Reflexões sobre a qualidade do diagnóstico
da leishmaniose visceral canina em inquéritos
epidemiológicos: o caso da epidemia de Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1993-1997
Quality of diagnosis of canine visceral leishmaniasis
in epidemiological surveys: an epidemic
in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil, 1993-1997
1 Pro g rama de Tre i n a m e n t o em Epidemiologia Ap l i c a d a aos Se rviços do SUS, Ministério da Saúde, Bra s í l i a , Bra s i l . 2 De p a rtamento de Ve t e r i n á r i a , Un i ve r s i d a d e Fe d e ral de Vi ç o s a , Vi ç o s a , Bra s i l .
C o r re s p o n d ê n c i a Paula Dias Be v i l a c q u a De p a rtamento de Ve t e r i n á r i a , Un i ve r s i d a d e Fe d e ral de Vi ç o s a . Av. P. H . Rolfs s/n, Campus UFV, Vi ç o s a , MG 3 6 5 7 0 - 0 0 0 , Bra s i l . p a u l a @ m a i l . u f v. b r
Waneska Al ex a n d re Al ves 1 Paula Dias Bevilacqua 2
A b s t r a c t
In Bra z i l , v i s c e ral leishmaniasis poses a seri-ous endemic and epidemic pro b l e m . In re c e n t years the disease has spread to seve ral St a t e s that had not previously re p o rted any human or animal cases. For canine surve y s , the Mi n-i s t ry of Health currently recommends use of the indirect immunofluorescence assay (IIF), with a sensitivity of 90-100% and specificity of 8 0 % . Use of IIF may decrease the effective n e s s of the Kala Azar Control Pro g ram by not de-t e c de-t i n g , and de-thus failing de-to sacrifice, f a l s e - n e g-a t i ve infected g-animg-als. On the other hg-and, t h e p ro g ram incorrectly identifies and leads to the u n w a r ranted sacrifice of false-positive unin-fected animals. Such uncertainties have al-ready led to disagreement over the Pro g ra m’s o b j e c t i ve s , such as the recommendation by some veterinarians that infected animals be t re a t e d . This work analyzes the quality of di-agnosis of canine epidemic surveys against the b a c k d rop of a visceral leishmaniasis epidemic in Belo Ho r i zo n t e , Minas Ge rais St a t e , f ro m 1993 to 1997.
Vi s c e ral Leishmaniasis; Di a g n o s i s ; Do g s
I n t ro d u ç ã o
A leishmaniose visceral (LV) é uma doença gra-ve, atingindo cri a n ç a s, adultos jovens ou pes-soas imunodeprimidas e, quando não tra t a d a , pode apresentar letalidade de 95%. Em cães, s e u p rincipal re s e rva t ó rio doméstico, há uma pre-valência significativa, sendo que muitos casos são assintomáticos ou oligossintomáticos 1 , 2 , 3.
Os diagnósticos humano e canino pre c o c e s se fazem necessários por se tratar de uma d o e n-ça que pode ser fatal para o ser humano, e por ser necessária a adoção de medidas de contro-le específicas sobre o re s e rva t ó rio doméstico da doença, incluindo seu sacrifício quando es-te se encontra infectado.
Leishmaniose visceral: zoonose
de caráter re e m e rgente e emerg e n t e
In i c i a l m e n t e, a LV foi descrita como uma doen-ça esporádica, do ambiente silve s t re ou ru ra l , atingindo indiferentemente seres humanos ou cães que vivessem em contato íntimo com a mata 4; posteri o rmente foi cara c t e rizada como de ocorrência endêmica, com surtos epidêmi-cos esporádiepidêmi-cos, em zonas de “ b o q u e i r ã o” de á reas ru rais do No rdeste bra s i l e i ro 5.
apre-sentando incidência crescente nos últimos a n o s nas áreas onde ocorria tradicionalmente; ex-pansão geográfica para os estados mais ao sul do país e também um franco processo de urba-nização em cidades localizadas em regiões dis-t i n dis-t a s, como o No rdesdis-te e o Su d e s dis-t e. Cidades como: Boa Vista e Santarém (Região No rte); Te-rezina, São Luiz, Natal e Aracaju (Região No r-deste); Montes Claro s, Belo Ho ri zo n t e, Ara ç u a í , Sabará, Pe rdões e Rio de Ja n e i ro (Região Su d e s-te) e Cuiabá (Região Ce n t ro - Oess-te) já vive n c i a-ram ou vivenciam, re c e n t e m e n t e, epidemias de LV humana e canina 6 , 7 , 8 , 9 , 1 0 , 1 1.
Crescem também, o número de casos de in-fecção concomitante por HIV (vírus da imuno-deficiência humana) e L e i sh m an i a, faze n d o com que a co-infecção entre HIV-L e i sh m an i a
seja considerada como doença infecciosa e m e r-g e n t e. A manifestação clínica mais fre q ü e n t e na co-infecção é a LV, apesar de que várias for-mas cutâneas da doença também já foram des-c ri t a s. Este quadro é bastante signifides-cativo nos países do sul europeu, onde mais de 70% dos casos de LV em adultos estão relacionados com HIV/AIDS e 9% de todos os pacientes com A I D S s o f rem de LV re c é m - a d q u i rida ou que foi re a t i-vada de uma infecção antiga 1 2.
A sobreposição das áreas geográficas de ocorrência de leishmanioses e HIV/AIDS tem sido recentemente acentuada pelo processo de urbanização vivenciado pela pri m e i ra e pela ru-ralização da segunda. O significado epidemio-lógico desta expansão simultânea, demostra d o por vários estudos, reside no fato de que os pa-cientes com HIV/AIDS, que vivem em áreas en-dêmicas de leishmanioses, apresentam maior risco de manifestá-las e que a co-infecção en-t re HIV-L e i sh m an i aa c e l e ra o curso clínico da infecção por HIV 1 2 , 1 3. Dessa forma, as leish m a-nioses têm ganhado importância como infec-ção oportunística entre pacientes com infecç ã o por HIV que vivem ou vive ram em áreas consi-d e raconsi-das enconsi-dêmicas para essas para s i t o s e s.
O diagnóstico e sua história
Até a década de 30, o diagnóstico humano e os i n q u é ritos caninos eram realizados por meio dos exames diretos como a punção de fígado, de baço e o raspado de pele. Esses exames são s e g u ros quanto à positividade dos casos, mas não eficazes para realizar uma cobert u ra total dos animais positivos 1 4.
O exame soro l ó g i c o, realizado pela re a ç ã o de fixação do complemento (RFC), foi utilizado pela pri m e i ra vez, para diagnosticar a LV hu-mana, em 1938. Em 1957, pesquisadores bra s
i-l e i ros descre ve ram a RFC para inquéritos cani-n o s, com acani-ntígecani-no extraído do bacilo da tuber-c u l o s e, tuber-contuber-cluindo que, esta tétuber-cnituber-ca possuía sensibilidade e especificidade melhores que os exames dire t o s. Com a demonstração da possi-bilidade de aplicação da RFC em eluatos de sangue colhidos em papel de filtro, essa técni-ca tornou-se largamente difundida 1 5, com a vantagem sobre os demais métodos soro l ó g i-cos de não apresentar reações cruzadas com o u t ras enferm i d a d e s, mesmo quando se utili-zam antígenos heterólogos 1 6 , 1 7 , 1 8 , 1 9 , 2 0.
Co n t u d o, reações cruzadas em títulos bai-xos com a doença de Chagas e a leishmaniose tegumentar americana (LTA) podem ocorre r. Nos casos de LV, comumente são observados tí-tulos elevados de anticorpos no soro, gera lm e n-te superi o res a 1:80, sendo que títulos inferi o-res a esse necessitam de confirmação por ou-t ras meou-todologias 3.
A reação de imunofluorescência indire t a (RIFI), utilizada a partir da década de 60 3, de-m o n s t ra sensibilidade que va ria de 90 a 100% e especificidade aproximada de 80% para amos-t ras de soro 2 1 , 2 2. A especificidade desse teste é p rejudicada devido à presença de reações cru-zadas com doenças causadas por outros tri p a-n o s s o m a t í d e o s, como o da doea-nça de Chagas e os da LTA 2 1 , 2 3. A utilização de formas amasti-gotas de L . (L.) donovani c omo antígeno nas RIFI aumenta significativamente a sensibilida-d e, sem persensibilida-der a especificisensibilida-dasensibilida-de sensibilida-do teste, re s u l-tando numa maior precocidade do diagnóstico f rente a animais assintomáticos ou oligossin-tomáticos 2 4.
A necessidade de uma técnica com alta sensibilidade e especificidade fez surg i r, a par-tir da década de 70, muitos estudos avaliando e a p ri m o rando o ELISA-padrão, assim como, as d i versas va riações de ELISA: Dot-ELISA, fucose manose ligant-ELISA ou FML-ELISA, bov i n e s u b m a x i l l a ry mucin-ELISA ou BSM-ELISA, Fast-ELISA, micro ELISA, entre outras 1 7 , 1 8 , 2 5 , 2 6 , 2 7 , 2 8 , 2 9 , 3 0. A utilização de antígenos re c o m b i-nantes ou purificados como as glicopro t e í n a s de membranas gp63, gp72, gp70 e rK39 especí-ficas do gênero L e i sh m an i a, melhoram a sensi-bilidade e a especificidade da técnica. En t re-t a n re-t o, reações cruzadas com enfermidades c a u-sadas por outros tripanossomatídeos podem ainda ocorrer 2 1 , 3 1 , 3 2 , 3 3.
s e n s í vel e específico como o ELISA 2 2 , 3 5. A g ra n-de vantagem n-desse teste está na sua simplicid a-de e baixo custo, quando comparado aos outros. A perf o rmance dos testes diagnósticos uti-lizados atualmente é, em muito, limitada pelo antígeno utilizado na técnica. De uma form a g e ral, são utilizados parasitos totais ou lisados, o que interf e re na expressão da especificidade do teste, não alcançando este o valor de 100% 3 6. A identificação de antígenos dominantes, que se cara c t e rizam por induzir a formação de anticorpos específicos detectáveis nos testes s o ro l ó g i c o s, tem contribuído para melhorar os testes diagnósticos. O mais potente e pro m i s-sor antígeno s-soro l ó g i c o, o rk39 clonado de L . c h a g a s i, possui epítopos de alta densidade. A p roteína A conjugada com ouro coloidal, como sistema de detecção deste antígeno, perm i t e uma ligação com o anticorpo específico em se-gundos e a totalidade do teste pode ser com-pletada entre 1-10 minutos. Este método, o TRALd, vem sendo testado no Brasil 3 6.
Re c e n t e m e n t e, desenvo l veu-se a técnica de PCR (reação em cadeia polimerase), que é a mais específica e sensível. Com essa técnica é p o s s í vel identificar e ampliar seletivamente o DNA do cineplasto do parasita. In f e l i z m e n t e, suas limitações para uso em inquéritos epide-miológicos se baseiam no custo, disponibilida-de disponibilida-de re a g e n t e s, equipamentos e pouca adap-tabilidade do método ao campo 3 6.
Apesar da grande va riedade de testes já de-s e n vo l v i d o de-s, de-seja no pade-sde-sado, de-seja maide-s re c e n-t e m e n n-t e, a RIFI ainda é o n-tesn-te de eleição para ser utilizado em inquéritos epidemiológicos por reunir uma série de vantagens como: ser de fácil execução, rápido, bara t o, apresenta ade-quadas sensibilidade e especificidade, quando c o m p a rado com outras técnicas.
Aspectos relacionados ao controle
da leishmaniose visceral
As campanhas de controle para a LV no Bra s i l t i ve ram seu início na década dos anos 50, sen-do os Estasen-dos sen-do Ceará e de Minas Ge rais os p rincipais alvos das atividades planejadas e de-s e n vo l v i d a de-s. En t re t a n t o, durante a década de 60, as ações foram interrompidas e apenas em 1982, o pro g rama foi re t o m a d o, quando a ex-tinta Su p e rintendência de Co n t role de En d e-mias (SUCAM) detectou um aumento do nú-m e ro de casos de LV no Brasil 1 1 , 3 7.
At u a l m e n t e, o Mi n i s t é rio da Saúde (MS), por intermédio da FUNASA (Fundação Na c i o-nal de Saúde) e de Se c re t a rias Estaduais e Mu-nicipais de Sa ú d e, realiza o Pro g rama de Co
n-t role da LV cenn-trado nas seguinn-tes medidas: d iminuir a densidade populacional do ve t o r, identificação e eliminação dos cães infectados e identificação e tratamento das pessoas doen-tes 1 0 , 3 8.
O teste diagnóstico recomendado pelo MS p a ra ser utilizado nos inquéritos caninos é a RIFI. A despeito das reconhecidas va n t a g e n s a p resentadas por esta técnica, como facilidade na execução, ra p i d ez na emissão de re s u l t a d o s e baixo custo, alguns problemas existem com relação à sua pre c i s ã o, expressos numa sensi-bilidade que va ria de 90-100% e numa especifi-cidade de 80% para amostras de soro 2 1 , 2 2 , 3 8.
A epidemia de LV humana e canina vive n-ciada em Belo Ho ri zo n t e, Minas Ge ra i s, re p re-senta uma situação interessante a ser exempli-ficada, por ter suscitado uma série de debates, por parte dos clínicos ve t e ri n á rios de peque-nos animais, com relação à validade do teste diagnóstico RIFI, utilizado pela Se c re t a ria Mu-nicipal de Saúde de Belo Ho ri zonte (SMS-BH).
Segundo esses pro f i s s i o n a i s, o teste estari a identificando grande número de animais falsos p o s i t i vos e, sendo assim, não seria o mais es-pecífico para o diagnóstico da LV, pois poderi a a p resentar reação cruzada com outras enfer-m i d a d e s, coenfer-mo a LTA ou a doença de Chagas. Essas incert ezas gera ram atitudes como a não indicação do sacrifício de animais positivo s, a o rientação para que os pro p ri e t á rios re t i ra ss e m os cães positivos do município e inclusive, a re-comendação de tratamento desses animais 3 9.
Du rante o período de 1993 a 1997, fora m realizadas pesquisas sorológicas para detecção de animais positivo s, como parte das ações do p ro g rama de controle desenvolvido pela pre-f e i t u ra. Nesse período, de um total de 415.683 cães examinados, 15.117 foram identificados como positivo s. Co n s i d e rando a pre va l ê n c i a ve rificada no período acima (3,64%), os va l o re s p re d i t i vos positivo e negativo da RIFI são, re s-p e c t i va m e n t e, 14,5% e 99,5%, calculados con-f o rme So a res & Si q u e i ra 4 0. Ve rificamos que dos 400.566 animais diagnosticados como negati-vo s, 2.003 seriam, na ve rd a d e, falsos negatinegati-vo s e dentre os 15.117 positivo s, 12.925 seriam fal-sos positivo s. De fato, corro b o rando as suspei-tas levantadas pelos clínicos ve t e ri n á rios de pequenos animais.
ele-vado (99,5%), tanto pelo fato da sensibilidade da RIFI ser alta (90-100%) como pelo fato da p re valência da doença canina ser baixa ( 3 , 6 4 % ) . O oposto é ve rificado para o valor pre d i t i vo po-s i t i vo, cujo valor de 14,5% pode po-ser explicado pela menor especificidade da RIFI (80%) e tam-bém pelo fato da pre valência da LV canina ser baixa em Belo Ho ri zo n t e.
Nesse contexto, podemos afirmar que exis-te uma elevada confiança no resultado negati-vo de um animal, não sendo ve rdade tal asser-t i va para um cão que apresenasser-te exame com re-sultado positivo para LV pela RIFI. Como im-plicações práticas nas atividades de contro l e da LV canina na capital mineira, o pro g rama s a-c rifia-cou 12.924 animais falsos positivos e deixo u de sacrificar 2.003 animais falsos negativo s.
Os números acima chamam a atenção pela d i f e rença, entre t a n t o, não podemos deixar de examiná-los à luz do fato de que a LV é uma zoonose e, associada à epidemia canina, a Ci-dade de Belo Ho ri zonte também vivenciou u m a epidemia humana, com 169 casos diagnostica-dos no período de 1994 a 1997 e 17 óbitos, sen-do que ambos os eventos ainda acometem o município 1 0 , 3 9 , 4 1.
A questão que se coloca frente à situação de sacrifício de animais falsos positivos é a necessi-dade de apri m o ramento das técnicas diagnósti-c a s, prindiagnósti-cipalmente no que diagnósti-condiagnósti-cerne à espediagnósti-cifi- especifi-cidade do teste utilizado para detecção do reser-va t ó rio animal, uma vez que essa pro p ri e d a d e i n t e rf e re no valor pre d i t i vo positivo do teste. De f a t o, a história demonstra a preocupação dos p e s q u i s a d o res com essa questão, como o tra-balho desenvolvido por Si l va 3 6com antígenos mais específicos ou mesmo a aplicação da téc-nica do PCR para o diagnóstico da LV canina.
En t re t a n t o, mesmo a utilização de técnicas mais sensíveis e específicas ainda apre s e n t a ri a resultados falsos positivo s, no contexto da epi-demia de Belo Ho ri zo n t e, ou de qualquer outra á rea que conviva com va l o res baixos de pre va-lência da doença.
A identificação e sacrifício do cão são ativi-dades preconizadas pelo MS para o controle da LV humana. Essa recomendação está re s p a l d a-da, dentre outra s, na consideração de que o c ã o é um importante re s e rva t ó rio da doença para o ser humano e na demonstração de que a doen-ça canina precede a doendoen-ça humana, sendo a p ri m e i ra um dos re s p o n s á veis pelo avanço tan-to espacial como temporal da segunda. Na epi-demia de LV em Belo Ho ri zo n t e, essa associa-ção foi muito bem demonstrada no trabalho de Ol i ve i ra et al. 4 2.
Nesse contexto, para que as ações de con-t role da doença humana sejam efecon-tivas e
al-cancem resultado adequado, é inevitável o sa-c rifísa-cio de animais falsos positivo s. A sa-crítisa-ca ou insatisfação geradas com o sacrifício de ani-mais assim cara c t e rizados pode ser minimiza-da se considera rmos que a menor especificiminimiza-da- especificida-de da RIFI é especificida-devida, em part e, à existência especificida-de reações cruzadas com doenças causadas por o u t ros tri p a n o s s o m a t í d e o s, como a doença de Chagas e a LTA, ou seja, os animais falsos posi-t i vos para LV, podem ser, por seu posi-turn o, posiposi-ti- positi-vos para essas enferm i d a d e s. Da mesma form a que para a LV canina, o sacrifício do cão positi-vo para doença de Chagas e LTA também é re-comendado por não existir tratamento eficaz e o animal também constituir importante re s e r-va t ó rio dessas doenças para o ser humano.
Apesar de ser esse o aspecto privilegiado na contestação das ações de controle da LV huma-na desenvolvidas pela pre f e i t u ra de Belo Ho ri-zo n t e, a existência de animais falsos negativo s é um problema que também chama a atenção. Co n s i d e rando o valor pre d i t i vo negativo da RIF I , mesmo atingindo valor elevado como 99,5%, no período de 1993 a 1997, foram detectados 2.003 animais falsos negativos e que, assim, n ã o f o ram sacri f i c a d o s. Não se pode deixar de con-s i d e rar que a permanência decon-scon-secon-s animaicon-s no ambiente epidêmico pode certamente ter c o m-p rometido a eficácia do m-pro g rama de contro l e da LV em Belo Ho ri zo n t e, contribuindo para a manutenção de focos da doença e, conseqüen-t e m e n conseqüen-t e, fonconseqüen-tes de infecção para pessoas e ou-t ros cães.
C o m e n t á r i o s
Os dados re l a t i vos à morbidade da LVA no país não são pre c i s o s, o que dificulta as estra t é g i a s de controle a serem adotadas nas regiões onde a doença ocorre. In q u é ritos epidemiológicos baseados no diagnóstico labora t o rial, em po-pulações humanas e caninas sob risco de t ra n s-m i s s ã o, são necessários para avaliar a extensão do problema. Os profissionais e pesquisadore s se esbarram na escolha de um método apro-priado, simples, sensível e específico, que poss i-bilite o diagnóstico não apenas dos casos ava n-ç a d o s, mas também dos iniciais, oligossinto-mático e assintooligossinto-máticos.
conhe-cimento da distribuição geográfica, cientistas vêm desenvolvendo técnicas cada vez mais s e n-s í ve i n-s, en-specífican-s e de fácil execução.
O b s e rva - s e, apenas re c e n t e m e n t e, o pro-g resso e aperfeiçoamento de técnicas para o diagnóstico da LV humana e canina como ob-jeto de interesse de pesquisas nacionais e in-t e rn a c i o n a i s. O que dive rge da consin-tain-tação de que os indicadores de morbi-mortalidade des-se agra vo são indubitavelmente alarmantes em nosso meio e em outros países em desenvo l v i-mento já há muitas décadas.
A avaliação dos va l o res pre d i t i vos é um ra-ciocínio elaborado pelo clínico, notadamente quando se considera a recomendação de tra t a-mentos que possam re p resentar altos inve s t i-mentos ou riscos à saúde.
No caso da LV canina, zoonose com re p e r-cussão considerável na saúde humana, os va-l o res pre d i t i vos dos testes teriam um pequeno s i g n i f i c a d o, uma vez que não há tra t a m e n t o eficaz contra a doença, sendo considerada in-c u r á vel até o momento.
Os indicadores de sensibilidade e especifi-cidade de um teste devem ser, por sua vez, ana-lisados atentamente quando da escolha de um teste diagnóstico para ser utilizado num pro-g rama de controle de qualquer enferm i d a d e.
Pa ra a LV canina, um teste que apre s e n t e e l e vada sensibilidade deve ser pre f e rido para os inquéritos epidemiológicos. Esta medida vi-sa a obter uma menor taxa de cães falsos nega-t i vo s. A alnega-ta sensibilidade evinega-taria que animais p o s i t i vos não permanecessem como fontes de infecção para o vetor e desse para o ser huma-no e outros animais.
O indicador especificidade deve também ser observado e ser, pre f e re n c i a l m e n t e, o mais e l e vado possível. En t re t a n t o, a existência de animais falsos positivo s, para a eficiência de um pro g rama de contro l e, é menos pro b l e m á-tica, podendo-se recomendar para os inquéri-tos caninos testes com especificidade menor, quando comparada com a sensibilidade.
A RIFI, teste indicado pelo MS para leva n-tamentos epidemiológicos e diagnósticos da LV canina, reúne essas características: va l o res ele-vados de sensibilidade (90-100%) e va l o res me-n o res de especificidade (80%) para amostras de s o ro. Adicionalmente é conhecido que a iden-tificação de indivíduos falsos positivos pela RI-FI se deve a reações cruzadas entre LV e duas o u t ras importantes zoonoses: LTA e doença de C h a g a s.
Esse fato pode ser inconveniente quando os objetivos são os levantamentos epidemioló-gicos e o conhecimento da distribuição espa-cial da LV, da LTA ou da doença de Chagas nos re s e rva t ó rios caninos, já que as áreas de conc o-mitância dessas doenças são comuns em nos-so país.
Por outro lado, as falhas de especificidade das técnicas são minimizadas pois as três zo o-n o s e s, eo-ndêmicas o-no Brasil, apreseo-ntam a es-pécie canina como re s e rva t ó rios do parasita e fontes de infecção para o ser humano e outro s a n i m a i s, não havendo tratamento eficiente pa-ra as enfermidades caninas. Po rt a n t o, faz-se n e c e s s á rio a conseqüente eliminação (sacri f í-cio) dos animais infectados para se alcançar re-sultados efetivos nas ações de controle re l a c i o-nadas a esses agra vo s.
R e s u m o
No Bra s i l , a leishmaniose visceral (LV ) apresenta qua-d ros gra ves qua-de enqua-demias e epiqua-demias have n qua-d o, nos úl-timos anos, uma propagação da doença por vários es-tados que antes não possuíam casos de pessoas e ani-m a i s . O Ministério da Saúde re c o ani-m e n d a ,p a ra os iquéritos caninos, o uso da reação de imunofluore s c ê n-cia indireta (RIFI), a p resentando sensibilidade de 90-100% e especificidade de 80% para amostras de soro. A utilização da RIFI pode comprometer a efetividade do Pro g rama de Controle do Calazar por estar deixando de detectar e sacrificar animais infectados (falsos ne-g a t i vo s ) . Por outro lado, o pro ne-g rama estaria
identifi-cando e recomendando o sacrifício de animais não in-fectados (falsos positivo s ) . Essas incertezas já gera ra m atitudes como a não indicação do sacrifício de ani-mais positivos e a recomendação de tratamento desses animais por parte de clínicos ve t e r i n á r i o s . Este tra b a-lho tem como objetivo refletir sobre a qualidade do diagnóstico de inquéritos epidemiológicos caninos, tendo como pano de fundo a epidemia de LV que ocor-re no Município de Belo Ho r i zo n t e , Minas Ge ra i s ,d e s-de 1993.
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Recebido em 18/Fe v / 2 0 0 3