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Dinâmicas de funcionamento familiar e uso de drogas: implicações no cuidado psicossocial

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Academic year: 2021

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Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia

DINÂMICAS DE FUNCIONAMENTO FAMILIAR E USO DE DROGAS:

IMPLICAÇÕES NO CUIDADO PSICOSSOCIAL

Martha Emanuela Soares da Silva Figueiró

Natal-RN 2019

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Martha Emanuela Soares da Silva Figueiró

DINÂMICAS DE FUNCIONAMENTO FAMILIAR E USO DE DROGAS:

IMPLICAÇÕES NO CUIDADO PSICOSSOCIAL

Tese elaborada sob orientação da Profa. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia.

Natal-RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas – SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Figueiró, Martha Emanuela Soares da Silva.

Dinâmicas de funcionamento familiar e uso de drogas: implicações no cuidado psicossocial / Martha Emanuela Soares da Silva Figueiró. - 2019.

175f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Magda Diniz Bezerra Dimenstein.

1. Famílias - Tese. 2. Drogas - Tese. 3. Cuidado - Tese. I. Dimenstein, Magda Diniz Bezerra. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.812.1:615.32

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese "Dinâmicas de funcionamento familiar e uso de drogas: implicações no cuidado psicossocial ", elaborada por " Martha Emanuela Soares da Silva Figueiró", foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTORA EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, ____ de ________ de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________ Profa. Dra. Dra. Magda Diniz Bezerra Dimenstein (UFRN)

_________________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Teresa Lisboa Nobre Pereira (UFRN)

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. Mauricio Roberto Campelo De Macedo (UFRN)

_________________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Aparecida De França Gomes (UnP)

_________________________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Izabel Oliveira Lima (UnP)

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Agradecimentos

A minha orientadora, Profa. Dra. Magda Dimenstein, pela oportunidade de realizar este trabalho, pessoa pela qual possuo grande admiração, além dos momentos de aprendizado e enriquecimento pessoal proporcionados.

Aos professores Jáder Leite e Candida Dantas, pelas aulas ministradas no período de doutoramento, pelas discussões teóricas e momentos de aprendizado.

A Profa. Dra. Rossana Carla Rameh, quem além de colega de trabalho e parceira nas discussões sobre a política de drogas no RN, pode ter sido leitora deste trabalho,

Ao Amigo Gustavo Ávila pela parceria "nas andanças" do trabalho em prol da construção da política de drogas no interior do RN e pelos puros momentos de amizade e companheirismo.

Aos eternos amigos, parceiros e companheiros de todas as horas, Shyrley Guimarães, Diogo Melo e Andressa Maia.

A Hellen Barros, Cintia Galo e Carol Lemos, pela parceria e união em momentos de trabalho ou não.

Às amigas tuaregs, Larissa Miranda, Loreta Cavalcanti, Carla Sobreira, Joseylda França, Manu Sorrir, Rita Virgínia, Juliana de Oliveira, Beatriz Libaneo, Lara Vasconcelos e Nuriel el Nur que, além da amizade, através da arte, me proporcionaram momentos de criatividade e acalento.

Às minhas parceiras de Equipe MSE, Bete, Vanessa, Andreia, Eduardo e Assuscena, por compreenderem os momentos em que não estive tão “inteira”.

Ao meu esposo Rafael, pelo apoio, suporte e paciência durante todos os momentos difíceis desse processo. Acima de tudo, pelo amor e parceria constantes.

A Neuma e Daniel, pela parceria nos momentos de suporte familiar oferecidos. Aos meus queridos pais, pois sem eles nada disso poderia ter sido realizado.

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Sumário

Lista de Siglas ... viii

Resumo ... ix Abstract ... x Resumen ... xi 1. Introdução ... 12 2. Objetivos ... 24 2.1. Objetivo Geral ... 24 2.3. Objetivos Específicos ... 24

3. Família e políticas públicas no campo do cuidado aos problemas decorrentes do uso de drogas ... 24

4. A política de drogas e o eixo do cuidado ... 37

5. Aporte em conceitos da esquizoanálise ... 61

6. Considerações Teórico Metodológicas ... 68

6.1. Participantes da pesquisa, estabelecimento do contrato e contato inicial ... 71

6.2. Instrumentos de produção de dados ... 74

6.2.1. Visitas domiciliares ... 76

6.2.2. Entrevistas ... 77

6.2.3. Observação e notas de campo ... 80

7. Apresentação dos casos ... 81

7.1. A família de Pedro... 81

7.1.1. A sistemática de encontros ... 81

7.1.2. A identificação da família e o contato inicial ... 82

7.1.3. A família e os problemas relacionados ao uso de drogas ... 86

7.2. Dinâmicas de funcionamento familiar percebidas ... 97

7.3. Impactos do uso de drogas na família ... 99

7.4. Gestão do Cuidado ... 102

7.5. A família de Joana ... 106

7.5.1. A sistemática de encontros ... 106

7.5.2. A identificação da família e o contato inicial ... 106

7.5.3. A família e os problemas relacionados ao uso de drogas ... 109

7.5.4. Dinâmicas familiares percebidas ... 119

7.5.5. Impactos do uso de drogas na Família ... 121

7.5.6. Gestão do cuidado ... 122

8. Considerações sobre os casos pesquisados ... 125

9. A rede de saúde mental e o acolhimento familiar ... 140

10. Modos de cuidado e as possibilidades para as famílias ... 157

Referências ... 165

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Lista de Siglas

APTAD Ambulatório de Prevenção e Tratamento do Tabagismo, Alcoolismo e outras Drogadições

CAPS Centros de Atenção Psicossocial

CETAD Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Droga

CICAD Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas CID Código Internacional de Doenças

CNFE Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes CRAS Centros de Referência em Assistência Social

CREAS Centros de Referência Especializada em Assistência Social CTs Comunidades Terapêuticas

CVLI Câmara Técnica de Crimes Violentos Letais e Intencionais FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

LENAD Levantamentos Nacionais sobre Álcool e outras Drogas OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas RAPS Rede de Atenção Psicossocial RAS Redes de Atenção à Saúde RD Redução de Danos

SENAD Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas SESED Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social SISNAD Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas SUAS Sistema Único de Assistência Social

UA Unidades de Acolhimento UFBA Universidade Federal da Bahia UNIFESP Universidade Federal de São Paulo

UNODC Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes UPAs Unidades de Pronto Atendimento

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Resumo

As concepções hegemônicas sobre drogas, os pertencimentos sociais das famílias e as diretrizes postas pelas políticas públicas reverberam nas práticas de cuidados e na maneira de conceber os problemas relacionados ao uso de drogas no contexto familiar. O presente estudo tem como objetivo investigar a relação entre as dinâmicas de funcionamento familiar e os modos de cuidado relacionados ao uso de drogas. Mais especificamente, se propõe a mapear os problemas e tipos de recursos que as famílias disponibilizam, discutir as diferentes dinâmicas familiares na relação com o uso de drogas, e propor estratégias para que possam lidar com os problemas relacionados ao uso de drogas por algum de seus membros. Para tanto, realizei um estudo qualitativo focado no caso de duas famílias com características socioeconômicas distintas. Para construção dos dados foram feitas entrevistas abertas individuais e grupais, observação e registro em diário de campo a partir dos encontros (de 20 a 25) com cada uma delas. Identifiquei que a ausência de suporte adequado na rede de atenção psicossocial, sobretudo, nos serviços substitutivos, reduz as potencialidades de autonomia e emancipação nas práticas de cuidado operadas pelos familiares. Esse fator incide diretamente nas dinâmicas de funcionamento familiar que se organizam em torno do suporte e ajuda mútua entre os próprios familiares, mas que diante da falta de opções e do desamparo, fragilizam-se ao procurar respostas ligadas à medicalização excessiva ou isolamento social. Proponho, a partir disso, estratégias de cuidado que se distanciem de formas reducionistas, que envolvam as famílias na construção de projetos terapêuticos singulares, que respeitem as especificidades dos contextos familiares, e que sejam promotoras de modos de vida mais potentes diante dos problemas decorrentes do uso de drogas, sobretudo, tendo como foco o cuidado não só da pessoa que faz uso de drogas, mas do grupo familiar como um todo.

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Abstract

Hegemonic conceptions about drugs, the social belongings of the families and the guidelines put by the public policies reverberate in the practices of care and in the way of conceiving the problems related to the use of drugs in the familiar context. The present study aims to investigate the relationship between the dynamics of family functioning and the modes of care related to drug use. More specifically, it proposes to map the problems and types of resources that families offer, to discuss the different dynamics familiar in the relation with the use of drugs, and to propose strategies so that they can deal with problems related to the use of drugs by some of their Member States. Therefore, a qualitative study focused on the case of two families with different socioeconomic characteristics was carried out. Individual and group interviews were used to construct the data, observation and recording in field diary from the meetings (from 20 to 25) with each one of them. It was identified that the absence of adequate support in the psychosocial care network, especially in the substitutive services, reduces the potential for autonomy and emancipation in the care practices operated by relatives. This factor is directly related to the dynamics of family functioning that are organized around the support and mutual help among the family members, but that in the face of the lack of options and the helplessness, they become fragile when looking for answers related to excessive medicalization or social isolation. Based on this, we propose strategies of care that distance themselves from reductionist forms, involving families in the construction of unique therapeutic projects that respect the specificities of family contexts and that promote more powerful ways of life in the face of problems due to the use of drugs, especially focusing on the care not only of the person who uses drugs but also of the family group as a whole.

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Resumen

Las concepciones hegemónicas sobre drogas, las pertenencias sociales de las familias y las directrices puestas por las políticas públicas reverberan en las prácticas de cuidados y en la manera de concebir los problemas relacionados al uso de drogas en el contexto familiar. El presente estudio tiene como objetivo investigar la relación entre las dinámicas de funcionamiento familiar y los modos de cuidado relacionados al uso de drogas. Más específicamente, se propone mapear los problemas y tipos de recursos que las familias ponen a disposición, discutir las diferentes dinámicas familiares en la relación con el uso de drogas, y proponer estrategias para que puedan lidiar con los problemas relacionados al uso de drogas por alguno de sus. miembros. Para ello, se realizó un estudio cualitativo enfocado en el caso de dos familias con características socioeconómicas distintas. Para la construcción de los datos se realizaron entrevistas abiertas individuales y grupales, observación y registro en diario de campo a partir de los encuentros (de 20 a 25) con cada una de ellas. Se identificó que la ausencia de soporte adecuado en la red de atención psicosocial, sobre todo, en los servicios sustitutivos, reduce las potencialidades de autonomía y emancipación en las prácticas de cuidado operadas por los familiares. Este factor se centra directamente en las dinámicas de funcionamiento familiar que se organizan en torno al soporte y ayuda mutua entre los propios familiares, pero que ante la falta de opciones y del desamparo, se fragilizan al buscar respuestas ligadas a la medicalización excesiva o aislamiento social. Se propone, a partir de eso, estrategias de cuidado que se distancien de formas reduccionistas, que involucran a las familias en la construcción de proyectos terapéuticos singulares, que respeten las especificidades de los contextos familiares, y que sean promotoras de modos de vida más potentes ante los problemas que se derivan del uso de drogas, sobre todo, teniendo como foco el cuidado no sólo de la persona que hace uso de drogas, sino del grupo familiar como un todo.

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1. Introdução

O uso de drogas é um assunto bastante debatido na sociedade atual, em destaque para a complexidade do tema que agrega diversas áreas sociais como saúde, educação e segurança pública. A relação dos sujeitos com as drogas destaca, ainda, o aspecto relacional ligado ao uso de substâncias, que para além dos efeitos orgânicos e psíquicos atingem, também, o convívio social e comunitário.

Autores como Escohotado (1996) sinalizam que o consumo de drogas sempre fez parte da história da humanidade, seja para uso religioso, medicinal, ou mesmo hedonista, no entanto a sociedade contemporânea ainda o considera um tabu, sobretudo como um tema bastante complexo, carregado de preconceitos, constantemente patologizado e comumente associado ao que se conhece por dependência química. Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde – OMS (Brasil, 2001), droga é toda substância não produzida pelo organismo, que tem propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações no seu funcionamento. Ela tanto pode trazer benefícios à saúde, como no caso de medicamentos para tratamento de doenças, quanto pode gerar malefícios, a exemplo dos venenos e outras substâncias tóxicas (Brasil, 2016). Já a dependência química é reconhecida pela OMS (Brasil, 2001), tanto como uma doença crônica, - nesse caso correspondendo a uma perspectiva médico-patologizante – quanto como problema social acarretado pelo consumo abusivo de drogas. Apesar de a dependência química ser reconhecida, também, como um problema social, o caráter biomédico do conceito relega, muitas vezes, a intervenção a especialistas, contribuindo para uma visão reducionista e fragmentada do fenômeno, estigmatizando o usuário e limitando a compreensão de elementos mais abrangentes, relacionados ao seu uso como: aspectos socioculturais, históricos e toda sorte de questões subjetivas que emergem da relação com a droga. (Karam, 2013).

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O uso de drogas é corriqueiramente relacionado à desqualificação moral e social dos seus usuários. As pessoas que usam determinados tipos de drogas ainda são vistas como doentes e extremamente perigosas. Uma campanha publicitária contra o crack chegou a comparar os usuários dessa droga a zumbis. A associação entre usuários de crack e zumbis é feita cotidianamente pela mídia que muitas vezes classifica as pessoas que frequentam as cracolândias (“fluxos”) dessa maneira. Deve-se deixar claro que não se configura dependência qualquer uso que se faz da droga, tal como a lógica proibicionista propaga (Acselrad, 2013). Por ser inerente à cultura humana, não se pode entender que necessariamente todas as pessoas que usam drogas precisam de tratamento (Rameh-de-Albuquerque, Lira, Costa & Nappo, 2017). O proibicionismo que marcou as sociedades ocidentais no século XX, fazendo com que algumas substâncias fossem consideradas ilegais (Karam, 2013) é um dos grandes fatores responsáveis pela associação do uso de drogas a processos de criminalização, gerador de preconceitos e condenações valorativas. Além do uso de substâncias ilegais, condena-se, também, o uso excessivo de substâncias lícitas que possam levar o usuário ao descontrole, abrindo mão do seu autogoverno e da sua autodeterminação que são a base do estado político das sociedades ocidentais modernas. Na sociedade de controle em que vivemos, em que o poder se exerce sobre os corpos dos indivíduos (Foucault, 1979), criando regimes disciplinares que exigem pureza e produtividade dos sujeitos, a droga surge, então, como uma grande ameaça ao controle estatal do corpo social: torna-se um grande inconveniente tudo que impossibilita ao sujeito garantir o seu ápice de produtividade e reprodução de lógicas que fundamentam o capitalismo.

Para ilustrar como a questão do uso de drogas vem afetando a sociedade brasileira é importante apresentar alguns dados de levantamentos epidemiológicos realizados nos últimos anos no país. Infelizmente os levantamentos sobre o consumo de drogas no Brasil ainda são escassos e insuficientes para dar uma clareza a respeito de todas as perguntas sobre o uso de

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drogas e suas consequências. Todavia, para facilitar a compreensão do tema, alguns dados serão apresentados em seguida.

Os primeiros levantamentos feitos no Brasil foram realizados na década de 1980, alguns poucos anos depois da Política de “Guerras às Drogas” ter sido declarada nos Estados Unidos pelo presidente Richard Nixon em 1971, gerando pânico em diversas partes do mundo, notadamente no Brasil, onde exacerbou-se a preocupação a respeito do uso de drogas entre jovens e estudantes. No entanto, esse pânico moral não se fundou em nenhum dado objetivo a respeito do consumo de drogas, mas apenas em especulações moralistas e baseadas no senso comum.

O primeiro levantamento sobre o uso de drogas no Brasil foi realizado em 1987 com jovens que frequentavam escolas em 10 capitais brasileiras. Nesse mesmo ano foi feito, também, um levantamento sobre uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua. Esses levantamentos se repetiram até 1997. E apenas em 2001, foi realizado um primeiro levantamento sobre uso de drogas no Brasil com a população brasileira em geral, envolvendo as 107 maiores cidades do país.

O relatório mais atual sobre o uso de drogas, tendo em vista a população brasileira em geral, é de 2005 e envolveu 108 cidades do país. O primeiro levantamento realizado entre estudantes universitários de instituições públicas e privadas foi publicado em 2009. Em 2012 realizou-se uma pesquisa sobre o crack e outras drogas nas 27 capitais brasileiras, e uma segunda pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), cuja primeira foi publicada em 2006.

Um levantamento feito em 2010 com estudantes de nível fundamental e médio mostrou que a droga mais utilizada entre os jovens estudantes é o álcool (42,4%) e a proporção do uso de qualquer droga (exceto álcool e tabaco) acaba sendo maior na rede privada (13%) do que na pública (9%). O levantamento realizado com universitários das 27

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capitais brasileiras em 2009 apontou que o álcool também é a principal droga consumida nos últimos 12 meses (72%) e 1/3 dos participantes relatou ter consdo que nas regiões Norte e Nordeste. Com relação ao levantamento sobre uso de drogas pela população brasileira em geral, o levantamento de 2005 aponta que tanto com relação ao consumo como a quadros de dependência, com relação ao uso de drogas, o álcool está em primeiro lugar (74% já consumiram). Apenas 10% dos entrevistados buscaram tratamento para drogas, apesar de a quase totalidade da amostra enunciar que o uso de drogas se apresenta como um problema de saúde grave para a população brasileira.

Em 2012, foi realizado o primeiro levantamento sobre o uso de crack no Brasil e os dados foram diferentes da opinião do senso comum de que havia uma verdadeira epidemia de

crack no país, e que seria essa a principal droga consumida pelos brasileiros. Os dados

mostraram o contrário. A pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) indicou que apenas 1/3 dos usuários de drogas ilícitas (com exceção da maconha) consumiam crack. Outros dados mostram que 80% da população usuária de crack no Brasil é do gênero masculino, com idade média de 30 anos; cinco em cada 10 já foram presos, oito em cada 10 não cursaram o ensino médio e cinco em cada 10 estão nas ruas das capitais. Entre o público feminino, a mesma pesquisa apontou que quatro em cada 10 se prostituem, três em cada 10 sofreram abuso sexual e cinco em cada 10 tiveram gestações enquanto usavam crack. Com relação à mortalidade o estudo mostra que ela é seis vezes maior do que entre a população em geral, sendo 60% das mortes causadas por homicídios, 30% por AIDS ou hepatite e 10% por

overdose. Ou seja, os dados sobre o crack destacam a condição de vulnerabilidade de grande

parte de seus usuários, indicando, assim, maior complexidade com relação as consequências de seu uso no Brasil.

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Além desses levantamentos sobre o consumo de drogas existe, também, o Relatório Brasileiro Sobre Drogas, publicado em 2009, que traz alguns dados epidemiológicos sobre a questão, e apresenta algumas informações sobre as consequências associadas ao uso de drogas. É importante destacar o campo da saúde mental para perceber a complexidade dos efeitos de uso de drogas na sociedade. Segundo o levantamento, casos de depressão ocorrem em 41% da população que declara fazer uso problemático de álcool, entre 42% da população que faz uso de cocaína, e em 30% da população que usa maconha. Interessante ressaltar que entre as três substâncias o número de mulheres que sofrem com a depressão é bem maior que o de homens. Outro dado importante com relação à saúde mental, como mostra o relatório, é o de que 24% da população que faz uso problemático de álcool já cometeu alguma tentativa de suicídio. Além disso, o relatório aponta outros fatores associados ao abuso e à dependência de drogas como a rede de suporte social (família e comunidade) e violência.

O relatório indica, também, que o uso de drogas como álcool, benzodiazepínicos, cocaína e crack vem, de modo geral, crescendo no país e a prevalência do uso de álcool na vida subiu de 68% em 2001 para 74% em 2005; a cocaína aumentou de 2,3% para 2,9%; o uso de benzodiazepínicos aumentou de 3,3% para 5,6%; e o crack de 0,4% para 0,7%, entre os mesmos anos. De acordo com os dados, a região Nordeste, - região onde foi realizada essa pesquisa, - se destaca com a maior porcentagem de pessoas (27,6%), que alegaram ter consumido qualquer droga na vida, exceto álcool e tabaco. Além disso, foi constatado, pelo levantamento, que na região Nordeste, entre 2001 e 2007, houve o crescimento do consumo de drogas como: maconha, benzodiazepínicos, estimulantes, esteroides, alucinógenos e crack. O relatório também demonstrou que na região Nordeste a faixa etária entre 25 e 34 anos apresenta maior dependência de drogas como cocaína e crack.

De acordo com o Relatório Brasileiro Sobre Drogas, percebeu-se que a dependência química pode gerar vários impactos como mortalidade, afastamentos e aposentadorias,

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doenças como AIDS, hepatites, dentre outras, bem como internações, e uma série de outras consequências que causam graves repercussões para a sociedade como um todo, sobretudo para o usuário e sua família. Para corroborar essa ideia, destacam-se, além dos dados já citados anteriormente, informações provenientes do Mapeamento das Instituições Governamentais e Não-Governamentais de Atenção às Questões Relacionadas ao Consumo de Álcool e Outras Drogas no Brasil 2006-2007, realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas, e publicado em 2007. Esse mapeamento aponta que 86,6% das demandas por tratamento em instituições governamentais e não-governamentais, surgem do próprio usuário e/ou de um de seus familiares, sinalizando a aproximação das famílias com tentativas de cuidado às pessoas que usam drogas.

Outra informação interessante desse mesmo relatório foi que entre 2001 e 2007 houve uma maior apreensão de drogas, como cocaína, no país. Isso não significa exatamente que houve um maior consumo dessa substância nos últimos anos, mas sim que houve um incremento nas ações policiais de apreensão de drogas, resultado da política de “guerra às drogas”, ainda fortemente presente no Brasil. Em janeiro de 2018, no Rio Grande do Norte, estado onde foi realizada essa pesquisa, segundo dados da Câmara Técnica de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) da Secretária Estadual de Segurança Pública do RN (SESED), mais de 65% das mortes violentas no estado possuem relação com a ação do tráfico de drogas.

É preciso destacar, também, os estudos realizados pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), conhecidos por Levantamentos Nacionais sobre Álcool e outras Drogas (LENAD), que já tiveram duas edições realizadas, uma em 2006 e outra em 2012. O segundo LENAD (2012), afirmou que entre 2002 e 2012, houve o aumento do consumo de álcool de modo geral. O II LENAD (2012) mostrou também um aumento do consumo de álcool em

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(2006), pois, em 2006, 51% dos homens relataram ter feito uso em binge nos últimos 12 meses, enquanto que em 2012, 66% relataram essa forma de uso no último ano. Já entre mulheres, em 2006, a proporção subiu de 36% para 49% de 2006 para 2012.

O LENAD (2012) apontou o Brasil como uma das nações emergentes onde o consumo de estimulantes como a cocaína, o crack e a merla está aumentando, enquanto na maioria dos países o consumo está diminuindo. No entanto, entre as drogas ilícitas a maconha é a droga de maior consumo no Brasil tanto por adultos, quanto por adolescentes.

No caso dos afastamentos do trabalho ou aposentadorias causadas pelo uso de substâncias psicoativas, o II LENAD (2012) constatou que no Brasil de 2001 a 2006, 56% dos casos de afastamentos do trabalho dizem respeito ao uso problemático do álcool, 20% dos afastamentos devido ao uso de cocaína, e 9% por múltiplas drogas. Em 2007, no Rio Grande do Norte, esse número cresceu em comparação aos cinco anos anteriores, bem como foi o estado do Nordeste com o segundo maior número de afastamentos devido ao consumo de substâncias psicoativas, ficando atrás apenas da Bahia. Esse crescimento foi semelhante em todos os outros estados da região. O relatório aponta, ainda, que o número de afastamentos devido ao uso de substâncias psicoativas foi crescente entre 2004 e 2007 em todo o Brasil. Outra informação importante a se destacar é que em 2004, na América Latina, ocorreram nove mil casos de morte por overdose e outros transtornos ligados ao uso de drogas (Dias, Inglez-Dias, Guimaraes & Monteiro, 2009).

De modo geral, os estudos e levantamentos realizados nos últimos, aproximadamente, 30 anos foram importantes para apontar a complexidade da questão de uso de drogas e que a relação com elas é também atravessada por questões políticas e econômicas (proibicionismo, política de “guerra às drogas”, poder de compra de substâncias, tipos de substância, classe social e condição de vulnerabilidade, etc). Além disso, os efeitos provocados pelo seu uso não estão estritamente relacionados às reações orgânicas, aos seus efeitos colaterais, mas ao

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consumo que pode ser considerado prejudicial quando se relaciona com uma série de situações sociais como desemprego, violência, abandono dos estudos, prostituição, ou mesmo afetivas e relacionais ao provocar rompimento de vínculos familiares e comunitários, isolamento social, ressaltando-se ainda o fato de que a droga não afeta apenas os seus usuários, ou a família dos mesmos de maneira isolada. O aspecto relacional é fundamental para compreensão dos problemas decorrentes do uso de drogas e pode contribuir para elucidar elementos de cunho social mais amplo.

O fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários é muito importante para a compreensão e enfrentamento das questões ligadas ao uso de drogas e já foi desatacado por diversos autores (Moreira, 2004; Schenker & Minayo, 2004; Lancetti & Amarante, 2009). Ademais, os grupos familiares também sofrem com estigmas e preconceitos relacionados ao uso de drogas por pessoas ligadas ao seu convívio cotidiano, pois como já apontado, na sociedade brasileira atual, o uso de drogas vem sendo relacionado a uma série de situações problemáticas como violência doméstica, violência no trânsito, problemas no trabalho, aumento de número de encarceramento, problemas de saúde e outras questões que afetam diretamente o convívio familiar. (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2009).

O uso de drogas é uma questão que atinge diretamente o cotidiano das famílias (Paz & Colossi, 2013), e dada a complexidade dos problemas relacionados ao seu uso, a família do usuário de drogas pode apresentar dificuldades para exercer a função de principal anteparo social para os seus membros (Sobral & Pereira, 2013). Perda de vínculo social, problemas crônicos de saúde, dificuldades financeiras, violência doméstica, envolvimento com contextos de criminalidade, dentre outros, são alguns exemplos. Além disso, por ser uma questão cercada por muitos tabus e preconceitos, é possível que as famílias fiquem confusas, inseguras ou mesmo desinformadas sobre a questão. A despeito dessas dificuldades, a família não pode

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ser excluída do debate. Lancetti e Amarante (2009) ressaltam a importância de compreender o grupo familiar como peça fundamental nesse processo, afirmando, por exemplo, que

Enrique Pichón Rivière, psiquiatra e psicanalista suíço-argentino criador da Psicologia Social Operativa, afirma que o membro adoecido de uma família, o louco da família, é o membro mais forte do grupo familiar e não o mais fraco. Mais forte porque é capaz de suportar a loucura do grupo familiar inteiro. (p. 632).

O uso de drogas pode gerar consequências para as famílias não só desestabilizando psicologicamente os seus componentes, provocando medo, sofrimento, angústia e ansiedade, como também afeta de maneira prejudicial as relações comunitárias através do preconceito de vizinhos, estigmatização, principalmente devido à criminalização do uso de drogas ilícitas na atualidade, (Conselho Federal de Psicologia, 2013) e demais dificuldades de convívio comunitário, ressaltando a importância da existência de suporte não só para o usuário, mas principalmente para a família, seja na prevenção ou no enfrentamento dos problemas relacionados às drogas. (Sobral & Pereira, 2012).

Alguns autores já se propuseram a investigar a relação entre o uso de drogas e as famílias. Orth e Moré (2008) realizaram uma pesquisa que objetivou caracterizar aspectos das estruturas e dinâmicas familiares com um ou mais membros que estabelecem uma relação de dependência com substâncias psicoativas. Os resultados desse estudo evidenciaram os seguintes aspetos de estrutura e funcionamento familiar: a) presença de dependentes químicos em gerações anteriores e pelos próprios pais; b) fragilidade de apoio da família para seus membros; c) usuários que iniciam o consumo de substâncias psicoativas precocemente e; d) fragilidade nos vínculos comunitários de modo geral. Entretanto, apesar da compreensão de que a família é um sistema aberto em constantes trocas com o meio, o estudo se restringiu a compreender as relações entre a droga e a família a partir de uma visão nuclear desta. Aspectos históricos e culturais não recebem a devida relevância ao entender os efeitos do uso

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de drogas na estrutura e dinâmica familiar, se restringido, muitas vezes, ao caráter intergeracional do fenômeno, cuja condição histórica se centra na ideia de árvore genealógica. Costa (2010), em sua dissertação de mestrado, objetivou investigar as estratégias desenvolvidas por familiares que enfrentam problemas de serem, ou conviverem com usuários de drogas. Apesar de considerar o fenômeno na sua complexidade, a partir de uma perspectiva sistêmica baseada em novos paradigmas, e culminar na produção de novas interpretações da situação pelos usuários de drogas e seus familiares, a autora acaba centrando os benefícios da intervenção realizada em seu estudo com as famílias, para elas próprias e para os usuários de drogas.

A família ainda é negligenciada no enfrentamento às questões ligadas ao uso de drogas, assim como, pouco se discute a compreensão dessas famílias na tentativa de subsidiar o trabalho dos profissionais, dificultando a consolidação de um suporte psicossocial para familiares de pessoas que usam drogas (Sobral & Pereira, 2012). A compreensão sobre o que se passa com as famílias, diante dos problemas decorrentes do uso de drogas, é fundamental para pensar as políticas sociais sobre drogas, pois, segundo ressalta Lima (2012), existe uma pluralidade de situações que chegam às equipes de trabalho e que devem ser apreendidas de maneira transversal, pois do mesmo modo que se relacionam com o uso prejudicial de drogas, tocam questões ligadas ao trabalho, tramas familiares, violência, relações conjugais estáveis, etc. e que, portanto, evidencia um território existencial de produção infinita de histórias singulares e coletivas, inscritas nos contextos familiares e comunitários. No entanto, tradicionalmente, ainda temos um cenário no qual quando essa discussão é realizada, ela parte de uma perspectiva muito restritiva do fenômeno, tanto a partir da conceituação de família, quanto da compreensão do fenômeno do uso de drogas em si, desconsiderando a complexidade do campo de forças que constituem o uso de drogas e suas relações.

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Para pensar a relação entre o uso de drogas e as dinâmicas familiares optei por usar os conceitos da Esquizoanálise. A esquizoanálise é um termo criado por Deleuze e Guatarri (1995), cujas ideias são apresentadas nos livros o “Anti-èdipo” em 1972 e “Mil Platôs, 1980”, - ambos com o subtítulo: capitalismo e esquizofrenia. As ideias lançadas nos referidos escritos operam uma crítica ao inconsciente desenvolvido por Freud, assim como a noção de desejo como falta. Diferente da psicanálise, a esquizoanálise introduz o conceito de máquinas desejantes, entendendo o inconsciente como usina responsável pelo desejo como intensidade que produz realidades. As principais críticas à teoria freudiana se referiam à noção de inconsciente baseada no Édipo como um fenômeno universal, como também às explicações de base parentais e familiares. Para a esquizoanálise o desejo está atrelado à cultura e busca assim “desedipianizar” o inconsciente, demonstrando, com isso, como a produção de subjetividade está marcada pelo capitalismo, não sendo, assim, suficientes as compreensões sobre o desejo fundadas na díade “pai-mãe” ou de qualquer outra forma ou estratificação pré-estabelecida, naturalizada. A esquizoanálise compreende que o desejo é histórico-social e se faz no território-geográfico-político dos sujeitos. O desejo não se funda na família de maneira naturalizada, ele é social e o social rebate na família.

Dessa maneira, entender a família e suas relações com as drogas significa, então, que a família será entendida aqui enquanto uma instituição produzida histórico-culturalmente, ou seja, não existe um padrão, um formato natural ou mesmo “normal” de família. O que busca-se é a compreensão da família e sua relação com a droga entendendo esbusca-se campo como produtor de variadas relações que podem produzir agenciamentos. Não se buscou falar de modelos ideais de família, nem no caráter nosográfico dos sujeitos que fazem uso de drogas. A relação entre as famílias e o uso de drogas por um dos seus membros foi vista como processo, ou mesmo modos de vida, existência.

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Diante desse panorama, surgem algumas perguntas disparadoras: que tipo de estratégias e recursos as famílias dispõem para lidar com os problemas decorrentes do uso de drogas por um dos seus membros? Que impacto sofrem as famílias afetadas pelo uso de drogas em um sistema que pretende ser integral em termos de cuidados, ou seja, quais são suas principais dificuldades e limitações para lidar com o problema? Como as famílias, diante de tantas adversidades que podem ser gerados pelo uso de drogas por um dos seus familiares continuam se organizando? A partir das respostas a essas perguntas, procurar-se-á saber, também, como o suporte psicossocial para os familiares de pessoas que usam drogas pode ser ofertado e integrado dentro de um sistema que abarque o problema diante de uma perspectiva inclusiva e integradora.

Este estudo pode contribuir nesse sentido, ao mostrar que as famílias e seus membros devem ser vistos como uma unidade e que, portanto, entender como uma família se organiza e comporta diante de problemas relacionados ao consumo de drogas pode ser fundamental para conduzir as ações dos profissionais que lidam com a questão. Ou seja, sendo a família a temática fundamental deste estudo, considerando que ela sofre/provoca diretamente as consequências do uso de drogas por um dos seus membros, faz-se importante analisar seu papel na sociedade atual e sua relação com os problemas ocasionados pelo uso de drogas na contemporaneidade, percebendo-a como protagonista de modo a pensar estratégias que aperfeiçoem o suporte diante desse tipo de problema.

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2. Objetivos

2.1. Objetivo Geral

Investigar a relação entre as dinâmicas de funcionamento familiar e os modos de cuidado relacionados ao uso de drogas.

2.3. Objetivos Específicos

• mapear os problemas e tipos de recursos que as famílias disponibilizam; • discutir as diferentes dinâmicas familiares na relação com o uso de drogas; • propor a (re)invenção de práticas e estratégias para lidar com famílias e sua relação com os problemas relacionados ao uso de drogas.

3. Família e políticas públicas no campo do cuidado aos problemas decorrentes do uso

de drogas

Existe um discurso dominante que instaura no imaginário social o que se entende como família ideal e atravessa não só a operacionalização de políticas públicas, mas também os processos de subjetivação e, portanto, o modo como as famílias se organizam e funcionam. Falar de família na contemporaneidade é uma tarefa convidativa à crítica e a desnaturalização de conceitos. Em um mundo que é palco de constantes e intensas mudanças, no que diz respeito ao estabelecimento de vínculos afetivos, a sexualidade, a libertação da mulher dos papéis pré-estabelecidos, as novas relações de trabalho que imprimem no cotidiano novas conjunturas sociais, dentre outros elementos imbricados com essa temática, como, por exemplo, os impactos do uso de drogas nas famílias, é praticamente impossível

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falar desse assunto sem nos remeter à historicidade do conceito e suas relações com a natureza e a cultura humana de maneira interdisciplinar.

Este estudo defende que inexiste uma concepção “natural” de família. Para isso, uma das ideias da qual se segue é a de Botturi (2013), quando esse autor afirma que a ideia de natureza humana é fruto da prática cultural, ou seja, as concepções, as práticas e os costumes humanos que modelam nossa visão das coisas, como também as generaliza criando a ideia de universal. Nas palavras de Botturi (2013), “o que chamamos de natureza humana não seria mais que uma sedimentação histórica de experiências, tradições, convencimentos práticos culturais”. (p. 128). Ou seja, parte-se da perspectiva de indissociabilidade entre natureza e cultura em que ambas se produziriam mutuamente.

É fato que algumas “formas” de existência humana são naturalizadas de maneira a serem consideras “formas absolutas” ou historicamente vencedoras, como afirma Botturi (2013), reforçadas por outras grandes formas absolutas como a noção de “razão” e de “Deus”. Tanto a razão, que aqui podemos exemplificar pelo avanço do conhecimento científico na história da humanidade e seu lugar de status como forma de conhecimento verdadeiro a partir da modernidade, tanto quanto a ideia de Deus, - materializada em grandes instituições religiosas, usando como exemplo para sociedade ocidental o Cristianismo -, ao reforçarem a perspectiva da existência de uma natureza humana, “funcionam como autoconvencimento ideológico para uma práxis de poder”. (p. 129).

A desnaturalização da compreensão da família considera, ainda, que essa esteja em constante mutação. Esse status de mudança e transformação das famílias atuais deve ser entendido como uma reação às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que vêm se operando na contemporaneidade. Pode-se pensar simplesmente, que tal atmosfera de variabilidade e incertezas com relação a modelos bem definidos de famílias, podem levar ao fim da família como instituição. Pode-se crer que também que essas mudanças ocorridas nas

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famílias se tornem causa de muitos problemas sociais – assertiva essa comum na perspectiva da operacionalização de muitas políticas sociais, ou mesmo na definição de teorias e conceitos da ciência psicológica. Gomes e Pereira (2005), afirmam, por exemplo, que “nos últimos vinte anos, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico-cultural, pautadas no processo de globalização da economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica e estrutura familiar e possibilitando alterações em seu padrão tradicional de organização” (p. 358). Porém, acredita-se que para além de pensar o fim da família como instituição, ou focar nos problemas que a família vem sentindo no que tange as intensas mudanças sociais, cabe pensar como a família enquanto grupo social vai se produzindo a partir da interpelação de forças dos seus territórios geográficos e políticos. Não existe modelo ideal de família, mas sim formas infinitas do grupo familiar se compor com a vida. Cabe aqui refletir na relação com a droga como cada família produz a vida resgatando a centralidade da filosofia de Nietsche ao pensar a vida como afirmação de si, como criação, inventividade. Que modos de vida as famílias em relação com a droga podem produzir? Uma vida mais vibrante ou uma vida mais pobre?

Tomada como objeto de muitos estudos científicos, a família é frequentemente citada na literatura como lócus de socialização primária, célula máter da sociedade, dentre outras denominações que apontam para a importância dessa instituição na constituição do indivíduo e para a vida do mesmo em sociedade (Carvalho & Almeida, 2003; Garcia, Pillon, & Santos, 2011; Lins & Scarparo, 2010; Macedo & Monteiro, 2006; Pratta & dos Santos, 2006; Schenker & Minayo, 2003). O valor da família também é destacado por Carvalho (2010) quando a autora afirma que “o grupo familiar constitui condição objetiva e subjetiva de pertença, que não pode ser descartada quando se projetam processos de inclusão social” (p. 273).

Carvalho (2010), afirma também que o exercício vital das famílias tradicionais estava voltado para o cuidado e proteção dos seus membros. De modo geral a necessidade de

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compreender a família tendo em vista a sua diversidade e complexidade pode ser corroborada com as ideias de Mioto (2009). De acordo com essa autora, as famílias tiveram uma construção histórico-material como uma ferramenta do Estado de forte reprodução social capitalista, tornando-as ideologicamente consideradas como capazes “de proteger e cuidar dos seus membros”. (p. 51). A mesma autora ressalta que, apesar das grandes mudanças pelas quais têm sido atravessadas na contemporaneidade, as famílias continuam sendo convocadas da mesma maneira que em décadas atrás, ou seja, elas continuam sendo cobradas como lugar principal de acolhida, afeto e proteção, e quando não conseguem dar conta dos problemas enfrentados com relação aos seus membros são frequentemente consideradas anormais e patologizadas.

Esse estigma tem sido frequentemente atribuído às famílias pobres, cujos problemas são tidos como consequentes da destituição de meios de desenvolvimento e sobrevivência. Essas famílias acabam sendo alvo de programas sociais que, a partir do ponto de vista de uma família incapaz, elabora e propõe ações de enfrentamento. Essa crença permite estabelecer uma distinção entre famílias capazes e incapazes de cuidar e proteger seus membros (Mioto, 2009). Nesse sentido, destacam-se as palavras de Alencar (2009):

Todavia é importante considerar que, se no Brasil a família sempre funcionou como anteparo social, diante do vazio institucional de políticas públicas que assegurem a reprodução social, as mudanças sociais nas últimas décadas, e em particular na última década, modificaram profundamente o cenário social no qual se movem as famílias. Cumpre, pois, refletir se a família, no atual contexto da sociedade brasileira, tem condições efetivas para funcionar como anteparo social. (p. 64).

No modelo de sociedade atual, família e Estado são considerados detentores de funções correlatas e imprescindíveis ao desenvolvimento e à proteção social dos sujeitos. Afirma-se que “o exercício vital das famílias é semelhante às funções das políticas públicas: ambas visam dar conta da reprodução e da proteção social dos grupos que estão sob sua

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tutela”. (Carvalho, 2010, p. 267). Entretanto, o Estado não substitui a família, por exemplo, na condição de ser a fonte provedora de afeto, socialização, apoio mútuo e proteção.

O compartilhamento de funções entra família e Estado não se deu de um dia para o outro. No Brasil, as primeiras intervenções estatais ligadas ao campo da família começam a se desenhar no período republicano e se confundiam com as intervenções voltadas para o campo da infância e da juventude. Cuidar do futuro da nação era o lema nacional no nascimento da república. Portanto, as crianças em situação de rua e as comodidades que acometiam a infância passaram a ser um problema que necessitava da intervenção do Estado no que diz respeito ao controle social dos corpos diante de um projeto social higienista. Foi nesse período que surgiram as primeiras ações estatais que propulsionaram o surgimento das políticas públicas para a infância e se concretizaram através do abrigamento de crianças abandonadas pelas famílias, e por propostas ligadas ao campo da saúde como intervenções na criação dos filhos, com instruções e recomendações sobre higiene, cuidados com alimentação, ou mesmo morais acerca da educação das crianças nas famílias, sobretudo as mais pobres.

Figueiró, Minchoni e Mello (2014) ao discutirem as intervenções estatais no campo da infância no período republicano brasileiro, deixam claro que ao substituir a ação caritativa das igrejas pela implementação de ações governamentais, o Estado, não estava apenas querendo emancipar os sujeitos, mas, sobretudo, moldar os corpos para atendimento dos anseios de uma nação que passava a se constituir naquele momento a partir dos dizeres da bandeira nacional: ordem e progresso. Médicos, juristas e intelectuais passaram a interferir no modo com a infância era cuidada. Nesse sentido,

atitudes como paparicos passaram a ser criticadas severamente, pois se acreditava que crianças educadas dessa maneira tornar-se-iam sem educação e mimadas (...). A medicina passou a atacar os hábitos de criação e os cuidados das famílias com seus filhos através de uma atitude de moralizar a pobreza e assim procurando evitar doenças e epidemias, pois esse seria o principal foco para o saneamento da sociedade,

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bem como alvo de uma preocupação social, já que se objetivava a recuperação dos degenerados. (p. 21-22).

Essas atividades que a princípio pareciam ter que ser compartilhadas com o Estado, aos poucos, tomaram uma forma em que a família foi praticamente obscurecida e substituída pelo Estado. Essa situação fica mais clara com o pós-guerra, onde nos Estados modernos de direito se valoriza o indivíduo-cidadão, sendo esse o alvo das políticas sociais, descartando-se a família e substituindo-a por um Estado protetor e salvador. (Carvalho, 2010).

Importante ressaltar, ainda, que no início do século XX, com a popularização dos saberes psi, principalmente os oriundos da psicanálise Freudiana, assim como pelos avanços do movimento higienista no campo da saúde mental, se fortalece a visão culpabilizante da família em relação ao adoecimento psíquico. A psicanálise destacava a família como cerne fundador de grande parte dos sintomas dos indivíduo e, além disso, na prática clínica, não incluía a família no processo terapêutico, ressaltando seu caráter individualista. Segundo Hoffman (1987) “las reglas del establecimiento psicanalítico prohibian la contaminación de

la terapia mediante a inclusion de los parientes”. (p. 26). O mesmo autor sinaliza ainda que

até no processo investigativo encontravam-se barreiras para a aproximação da psicologia e a família. Segundo ele,

La mayoria do los primeiros investigadores de la família tenian uma oritación analítica, la cual no solo sostenía que um síntoma era siñal de uma disfunción interna originada em el passado, sino que tambíen prohibía al terapeuta ver a los parientes del paciente, por temor a contaminar la intensa relación com el terapeuta, o transferencia, que era considerada como ingrediente essencial del proceso terapêutico. (p. 30).

Dessa maneira, o saber psiquiátrico passa a, cada vez mais, procurar afastar o paciente do ambiente familiar, fortalecendo as instituições psiquiátricas e a cultura do isolamento social da loucura. Atitudes essas justificadas pelo fato de entender a família como nociva ao

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louco, e também pela prerrogativa de que o isolamento protegeria a “contaminação” dos outros membros da família. (Santin & Klafke, 2011).

Porém, Carvalho (2010) ressalta que em meados da década de 1970, falando especificamente da realidade brasileira, a opção das políticas sociais recaiu sobre a mulher no grupo familiar. Segundo a autora, “tratava-se de ofertar-lhe as condições e o desenvolvimento de habilidades e atitudes para melhor gerir o lar, do ponto de vista da economia doméstica e do planejamento familiar”. (p. 267-268). Nessa mesma época evidenciavam-se os grupos de mães e a necessidade de capacitar a mulher para o mercado de trabalho.

O boom econômico e a carência de mão-de-obra entre as décadas de 1960 e 1970, ao mesmo tempo em que se fortalecia o movimento feminista e de liberação sexual, quando a mulher passa a exigir controlar o próprio tamanho da família, colocam a mulher em evidência naquele período. Segundo Carvalho (2010), esse investimento nas mães pode ter sido sentido nas décadas seguintes, com a reabertura democrática a grande eclosão de movimentos sociais, em sua grande parte compostos por mulheres como: luta contra a carestia, luta por creches, saúde, etc.).

Como parte importante desse cenário histórico de mudanças de concepção do papel da família na sociedade, há que se ressaltar, ainda, que é com o movimento de reforma psiquiátrica que a família passa a ser incluída nas estratégias de cuidado no campo da saúde mental. O movimento de desinstitucionalização da loucura muda o foco do cuidado do modelo asilar para o cuidado em liberdade, ressaltando a importância fundamental do convivo familiar e comunitário. Dessa forma, os serviços de cuidado em saúde mental, passam a incluir necessariamente a famílias dos sujeitos em suas estratégias.

No início da década de 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), logo após o advento da nova Constituição Brasileira (1988), se retoma o olhar para a infância, só que agora não mais como um grupo que deve ser tutelado pelo estado

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quando em situação de vulnerabilidade (abrigamento, internações em estabelecimentos de correção de adolescentes em conflito com a lei, etc.), mas sim, como um grupo que tem como direito a convivência familiar e comunitária. Na década de 1990, torna-se o olhar para a família e para a comunidade e esses grupos passam a compor junto com o estado, a garantia de proteção dos sujeitos na sociedade.

Sendo a família uma instituição produzida pelo modo de produção capitalista, ela e o Estado exercem funções semelhantes: regulam, normatizam, impõe direitos de propriedade, poder e deveres de proteção e assistência. (Carvalho, 2010). Além disso, na sociedade capitalista, tanto a família quanto o Estado são convocadas a proteger os indivíduos e satisfazer as suas necessidades. Assim, família e políticas sociais têm funções correlatas e imprescindíveis para a proteção e o bem-estar dos sujeitos na nossa sociedade como, ou ainda consequentemente, funções de ordem e controle social. Nesse sentido, as políticas sociais e as famílias possuem uma relação intrínseca, onde uma vai influenciar diretamente na outra. Nas palavras de Romagnoli (2015),

Vale lembrar que, em seu viés macropolítico, as estratégias de promoção de saúde e de enfrentamento da exclusão social não são objetos exclusivos das políticas de saúde e de assistência social, mas sim do conjunto das políticas públicas e sua intersetorialidade. Tais políticas apostam na matricialidade, tendo a família como sustentáculo das ações cotidianas, espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias. (p. 188).

Nessa conjuntura, mais claramente nos anos 2000 as famílias ganham centralidade na constituição das políticas sociais brasileiras. O modelo de Estado de Bem-Estar Social não se sustenta, sobretudo nos países periféricos e as funções entre Estado e indivíduos passam a ser compulsoriamente partilhadas.

O estado de insegurança social recai sobre praticamente todos os cidadãos, e não apenas sobre os pobres e desempregados. Isso induz uma relação de partilhamento das

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responsabilidades sociais, não só pela mudança de comportamento das populações, no cuidado de si, como também na desresponsabilização do estado, seguindo as normas do neoliberalismo, e privatizando a garantia de direitos sociais básicos como saúde, educação, dentre outros. É nessa direção que as políticas de assistência e saúde (principalmente) vão investir na partilha de responsabilidades entre o Estado e a família. Nas palavras de Carvalho (2010),

As políticas descartaram alternativas institucionalizadoras, como orfanatos, internatos, manicômios, asilos, na oferta de proteção necessária a doentes crônicos, idosos, jovens e adultos dependentes, ou a crianças e adolescentes “abandonados”. Essa situação só foi possível retomando a família e a comunidade como lugares e sujeitos imprescindíveis de proteção social. (p. 270).

É assim que as políticas de saúde e assistência introduzem serviços de proximidade com a família e comunidade como, por exemplo, Centros de Atenção Psicossocial, Centros de Convivência, Centros de Referência em Assistência Social Estratégia de Saúde da Família, etc. As práticas de cuidado acabam se estabelecendo mais no centro da comunidade e da família. Até porque serviços excludentes estavam sendo desacreditados, como também desaparecendo das políticas, a exemplo dos hospitais psiquiátricos com práticas manicomiais, principalmente devido ao papel dos movimentos sociais que execravam e levavam à tona as práticas violadoras presentes nesses modelos de atenção aos sujeitos.

No entanto, com relação ao uso de drogas e a família é preciso estabelecer essa relação com mais cautela, visto que os avanços no campo tecnológico de cuidados aos familiares das pessoas que usam drogas ainda são recentes e demasiadamente atravessados pelo moralismo. Além disso, o momento político atual caminha na direção de retrocessos a modelos de cuidado retrógrados. Práticas de exclusão e medicalização dos usuários de drogas ainda são bastante vivas na sociedade, a exemplo do crescimento e fortalecimento das comunidades terapêuticas. Nos modelos de atendimento pautados no isolamento e na medicalização, o foco

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no indivíduo e sua família fica restrito, muitas vezes, a visitas mensais, ou mesmo afastamento por vários meses. A regra é a reclusão e o isolamento do convívio social e comunitário, respaldada, inclusive, no fato de que os laços sociais e familiares prejudicariam o indivíduo no seu tratamento para os problemas relacionados ao uso da droga, aproximando-se da ideia anterior do afastamento da família como estratégia de tratamento. Conforme afirmam Santin e Klafke (2011), no próprio campo da saúde mental no que diz respeito aos serviços de atenção psicossocial, o tema da família ainda é emergente.

Por outro lado, é possível encontrar na literatura científica a afirmação de que com relação ao tratamento da dependência química, o acompanhamento da família é considerado como bastante importante na recuperação dos sujeitos (Rigotto & Gomes, 2002) destacando a significância do fortalecimento da convivência familiar, como elemento colaborador na prevenção de comportamentos prejudiciais com relação ao uso abusivo de drogas ressaltando, assim, a importância da família no estabelecimento de laços afetivos, de cooperação e de ajuda-mútua.

No entanto, a família também é apontada na literatura como fundamental no que diz respeito às causas que levaram ao uso de drogas, listando fatores como violência intrafamiliar, negligência, abandono, consumo de drogas por parte dos familiares, ou mesmo a dificuldade que os pais têm de passar normas e limites aos filhos. (Bernardy & Oliveira, 2010; Garcia, Pillon & Santos, 2011; Horta, Horta & Tavares, 2006; Lins & Scarparo, 2010; Loyola, Brands, Adlaf, Giesbrecht, Simich & Wright, 2009; Marques & Cruz, 2000).

É importante ressaltar que a relação entre o uso de drogas e o contexto familiar não só diz respeito a um maior ou menor envolvimento da família com essa questão, seja a partir de elementos que contribuem para problemas relacionados ao uso de drogas, ou com relação à importância da mesma na recuperação de um usuário que passa por tratamento. É preciso considerar, também, que podem se dar no contexto familiar pelo uso prejudicial de drogas.

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De maneira mais radical, Rigotto e Gomes (2002, p.96) afirmam que “as drogas constituem hoje, o fator mais importante de desorganização social, familiar e comunitária”. Autores como Lins e Scarparo (2010) apontam também, por exemplo, que o uso abusivo de drogas, gera consequências como violência doméstica, desemprego, evasão escolar, acarretando problemas crônicos no ambiente familiar, afirmando que a droga é um problema “com alto custo social, traduzido em internações psiquiátricas, acidentes de trânsito, variadas formas de violência, prisões, ausências no trabalho e na escola”. (p. 261).

Situações como essas também podem ser consideradas como geradoras do uso problemático de drogas. A violência doméstica, por exemplo, viola o direito à integridade física e psicológica de mulheres, crianças, adolescentes e demais pessoas que acabam vivendo em contexto familiar acometido por esse tipo de problema. O desemprego é também apontado como um dos problemas decorrentes do uso abusivo de drogas, pois gera a necessidade de rearranjos na estrutura familiar, - tanto devido à nova condição econômica que se coloca para a família depois que um de seus membros perde o emprego, quanto diante da necessidade de que um ou mais membros dessa família trabalhem para a garantia do sustento do grupo familiar como um todo (Alves, et.al., 2004). Outras consequências como prisões, evasão escolar, acidentes de trânsito, são todos elementos que podem se inter-relacionar, gerando sofrimento e dificuldades para as famílias de maneira ampla e complexa.

De maneira geral, a ideia de pensar o modo como a família é afetada pelo uso de drogas, originou-se a partir de estudos, realizados sobre o alcoolismo, nos quais se afirmam, por exemplo, que a criança que se desenvolve em meio a um contexto familiar permeado pelo alcoolismo sofrerá consequências negativas ligadas a esse fenômeno na vida adulta (Furtado, Laucht & Schmidt, 2002; Sher, 1997; Steinhausen, Gobel & Nestler, 1984; Reich, 1997; Christensen & Pilemberg, 2000; Kuperman, Shlosser, Lidral & Reich, 1999), como também através de estudos que apresentam a noção de “co-dependência”, que seria a intensificação do

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vínculo com o dependente químico através do cuidado exacerbado com ele (Humberg, 2005). No entanto, sobre a co-dependência, Sobral e Pereira (2012) afirmam que a literatura nacional apresenta uma grande lacuna no que se refere a um importante tema de pesquisa, a saber, a “co-dependência” da família. Além do fato desta adoecer juntamente com o seu membro que é dependente químico, não tem como pensar no tratamento deste sem considerar o contexto social e familiar em que está inserido e, assim, proporcionar programas de intervenção para as famílias. (p. 6).

Ainda refletindo acerca do envolvimento da família com as consequências geradas pelo uso de drogas lança-se mão das ideias de Soares (2005), quando a autora aponta a importância de negar a conceituação de família a partir de parâmetros tradicionais para que se possa ter uma compreensão mais aprofundada da mesma. Para a autora supracitada, deve-se considerar a especificidade e a diversidade dos contextos culturais, sociais e históricos, além da dinâmica particular de cada família. É importante ressaltar também, Segundo Orth e Moré (2008),

Que em muitas famílias com dependentes, ocorre um processo de circularidade em que a não-funcionalidade e o abuso de drogas reforçam-se mutuamente, mantendo, assim, a homeostase familiar que sustenta a presença desta nas relações familiares. (p. 295).

O trecho citado acima toma como base a perspectiva sistêmica de família, que baseada na Teoria Geral dos Sistemas, que trata de homeostase familiar que pode ser entendido como um funcionamento autorregulatório da família que busca a estabilidade. Cabe ressaltar a importância da teoria geral dos sistemas para a compreensão de família na contemporaneidade e apesar de destacar a importância da produção do conhecimento nessa área, suas ideias e conceitos não serão utilizados nessa pesquisa para análise do tema, pois considera-se mais relevante buscar luzes a partir de elementos que vislumbrem os caos como produtor de formas

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de vida singulares e potentes nas relações familiares, nesse caso em interface com o uso de drogas. Busca-se a produção do novo, diante de um cenário que impõe tantas dificuldades para lidar com a questão. A aposta é feita nos modos de vida ainda não instituídos como normais, padrões para a sociedade atual, mas que sim podem produzir uma relação mais produtiva entre família e a droga, na busca pelo cuidado de si, da família enquanto grupo e dos usuários de drogas que os integram. A perspectiva esquizoanálitica e sua valorização da vida enquanto produtora de diferença, é a perspectiva que acredita-se ajudar nesse intento, através da análise das linhas de forças que configuram os processos de subjetivação que determinam as dinâmicas familiares em relação com a droga. A compreensão das linhas que compõem essa rede pode abrir caminhos para a compreensão das dificuldades e possibilidades do grupo familiar que diz respeito ao uso de drogas por um dos seus membros.

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4. A política de drogas e o eixo do cuidado

Para pensar sobre as políticas sobre drogas e seus atravessamentos nos grupos familiares, é preciso falar um pouco da história dessas políticas. Para Baremblitt (2012),

é preciso que esteja claro que a história é feita desde nossos dias para um suposto passado e que, nessa medida, leremos uma história que está inevitavelmente sujeitada a como nos situamos no panorama atual e nos abrimos ao futuro, ou seja, a leitura esquizoanalítica da história não é cronológico-genético-evolutiva, ou sincrônico-diacrônica. A história é sempre retro e prospectiva, sua leitura é produzida como passado e como futuro, sempre a partir das instâncias ativas correspondentes a esses respectivos tempos, num presente que se desdobra continuamente neles. (p.125).

Com essa perspectiva, este capítulo se propõe a discutir como a história sobre as intervenções macropolíticas sobre drogas interferem no campo molecular (a ordem dos fluxos, dos devires, das intensidades e das transições de fases), nas relações familiares, nos processos de subjetivação que compõe as famílias e suas dinâmicas de funcionamento na relação com o uso de drogas. Os conteúdos históricos que se propõe relatar aqui não tem intenção de subsidiar uma discussão que meramente reproduza elementos, mas sim pense seus efeitos na atualidade, atualizando-os. Segundo Baremblitt (2012),

o que retorna é sempre a diferença. Em certo sentido se pode entender essa afirmação como sustentando que é desde o diferente que podemos reconhecer o igual e não o inverso; o diferente será o que retorna como tal por que o igual não retorna, permanece. É por isso que fazer história consiste em produzir, detectar e intensificar o novo e o singular a partir do qual avaliaremos o que permanece e combateremos naquilo que permanece o que não temos sido até então capazes de criticar e mudar. (p. 126).

As primeiras intervenções sobre o consumo de substâncias psicoativas no Brasil se iniciaram no início do século XX, quando o consumo de drogas, com exceção do álcool e do tabaco, ainda era incipiente e não era visto como uma ameaça à saúde pública ou como alvo

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