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Duração das violências

4 (DES) CONSTRUINDO VIOLÊNCIA NO RN: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO EIXO SOCIOEDUCATIVO

4.1 DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AO FEMINICÍDIO

4.2.1. LPM: Serviço para homens

Os grupos reflexivos57 são serviço para homens (LOPES, 2016) que conotam a importância dos papéis e da política na disposição e gestão das ações para homens autores de violência doméstica a partir de debates e palestras acerca das relações de gênero e violência, “tais empreendimentos hoje encontram-se relativamente difundidos entre

55Dos 160 munícipio do Estado somente uma pequena parcela teve algum tipo de capacitação acerca da temática de gênero.

56Ao afirmamos esses instrumentos como ineficazes para o combate à violência de gênero, acima de tudo a doméstica e familiar, estamos assinalando que esses não devem ser o a única ferramenta municipal no enfrentamento da violência.

57Segundo Lopes (2016), no Brasil na década de 90 grupos não governamentais já ofereciam esse serviço para homens, porém só houve reconhecimento destes com a nova legislação.

149 outros agentes: além das ONGs, diferentes instâncias do executivo e do judiciário realizam esses serviços” (LOPES, 2016, p.7). No Rio Grande do Norte, temos o Grupo Reflexivo: por uma atitude de paz e o Reconstruindo o Self que atendem os homens da Grande Natal, esses grupos tem como incumbência acolher e discutir a problemática da violência contra a mulher, assim como, apresentar as questões de gênero que constrói homens como sujeito da violência/agressor e a mulher como agredida por meio de ações socioeducativas. E, ainda, desmontar a percepção que a Lei Maria da Penha corrobora para desigualdade entre os gêneros. Neste sentido, a ponderação proporcionada pelos grupos constitui-se a partir de questões que lhes são próprias, como construção violenta dos gêneros, masculinidade, a fim de pontuar as implicações que recai nas mulheres. Tais categorias suscitam a problematização acerca das desigualdades, papéis, direitos e relação de poder entre os gêneros. Compreendemos que os grupos reflexivos têm o papel de desmontar as categorias mencionadas anteriormente, e indicar a violência doméstica numa perspectiva relacional de gênero (BENTO, 2006).

O trabalho com homens autores de violência doméstica e familiar contra a mulher, no âmbito do Direito, é uma inovação proposta na Lei Maria da Penha como um dos mecanismos de enfrentamento à violência contra a mulher. Com caráter reflexivo/ educativo, essa ação, destinada aos homens a partir de um processo judicial, já tem sido implementada em muitas comarcas espalhadas pelo Brasil como ferramenta para promoção da proteção à mulher (LEITE, LOPES, 2013, p.22).

Leite e Lopes (2013) chamam atenção ao aferir os grupos reflexivos para homens no contexto da violência doméstica como inovador, pois para os autores, o caráter reflexivo/educativo constitui-se como mais um mecanismo de proteção e prevenção no enfrentamento da violência contra a mulher. Sendo assim, concordamos com os autores ao pontuarem que para a política de combate à violência de gênero contra a mulher seja efetiva em sua aplicabilidade precisa ser concebida a partir do aspecto reflexivo/educativo, sobretudo, dos três eixos norteados pela Lei Maria da Penha, punição; proteção e assistência; e prevenção e educação, ou seja, uma combinação e equilíbrio dessas medidas (LEITE, LOPES, 2013). Nessa direção, apresentamos os Grupos Reflexivos de Natal e Parnamirim, uma vez que se alinham as perspectivas apresentadas.

O Grupo Reflexivo: por uma atitude de paz é um equipamento vinculado ao NAMVID através do Ministério Público do Rio Grande do Norte, que vem

150 desenvolvendo desde 2012 ações para homens autores de violência doméstica. Conforme José Rafael Dantas (2017), o grupo já atendeu desde sua implementação cerca de 300 homens distribuídos em 26 grupos. O autor chama atenção para as questões que são trabalhadas no grupo, entendendo que essas giram em torno das questões de gênero. Nesse sentido, o Projeto Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz (MPRN, 2011b) acredita que é necessário ampliar o atendimento para além da mulher em situação de violência.

Necessário estendê-lo ao acusado, as crianças e adolescentes envolvidas, nesses conflitos, enfim, a toda família. Afinal, não adianta só institucionalizar o indivíduo acusado, se não existir no sistema prisional ações ou políticas que promovam a conscientização do mesmo em prol de uma mudança de atitude em frente a suas vítimas e suas atitudes enquanto sujeito social. Logo, o fato do indivíduo estar recluso não garantirá o rompimento do ciclo da violência, uma vez que toda situação familiar e histórica permanecerá a mesma após o cumprimento da pena (MPRN, 2011b, s/p).

O texto acima sinaliza a acepção de uma perspectiva socioeducativa no enfrentamento da violência, ou seja, a promoção de ações pedagógicas para a ruptura das violências aferidas do masculino sob o feminino. Diante disto, o documento escrito pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, entende que a implementação de Grupo Reflexivo é um mecanismo que possibilita uma ação voltada para homens autores de violência, no mais, pensa-se essa ação a partir de desconstruções (gênero, estereótipos, feminilidades e masculinidades, relação de poder). Ainda de acordo com MPRN (2011b), o projeto tem por finalidade estimular, nos homens autores de violência, reflexão sobre as suas atitudes/agressões; problematizar a Lei Maria da Penha no contexto de violência doméstica na promoção de igualdade; promover alternativas diante de situações de estresse e, a criação de um espaço compartilhado de escuta. Assim sendo, o projeto de implementação de grupo reflexivo no Estado dialoga com a Lei Maria da Penha, os artigos 35º e 45º, visto que a Lei sinaliza este como uma ferramenta legal para desconstrução da violência entre os gêneros. Para tanto, se faz necessário uma abordagem psicosocioeducativa que visibilize e promova a ruptura de conceitos engendrados e impostos sócio historicamente. O texto do projeto sinaliza tal abordagem, compreendendo o caráter psicosocioeducativo como princípio de intervenção para proporcionar aos homens autores de violência doméstica o processo de responsabilidade de suas atitudes,

151 assim como a compreensão de fatores históricos, culturais e sociais na construção do masculino como sujeito da violência.

Ressaltamos que o grupo atende às demandas dos juizados de violência doméstica dos munícipios de Natal, Parnamirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante. Os grupos são formados por 10 homens autores de violência doméstica sob assistência da coordenadora do projeto, psicóloga e assistente social. A frequência é semanal e consiste em 10 encontros que debate tais temas:

1º encontro: Apresentação pessoal através de dinâmica de grupo.

Esclarecimento de dúvidas e estabelecimento de regras de convivência. A importância do sigilo. Saber da expectativa do grupo e da importância dos encontros. Apresentação e discussão do filme Acorda Raimundo, Acorda! Reflexão sobre papéis familiares58e conflitos de convivência. 2º encontro: Introdução as discussões de gênero. Dinâmica sobre o que

é ser homem e mulher. Questões biológicas/sociais/históricas e culturais. Reflexões sobre violência.

3º encontro: O papel da comunicação e a solução de conflitos a partir

do diálogo. Trabalho motivacional. Convivência familiar: Como é percebida a dinâmica familiar e a importância da comunicação.

4º encontro: identificação do comportamento agressivo – Prevenindo

a violência e como ter o controle da raiva.

5º encontro: Considerações sobre Direitos humanos. O conceito de

direito e suas interfaces.

6º encontro: História da Lei Maria da Penha e a sua execução.

Momento de tirar dúvidas sobre questões jurídicas e legais.

7º encontro: Uso abusivo de álcool e outras drogas. Conceito de

dependência química. Conhecendo as drogas no organismo: como prevenir, identificar e tratar.

8º encontro: Saúde do homem: sexualidade, doenças sexualmente

transmissíveis e comportamentos de risco. Identificação da violência sexual.

9º encontro: Avaliação geral da equipe e participantes. Verificação da

situação familiar e expectativas pós-grupo.

10º encontro: encerramento com momento motivacional (MPRN,

2011, s/p).

Os pontos elencados acima reforçam a natureza da perspectiva adotada para dialogar com autores de violência doméstica, dessa forma, gênero aparece como categoria basilar no processo de (des)construção da violência baseada no gênero. Deste modo, podemos observar que conforme o texto do projeto tais categorias são acionadas em consonância com visitas institucionais realizadas pela rede de atendimento as mulheres em situação de violência doméstica e familiar, na qual foi verificado a partir dos discursos das mulheres que não existia nenhuma intervenções/ação voltada para os autores de

152 violência no estado do Rio Grande do Norte, principalmente, na desconstrução da naturalização da violência como inerente ou condicionada ao masculino (MPRN, 2011b), isto quer dizer que, a implementação de grupo reflexivo como serviço para homens (LOPES, 2016) possibilita a estes sujeitos problematizar e refletir a violência a partir da construção violenta dos gêneros.

Vale ressaltar ainda que o Grupo de Reflexivo: por uma atitude de paz apesar de receber homens autores da violência doméstica e familiar trava uma discussão para além de uma apresentação da Lei Maria da Penha, como vimos anteriormente elencado nos 10 encontros. E, ainda é importante apontar que não cabe aqui defender nem muito menos condenar esses homens, mas sim apresentar dispositivos que discuta o gênero como categoria socioeducativa para romper uma vida de violência. Nesse sentido, indicamos que a construção de gênero constrói sujeitos femininos e masculinos de forma violenta. Logo, a discussão acerca da violência baseada no gênero, nesse caso para homens autores de violência doméstica, sob processo judicial da Lei Maria da Penha, corrobora para que estes sujeitos construam novas reflexões. O serviço para homens (LOPES, 2016), por meio de grupos reflexivos, chama atenção para um campo emergente no requerimento de mecanismos para homens autores de violência doméstica (DANTAS, 2017).

É importante reiterar que está sendo ampliado a outros municípios do estado, como Parnamirim, São Gonçalo e Macaíba o grupos reflexivos. A efetivação dos Grupos fica sob a responsabilidade dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). O NAMVID, além do grupo reflexivo foi apresentado em 2014, o projeto Violência de gênero: um diálogo possível nas escolas que percorreu escolas municipais de Natal das quatro regiões (norte, sul, leste e oeste) do ensino fundamental. A dinâmica adotada foi apresentação de palestra e uma peça teatral.

De acordo com a Promotora de Justiça Érica Canuto, Coordenadora do NAMVID e também do projeto, a ideia é trabalhar a temática dentro da escola, devido a algumas violências de gênero começar no próprio ambiente educativo. “Temos que aproveitar o espaço em favor de sua própria ação educativa na desconstrução de desigualdade de gêneros e prevenção da violência”, declarou (MPRN, 2014)59.

59Entrevista da coordenadora do NAMVID ao site do MPRN. Ver: http://www.mprn.mp.br/portal/inicio/noticias/6281-6281-namvid-inicia-projeto-de-prevencao-a-

153 O projeto possibilitou a problematização da discussão da violência de gênero nas escolas municipais da cidade de Natal, e configura-se como pioneiro para o projeto Maria da Penha vai à Escola. A recepção do projeto serviu como pressuposto para implementação do que veio em seguida60. No mais, esses projetos aludem à prevenção das violências baseadas no gênero. Por conseguinte, afirmamos mais uma vez neste trabalho que para visualizar uma mudança efetiva no processo de construção da violência baseada no gênero é fundamental que se pense esse tipo de violência, primordialmente, a partir da perspectiva socioeducativa, ou seja, a perspectiva punitiva não deve ser compreendida como primeira resposta da violência baseada no gênero.

Assim como o Grupo Reflexivo de Homens: por uma atitude de paz que atende a Grande Natal, temos o Reconstruindo o Self, vinculado ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Parnamirim (CREAS), em parceria com o Ministério Público-RN, que desenvolve ações com perspectivas pedagógicas no município de Parnamirim, região metropolitana do estado potiguar. O projeto tem como premissa a reeducação de homens autores de violência doméstica, o que faz compreendê- lo como um grupo reflexivo. Ademais, cada município é responsável por inclusão de políticas, programas e projetos que atendam a demanda da violência contra a mulher. Assim sendo, o Creas e o Cras configuram-se como equipamentos que podem subsidiar a ausência de aparelhos específicos no combate à violência de gênero. O Reconstruindo o Self trabalha a partir da perspectiva socioeducativa com a intenção de fazer que os homens no contexto da violência (re) pensem as relações de gênero. Nessa direção, segundo o juiz do Juizado de Violência Doméstica, Familiar e contra a Mulher- Parnamirim, Deyvis de Oliveira Marques61 o projeto objetiva romper com o ciclo da violência por meio de ações educativas, de acordo com o juiz aproximadamente 180 homens passaram pelo serviço.

Como já sinalizado, os serviços para homens autores de violência doméstica e familiar é algo recente, uma recomendação da Lei 11.340/06, a partir dos artigos 35º e 45º. Retomamos o artigo 45°, parágrafo único, que aduz que o juiz pode designar para o

60 Lembramos que em 2013 o Núcleo Tirésias-UFRN, ofereceu um curso de capacitação para os professores do município de Natal em parceria com a Prefeitura de Natal. O curso consistiu em 04 encontros aos sábados, o qual discutia gênero e sexualidade. Inicialmente, o curso seria apenas para professores/as do município, mas devido à demanda teve uma segunda turma aberta. Vale destacar que o Tirésias percorreu algumas escolas da cidade de Natal para palestrar com os alunos, a demanda veio a partir dos/as professores/as que participaram do curso.

61 Ver: http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/10840-juizado-da-violencia-contra-a-

154 agressor comparecimento obrigatório em programas de reeducação (BRASIL, 2006). Em outras palavras, ao encaminhar esses sujeitos para grupos reflexivos, há possibilidade que com esses programas haja uma ruptura do processo construído socialmente e historicamente em torno das relações de gênero, tendo em vista que os grupos reflexivos, Reconstruindo o Self e o Grupo Reflexivo para Homens: por uma vida de paz, têm caráter preventivo, pois entendemos que este serviço pode “desmontar” os homens autores de violência por meio de uma (re)educação. Logo, a não reincidência de práticas violentas contra a mulher, no entanto, cremos que o número de 10 encontros é apenas o ponto de partida no processo de desconstrução desses sujeitos.

A experiência reflexiva orientada sob uma perspectiva feminista procurará, no caso destes grupos, incorporar o(s) relato(s) de violência(s), outros aspectos da vida conjugal e familiar dos sujeitos, bem como diversos elementos da vida, com intuito de, partido dessa matéria-prima e em constante diálogo dos participantes entre si e destes com os facilitadores, possibilitar a emergência de (re)leituras que conduzam os próprios homens a melhor se compreenderem no interior das relações que estabelecem e, ao mesmo tempo, tornar conhecidas e possíveis diversos outros modos de relações pessoais não violentas, modos de resolução e mediação de conflitos que não impliquem recurso às diversas formas de violência. Esse elemento reflexivo e prático, em certo sentido, instrumental, confere a esses serviços uma conotação específica quando conjugado ao adjetivo “educativo”. Por educativo, neste caso, não nos referimos a uma mera questão conteudística, preocupada em transmissão de determinados domínios/linguagens definidos como universalmente válidos e inquestionáveis. Mais próximo das reflexões de Paulo Freire, postula-se uma experiência pedagógica que, baseada no reconhecimento dos saberes e nas referências dos sujeitos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem, não só dos participantes, mas também da equipe de profissionais que com eles atua, construa-se um conhecimento que, ao mesmo tempo produzido como saber, produza-se também como prática e, neste processo, conduza a novas experiências de libertação, autonomia e outras formas de edificação de si e, deste modo, de relação com o outro (LEITE, LOPES, 2013, p. 28).

Os autores sugerem que as intervenções com homens autores de violência devem- se dar a partir da perspectiva feminista, já que a concepção da violência por esta perspectiva elabora a compreensão das relações de poder e dominação masculina. Para tanto, dar voz às mulheres em situação de violência, ou seja, transformar as vozes silenciadas em barulho. Ademais, Leite e Lopes (2013) ponderam através de Paulo Freire o processo de ensino-aprendizagem nos grupos reflexivos, assinalando que estes devem adotar uma acepção pedagógica de compartilhar e trocar saberes. Isto é, criar possibilidades que o agressor “seja o agente de uma reflexão transformadora, tendo as

155 dinâmicas relativas aos gêneros e às violências como elementos que cruzam todo o processo”, (LEITE, LOPES, 2013, p. 28), para que a partir disto, desenvolva-se e potencializem-se relações que não terminem em violências, independentemente das relações de gênero. Diante do exposto, é importante ressaltar que a Lei Maria da Penha não ordenava a criação de espaços de (re) educação para os agressores, mas sim sinalizava a possibilidade destes. Nesse sentido, podemos observar que a não obrigatoriedade deste serviço pode ser a resposta da ausência do mesmo nos municípios norte rio-grandense. É a partir da iniciativa do MPRN em 2016 com o grupo reflexivo que o Senado Federal aprova a alteração da LMP, tornando obrigatória aos homens autores de violências passarem por reabilitação em centros de educação62.