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Lei Maria da Penha: uma análise da efetividade do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MIKARLA GOMES DA SILVA

LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE

NATAL/RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MIKARLA GOMES DA SILVA

LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE

Dissertação apresentada como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para a obtenção do grau de Mestre, sob orientação da Profª Dra. Berenice Bento.

NATAL/RN 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Silva, Mikarla Gomes da.

Lei Maria da Penha: uma análise da efetividade do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte / Mikarla Gomes da Silva. - 2018.

176f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Berenice Alves de Melo Bento.

1. Lei Maria da Penha - Monografia. 2. Gênero -

Monografia. 3. Violência - Monografia. 4. Eixo socioeducativo - Monografia. I. Bento, Berenice Alves de Melo. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.62-055.2(813.2)

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MIKARLA GOMES DA SILVA

LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO NO RIO GRANDE DO NORTE

Dissertação apresentada como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para a obtenção do grau de Mestre, sob orientação da Profª Dra. Berenice Bento.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Berenice Alves de Melo Bento (orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN

_______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Rozeli Porto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Jussara Carneiro Costa

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Dedico este trabalho às mulheres da minha vida: Dona Porcina, vó querida, Elinalva (mãe), Mikelly e Mikaely (irmãs), Magnólia e Cecília (primas) e ao homem que junto a elas me ensinou o valor da vida, Sr. Pedro Adelino. Família, te amo!

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Agradecimentos

Esperança que inspira, a luta contra o opressor Amarelou oi, janela abriu e o sol entrou Trazendo vida, inspiração, luz que foi jah jah quem mandou Ingratidão, desenvolve a missão Dá de cara com o sistema que te julga e não te dá opção Não tem progresso sem acesso Pense no gueto e é isso que eu te peço A quebrada produz, e é de qualidade Em agradecimento faz a arte da realidade (Só agradece, Marina Peralta)

Só agradece [...] se tem uma palavra que realmente devo começar esse agradecimento, mesmo sendo redundante é agradecimento. Início agradecendo aos que sempre estiveram por perto, família e amigos, aqueles que realmente [...] sabem o quanto eu caminhei para chegar até aqui [...] Confesso que o agradecimento não deveria ser a última parte da minha escrita, pois nesse momento estou cansada, na verdade exausta e, talvez não escreva o que realmente gostaria de dizer para quem acompanhou esses dois anos de mestrado. Mas, me contento em saber que tenho todo tempo para externar meu carinho pessoalmente aos meus.

Muitas vezes ouvi falar que devemos começar agradecendo a instituição por nos proporcionar e financiar nossos estudos enquanto bolsista. Porém, não é a mesma que nos acompanha no dia a dia, que sabe as angústias e alegrias ao longo de dois anos de pesquisa. Quem esteve sempre por perto foram a família (mamis, vó, vô, tia, irmãs, prima, cunhado) e amigos. A esses toda gratidão e amor por acreditarem sempre em mim, sou grata por ter pessoas que confiaram e estenderam a mão quando mais precisei.

São dois anos de mestrado, o primeiro passa correndo, o segundo lentamente, não fosse a fase final da escrita que voa. Esses dois anos foram de altos e baixos, mudança de orientação após qualificação, mas tem males que vem para o bem. Sou grata por ter sido escolhida duas vezes, sim grata! Grata por Berenice ter dito um não a três anos atrás (acabou comigo, acabou, mas não desisti) e muito mais grata por ela ter dito um sim a quase um ano quando estava desorientada (risos). Obrigada prof., por mais uma vez aceitar me ORIENTAR de verdade e compartilhar sempre o que você sabe com os seus.

No mais, eu poderia muito bem usar esse espaço aqui para desabafo e como disserto sobre violência apresentar aqui as múltiplas violências que sofri enquanto mulher, negra, periférica e estudante, porque afinal, quem disse que o espaço acadêmico

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não é o espaço de violência? Principalmente, quando você estudante diz não. Não concordar com a opinião de outrem que julga-se superior pelo posição que ocupa, mas a opinião é minha, será que posso tê-la sem sofrer violência? Parece que não! Sabe quando falam de interseccionalidades e cruzam todas as possíveis para lhe inferiorizar, mas de forma sorrateira, velada e silenciosa? Pois é, o que uma opinião contrária pode fazer/causar. Violências!! E essa deixa de ser simbólica rapidamente, se é que passou por essa etapa, até lhe atingir psicologicamente. Disse que não ia desabafar e estou aqui eu fazendo isso (risos). Porém faço, justamente para agradecer a quem me estendeu a mão quando precisei recomeçar, sim, recomeçar. Momento desabafo rápido e entre as entrelinhas para mais uma vez dizer que sou grata pelos amigos, família e orientadora que me estenderam a mão. Sim, me desculpe se estou sendo repetitiva, mas esse momento é meu, não preciso ficar usando autores, pensar sociologicamente isso ou aquilo, então o sentimento que aparecerá aqui é gratidão.

Continuemos então, por Bernardo. Ele tem praticamente a idade da minha dissertação, uns meses a mais. Mas foi justamente esse pequenino que deixou o meu tempo mais leve nesse processo. Se na monografia o café foi o meu energético, na dissertação Bernardo foi o meu melhor subterfúgio. Se a coisa estava boa corre lá para dá um beijo nele e voltar a dissertar, se estava ruim aí sim que o abraço e o beijo, principalmente, o bola blincar Karla, acalmava e me colocava no eixo. Se tinha alguém que estava ansioso para que eu acabasse a dissertação esses alguém era ele, porque pense em uma tia babona que faz tudo que ele quer. Bernardo, obrigado por trazer alegria aos meus dias cinzentos!

Falei que Be, era o mais ansioso pelo termino da escrita, mas lembrei agora que minha tia Noia competia com ele pelo mesmo, já que ela adora que eu fique com ele para descansar e, aí se eu dizia que passaria a semana indo para UFRN ou para casa de Mikelly, afs, era um drama só. Áudios todos os dias para saber se eu estava perto, dizendo que Bê estava com saudades, desde que era ela que não conseguia ficar mais longe de mim. Noia, obrigada por dividir conosco essa criaturinha linda e amada e por me perturbar e incentivar para que eu terminasse a dissertação o quanto antes. Minha “maga” número 01, Cecília, obrigada por dividir seus segredos e abraços comigo, para ti as minhas expectativas são as melhores sempre, porque sei se você quiser serás grande.

Gratidão ao meu cunhado, Marcos Mariano e minha irmã Mikelly Gomes, por me hospedarem em sua recente casa para que eu pudesse ter o silêncio que não tinha em casa para finalizar a dissertação, além de serem as pessoas que mais aturam o meu mau humor

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e são vítimas dele diretamente ou indiretamente. Saibam que amo vocês do meu jeito, mas amo! Kelly, muitíssimo obrigada por ser aquela pessoa que posso contar quando mais preciso, você sabe que você é meu equilíbrio e minha melhor saudade.

Minha irmã Mikaely Gomes, obrigada por mais uma vez acreditar e me apoiar nesse processo. Muitíssimo obrigada por compartilhar comigo os melhores momentos e por estarmos enfrentando juntas essa vida acadêmica, você se especializando e eu concluindo um mestrado, quero dizer que você me inspira. Você é aquela que não cansa, que está sempre procurando algo para fazer, trabalhar e estudar (mesmo dizendo que não gosta da vida acadêmica, mas como assim se você está na sua segunda Especialização?). Amo você, meu abuso diário! Além disso, ainda nos “dá” uma sister linda, inteligente e destemida que nos enche de orgulho, Renata, para ti todo sucesso e gratidão por ser quem és.

Gostaria de agradecer aos amig@s, Carol e Tarcísio por partilharem comigo essa experiência de pós graduação e mais que isso, dividir suas vidas comigo. Obrigado, miguxos! Carol está naquela escala de quem atura mais o meu mau humor, competição difícil. Além do mais, é a pessoa que dividiu comigo, literalmente, o estresse do mestrado. Se tem alguém que entende esses altos e baixos esse alguém é você amiga, juro que prefiro dividir nossos carnavais.

Gratidão imensa a minha mamis, Elinalva, se eu desejar o melhor para ela ainda é pouco. Mãe, obrigada por me fazer querer ser a cada dia uma pessoa melhor e por não duvidar de mim nunca. Te amo!! Meu pai que tem um orgulho imenso das três filhas e que mesmo longe está sempre perto, obrigado! Vô e vó, só amor por eles, só tenho que agradecer por ter duas pessoa especiais e que me apoiam mesmo não sabendo direito o que faço. Seu Pedro e Dona Porcina, OBRIGADO!!!!.

Agradeço também aos professores que dividiram o que sabem comigo ao longo desses dois anos, como disse é um processo rápido e de poucos disciplinas, logo poucos professores. Mas eu faço questão de agradecer aos que me provocaram. Obrigado, Linconl Moraes, Carla Cabral, Berenice Bento e Rozeli Porto, vocês me fazem querer sempre mais. Sim, não posso esquecer de agradecer ao Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais, na figura do Otânio e do Jefferson que além de responder nossas dúvidas, têm conversas despretensiosas e sorrisos largos, obrigado meninos. Agradeço a Jussara Carneiro por ter aceitado o convite de Berenice, desde já sou grata por você ter estado comigo nessa etapa.

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Mulher Do latim

"Não devo ser obrigada a nada

Trabalho Fora Em casa E a toda hora Necessária Carrego comigo O "BASTA! NÃO QUERO SER ASSEDIADA!" Assobio Buzinadas E só olhar MATA! Mulher Trans Cis Pobre Negra Morre Morre Morre Nesse sistema Cheio de faceta Não quero parabéns Nem dedicatórias Quero o direito Sobre meu corpo Minha vida! Não quero romantismo

Cavalheirismo

E sim! O fim do machismo! Quero não morrer

Quando a máquina apita Acelera

E meu braço fica E sangra

Amputa E me dilacera

Quero não sangrar Não ser esquartejada Mutilada E queimada Só por ser uma mulher Livre dos padrões Da tua escala Não quero o tiro

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A faca apontada E ser obrigada A abrir as pernas Minha roupa rasgada E ser estuprada

Não quero luz no útero Quero poder escolher O que coloco no mundo E se quero E se posso E se não Poder dizer não Sem morrer no escuro 8 de março

Não é só poético É fogo

É mão esquerda pro alto É longe do abraço E perto do suspiro Daquele minuto 60 segundos

De olhar nos olhos De cada mulher E o que for dito Ser compreendido Por nós que somos oprimidas E que pulsamos Resistimos Lutamos E Gritamos A todos os pulmões Vem quente Estamos fervendo! Não vou só chamar o Rex Vou organizar

As Minas Monas e Manos

Pra detonar o seu privilégio Que o Vaticano Os tio de branco Os bolsonada Seguram a todo custo Não tem revolução

Presta atenção Não tem revolução Se as mulheres Que resistem

Não estiverem a frente Lutando para serem Quem são!

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O ato meu caro

É muito além de um desabafo! (É só o percurso do estrago) (Bárbara Victoria)

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RESUMO:

A dissertação tem como objetivo analisar e refletir a Lei Maria da Penha e os aparelhos socioeducativos dispostos no Rio Grande do Norte. Para isso, metodologicamente, o trabalho constitui-se como uma pesquisa qualitativa fundamentada pela realização da análise do texto da Lei, bem como dos documentos e programas produzidos pelo Estado potiguar no eixo socioeducativo. Buscamos refletir não só o que está posto literalmente no texto da Lei Maria da Penha, mas também as suas implicações e interpretações através das aplicações efetivas ou não das atribuições e medidas previstas no documento. A partir da Lei avaliamos como os programas sob perspectiva do eixo socioeducativo promovem suas ações na tentativa de pensar e identificar sua efetividade no Rio Grande do Norte.

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ABSTRACT

The dissertation aims to analyze and reflect the Maria da Penha Law and the socio-educational devices arranged in Rio Grande do Norte. For this, methodologically, the work constitutes a qualitative research based on the analysis of the text of the Law, as well as of the documents and programs produced by the state of Potiguar in the socio-educational axis. We seek to reflect not only what is written literally in the text of the Law of Penha, but also its implications and interpretations through the effective application or not of the attributions and measures foreseen in the document. From the Law we evaluate how the programs under the perspective of the socio-educational axis promote their actions in an attempt to think and identify their effectiveness in Rio Grande do Norte

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Lista de figuras

Figura 01- Panfletos e cartilha distribuída na escola 156

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Lista de Tabelas

TABELA 01- Equipamentos de Atendimento à mulher no Rio Grande do Norte

140

TABELA 02- Equipamentos –Natal 141

TABELA 03- Equipamentos – Parnamirim 142

TABELA 04- Equipamentos – Mossoró 142

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Lista de Gráficos

GRÁFICO 01- Tipos de violência 90

GRÁFICO 02-Relação vítima-agressor 91

GRÁFICO 03- Duração das violências 91

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Lista de Siglas

CEDAW - Committee on the Elimination of Discrimination against Women- (Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres)

CEJIL - Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CLADEM - Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher CODIMM - Coordenadoria da Defesa da Mulher e das Minorias

CRAS - Centros de Referência da Assistência Social

CREAS - Centros de Referência Especializado de Assistência Social DEAMs - Delegacias Especializadas em Atendimento as Mulheres JECRIM - Juizados Especiais Criminais

LPM Lei Maria da Penha

NAMVID - Núcleo de Apoio à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar NUDEM - Núcleo Especializado na Defesa da Mulher Vítima de Violência

Doméstica e Familiar

OEA - Organização dos Estados Americanos ONU - Organização das Nações Unidas

PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher PGJ - Procuradoria Geral da Justiça

PNPM - Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

RN Rio Grande do Norte

SEEC - Secretaria de Estado da Educação

SPM - Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres SESED-RN Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social STJ - Supremo Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 19

1. GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO 27

1.1.UM CONCEITO EM MOVIMENTO: PROBLEMATIZANDO GÊNERO 27

1.2. PROBLEMATIZANDO GÊNERO: O UNIVERSAL, O RELACIONAL E O PLURAL

31

1.3. DO DOMÉSTICO AO PÚBLICO: OS ESPAÇOS E A

TERRITORIALIZAÇÃO DOS LIMITES POSSÍVEIS

36

1.4. (DES)FAZER GÊNERO NO NORDESTE 40

1.5. CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO 49

2. MOVIMENTO FEMINISTA E O COMBATE À VIOLÊNCIA 55

2.1. AGENDA DE GÊNERO 57

2.2.AGENDA DE GÊNERO NO BRASIL 60

2.3. DAS DEAMS À LEI MARIA DA PENHA: POR UMA VIDA SEM VIOLÊNCIA

65

2.4. POR QUE MARIA? 69

2.5.MARIA DA PENHA: LEI COM NOME DE MULHER 71

3. POSSIBILIDADES E LIMITES DA LEI 11.340/06 76

3.1. POR DENTRO DA LEI 11.340/06 76

3.2.

A LEI 11.340/06: PARA QUEM?

80

3.2.1.Violência sem sangue 85

3.2.2. Violência com sangue 88

3.3. PERSPECTIVA SOCIOEDUCATIVA DA LMP 96

3.4. PERSPECTIVA PUNITIVA DA LMP 102

4. (DES) CONSTRUINDO VIOLÊNCIA NO RN: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO

130

4.1. DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AO FEMINICÍDIO 130

4.1.1. Feminicídio 133

4.1.2. As Marias do RN: quando as violências sem sangue e com sangue tornam-se violência com morte

136

4.2. REDE DE ATENDIMENTO AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA NO RIO GRANDE DO NORTE

140

4.2.1. LPM: Serviço para homens 148

4.2.2. Maria da Penha vai à Escola 155

4.3. IDEOLOGIA DE GÊNERO: GÊNERO COMO UM PÂNICO MORAL 160

CONSIDERAÇOES FINAIS 164

(19)

19 INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem por finalidade refletir e analisar a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha como uma política pública de gênero de enfrentamento à violência doméstica. Ao problematizar a lei evidenciamos o caráter socioeducativo descrito no texto, pois compreendemos que é a partir da educação que as práticas discursivas podem ser ressignificadas.

Segundo Lana Lage Lima (2010), após a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em 1985, a outra política pública de gênero que provocou maior impacto social foi a Lei Maria da Penha, uma Lei específica no combate à violência doméstica e familiar que retira dos Juizados Especiais Criminais1 a autoridade de julgar os crimes de violência contra a mulher. Esta Lei é entendida como a concretização de um instrumento legal de combate à violência contra as mulheres e cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, a violência doméstica e familiar é entendida como “qualquer ação baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006). A Lei Maria da Penha surge no cenário brasileiro como uma resposta do poder público às reivindicações do movimento de mulheres e movimentos feministas como um dispositivo de combate à violência contra a mulher. A Lei é uma conquista histórica de mulheres que lutam desde as últimas décadas por direitos e cidadania por igualdade nas relações de gênero. Deste modo, pode-se caracterizar por uma luta pelo direito de ser mulher e desconstruir as práticas de dominação masculina marcadas pelas violências: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial no “corpo/alma” da mulher (MACHADO, GROSSI, 2015).

A Lei Maria da Penha é uma política pública, sendo assim, se configura como campo que busca colocar o “Estado em ação” (JOBERT, MULLER apud BANDEIRA, ALMEIDA, 2013), como afirma Eloísa Hofling (2001) e Celina Souza (2006) para analisar essas ações e propor mudanças, caso seja necessário e possível. Dessa maneira, podemos problematizar os diferentes interesses na formulação, implementação, monitoramento e avaliação dessas políticas públicas. É importante que essas diversas

1 Na Lei 9.099/95 a violência contra as mulheres era vista como crime banal, ou seja, de menor importância. A Lei era predisposta a partir do processamento e julgamento das infrações de menor potencial ofensivo com penas que resultavam em pagamentos de cestas básicas, serviço comunitário, entre outros.

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20 esferas de ações dialoguem entre si, para que possamos compreender para quem as políticas públicas são pensadas e quem terá acesso a elas.

Como afirmamos, anteriormente, compreendemos Políticas Públicas como o “Estado em ação” (JOBERT, MULLER apud BANDEIRA, ALMEIDA, 2013), sendo um dos caminhos de diálogo entre a sociedade civil e o Estado através da alteração de diretrizes e princípios que conduzem ações e procedimentos que podem vir a desenvolver e (re) estruturar a realidade da nação (BANDEIRA, ALMEIDA, 2013). De acordo com Lourdes Bandeira e Tânia Almeida (2013, p. 36), “trata-se de mapear as categorias que fundamentam o “estado em ação”” que nomeia e legitima escolhas políticas e essenciais que resultam em situações reais. Já, Muller em seus escritos com Surel (2002) afirma que a política pública “é formada, inicialmente, por um conjunto de medidas concretas que constituem a substância “visível” da política” (MULLER, SUREL, 2002, p. 13) e que esta é um construto social e um construto de pesquisa, uma vez que uma política pública constrói um quadro normativo de ação. Portanto, as Políticas Públicas são decisões que abarcam questões de ordem pública com abrangência vasta e que apontam à satisfação do interesse de uma coletividade, no entanto, podem também ser entendidas como táticas de atuação pública, estruturadas por meio de um processo decisório composto de variáveis complexas que impactam na realidade (RUA, ROMANINI, 2013). Assim, as Políticas Públicas são a materialização da ação governamental.

Neste contexto, pensar Políticas Públicas a partir do recorte de gênero e/ou perspectiva de gênero é algo novo, tendo em vista que historicamente o Estado não qualificava as mulheres como sujeitos de direito e reconhecimento, estas eram invisíveis, uma vez que não estavam inseridas na tomada de decisões nem tampouco como beneficiárias de políticas públicas, posto que esse espaço cabia a elite política brasileira que era formada por homens brancos, heterossexuais, de classe média alta e com escolaridade. No mais, quando se destinavam políticas públicas para as mulheres não se tinha um recorte de gênero e as mulheres eram pensadas universalmente.

As políticas públicas brasileiras, em geral, quando dirigidas às mulheres não contemplam necessariamente a perspectiva de gênero, haja vista que a disseminação de uma linguagem masculina exclusivista está introjetada nas estruturas sócio institucionais e jurídicas. Tais situações de poder, em relação ao referente masculino, se fazem presentes no planejamento das ações públicas mesmo em governos que se comprometem com a redução das desigualdades de gênero (BANDEIRA e ALMEIDA, 2013, p. 38)

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21 Em concordância com as autoras citadas acima, Anna Paula Portella (2009) pondera que a violência contra as mulheres esteve distante das preocupações públicas e políticas “quanto estiveram às mulheres efetivamente afastadas dessas esferas e sendo tratadas como seres humanos de “segunda categoria”” (PORTELLA, 2009, p. 31). Com isso, ressaltamos que a Lei Maria da Penha surge como forma de coibir a violência doméstica e familiar, mostrando ao longo de seus dez anos de implementação como um marco na efetivação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. Ao problematizar a inserção da Lei Maria da Penha na plataforma pública do Estado brasileiro evidenciamos o sistema hegemônico de práticas machistas, um sistema de estrutura de dominação masculina (BOURDIEU, 2005), onde o homem é visto de maneira hegemônica e hierárquica (ALBURQUEQUE JÚNIOR, 2003), pautado em uma masculinidade que tem como característica fundante a honra, visto que os crimes de violência contra a mulher foram justificados jurídicos e socialmente até meados dos anos 1980 sob o ideal hegemônico de masculinidade, ou seja, na construção desses homens perante a ideia de um poder absoluto.

Mariza Corrêa (1981) aponta que por anos se legitimou no Brasil os crimes de honra, visto que os crimes passionais eram absolvidos com a justificativa de lavar a honra. E, é nesse período, década de 1980, que surgem no Brasil as primeiras políticas públicas de violência contra a mulher a partir da luta feminista e de movimentos de mulheres com slogans “Quem ama, não mata!” e “O silêncio é cúmplice da violência”, com a finalidade de combater e enfrentar a violência contra as mulheres.

Em 1983 surge em São Paulo o Conselho Estadual da Condição Feminina e em 1985, ainda no estado paulista, são inauguradas as primeiras Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres. Nesse ano cria-se o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, essas ações aparecem como as primeiras políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero. Como resultante da luta feminista contra a violência contra a mulher foi criado nos últimos anos a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SPM), o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), o Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, a Lei 11.340/2006 e a Lei 13.104/2015. Ademais, podemos entender que essas são políticas que respondem as reivindicações dos movimentos feministas brasileiros frente ao Estado.

Mesmo diante da implementação da Lei 11.340/06 e demais programas de enfrentamento à violência, o Brasil continua sendo o país que mais agride mulheres em números alarmantes. Segundo o Relógio da Violência (2018), instrumento de “contagem”

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22 e visibilidade da violência contra mulheres produzido pelo Instituto Maria da Penha, a cada 2 segundos mulheres são violentadas física ou moralmente, a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência física, a cada 16.6 segundos mulheres são ameaçadas com armas de fogo, a cada 22.5 segundos uma mulher é vítima de espancamento ou tentativa de estrangulamento. Esses dados nos permitem problematizar a efetividade da Lei, o alcance de seus programas e como se constrói o lugar do agressor e da mulher em condição de violência.

Nesse sentido, a pesquisa dissertativa tem como objetivo analisar e refletir sobre a compreensão de gênero no texto da Lei Maria da Penha, bem como apresentar a funcionalidade do eixo socioeducativo no Rio Grande do Norte, uma vez que esse é o estado que ocupa o 5º lugar no Mapa da Violência (WAISELFIZ, 2015). Para tanto, questionamos: Quais são os instrumentos e dispositivos que o Rio Grande do Norte dispõe para o enfrentamento à violência? Como funciona os programas socioeducativos de combate à violência contra mulheres no RN? E quais os sujeitos atendidos por estes programas?

Metodologicamente, o trabalho se deu a partir da análise detalhada e reflexão dos documentos da Lei e da avaliação do material socioeducativo produzido pelo Estado do Rio Grande do Norte a fim de examinar a efetividade da Lei Maria da Penha. Para pensar não só o que está posto literalmente no texto da Lei Maria da Penha, mas também, as suas implicações e interpretações através das aplicações efetivas ou não das atribuições e medidas previstas no documento.

Sendo assim, o trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, uma vez que visou avaliar a efetividade da Lei Maria da Penha no Rio Grande do Norte a partir da perspectiva socioeducativa da Lei. Para isso, propomos como primeiro passo da pesquisa, uma incursão teórica da literatura sobre gênero, violência doméstica, Lei 11.340/06 e políticas públicas para a construção do quadro teórico.

O segundo passo da pesquisa se debruçou sobre o uso do método da análise documental e da análise de conteúdo como aponta Richardson (2012). De acordo com o autor:

O método mais conhecido de análise documental é o método histórico que consiste em estudar os documentos visando investigar os fatos sociais e suas relações com o tempo sócio-cultural-cronológico. [...] a análise documental é essencialmente temática (RICHARDSON, 2012, p. 230).

(23)

23 Com isso, realizamos uma apropriação da análise documental para avaliar como as mudanças de paradigmas, que ocorreram ao longo da história no contexto brasileiro sobre a posição da mulher na sociedade, influenciaram a proposição e implementação da Lei Maria da Penha. A análise documental é a fase inicial da pesquisa e subsidiou sócio historicamente a segunda etapa do trabalho, marcada pela análise de conteúdo. Ainda segundo Richardson (2012), a análise de conteúdo trabalha sobre as mensagens. Esta técnica foi usada para identificar unidades de análise no texto da Lei Maria da Penha e nos documentos e escritos que mantêm referências ou foram produzidas a partir da Lei Nº 11.340/06 com o intuito de avaliar sua efetividade. Para realização dessa tarefa, seguimos as orientações descritas por Richardson (2012) que divide a análise de conteúdo em três etapas distintas, porém complementares, são elas: a pré-análise; a análise do material e o tratamento dos resultados.

A pré-análise é o primeiro contato com os documentos centrais da pesquisa, que “visa operacionalizar e sistematizar as ideias, elaborando um esquema preciso de desenvolvimento do trabalho” (RICHARDSON, 2012, p: 231), ou seja, foi a organização inicial para a realização do projeto de pesquisa. Esse primeiro momento foi baseado em duas sub-etapas, a leitura do material, que consiste na leitura integral dos textos da Lei 11.340/06; dos Mapas da Violência organizados pelo Governo Federal; dos dados do disque-denúncia 180 do Governo Federal. A segunda sub-etapa é a escolha dos documentos. Nessa fase serão identificados – a partir da leitura do material – quais os documentos ou trechos de documentos que contribuem, de fato, para a análise da efetividade da Lei Maria da Penha.

A segunda etapa é a análise do material, que é constituída pela codificação, categorização e quantificação das informações em unidades de registro e em unidades de contexto, tendo em vista, apresentar quais as categorias temático-analíticas que podem colaborar para avaliar a efetividade da Lei Nº 11.340/06. Já, as análises de contexto têm a intenção de desvelar as referências de contexto nas quais as unidades de registro aparecem. Nesse sentido, pretendemos, a partir da exploração das informações em unidades de contexto proporcionar a relação dos dados com temas e conceitos, tais como: violência de gênero; feminicídio e sistema hegemônico e machista. A terceira e última etapa é o tratamento dos resultados, composta pela problematização teórico-analítica das informações colhidas nas etapas antecedentes. Esta etapa objetivou refletir se a Lei Maria da Penha como está instituída e sendo apropriada pode ser categorizada como uma

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24 política pública eficaz para a colaboração no enfrentamento da violência contra o gênero feminino.

No mais, procuramos evidenciar e problematizar não só aquilo que está dito ou escrito, mas trazer à tona também aquilo que não está dito ou escrito no texto da Lei, assim como analisar as justificativas dadas pelos órgãos competentes a não aplicação efetiva da Lei Maria da Penha. Isto é, os fatos documentados, as relações de poder, as demandas de políticas públicas, registros, dados e intenções que contextualizaram e deram condições para que outras leis que tinham a finalidade de defesa ao corpo e a vida das mulheres surgissem no Brasil e possibilitassem a abertura de um longo processo de reformulações e transformações textuais até se chegar ao texto final da Lei 11. 340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

A proposta da estrutura de dissertação consiste em quatro capítulos e considerações finais. No capítulo I intitulado “Gênero e a construção do corpo violentado”, procurou-se discorrer sobre como a violência tem marcado o corpo feminino. Para tal, apreprocurou-sentamos duas categorias analíticas que compõem a pesquisa: gênero e violência. A proposta do capítulo é historicizar e apontar os embricamentos que protagonizam o feminino como sujeito da violência (violentado). Nesse sentido, são necessárias algumas distinções para a compreensão dos conceitos apresentados no momento. Primeiro, o que é gênero? Ao longo do texto trazemos três concepções que permitem compreender gênero e suas multifaces: universal, relacional e plural (BENTO, 2006). A partir das concepções apresentadas compreendemos gênero como um construto social e retiramos os marcadores biologizantes, visto que estamos em concordância com a proposta analítica de Judith Butler (2003) de pensar a performatividade.

No capítulo II, “Movimento feminista e o combate à violência”, discorremos sobre a história das lutas feministas e da resposta do Estado frente à demanda dos movimentos feministas, sobretudo, enfatizando a etapa de construção da agenda de gênero nas políticas públicas. Com isso, é feito uma incursão na construção de políticas de gênero para mulheres que nos possibilite a visibilização de uma maneira mais ampla para as políticas públicas de gênero no que diz respeito ao combate à violência.

No capítulo III, “Possibilidades e limites da Lei 11.340/06”, analisamos o desenho institucional da Lei 11.340/06, a fim de apresentar as diretrizes que viabilizam o questionamento da efetividade proposta em seu texto. No mais, a partir da formulação da Lei e sua possível efetividade procuramos entender como as classificações da violência doméstica é tipificada e quais os âmbitos que ela atinge na sociedade. Ao problematizar

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25 a violência e suas dimensões, traçamos diálogo direto com as formulações propostas na Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha e a dividimos em três fases que chamamos de “violência sem sangue” (BANDEIRA, 2013), violência com sangue e violência com morte2. Dessa maneira, compomos o percurso do ciclo da violência a fim de identificar, no primeiro momento, quais são as lacunas que a Lei tem apresentado em mais de 10 anos de implementação, bem como é possível visualizar a partir de uma análise do seu texto e relatórios a efetividade e a importância de refletir sobre gênero, suas práticas discursivas e violência como espaço e destino socioeducativo.

Após percorrer o contexto histórico e conceitual de gênero, violência e da demanda reivindicada por mulheres para o enfrentamento da violência doméstica, procuramos no capítulo IV, “(Des) construindo violência no RN: análise da efetividade do eixo socioeducativo”, analisar e apresentar os instrumentos socioeducativos oferecidos pelo Estado potiguar, com o propósito de identificar quais os recursos e como age o Estado no enfrentamento da violência doméstica. Diante disso, traçar uma análise sob o eixo socioeducativo parece ser necessário, visto que embora a análise punitiva ganhe uma maior notoriedade, a socioeducativa é o eixo elaborado no texto da Lei que produz de fato maior inferência sobre as mudanças de tipos hegemônicos e produz um espaço de prevenção ao ato da violência, uma vez que nos permite desestabilizar a estrutura de relações de poder entre os gêneros, sobretudo, tendo em vista que é na educação a maneira apresentada para a sociedade os perigos de uma socialização voltada aos domínios universais dos corpos.

Por fim, concluímos que a Lei Maria da Penha surge como uma política pública de urgência social que ao ser nomeada no feminino, resgata a história de violência essencializada neste gênero. Uma Lei que permite compreendermos como a construção social infere sobre a vida dos indivíduos. Outro ponto que vale ressaltar, embora a Lei elenque uma série de medidas de caráter protetivo, social, preventivo e repressivo ela ainda não dá conta das interseccionalidades3 que compõem o gênero e a violência. No

2 Embora a violência com morte seja sinalizada no capítulo III, somente no capítulo IV iremos investir provocações e análise acerca da violência com morte, tendo em vista o diálogo que apresentamos com os dados produzidos pelo Ligue 180 e vítimas de morte provocadas pela violência doméstica no Rio Grande do Norte.

3 Conforme Piscitelli (2008) a discussão acerca as interseccionalidades possibilita perceber a coexistência de diversas abordagens. Distintas perspectivas utilizam os mesmos termos para referir-se à articulação entre diferenciações, no entanto elas variam em função de como são pensados diferença e poder. Dessa maneira, compreendemos em concordância com a autora que interseccionalidades faz referência as reflexões e teorizações sobre a “multiplicidade de diferenciações, que articulando-se a gênero, permeiam o social” (PISCITELLI, 2008, p. 263). É importante, destacar ao leitor que apesar de apresentar a categoria , a discussão não abarcar esta como categoria analítica.

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26 caso potiguar, destacamos que mesmo que haja investimento do governo em ações socioeducativas, a aplicação da Lei é parcial e polarizada em cidades polos, deixando cidades que talvez apresentem dados mais elevados de fora, logo não contabilizados nas estatísticas produzidas pelo governo. No mais, procuramos apresentar nas conclusões os efeitos dos discursos temerosos que invadem o processo educativo, por exemplo, “Ideologia de gênero”, “Escola Sem Partido”, contribuindo para a produção de uma sociedade sem reflexão; estruturas hierárquicas; modelos hegemônicos; e violência.

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27 CAPÍTULO I

1. GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DO CORPO VIOLENTADO

Para compreendermos como o gênero é categoria importante na Lei Maria da Penha, na nomeação da Lei, no enfrentamento à violência doméstica e categoria inserida nas políticas públicas, seguimos os passos de Berenice Bento (2006) e apresentaremos neste capítulo as formulações desenvolvidas pela autora para explicar as mudanças, acréscimos e debates sobre o conceito de gênero. Bento (2006) sugere três tendências explicativas para entendermos os processos que constituem as identidades de gênero, são elas: universal, relacional e plural.

Após apresentar e refletir com Bento em sua incursão histórico-teórica sobre como se constituem as identidades de gênero, problematizaremos como o gênero marca socialmente o lugar de reconhecimento dos sujeitos no mundo. Nesse sentido, o reconhecimento sugere demarcar o lugar de existência, visto que nele se insere os símbolos que darão sentido e pertencimento aos sujeitos. Pensar os limites do que marca a existência de uma mulher e do homem nos faz questionar as normas e regras sociais que instituem uma maneira “adequada”, “certa” de existir como mulher/homem. Esses símbolos marcados nas cores, nos brinquedos, na profissão, comportamentos, público/privado nos possibilita tencionar a ordem compulsória que em seus elementos também constroem o agressor e a agredida.

Ademais, nessa linha entre normas e padrões na qual a construção dos gêneros está inserida, traremos as marcas simbólicas de construção do homem nordestino escrito sobre uma polifonia e imagem estereotipada de Nordeste, possibilitando-nos problematizar nos capítulos posteriores os altos índices de violência doméstica na região, sobretudo, no Rio Grande do Norte. Outrossim, os números desta violência permite-nos questionar e refletir o alcance efetivo da Lei Maria da Penha e seus mecanismos de enfrentamento à violência doméstica.

1.1.UM CONCEITO EM MOVIMENTO: PROBLEMATIZANDO GÊNERO

A categoria gênero tem restringido o comportamento social e sexual dos indivíduos durante séculos, uma vez que sua história é escrita sob a ótica da normalidade. A noção de

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28 que é normal nascer homem ou mulher e conferir a este corpo práticas masculinas e femininas condicionado pelas genitálias é reforçada pelo discurso religioso e biológico. Assim, o corpo é tido como produtor do discurso de um verdadeiro sexo como se falasse da verdade última da pessoa. Normal é nascer, crescer e morrer homem oferecendo aos olhares da sociedade as performances que lhe garantam a masculinidade. Na mulher a lógica é semelhante, as performances que legitimam são as que denotam feminilidade.

O conceito de gênero ganhou notoriedade a partir da década de 1980, “ele oferece um novo olhar para a realidade, situando as distinções entre características consideradas femininas e masculinas no cerne das hierarquias presentes no social” (PISCITELLI, 2002, p, 07). De acordo com Piscitelli (2002), o conceito de gênero perpassa por várias formulações, mostrando a partir das teorias feministas, como foi pautada a discussão iniciada no século XIX.

No século XIX, nas décadas de 1920 e 1930 na Europa e América do Norte, o viés do pensamento feminista estava pautado na ideia de direitos iguais à cidadania, ou seja, o direito ao voto, à propriedade e ao acesso à educação. Na década de 1960 as feministas ajustam seus pensamentos para a discussão da subordinação feminina, uma vez que acreditam que as mulheres ocupam os espaços sociais subordinados em relação ao masculino.

As diversas correntes do pensamento feminista afirmam a existência da subordinação feminina, mas questionam o suposto caráter natural dessa subordinação. Elas sustentam, ao contrário, que essa subordinação é decorrente das maneira como a mulher é construída socialmente. (PISCITELLI, 2002, p. 8)

Para Piscitelli (2002), refletir a construção social da mulher é fundamental, pois o que é construído pode ser modificado, dessa forma, “alterando as maneiras como as mulheres são percebidas seria possível modificar o espaço social por elas ocupado” (PISCITELLII, 2002, p. 08). O pensamento feminista, além de evidenciar as questões que diz respeito ao direito/acesso à cidadania, construiu um sujeito político coletivo, criando ferramentas para tentar acabar com a subordinação feminina e, ao mesmo tempo explicá-la por meio do engajamento com a luta política e o evidenciamento do protagonismo das mulheres na sociedade. Sendo assim, de acordo com a autora, “o reconhecimento político das mulheres como coletividade ancora-se na ideia do que une as mulheres ultrapassa em muito as diferenças entre elas” (PISCITELLI, 2002, p.10).

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29 Dessa forma, entendemos gênero como um processo construído socialmente, atribuído de valorização cultural, assim como Miriam Grossi (2004) aponta, é uma categoria analítica que ultrapassa homens e mulheres, ou seja, o gênero é construído socialmente e embutido de valoração cultural e histórica. Logo, a relação entre os gêneros implica uma construção social evidenciada cotidianamente por meio de práticas discursivas das pessoas.

A filósofa estadunidense Judith Butler na obra “Problemas de gênero: feminismo e subversão das identidades”, publicado no Brasil em 2003, provoca com sua obra uma nova interpretação para compreensão de gênero, uma vez que desconstrói o par sexo/gênero como contínuo biológico e cultural, visto que para autora o “sexo é ele próprio, uma categoria tomada em seu gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo” (BUTLER, 2015, p.25). Com isso, podemos compreender que o gênero não se define sob a inscrição cultural do concepção de um sexo predeterminado, pois para Butler ele designa os signos, significados e discursos produzidos no qual os próprios sexos são concebidos.

Dessa maneira, Butler entende que dessa relação:

Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo qual a “a natureza sexuada” ou um “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície política neutra sobre a qual age a cultura. (BUTLER, 2015, p. 27)

Logo, para Butler (2015) o sexo visto sob a ótica de uma produção pré-discursiva deve ser entendido como resultado dos desígnios culturais que chamamos de gênero, ou seja, instrumentalizamos sócio culturalmente o significado do sexo no gênero e vice-versa. Pensar sobre gênero e a dimensão que ele instaura nos sujeitos é trazer para o diálogo o processo histórico de constituição dos sujeitos a partir do reconhecimento do “Outro” (BUTLER, 2006), visto que gênero no seu marco simbólico e social nomeia existência. A típica pergunta a uma mulher grávida se a criança gerada é menino ou menina impõe no feto um lugar no mundo. Lugar marcado por cores, brinquedos, experiências profissionais e esportes “permitidos”, marcado e reiterado repetidamente por uma estrutura social que dicotomiza o que é possível para homens e mulheres. Com isso, podemos afirmar que o gênero se expressa dentro do caráter normativo e de padrões sociais apresentados na binaridade homem-mulher, interpretado por muito tempo no discurso da naturalização do sexo e na construção do gênero. E, esse caráter de naturalizar e essencializar o comportamento dos sujeitos moldou e determinou as características assumidas socialmente para caracterização do que é ser homem e do que é ser mulher.

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30 Comprender el género como una categoría histórica es aceptar que el género, entendido como una forma cultural de configurar el cuerpo, está abierto a su continua reforma, y que la «anatomía» y el «sexo» no existen sin un marco cultural (como el movimiento intersex ha demostrado claramente). La atribución misma de la feminidad a los cuerpos femeninos como si fuera una propiedad natural o necesaria tiene lugar dentro de un marco normativo en el cual la asignación de la feminidad a lo femenil es un mecanismo para la producción misma del género. Términos tales como «masculino» y «femenino» son notoriamente intercambiables; cada término tiene su historia social; sus significados varían de forma radical dependiendo de limites geopolíticos y de restricciones culturales sobre quién imagina a quién, y con qué propósito. (BUTLER,2006, p.25).

Nesse sentido, convergimos com Butler (2006) e compreendemos que o gênero não é algo dado naturalmente, mas que está em disputa e em transformação diante à realidade social, pois entender as atribuições impostas ao papel masculino e feminino em nossa sociedade passa pela problematização e contextualização do marcador cultural. Assim, para explicitar melhor as várias formas tomadas, debatidas e ressignificadas da noção de gênero, vale ressaltar, brevemente, o percurso histórico do conceito.

O conceito de gênero foi introduzido, primeiramente, por Robert Stoller em 1963 (BENTO, 2006; PISCITELLI, 2002). É importante destacar que apesar do termo gênero ter surgido como categoria em 1963, as mulheres já viam reivindicando os seus direitos e espaços, ou seja, já vinham lutando para serem reconhecidas (BENTO, 2006). Como dito, anteriormente, é na década de 1980 que o conceito de gênero e os estudos na área de gênero ganhou maior dimensão, visto que o mesmo possibilitou um novo olhar sobre a realidade social. Neste sentido, a noção de gênero como categoria analítica foi construída nos anos 80 à luz do pensamento feminista com a intenção de situar as distinções entre o que é considerado características do feminino e características do masculino, além de desestabilizar o pensamento tradicional ( PISCTELLI, 2002).

A priori, o conceito foi articulado a partir das teorias sociais em relação à diferença sexual. Por muito tempo, gênero foi considerado sinônimo de “mulher” e a utilização do gênero como substituto de “mulher” indicava que toda informação em relação às mulheres era necessariamente informação sobre os homens. Destarte, sublinha-se a universalização/essencialização dos gêneros, dessa forma, os estudos destacavam o patriarcado e o processo reprodutivo como origem da subordinação feminina, apresentando deste modo, o homem como sujeito absoluto e de poder (BENTO, 2006).

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31 Nesse caminho conceitual de pensar as perspectivas de gênero, apresentamos a partir da contribuição de Berenice Bento (2006), os caminhos possíveis para compreender o debate sobre a noção de gênero, são eles: universal, relacional e plural.

1.2.PROBLEMATIZANDO GÊNERO: O UNIVERSAL, O RELACIONAL E O PLURAL

Os estudos sobre gênero foram, primeiramente, desenvolvidos sob a proposição da subordinação da mulher e, ao afirmar lugar de subordinação ao feminino oposicionalmente determinava-se poder ao homem. Nesse sentido, mulheres e homens eram interpretados de maneira essencializada e universais. Como aponta Bento (2006, p. 71), “Dois corpos diferentes. Dois gêneros e subjetividades diferentes.”. E para explicar o pensamento, inicialmente, produzido sobre os estudos de gênero Bento (2006), nomeou essa tendência explicativa de universal.

O gênero pensado universalmente é permeado por características que “cristalizam as identidades em posições fixas” (BENTO, 2006, p. 70), uma vez que ao universalizar o gênero há um reforço e essencialização do mesmo. Nessa perspectiva é evidenciado a lógica apontada por Bento em diálogo com Butler onde as características de gênero articuladas no processo binário de um corpo dimórfico compartilhadas como elementos hegemônicos são produzidos sob o carimbo da cultura. Portanto, construídos como “corpo-sexo uma matéria fixa, sobre a qual o gênero viria a dar significado, dependendo da cultura ou do momento histórico, gerando um movimento de essencialização das identidades” (BENTO, 2006, p. 71).

Diante das características postas como intrínsecas e universais às mulheres, a subordinação marca o seu lugar dentro das relações de gênero e como ordem hierárquica, visto que a mulher era compreendida como o outro absoluto (BENTO, 2006). Teóricas feministas tais como Chodorow, Ortener e Rosaldo, (1979 apud BENTO, 2006) trazem elementos em suas obras que reiteram características que fomentam sob mulheres e homens elementos constitutivos construídos como estáticos, parecendo ser impossível que homens pudessem ser reconhecidos a partir de qualidades apresentadas no feminino e vice-versa. Há então, na perspectiva universal a ideia de uma natureza feminina e uma cultura masculina, polo este que vai ser descrito em outras produções dicotômicas, tais como: público-doméstico, objetividade-subjetividade, racional-emocional. Dessa

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32 maneira, o processo que atravessa a produção dicotômica dos sujeitos, tendo em vista que para ser reconhecido como sujeito do seu gênero, determina a ausência de características do gênero oposto não só aprisionou os sujeitos em características predeterminadas por um momento histórico específico, mas também tem determinado, socialmente, ainda hoje as possibilidades de (re)existir e reconhecer o “Outro” para além de características atribuídas como inatas aos sujeitos.

A perspectiva universal atribui à mulher sinônimo de família e reprodução, a esta cabe o âmbito do lar, assim sendo, inferior por sua condição biológica e em virtude de sua estrutura fisiológica. Por muito tempo a essencialização dos gêneros acabou por conferir ao feminino a subordinação do homem, criando uma mulher vítima e o homem como sujeito de opressão e dominação. Ao essencializar o feminino criavam-se pressupostos de um masculino universal também. Eram os homens naturalmente viris e competitivos, características que impelem a condição masculina.

Bento (2006) aponta que na perspectiva universal:

A mulher é tomada como sinônimo de família, sendo que, nesse ponto, não existe qualquer menção ao pai. Ao se tentar visibilizar os processos culturais mediante os quais o feminino está sempre no polo subordinado, invisibilizou-se o masculino, naturalizando-o. Nesse primeiro momento, a visibilização da mulher como uma categoria universal correspondia a uma necessidade política de construção de uma identidade coletiva que se traduziria em conquistas nos espaços públicos. (BENTO, 2006, p.73).

A autora nos mostra que pensar o gênero a luz da concepção universal essencializa as identidades, bem como pode também conferir a mulher papel de vítima. Por certo, no exercício de pensar o desmonte de gênero, principalmente, o feminino, de essencialização e subordinação, que o pensamento feminista articulou “exigências” voltadas para a igualdade nos exercícios dos direitos, discutindo as raízes culturais das desigualdades (PISCITELLI, 2002). A perspectiva universal de pensar o gênero alude para a construção de uma mulher essencializada, unificada, porém é importante destacar que essa unidade concebe um sujeito político, de direito e que reivindica reconhecimento4.

A perspectiva denominada por Bento (2006) como relacional problematiza os princípios essencializados e universal de homens e mulheres, ou seja, ao apresentar os gêneros a ideia de uma unidade é desfeita e se passa a refletir nas dimensões interseccionais

4 O século XIX é marcado pela inclusão da mulher como “sujeito político”, reivindica-se por direitos democráticos (voto, divórcio, educação). Em 1960 a bandeira de luta é pela liberação sexual (contraceptivos), já nos anos 1970 a luta ganha caráter sindical.

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33 que contribuem para a construção de identidades de gênero. Nesse sentido, sexualidade, raça, geração, classe social, dentre outros, são elementos que contribuem para dessencializar e desnaturalizar o gênero (BENTO, 2006), sobretudo, o lugar de submissão das mulheres.

Qual a importância de outros elementos na construção dos gêneros? Entende-se que um dos desdobramentos da perspectiva relacional é mostrar as diversas formas de existir enquanto mulher e homem. Tomemos, por exemplo, a luta e reivindicação das mulheres negras periféricas, certamente, diferem das reivindicações de mulheres brancas e de classe média alta. Sendo assim, pensar em ambas como uma só unidade produz um abismo e formas de subordinações diferentes. Outro desdobramento importante é apontado por Bento (2006), a construção de um campo de estudo que descontrói o modelo universal do masculino, forte, viril, violento e competitivo por natureza, o campo dos estudos das masculinidades.

Um dos fios condutores que orientarão as diversas pesquisas e reflexões desse novo campo de estudo é a premissa de que o masculino e feminino se constroem relacionalmente e, de forma simultânea, apontam que este “relacional” não deveria ser interpretado como “o homem se constrói numa relação de oposição a mulher, em uma alteridade radical, ou absoluta, conforme Beauvoir, mas em u movimento complexificador do relacional (BENTO, 2006, p. 74-75).

Com isso, ao mesmo passo que os estudos sobre as mulheres iniciam suas pesquisas a partir de outros conceitos sociológicos, a autora pontua que o campo das masculinidades também passa:

[...] a trabalhar o gênero inter-relacionalmente: o homem negro em relação ao homem branco, o homem de classe média em relação ao favelado e ao grande empresário, o homem nordestino e do sul e, muitas outras possibilidades de composição que surgem nas narrativas dos sujeitos (BENTO, 2006, p. 75).

Como vimos, pensar o gênero a partir da perspectiva relacional é anular o caráter universal, hegemônico e absoluto de compreender homens e mulheres, ou seja, essencializada e naturalizada. Nessa perspectiva mulheres e homens são apresentados a partir de modelos antagônicos entre si conferindo um caráter inter-relacional. Portanto, gênero na leitura relacional é apresentado como uma categoria analítica (SCOTT, 1995), ferramenta metodológica para a compreensão da construção, reprodução e mudanças das identidades de gênero (BENTO, 2006), ou seja, uma produção dos gêneros através das

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34 relações de poder existentes dentro de um mesmo gênero e fora dele. Nesse sentido, “gênero é visto como constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos ... o gênero é uma forma primária de dar significados às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 86).

Ainda que o gênero na perspectiva relacional seja atravessado por outros elementos que o constitui, as diferenças sexuais continuam sendo pensadas reforçando a proposta binária e o processo cultural de reconhecimento do “Outro”, o que leva Bento (2006) produzir uma análise crítica dessa perspectiva.

Talvez o problema resida no fato de que, ao estudar os gêneros a partir das diferenças sexuais, está se sugerindo explicitamente que todo discurso necessita do pressuposto da diferença sexual, sendo que este nível funcionaria como estágio pré-discursivo. Aqui parece que as concepções relacionais e universais tendem a encontrar-se. A cultura entraria em cena para organizar esse nível pré-discursivo para distribuir as atribuições de gênero, tomando como referência as diferenças inerentes aos corpos-sexuado. (BENTO, 2006, p. 76).

Tal formulação nos faz questionar junto com Bento (2006), o lugar reservado à sexualidade, bem como aos sujeitos que são dissidentes da ordem binária do gênero, uma vez que tanto no universal quanto no relacional, o gênero, a sexualidade e a subjetividade não foram refletidas fora de uma relação oposicional. Segundo a socióloga brasileira, são “os estudos queer que apontarão o heterossexismo das teorias feministas e possibilitarão, por um lado, a despatologização de experiências identitárias e sexuais até então interpretadas como “problemas individuais”” (BENTO, 2006, p.78).

A perspectiva nomeada como plural por Bento (2006) traz um novo movimento para problematizar os sujeitos, primeiro, porque desestabiliza a relação intrínseca entre sexo-gênero-sexualidade sob a formação das diferenças sexuais/corpo-sexuado, segundo, porque entende estas categorias como independentes. Assim sendo, dedica atenção aos sujeitos que performatizam fora do alcance das normas de gênero, corpos estes que nomeiam outras identidades perante aquelas universalizadas ao longo da história.

De acordo com Bento (2006), a perspectiva plural tem como percussora os trabalhos de Judith Butler, seus pensamentos são pautados na análise de gênero e sexualidade como categorias independentes, onde o objetivo é tornar visível e reconhecido os sujeitos que vivem às margens das normas de gênero e sexual. É nesta perspectiva que há uma junção das performances de gênero e sexuais através da percepção que ambos são

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35 produções sociais e culturais, mas que são diferentes, pois o desempenho de um destes domínios não implica na necessidade ou anulação do outro.

Como afirma Bento (2015):

Quando nascemos, já encontramos a sociedade na qual estamos inseridos com as classificações do que seja pertencente ao gênero masculino e ao gênero feminino. O gênero, neste caso, deve ser entendido como uma categoria classificatória construída socialmente. O primeiro “carimbo social” que recebemos é aquele que identifica a qual gênero pertencemos. O gênero é uma das primeiras matrizes geradoras de sentido para os atores sociais (BENTO, 2015, p. 53).

Logo, somos inseridos em um binarismo imperativo que ordena e determina que façamos uma escolha única/definitiva. Um sexo: masculino ou feminino; homossexual ou heterossexual; homem ou mulher.

Conforme Judith Butler (2003):

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo que alguém é, o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente construídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de “gênero” das interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida. (BUTLER, 2003, p.20).

Portanto, as questões que marcam o terceiro momento sobre os estudos de gênero dizem respeito aos estudos queer, baseados na instabilidade das identidades, aqui o gênero é performático e o corpo é moldado. O corpo é um texto de significantes em constante processo de transformações e construções com significados múltiplos. Segundo esta perspectiva compreende-se o corpo como um conjunto de fronteiras sociais e individuais politicamente significadas e mantidas. O sexo não é mais uma predisposição interior e da identidade, mas uma significação performática organizada, liberando o sujeito da naturalização (BENTO, 2006). Deste modo, a perspectiva plural pauta suas análises a partir da diferença entre sexualidade e gênero como categorias independentes, onde o escopo é tornar visível e reconhecível os sujeitos que vivem às margens das normas de gênero e sexual, desta forma, não há uma única matriz de gênero (BUTLER, 2003). Nesse sentido, a perspectiva plural e os estudos queer irão, segundo Bento (2006), compreender “a sexualidade como dispositivo; o caráter performativo das identidades de gênero; o

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36 alcance subversivo das performances e das sexualidades fora das normas de gênero; o corpo como um biopoder, fabricado por tecnologias precisas” (BENTO, 2006, p. 81).

Apresentar as tendências explicativas sugeridas por Bento (2006) faz com que possamos compreender como o enfretamento à violência aparece como urgência na agenda pública, visto que romper com características fixas possibilita novos rearranjos sociais para pensarmos os gêneros. Dessa forma, compreendemos que a Lei Maria da Penha ao trazer no artigo 5° a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero retira do texto a possibilidade de pensar a Lei nas perspectivas universal e relacional, sinalizando a incorporação da perspectiva plural. Isto é, o gênero é pensado a partir da identidade, logo nas múltiplas formas de tornar-se mulher. Diante disto, não é necessário nascer mulher para ser amparada pela Lei, mas sim constituir sua identidade de gênero enquanto mulher.

No entanto, são os efeitos das características do gênero essencializado e universalizado que contribuem para a condição da naturalização da violência. Vale destacar que entendemos o gênero a partir da perspectiva plural, entretanto, a violência contra o gênero feminino é apreendida relacionalmente, uma violência de dois, conforme a Lei: (ex) companheiro x (ex) companheira; (ex) companheira x (ex) companheira; pai x filha; filho x mãe, entre outros que tenham vínculo afetivo. Embora, apreendemos gênero a partir da perspectiva plural na Lei possibilitando ampliar as mulheres que são amparadas pela mesma, ou seja, mulheres não trans e mulheres trans, ao longo do texto podemos verificar como a perspectivas de universalização e características fixas permeiam a problemática da violência doméstica.

1.3. DO DOMÉSTICO AO PÚBLICO: OS ESPAÇOS E A

TERRITORIALIZAÇÃO DOS LIMITES POSSÍVEIS

Diante da historicização sobre o percurso teórico social que foi construído o gênero visto no tópico anterior, passaremos a compreender os efeitos dos discursos fixos e características “determinadas” a homens e mulheres que contribuem para entender como a violência doméstica se revela entre homens (agressores) e mulheres (em condição de violência).

A violência doméstica revela-se nas relações íntimas/conjugais, um lugar que é predominantemente o espaço privado, assim ocorre na privacidade do casal, ou seja, no

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37 lar/casa podendo atingir familiares e pessoas que lá convivem (BANDEIRA, 2013). Contudo, se desmonta a ideia romantizada do espaço doméstico/privado como lugar do afeto, amor, proteção e segurança, visto que a violência doméstica escolhe este ambiente como lugar de suas múltiplas violências, como se este fosse o lugar seguro, invisível e silenciado de cometê-la, na ideia de que o que ocorre em casa fica em casa, ou ainda em briga de marido e mulher não se mete a colher. É no privado que a violência contra a mulher, doméstica e conjugal, atinge índices alarmantes, constituindo o espaço doméstico como espaço favorável de violência contra o feminino.

A violência contra as mulheres, sobretudo, a doméstica é um mecanismo que fundamenta subordinação frente ao masculino, visto que há um sistema simbólico que hierarquiza e legitima uma ordem geral de controle sobre os corpos femininos (FEMENÍAS, ROSSI, 2009). Essa função ou ainda norma social aparece como uma “arma” cultural que condiciona os sujeitos a sistemas estruturados que cria espaços de significação e de reconhecimento. O binômio homem-mulher localiza também o polo superior-inferior e esta condição articula os espaços e territórios possíveis dos papéis sociais e sexuais.

De acordo com Maria Luisa Feminías e Paula Souza Rossi (2009) há um contraste histórico, tradicional sobre a esfera pública e a esfera privada, ressaltando que o destino dado ao público e privado reflete ao binômio homem-mulher e o polo superioridade-inferioridade, dado que o público foi construído como espaço de reconhecimento e individuação do homem, enquanto para as mulheres o privado localizava-as dentro do espaço doméstico de subordinação e sujeição ao tradicional. Com isso, o protagonismo do sujeito era evidenciado no homem equivalente ao espaço público.

Sobre a divisão do espaço público e privado Maria Berenice Dias e Thiele Lopes Reinheimer (2011) apontam que:

Ao homem sempre coube o espaço público. A mulher foi confinada ao limite do lar, com o dever de cuidado do marido e dos filhos. Isso ensejou a formação de dois mundos: um de dominação, externo, produtor; outro de submissão, interno e reprodutor. A essa distinção estão associados os papéis ideais dos homens e das mulheres. Ele provendo a família e ela cuidando do lar, cada um desempenhando a sua função. Os distintos padrões de comportamento instituídos para homens e mulheres levam à geração de um verdadeiro código de honra. A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais limitadas em suas aspirações e em seus desejos. Por isso, o tabu da virgindade, a restrição ao exercício da sexualidade e a sacralização da

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38 maternidade. Ambos os universos, ativo e passivo, distanciados, mas dependentes entre si, buscam manter a bipolaridade bem definida, sendo que ao autoritarismo corresponde o modelo de submissão. (DIAS, REINHEIMER, p.2011 195).

Dias e Reinheimer (2011) assinalam que a territorialização do doméstico/privado e público é marcada por uma divisão sexual destinada a comportamentos socialmente normatizados que destinam características que colocam a mulher na posição de passividade, em contrapartida, o homem confere estatuto de ativo pertencendo ao ambiente público.

Com Luana Passos de Souza e Dyeggo Rocha Guedes (2016) podemos acrescentar as formulações de Dias e Reinheimer (2011) que na dicotomia entre o espaço público e o espaço privado se consubstanciou a divisão social do trabalho, homens provedores e mulheres cuidadoras. Igualmente consideramos que as atribuições sociais ao mesmo ponto que limitavam a mulher no âmbito privado davam de forma “natural” o consentimento do espaço privado aos homens. Dessa maneira, pensar a divisão sexual do trabalho é pôr em evidencia os desígnios comportamentais para o que se espera de homens e de mulheres e para tanto é normatizar o lugar desses sujeitos5.

À mulher coube as características que a coloca no campo da passividade, emoção e maternal, visto que ao homem a virilidade, aventura, objetividade se alastrava como campo de força e hierarquização. Ao territorializar a mulher no campo da passividade, socialmente era imposta a ela a subalternidade e a casa como ambiente habitável. O lugar de reprodutora e de mãe também “empurra” cada vez mais esse lugar de domínio e de dominação do lar. Já, ao homem estruturalmente são associados os benefícios do espaço público que ratificam sua hierarquia, tendo em vista que ao “aventurar-se” entre os espaços, de certa maneira, compôs uma relação de poder dos homens sobre as mulheres, sobretudo, porque havia uma dependência econômica atrelada.

Desse modo, podemos considerar que a divisão sexual do trabalho historicamente colocou, prioritariamente, os homens em uma esfera produtiva e as mulheres em uma esfera reprodutiva nas quais os homens agregavam funções sociais de valor e status. Como aponta Danielè Kergoat (2003), a divisão sexual incide sobre a divisão social do trabalho em dois planos: o de separação e o de hierarquização. Separação no que diz

5 Pontuamos que os autores citados não levam em consideração as interseccionalidades. Logo, a entrada de mulheres e homens negros devem ser analisados de maneira distintas no que concerne à divisão sexual do trabalho.

Referências

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