e base potencializadora de projetos de vida.

Palavras Chaves: Processo Civilizatório; Futebol. Educação Não Formal. Bairro dos Coelhos.

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ABSTRACT

This study sought to reflect and analyze the social and historical process of development and implementation of the Socio-sports Project Forming Tomorrow, located in the neighborhood of Coelhos, suburb of Recife-PE, between the years 2008 and 2012. Its general objective is to analyze historically the contributions of individuals and civil society group, participant of this intervention for the civilizing process for local residents. Selected as a central theoretical foundation, the theory of the Civilizing Process, developed by the German sociologist Norbert Elias (1993, 1994a, 1994b and 2001), with which we seek to establish a dialogue with the teaching method proposed by Paulo Freire (1996 and 2011) and concepts of non-formal education defended by Maria da Glória Gohn (2010 and 2012). The research was developed with a view to analyze the historical process experienced by the actors of the intervention, and for that, the decision was that it would be more appropriate to base our data collection strategy in methodological procedures set out by the Oral History, like the Thematic History (LE GOFF, 1990 and Thompson, 1992), the actors selected for this work took part in a semi-structured interview, where they were able to relate their memories and impressions of the process now under examination. For data analysis, we chose the theory of discourse analysis, based on the work of Eni Orlandi (1999 and 2008). We seek in this paper to analyze what influence the space can exercise, in its multiple dimensions, in the civilizing process; how important is the method (in our case, football) for an intervention that intends to promote social change; on which phenomena of social life the individuals need to appropriate to develop a critical reading of reality and may thus have a more protagonist action in their lives; and finally, we analyze the role of the Socio-sports Project Forming Tomorrow in this process. This study was conducted to test the hypothesis that despite all the constraints that each social reality imposes on individuals, you can always processing, even taking into account the currently prevailing social structure. The results suggest that the phenomena present in the neighborhood configuration of Coelhos act to impose difficulties and limitations to the residents there. Within this perspective, we conclude that the Socio-sports Project Forming Tomorrow constituted as a pointer center of alternatives, an individualism logic resistance locus, and a potentiating base of life projects.

Key Words: Civilizing process. Soccer. Non-Formal Education. Coelhos neighborhood.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 16

2. O Campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde o indivíduo se humaniza ... 32

2.1. O bairro dos Coelhos nas vozes de seus moradores e moradoras ... 44

2.2. A sociedade nas vozes dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos ... 57

2.3. Um campinho de futebol como espaço de configuração social e interdependência ... 68

3. O esporte enquanto instrumento de mobilização e inclusão social ... 74

3.1. O papel mobilizador do futebol ... 80

3.2. A inclusão social através do futebol ... 87

3.3. As regras do jogo e as regras da vida em sociedade ... 94

4. O indivíduo protagonista da história ... 101

4.1. Os fenômenos da exclusão social e a atuação protagonista ... 108

4.2. O indivíduo e a construção protagonista da sua história ... 115

5. O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã ... 122

5.1. O despertar para realidade e o desejo de mudança ... 127

5.2. Do pensamento à concretização: dificuldades e estratégias de superação ... 133

5.3. Futebol e educação fazendo história no bairro dos Coelhos ... 141

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 147

REFERÊNCIAS ... 152

APÊNDICE A – Mapa Político-administrativo do Bairro dos Coelhos ... 156

APÊNDICE B – Imagem aérea do Bairro dos Coelhos ... 157

APÊNDICE C – Imagem aérea do Campinho dos Coelhos ... 158

APÊNDICE D – Ficha Cadastral dos educadores e educadoras sociais e Termo de Autorização de Uso da entrevista ... 159

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APÊNDICE E – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista (Educadores e Educadoras Sociais) ... 160 APÊNDICE F – Ficha Cadastral dos Educandos e Educandas e Termo de Autorização de Uso da Entrevista (Também assinado pelo responsável legal do educando ou educanda) ... 162 APÊNDICE G – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista (Educandos e Educandas) ... 163 APÊNDICE H – Ficha Cadastral do Entrevistado (Dados da formação do bairro dos Coelhos) e Termo de Autorização de Uso da Entrevista ... 165 APÊNDICE I – Dados do Entrevistado e Roteiro da Entrevista (Dados da formação do bairro dos Coelhos) ... 166 APÊNDICE J – Dados do perfil de Ewerton e Transcrição parcial da entrevista ... 167 APÊNDICE K – Dados do perfil de Lukas e Transcrição parcial da entrevista ... 168 APÊNDICE L – Dados do perfil de Janaína e Transcrição parcial da entrevista ... 169 APÊNDICE M – Dados do perfil de João e Transcrição parcial da entrevista ... 170 APÊNDICE N – Dados do perfil de Joana e Transcrição parcial da entrevista ... 171 APÊNDICE O – Dados do perfil de Adilson e Transcrição parcial da entrevista ... 172 APÊNDICE P – Dados do perfil de Isa e Transcrição parcial da entrevista ... 173 APÊNDICE Q – Dados do perfil de Robinho e Transcrição parcial da Entrevista ... 174

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1. INTRODUÇÃO

Foi dura a caminhada. Lançar-se ao desafio da produção científica, do conhecimento acadêmico é, no primeiro momento, um ato de coragem. O conhecimento humano já acumulado tem uma proporção incalculável, impossível de ser visitado por um único indivíduo, mesmo que para isso ele consuma todo o seu tempo de presença aqui na terra. Logo, como pretender produzir algo novo, original e socialmente relevante, sabendo que é limitada, apesar de todos os esforços, a sua percepção da realidade e a sua capacidade de abarcar todo o conhecimento já produzido pela humanidade acerca das condições do desenvolvimento humano?

Era Preciso responder a esta pergunta que se converteu em condição sine qua non para a realização desta pesquisa e sem está resposta não conseguiríamos prosseguir.

O primeiro passo é sempre um momento introspectivo, era preciso encontra algo que me provocasse inquietações, algo que eu considerasse indispensável a compreensão deste determinado fenômeno ou processo. E foi na vontade de compreender como os indivíduos e as sociedades forjam, selecionam e desenvolvem os seus padrões de comportamento e as formas e métodos como os mesmos são transmitidos para as gerações futuras, e neste mesmo processo vão construindo as civilizações, que me foi possível localizar o problema da pesquisa e a problemática na qual ele se insere.

Compreendo, filiando-me a Norbert Elias, que a forma como os sujeitos se comportam em sociedade é fortemente influenciada pelas relações que estes estabelecem uns com os outros, com a sociedade na qual estão inseridos, e com os mecanismos que eles dispõem para controlar as suas emoções e impulsos mais instintivos, tudo isso relacionado também com o meio físico, que se desenvolveu num processo histórico e social.

Buscar compreender como, através dos processos sociais, os agrupamentos humanos forjaram seus padrões de comportamento, seus valores, sua cultura e o seu modo de ser e está na vida, demanda o entendimento de que não existe comportamento “civilizado” que não esteja contextualizado dentro de um processo social e histórico, e que não esteja localizado num tempo e num espaço determinado.

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Ao compreendermos que todas as sociedades constroem seus patrões de comportamento dentro de um imbricado jogo de interdependência entre seus sujeitos, entre o sujeito e a sociedade, e entre o sujeito, a sociedade e as condições do espaço físico, dentro de um processo social e histórico, me vi obrigado a dar o segundo passo, que consiste no memento de comunicação com o mundo: agora era preciso encontra um objeto que me permitisse trabalhar minha filiação teórica eliasiana.

Paralelo a essas inquietações, havia em mim um conhecimento empírico o qual apontava que as formas de condutas adotadas pelos agrupamentos humanos que se formaram e se formam nas periferias dos centros urbanos, às margens do interesse do poder político e econômico, era o modo de ser “civilizado” que foi possível ser construído por estes coletivos, que foram induzidos a se desenvolverem nestas condições, formando assim os grupos outsiders, que, via de regra, são considerados “incivilizados” e violentos pelos que vivem em condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento, os establishment, estes que podem disfrutar mais plenamente dos benefícios que o Estado moderno pode oferecer.

Este conhecimento empírico, encaminhou a busca pelo objeto de pesquisa para as periferias dos centros urbanos, onde agrupamentos humanos forjam seus padrões de comportamento tendo que sobreviver em condições materiais desfavoráveis, sem acesso a uma educação de qualidade nem aos bens culturais mais elaborados, e tendo que enfrentar cotidianamente toda sorte de obstáculos impostos ao seu pleno desenvolvimento. Ou nas palavras de Paulo Freire, condições de sobrevivência “que fere a ontológica e histórica vocação dos homens – a do ser mais” (FREIRE; 2011: 58).

Há na cidade do Recife, capital de Pernambuco, alguns bairros que se caracterizam pela falta de infraestrutura mínima para o desenvolvimento das pessoas que neles residem. Nestes bairros há problemas de saneamento e esgoto, poucas escolas públicas no seu território, problemas de segurança e violência, e as habitações são precárias, as pessoas que neles vivem, via de regra, têm renda per capita baixa e nível de escolaridade pouco elevado.

Com essas características, encontra-se o bairro dos Coelhos, localizado a menos de dois quilômetros do Marco Zero da capital pernambucana, mas que tem um baixo Índice de Desenvolvimento Humano e se desenvolve com a

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participação mínima do poder público como indutor do desenvolvimento humano e social.

Esta configuração do bairro dos Coelhos se assemelha com as de alguns bairros do Recife, que são iguais em muitos bairros das cidades do Brasil e do mundo.

Contudo, foi nesse bairro onde eu nasci e do qual lembro-me das histórias da minha infância, contadas por minha avó materna, de como o bairro foi se constituindo e o trabalho de construção que os seus primeiros moradores e moradoras tiveram de empreender para realizar os grandes aterros necessários das margens alagáveis do rio Capibaribe para transformar aquele território em local minimamente habitável.

Porém, esse critério subjetivo não é, nem foi, suficiente para justificar a escolha de um objeto de pesquisa. Mas, o fato de que neste bairro vem sendo executado, desde o ano de 2008, um projeto de intervenção social denominado pelos seus idealizadores e executores Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, que foi criado e desenvolvido por um grupo de amigos, moradores e moradoras da localidade, com o objetivo de dar uma atividade as crianças, adolescentes e jovens da localidade que viviam com muito tempo ocioso e sujeitos a se envolverem com a violência, a criminalidade e o tráfico de drogas, que é comum no bairro.

Contudo, o principal objetivo do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, segundo as palavras de seus próprios idealizadores é: “mostrar para essas crianças que, não é por que elas vivem num bairro pobre, que elas devem se envolver com a violência, a criminalidade e com o tráfico de drogas”, e para tanto eles vem desenvolvendo uma ação educativa não formal, e foi por estas características que o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã se tornou objeto desta pesquisa.

Uma vez selecionado o objeto, o trabalho agora se volta para delimitar o objetivo da pesquisa, os procedimentos metodológicos e técnicos, e o quadro teórico a ser utilizado como referência para analisar as informações e os dados coletados.

O objetivo geral desta pesquisa foi definido em analisar, historicamente, as contribuições dos indivíduos e do grupo da sociedade civil participante do

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Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã para o processo civilizador dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos.

Durante os trabalhos preliminares da pesquisa, pudemos observar as transformações que a intervenção do Formando o Amanhã vem promovendo na vida dos seus participantes, sejam eles os executores e executoras ou os educandos e educandas da intervenção, e mesmo na realidade da comunidade, conforme será demonstrado ao longo desta dissertação.

Ao considerarmos que a ação empreendida pelos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos, dentro do Formando o Amanhã, vem promovendo mudanças naquela configuração, optamos por desenvolver um trabalho do tipo historiográfico, que registrasse os processos, os embates, os obstáculos e as estratégias de superação adotadas pelos atores da pesquisa para implantar e consolidar a sua intervenção.

Assim, como toda produção historiográfica, o objeto analisado precisa estar muito bem delimitado no espaço e no tempo, acreditamos que até aqui o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã está bem localizado, cumpre agora determinar o período no qual a análise ficou circunscrita, que foi entre os anos de 2008 e 2012.

O ano de 2008 como marco inicial para o estudo deve ao fato de que foi neste ano que a intervenção começou a ser realizada, mais precisamente no sábado, 16 de fevereiro, quando a execução da intervenção dependia apenas da participação voluntária dos moradores e moradoras do bairro dos Coelhos.

Já o ano de 2012 como marco final para o período determinado para o estudo se deve ao fato de que até esse ano a ação vinha sendo desenvolvida por iniciativa e participação de um grupo de amigos onde todos eram única e exclusivamente moradores do bairro. Foi no ano de 2012, por ocasião de um incêndio que atingiu alguns barracos da Comunidade do Papelão, que fica dentro do bairro dos Coelhos, que a intervenção do Formando o Amanhã ganhou mais visibilidade e começou a conquistar mais apoiadores, através de voluntários de outras camadas sociais e moradores de outros bairros, de igrejas, Organizações Não Governamentais – ONG’s, e secretarias de governos, tanto estadual como municipal, o que passou a dar um novo dinamismo a forma de organização e outras motivações aos participantes da ação, que resulta por mudar um pouco suas características.

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Vale salientar que esses apoios não ocorrem de modo continuo e crescente, nem é permanente. Eles oscilam, ora chegam com maior volume, ora a ação se mantem única e exclusivamente pela colaboração e participação dos moradores e moradoras voluntários do próprio bairro.

No que diz respeito a metodologia, entre todas as metodologias possíveis para uma produção historiográfica, a que mais nos pareceu adequada para esse desafio foi a da história oral, devido ao fato desta possibilitar o acesso a fontes que não estão entre aquelas tradicionalmente utilizadas, tal como, documentação oficias. A história oral possibilita acessar os fatos significativos registrados na memória dos atores do processo em análise, e por essa razão essa metodologia foi adotada.

Dentro dos tipos possíveis de se trabalhar com a história oral, pretendemos, inicialmente, desenvolver nossa pesquisa com o tipo história de vida, por entender que os fatos marcados na memória dos atores documentam a forma como as vivências são significadas pelos atores, e permite ao historiador acessar fontes que, apesar de serem de difícil acesso, são bastante relevantes e significativas para a compreensão dos fatos históricos.

Contudo, devido ao alto grau de envolvimento em que os atores informantes selecionados para esta pesquisa estavam com o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã não foi possível, apesar de todos os esforços, fazer vir à tona informações acerca da trajetória de vida desses atores. Sempre que era feito alguma pergunta a respeita da vida dos informantes, eles davam um jeito de mudar o foco e falar da intervenção.

Para ilustrar essa observação, pequemos, como exemplo, a resposta que a educadora social Joana dá a primeira pergunta do roteiro de entrevista elaborado para essa pesquisa. Quando perguntada: Como era sua vida, o que você achava da vida, antes de participar do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã? A Informante Joana muda o foco da pergunta respondendo: “Olhe, o que eu posso dizer, assim, é o que acrescentou na minha vida, que veio somar depois de participar deste Projeto [Sócio Esportivo Formando o Amanhã], é de que eu pude perceber que existem pessoas que vivem à margem de uma sociedade” [...], e segue falando das modificações que a intervenção realizou na sua percepção do mundo e no seu modo de ser.

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Devido ao fato de que todos os atores selecionados como depoentes desta pesquisa, em muitas perguntas sobre suas vidas usarem da mesma estratégia utilizada pela educadora social Joana, transcrita acima, transferindo de suas vidas para o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã o tema central das suas respostas, levou-nos a uma alteração na metodologia de coleta de dados, de história oral, do tipo história de vida, para a história oral, do tipo história temática. Para Paul Thompson, “a história oral é a história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria simples do povo” (1992: 44).

Valorizar as narrativas dos atores sociais que vivem e constroem os fatos históricos, mas que têm suas narrativas comumente esquecidas pela historiografia oficial, é reconhecer que a voz de cada ator social é única, muitas vezes simples e epigramática, e ao mesmo tempo representativa. “A voz consegue trazer o passado até o presente, sua utilização altera não só a textura da história, mas seu conteúdo. Desloca o centro da atenção, das leis, estatísticas, administradores e governos, para as pessoas” (THOMPSON;1992: 334).

Não obstante, ao optarmos pela história oral, pretendemos deixar explícito o nosso posicionamento político, que consiste na luta pela edificação de uma sociedade menos verticalizada. Por isso, procuramos dar espaço para as vozes dos que são colocados no andar de baixo da nossa pirâmide social. Acreditamos que tal metodologia possibilita não apenas resgatar uma dívida histórica e social com os atores históricos que mesmo sendo excluídos das narrativas oficiais dos embates políticos e econômicos, atuam e contribuem na construção da sociedade, porém, suas vozes tradicionalmente não são ouvidas na produção historiográfica. Vozes que revelam memorias das marcas que os fatos histórico causou nesses atores e que ajudam a compreender melhor nossa sociedade.

Contudo, este trabalho não pretende apenas trazer à tona as vozes dos atores dos fatos históricos que frequentemente são silenciadas, busca analisar a ideologia presente nas vozes destes, e para tanto buscamos realizar um diálogo entre a metodologia da história oral, do tipo história temática, e as

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técnicas, procedimentos e teorias da Análise de Discurso, tendo como base Eni Orlandi (1999 e 2008).

Com essa escolha, pretendemos trabalhar a relação língua-discurso-ideologia presente nas vozes dos atores da pesquisa. Orlandi defende que: “Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, [a Análise de Discursos] trabalha a relação língua-discurso-ideologia” (1999: 17). Logo, o que se almeja realizar nesta pesquisa é não só valorizar as marcas que os fatos vividos pelos atores do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã deixaram nas suas memorias, mas, também, indicar leituras possíveis das ideologias presente nas narrativas – discursos – desses atores.

Para definir a quantidade de informantes e quais seriam os critérios para a realização da seleção desses informantes, começamos realizando um levantamento de quantas pessoas participaram da intervenção em seus primeiros momentos, que é o período determinado para o estudo, entre 2008 – 2012.

Logo de início foi fácil identificar que o Formando o Amanhã é composto, basicamente, por dois grupos de atores: o dos idealizadores e executores, e o dos sujeitos para os quais a ação é dirigida, os educandos e educandas. E foi a partir desses grupos de atores que começamos a formar os grupos de informantes.

Duas questões buscamos contemplar na seleção dos informantes. A primeira diz respeito apenas ao grupo de executores. Na formação deste grupo, procuremos representar o maior número de atividades realizadas para que a intervenção possa ser efetivada, tais como, a das atividades físicas da escolinha de futebol, a da preparação e distribuição dos lanches e a das palestras educativas.

A segunda questão que procuramos contemplar diz respeito aos dois grupos de informantes. Tínhamos pré-estabelecida que, se possível, contemplaríamos na seleção dos informantes a questão de gênero.

Contemplamos esta questão não apenas pela relevância que a contemporaneidade vem dando a este debate, mas, sobretudo, por compreendermos que devido às diferenças corporais e sexuais, homens e mulheres foram culturalmente submetidos à diferentes papéis sociais e

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comportamentais, fato que influencia, direta ou indiretamente, na construção de valores, desejos e comportamentos, estes, que por sua vez, influenciam na percepção que cada gênero tem da realidade social vivenciada. Por isso, ao contemplar a questão de gênero, acreditamos estar lançando diferentes luzes sobre o objeto da pesquisa.

Como resultado do levantamento da quantidade de atores que participaram do Formando o Amanhã em seus momentos iniciais, descobrimos que apenas duas meninas tinham participado como educandas da Escolinha de Futebol, e que elas permaneceram na ação entre os anos de 2008 e 2011, quase a totalidade do período definido para a pesquisa. E foi a partir deste fato que definimos que cada grupo, o dos executores e executoras, e o de educandos e educandas, seriam compostos por quatro informantes, dois do sexo masculino e dois do sexo feminino, totalizando oito informantes.

Na seleção dos informantes que vieram a compor cada grupo, utilizamos como primeiro critério as referências que os antigos e atuais atores do Formando o Amanhã forneciam sobre os prováveis integrantes dos grupos de depoentes. Em seguida, uma vez que alguns não participavam mais da ação, buscamos localizá-los, informá-los sobre a pesquisa e consultá-los sobre sua disposição e disponibilidade para participar. E assim, os oito informantes da pesquisa foram selecionados.

Contudo, infelizmente, apesar da animação e disposição inicialmente apresentada para participar da pesquisa, uma das educandas que seria informante, por motivos não declarados, decidiu não mais participar, deixando seu grupo incompleto, uma vez que ela não poderia ser substituída devido ao fato de que apenas duas educandas participaram do intervenção no período demarcado para a análise.

Compreendemos que para analisar o processo de desenvolvimento e implantação do objeto de estudo, não é possível fazê-lo sem realizar um digressão no tempo para, mesmo que de forma panorâmica, realizar uma breve análise do processo que o bairro dos Coelhos e seus moradores e moradoras vivenciaram para se consolidar no seu espaço. Para travar um maior contato com o processo de construção do bairro dos Coelhos, selecionamos um informante de 55 anos de idade, nascido na comunidade e que, no momento da realização desta pesquisa, ainda mora na mesma casa onde nasceu. A

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escolha deste depoente se deu por sua presença sempre motivadora nas conversas informais que mantivemos com os moradores e moradoras e andanças pelo bairro dos Coelhos. As informações que este depoente revelava eram sempre muito enriquecedora e esclarecedora, então, sua participação se impôs a este trabalho.

Assim, o conjunto de depoentes da pesquisa ficou restrito a dois informantes do sexo masculino e dois informantes do sexo feminino para o grupo de educandos e educandas, mesmo este tendo sofrido uma desistência, como já informamos acima; dois informantes do sexo masculino e dois do sexo feminino para o grupo de executores e executoras, os educadores sociais; e um informante para o processo de construção e consolidação do bairro dos Coelho, totalizando nove depoentes.

Para todos os informantes, solicitamos que os mesmo escolhessem um pseudônimo, explicando-lhes sobre a importância do anonimato, uma vez que, mesmo não sendo o tema central da pesquisa, também seriam tratados temas como violência, criminalidade e tráfico de drogas no bairro; e que suas falas, uma vez autorizadas, seriam transcritas conforme foram gravadas. Então, informamos-lhes que tal procedimento servia para lhes proteger de possíveis constrangimentos e lhes deixariam mais à vontade para falar nas entrevistas. A pesar da resistência de alguns, que gostariam de ver seus nomes registrados nesta pesquisa, todos e todas escolheram seus pseudônimos.

Para coletar os dados e informações junto aos depoente foram aplicados questionários semiestruturados, com temas geradores, e, como fonte de dados auxiliares, foram utilizadas matérias de jornais impressos e televisivos, projetos de ações e fotografias de eventos realizados pelo Formando o Amanhã, bem como apresentações e projetos que os idealizadores desenvolveram para buscar apoio junto aos órgãos governamentais e não governamentais.

Para analisar os dados e informações coletados, o quadro teórico composto parte da teoria eliasiana do processo civilizador, que procura entender os padrões de comportamento dos indivíduos e sociedades através de um processo social e histórico. Para Norbert Elias todos os indivíduos e sociedades forjam seus padrões de comportamento sendo submetidos a “instrumentos diretos de ‘condicionamento’ ou ‘modelagem’, de adaptação do indivíduo a esses modos de comportamento que a estrutura e situação da

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sociedade onde vive tornam necessários” (1994a: 95). Isso implica dizer que, segundo Elias, todos os indivíduos ocupam uma função que foi criada socialmente e que dela depende o funcionamento da ordem social.

Para Elias, “Até os famintos e sem tetos são produtos e componentes da ordem oculta que subjaz à confusão” (ELIAS; 1994b: 21), e que condiciona e é condicionada pela ordem social.

Assim, partindo de Elias, compreendemos que a estrutura social sobre a qual os indivíduos e agrupamentos humanos são induzidos a se desenvolver interfere, sobre maneira, no padrão de comportamento desses indivíduos e agrupamentos humanos.

Portanto, buscamos nesta pesquisa refletir acerca da estrutura social que a população moradora do bairro dos Coelhos incide para criar o seu modo de ser e estar em sociedade, considerando que é a partir da estrutura social em que vivem que os indivíduos selecionam seus valores e desejos, transformando-se “na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem o caráter de um indivíduo e merece o nome de ser humano adulto” (ELIAS; 1994b: 27).

É preciso considerar ainda que nenhum indivíduo, por mais astuto e criativo que seja, e por maior que seja o seu acesso as oportunidades que possibilitam o seu desenvolvimento, ele nunca estará completamente livre e desconectado das influências do meio social em que vive. Acreditamos que, com relação a formação da personalidade dos indivíduos e posição social, “O que advém de sua constituição característica depende da estrutura da sociedade em que ele cresce. Seu destino, como quer que venha a ser revelado em seus pormenores, é, grosso modo, especifico de cada sociedade” (ELIAS; 1994b: 28).

Por outro lado, é preciso considerar que em nosso atual estágio civilizacional, impera um alto grau de individualismo, onde foi construída, equivocadamente, a percepção de que indivíduos e sociedade são algo distinto, e que os sujeitos para conseguirem sucesso nos seus projetos pessoais e profissionais necessitam vencer uma barreira comum a todos que vivem em sociedade, barreira esta que nada mais é do que a própria sociedade.

Para Elias, “O abismo e o intenso conflito que as pessoas altamente individualizadas de nosso estágio de civilização sentem dentro de si são

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projetados no mundo por sua consciência. Em seu reflexo teórico, eles aparecem como um abismo existencial e um eterno conflito entre indivíduos e sociedade” (ELIAS; 1994b: 32).

Essa separação entre indivíduo e sociedade acaba por criar um desequilíbrio na balança entre a “identidade-nós” e a “identidade-eu”, fazendo com que as pessoas passem a projetar suas ações no sentido de atender apenas as suas necessidades, esquecendo-se que por maior que seja o seu desenvolvimento pessoal, intelectual e ou profissional, ele estará, sobre muitos aspectos, limitados às condições sociais existentes. Por isso, nesta pesquisa buscamos demostrar que quanto maior o desenvolvimento da “identidade-nós”, maior e melhor são as condições geradas para o crescimento dos indivíduos.

Conforme já declaramos acima, acreditamos que as condições sociais e materiais de vida dos indivíduos e agrupamentos humanos condicionam o desenvolvimento do seu padrão de comportamento, contudo, condicionar, não significa, em hipótese alguma, determinar. A presença humana na terra, implica possibilidade, e não fatalidade. E para demostrar essa afirmação, nesta pesquisa, buscamos estabelecer um diálogo entre as teorias eliasiana e as ideias defendidas por Paulo Freire (1996 e 2011).

Paulo Freire, assim como Norbert Elias, chama à responsabilidade indivíduos e sociedade, colocando que por maior que sejam as limitações genéticas, culturais e sociais, é aos seres humanos que cabe refletir e, através do trabalho, interferir e construir a realidade.

O autor reclama que se os seres humanos são puro determinismo genético ou cultural ou de classe, não temos responsabilidade ética com o mundo. Não obstante, o autor não quer dizer que somos absolutamente imunes aos condicionamentos genéticos, culturais e sociais. Mas reconhece que somos condicionados, não determinados. “Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável” (grifos do autor. FREIRE; 1996: 19).

E reforça o singular papel do ser humano na terra, ressaltando que os homens e mulheres são os únicos animais que admiram o mundo e, ao admirar, conhecem e projetam o mundo que buscam realizar.

Por outro lado, identificamos o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã como uma intervenção no processo civilizatório, realizada através da

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metodologia da educação não formal, efetivada por meio da utilização do futebol. Por isso, procuramos colocar em diálogo as teorias eliasianas com as definições propostas por Maria da Glória Gohn (2010 e 2012) para a educação não formal.

Análogo ao que ocorre com as atividades do Formando o Amanhã, a autora afirma que a educação não formal ocorre em ambientes e situações interativas construídas coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos. E conclui chamando a atenção para uma das característica mais significativas da intervenção, que é a intencionalidade. Conforme Gohn, “Há na educação não formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes” (Grifos da autora. GOHN; 2010: 18).

Ao enumerar os objetivos da educação não formal, no que tange a educação para cidadania, a autora apresenta uma boa síntese das metas perseguidas pela intervenção realizada no bairro dos Coelhos, quais sejam: a) educação para justiça social; b) educação para direitos (humanos, sociais, políticos e culturais); [...] e) educação para democracia; f) educação contra toda e qualquer forma de discriminação (GOHN; 39-40).

Encaminhando para o final desta introdução, é importante informar ao leitor que todo o trabalho de pesquisa foi realizada a fim de testar a hipótese de que apesar de todos os condicionamentos que cada realidade social impõe aos indivíduos, sempre será possível sua transformação, mesmo levando em conta a estrutura social atualmente vigente, que para defender seus grandes interesse, joga na perspectiva de colocar indivíduos e sociedade em posições antagônicas, e para tanto buscam fazer com que os indivíduos não reflitam sobre os fatores, fenômenos e processos geradores da sua realidade social, e ao não refletir, não problematizam, e sem problematizar não vislumbram a possibilidade de transformação.

Como o leitor já deve ter percebido, adotamos para a apresentação deste relatório de pesquisa uma tendência crescente no campo das pesquisas em ciências humanas, principalmente as de abordagem qualitativa, a qual refere-se a contemplar ainda na introdução as informações e referências relativas ao método, metodologia, tratamento dos dados e teorias na seção de introdução, ainda que isso implique em uma introdução um pouco maior que a comumente observadas.

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Segundo Dionne e Laville (1999), “a parte ‘método ou metodologia’, incluindo as suas subpartes ‘escolha do método’, ‘dados’ e ‘análise dos dados’, constitui um único bloco nas pesquisas de tipo experimental ou nas pesquisas por sondagem e investigação cujos dados são quantificados” (DIONNE e LAVILLE; 1999: 257). Os autores relatam que nas pesquisas que repousam, por exemplo, na análise de discurso ou de documentos, tais como pesquisas antropológicas e históricas, cujas análises assentem em uma perspectiva qualitativa, é possível transferir as informações referentes ao método e as demais matérias que antecedem a análise propriamente dita à introdução e consagrar as demais seções à análise dos dados coletados (idem).

E concluem defendendo que “se há regras que, por convenção, são aplicadas ao relatório de pesquisa, elas são flexíveis, dando ao pesquisador bastante espaço para realizar, com arte, imaginação e, não obstante, com rigor, a tarefa de comunicação de sua pesquisa” (DIONNE e LAVILLE; 1999: 257).

Então, como estratégia argumentativa para apresentar as observações realizadas nesta pesquisa, a dissertação está dividida em quatro seções, além da Introdução e das Considerações Finais.

Na primeira seção, O campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde o indivíduo se humaniza, apresentamos, de forma panorâmica, o processo de construção do bairro dos Coelhos e algumas da dificuldades que seus moradores e moradoras tiveram que enfrentar para edificar naquela localidade o ambiente onde suas vidas seriam plantadas. Como já é possível perceber, o campo aqui não se refere apenas ao campinho de terra batida onde o Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã é executado e que no período em estudo (2008 – 2012) era cercado por habitações populares – barracos de madeiras, zinco, plástico e papelão –, mas, sim, todo o ambiente que envolve o bairro dos Coelhos, problematizando acerca de como os moradores e moradores da localidade significam o espaço onde vivem, que tipo de influência as condições geográfica, econômicas, sociais e, sobretudo, simbólicas, exercem sobre sua percepção do mundo e seus projetos de vida, e como eles percebem a sociedade que os colocam à margem.

Na segunda seção, O esporte enquanto instrumento de mobilização e inclusão social, procuraremos refletir sobre quais os motivos e sobre quais

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condições a prática esportiva, mais especificamente o futebol, foi escolhido como instrumento mobilizador para as atividades da intervenção, além de analisar quais foram os benefícios e dificuldades encontradas a partir desta encolha. Sabemos que a bibliografia que trata sobre o potencial mobilizador do esporte e suas possibilidades de inclusão social é bastante considerável, contudo, consideramos que as experiências vivenciadas pelos atores do Formando o Amanhã podem se constituir como conhecimento novo a respeito de como as regras dos jogos podem contribuir para a preparação dos indivíduos para a vida em sociedade.

Já na terceira seção, O indivíduo protagonista da história, procuramos refletir sobre quais as condições necessárias para que o indivíduo possa ser de fato protagonista da sua história. Para tanto, foi preciso identificar a quais fatores os atores da pesquisa atribuem as suas condições de vida, qual a compreensão que eles e elas têm sobre esses fatores, seus envolvimentos com as temáticas relacionadas e como eles e elas atuam na perspectiva de realizarem o enfretamento. Este estudo tem como pressuposto que o processo de compreensão do mundo e dos problemas a ele relacionados passa, inevitavelmente, pelo processo educativo, nesse sentido, procuramos produzir registros de como os envolvidos no Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã entendem o processo educativo e qual o importância da participação na ação para construção da sua história e a transformação da comunidade.

Na seção O Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã, analisamos, a partir das memorias dos participantes da intervenção, qual a percepção que eles e elas tinham da realidade social do bairro antes do desenvolvimento da ação e quais as razões que o fizeram participar deste movimento. Buscamos também refazer a trajetória da elaboração e implantação da ação, problematizando a respeito de como a ideia da ação foi desenvolvida, quais as dificuldades enfrentadas e quais as estratégias adotadas para que o movimento viesse a ser efetivado.

Sendo o período de estudo um período curto e ao mesmo tempo recente, entre 2008 – 2012, buscamos registrar, através das memórias dos envolvidos, se eles e elas perceberam alguma mudança nas suas vidas e na configuração do bairro depois da implementação do Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã.

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Uma vez que nosso contato com o bairro dos Coelhos não é recente, como já exposto acima, e que pudemos observar que mudanças foram realizadas na vida de alguns participantes e da própria comunidade, buscamos neste trabalho provocar a reflexão acerca do processo educativo que vem sendo desenvolvido pelo ação através do futebol, e as mudanças na história de vida dos participantes e da comunidade que a ação vem promovendo, e assim, fazendo história.

Durante o trabalho de realização desta pesquisa foi sendo fortalecida a ideia de quanto é equivocada a busca que os indivíduos empreendem para se desenvolverem de forma individualizada, encarando o todo social como barreias que impõem dificuldades ao seu pleno crescimento e que, por isso, devem ser superadas. Esse equívoco se explica na evidência de que sendo nosso atual estágio civilizatório responsável pela criação de uma sociedade extremamente especializada e que, por sua vez, impõem uma intensa relação de interdependência dos seus indivíduos, não é possível alcançar êxito na desenvolvimento da “identidade-eu” fora da imperativa necessidade do desenvolvimento da “identidade-nós”.

Buscamos demonstra com este trabalho de pesquisa, seguindo uma indicação de Norbert Elias (1994b), que “... a existência simultânea de muitas pessoas, sua vida em comum, seus atos recíprocos, a totalidade de suas relações mútuas deem [dão] origem a algo que nenhum dos indivíduos, considerado isoladamente, tencionou ou promoveu” (grifos nosso, ELIAS; 1994b: 19). Mas sim, é “algo de que ele faz parte, querendo ou não, [é] uma estrutura de indivíduos interdependentes, uma sociedade [...] (grifos nosso, idem).

Por fim, é preciso informar que tanto para elaboração deste trabalho de pesquisa quanto para a forma como concebemos o processo de construção da realidade social, a subjetividade humana cumpriu e cumpre um papel fundamental. Acreditamos que é a partir das interações reticulares das intenções, desejos e ações dos indivíduos, em diálogo direto com as condições concretas da realidade social, econômica e material que os padrões de comportamento são alterados e construídos. Não se pode pensar em objetividade sem subjetividade (FREIRE; 2011: 50). Neste sentido, quando falamos em subjetividade, falamos da subjetividade que nasce da imersão

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crítica dos sujeitos na realidade objetiva, que possibilita a elaboração de outras realidades possíveis, inicialmente ilusórias, mas que servem como guias para a ação humana em direção da construção de outras realidades.

Por isso, posso concluir que este trabalho de produção do conhecimento científico, apesar de todos os desafios e dificuldades que tiveram de ser superados, dentro de um processo que me impôs muitas renuncias e sacrifícios “Valeu a pena. Sou pescador de ilusões”1.

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2. O Campo em suas múltiplas dimensões: espaço onde o indivíduo se humaniza

“Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão.” Operário em construção Vinícius de Moraes

É no território, alterando a natureza, moldando conceitos e edificando valores que o sujeito configura o espaço e se humaniza. O espaço onde os indivíduos se estabelecem cumpre uma função importante no processo de desenvolvimento humano, uma vez que a configuração do espaço, que é realizada social e historicamente, tende a impor limites e desafios, ao mesmo tempo em que inspira ambições e desejos. Em outras palavras, o espaço faz parte do processo educativo e cumpre para a espécie humana função diferente da que cumpre para as outras espécies.

Se a vida do animal se dá em um suporte atemporal, plano, igual, a existência dos homens se dá no mundo que eles recriam e transforma incessantemente. Se, na vida do animal, o aqui não é mais que um habitat ao qual ele “contata”, na existência dos homens o aqui não é somente um espaço físico, mais também um espaço histórico (FREIRE; 2011: 124, grifos do autor).

Até onde temos notícia, todos os agrupamentos humanos se utilizaram de um território para sua sobrevivência, manutenção e desenvolvimento. Mesmo as sociedades nômades fizeram uso, ainda que por um curto período de tempo, de um território, usufruindo das facilidades que ele oferecia para a manutenção e desenvolvimento do modo de ser dessas sociedades pastoris e coletoras, que após o esgotamento dos recursos naturais que geravam as condições propícias à fixação desses agrupamentos se deslocavam para outros territórios mais favoráveis.

As civilizações da antiguidade que mais temos conhecimento, escolheram os territórios localizados às margens de rios e mares para se fixarem e desenvolver as suas civilizações: os egípcios se fixaram no nordeste da África, às margem do rio Nilo; no Oriente Médio, próximo ao Golfo Pérsico, situado entre os rios Tigre e Eufrates, foi onde as civilizações sumérias, acádias e

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amoritas encontram as condições propícias para sua fixação. Os gregos, por sua vez, se desenvolveram às margens do mar Egeu; e os romanos se fixaram e desenvolveram às margem do mar Mediterrâneo.

No continente americano, entre tantas outras civilizações, encontramos os aztecas, que num território alagadiço, onde hoje é localizado o México, desenvolveram os canteiros flutuantes, conhecidos como chinampos, que possibilitavam a prática da agricultura, fundamental para a sobrevivência dessa sociedade. Os chinampos eram constituídos de grandes esteiras flutuantes, construídas com troncos de árvores transadas e fixados no fundo dos lagos com hastes de madeiras. Na sua superfície os chinampos eram forrados com a lama fértil retirada do fundo dos rios, tornando-os propícios para o cultivo dos cereais necessários à civilização azteca, principalmente o milho, que fazia parte da base da alimentação dessa sociedade.

O que pretendemos demonstrar com os exemplos apresentados acima é que é no território, e em íntima relação com as condições naturais que eles oferecem, os agrupamentos humanos criam o seu modo de ser e estar, produzindo saberes que passam a configurar o espaço nas suas múltiplas dimensões: física, econômica, política, social e cultural, entre outras.

O espaço em suas múltiplas dimensões influencia, passa a condicionar, a forma de ser e estar dos indivíduos e sociedades sobre a superfície terrestre. Precisamos ter claro que condicionar não significa, em hipótese nenhuma, determinar. É possível constatar através da trajetória humana que por mais força que as condições físicas, econômicas, políticas e sociais exerçam sobre os indivíduos, aos sujeitos sempre será permitido selecionar opções, filtrar informações e escolher caminhos, construindo e ou alterando sua realidade, enquanto vai forjando-se quanto sujeito.

Os indivíduos e sociedades vivem em permanente disputa uns contra os outros para conquistar e dominar o seu espaço. As pessoas através da força física ou econômica disputam para conquistar o melhor local para fixar suas residências e poderem viver com maior conforto com sua família. Empresas disputam entre si para dominar parcela cada vez maior do mercado, objetivando maior obtenção de lucro. Estados e nações também vivem em

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conflitos para atrair as maiores e melhores empresas, dominarem os melhores territórios com condições naturais mais favoráveis para o seu crescimento e criar as condições necessárias para submeter outros Estados e nações as suas influências econômica, política e cultural, e, para tanto, não se escusam de utilizar os mecanismos necessários para consecução do seu intento, sejam eles aparelhos ideológicos ou mesmo através das armas.

É como consequência desse estado permanente de disputa que, de forma não planejada, as sociedades vão construindo seu espaço e forjando o seu modo de ser e estar na terra, seus padrões de comportamento. Em outras palavras, o que estamos afirmando é que as civilizações são resultados não planejados nem almejados dos conflitos humanos (ELIAS; 1993).

Para conhecer e compreender melhor como esses processos se efetivam, selecionamos o território onde está localizado o bairro dos Coelhos, devido ao fato de que nesta comunidade, a partir da iniciativa de três amigos, um grupo de moradores e moradoras vêm desenvolvendo, desde o ano de 2008, um projeto sócio educativo, que foi batizado com o nome de Projeto Sócio Esportivo Formando o Amanhã. Este, que através de uma escolinha de futebol, vem executando atividades educativas não escolarizadas que visam quebrar o círculo vicioso que submete o bairro dos Coelhos e seus moradores e moradoras a uma realidade de exclusão e violência.

O bairro dos Coelhos está localizado no território que pertenceu a família Coelho Cintra, motivo pelo qual o bairro adquiriu o seu nome. Esse território fica à aproximadamente dois quilômetros do Marco Zero da capital pernambucana – o Recife. A comunidade ocupa uma área de 43 hectare quadrado e seus limites são: ao sul e ao leste, o rio Capibaribe; a oeste, o bairro da Ilha do Leite; e ao norte, o Bairro da Boa Vista. Este espaço é habitado por 7.633 pessoas, sendo elas 3.571 (46,78%) do sexo masculino e 4.062 (53,22%) do sexo feminino. Das 2.322 residências existentes na comunidade, 53,63% têm as mulheres como responsável pelo domicílio e 53,36% dos moradores e moradoras se identificam etnicamente como partos. Segundo dados oficiais, 87,7% dos moradores dos Coelhos, maiores de 10 anos de idade, são alfabetizados, considerando como alfabetizados as pessoas capazes de lerem ou escreverem um bilhete simples.

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A densidade demográfica do bairro é de 178,51 habitantes por hectare, vivendo em média 3,6 habitantes por domicílio, com uma renda nominal média mensal de R$ 898,41(oitocentos e noventa e oito reais e quarenta e um centavos) por domicílio.2

No que diz respeito ao poder público municipal, os Coelhos está situado na Região Político Administrativa 01 – RPA 01, microrregião 1.3, da qual também faz parte o bairro da Ilha de Joana Bezerra. Esse território é considerado uma Zona Especial de Interesse Social – ZEIS. A lei 16.176/96 que trata do Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife, define, em seu artigo décimo sétimo que:

Art. 17. As Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS - são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária.

§ 2° Para o reconhecimento de ZEIS pelo Poder Público, será necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

I - ter uso predominantemente habitacional;

II - apresentar tipologia de população com renda familiar média igual ou inferior a 3 (três) salários mínimos;

III - ter carência ou ausência de serviços de infraestrutura básica;

IV - possuir densidade habitacional não inferior a 30 (trinta) residências por hectare;

V - ser passível de urbanização.3

Nesse território, para exercer o seu papel precípuo de indutor do desenvolvimento econômico e social, o poder público Municipal atua apenas com uma creche, uma escola do ensino fundamental e dois postos de Saúde da Família. Já a presença do poder público Estadual é percebida quando das “batidas” policiais que ocorrem frequentemente na comunidade, em captura de indivíduos que são envolvidos em roubos, tráfico de drogas e homicídios. Por outro lado, o poder público Estatal não se faz presente com escolas, delegacias ou hospitais na localidade.

2 Dados da Prefeitura da Cidade do Recife. Serviços Cidadão. Disponível em:

http://www2.recife.pe.gov.br/servico/coelhos. Acesso em 26/05/2015.

3Prefeitura da Cidade do Recife. Lei 16.176/96, lei de Uso e Ocupação do Solo da

Cidade do Recife. Disponível em www.legiscidade.recife.pe.gov.br/lei/16176/. Acesso em 26/05/2015.

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