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Mulher como sujeito da criminalidade: um estudo sobre a realidade de presidiárias do complexo Penal Dr. João Chaves Natal/ RN

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Academic year: 2017

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CLAUDIA GABRIELE DA SILVA

MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE:

UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DE PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/ RN

NATAL/RN

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MULHER COMO SUJEITO DA CRIMINALIDADE:

UM ESTUDO SOBRE A REALIDADE DE PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/ RN

Dissertação de Mestrado

apresentada à Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientadora:Profª Drª Rita de Lourdes de Lima

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A Deus que sempre me deu forças para enfrentar todos as adversidades da vida. Estando presente também em todos os momentos de vitórias e conquistas.

Aos meus pais que sempre me fortaleceram e me fez persistir em busca de meus ideais tanto pessoais como profissionais.

Ao meu irmão, um sábio e guerreiro. Que é amigo e companheiro em todos os momentos. Servindo de fonte de inspiração quando o objetivo é romper as barreiras do conhecimento.

Ao meu noivo, que mesmo distante de alguns momentos de minha vida acadêmica, me apóia em meus projetos profissionais.

A Nessinha, que se tornou uma irmã.

Ao meu amigo e querido companheiro, Glaydson, que mesmo literalmente, distante, lá em Portugal me ajudou a vencer mais uma etapa do conhecimento.

As minhas amizades que conquistei no mestrado, em especial, minhas companheiras de todos os momentos, Aluízia, Katiane e Jane, que são mentes brilhantes e fonte de saber.

A minha querida orientadora, Rita de Lourdes, em que tenho maior apreço pelo seu grande potencial intelectual e que me apoio durante todo este processo, passando credibilidade e companheirismo.

A Ana Catharina, uma profissional e uma amiga altamente competente e companheira.

As presas do Complexo Penal Dr. João Chaves Natal/RN que tiveram confiança em nosso trabalho e se dispuseram a participar deste processo, expondo suas histórias de vida.

A todos as minhas ex-companheiras de trabalho da UFRN, em especial Miriam Inácio que desde a graduação me acompanha neste processo de conhecimento e que se mostrou amiga em todos os momentos, seja de trabalho, seja de lazer.

Ao pessoal do CRESS/RN 14ª Região, que se tornaram verdadeiros amigos.

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“A prisão é como um cemitério, onde estão enterrados o corpo e o espírito do preso. Perde-se liberdade. A moral fica abatida. A penitenciária prepara a volta do interno à sociedade para que ele não retorne a reincidir, mas está muito

atrasada neste sentido...”

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criminalidade: um estudo sobre a realidade das presidiárias do complexo penal Dr.. João chaves Natal/RN, efetuada com as mulheres encarceradas no Pavilhão Feminino do Complexo Penal Dr. João Chaves. Teve como objetivo investigar os principais determinantes que levaram as mulheres da instituição a inserirem-se como sujeitos da criminalidade. Para compreendermos mais adequadamente o nosso objeto de estudo, partimos da compreensão e análise da realidade social, econômica e cultural destas mulheres, assim como, da apreensão de suas relações familiares e afetivas, dentro de uma perspectiva de gênero, bem como consideramos a análise dos principais crimes praticados e suas determinações. Em nosso estudo, constata-se a partir de aproximações sucessivas e procedimentos teóricos-metodológicos quali-quantitativos, nos quais foram privilegiadas à pesquisa documental, a observação e a entrevista semi-estruturada, além da fundamentação teórica a respeito do tema - que a questão do aumento, nos últimos anos, de mulheres no meio criminal se dá em virtude da realidade socioeconômica vivenciada por essas. Ao mesmo tempo, o estudo permitiu entender também que pobreza e criminalidade não são fenômenos de causa e efeito, porém, é inegável que o grande número de presidiários (as) são pobres e vivenciam situação de negação de direitos. O foco principal da pesquisa aponta as relações sócio-afetivas, tanto conjugais como familiares como principais determinantes para inserção das mulheres na criminalidade, rompendo com o mito de que a mulher é “sexo frágil”. E, mais, aponta que a mulher em seu processo de emancipação e conquista dos espaços públicos ao cometerem um crime procuram equiparar-se ao sexo masculino. Por outro lado, a pesquisa também nos denuncia um sistema penitenciário falido, e totalmente abandonado pelo poder público. Que nega todos os direitos previstos aos presos (as), tanto dentro como fora dos “muros”. É um sistema que criminaliza e nem se quer consegue cumprir o seu papel, funcional que é a ressocialização e a reeducação das (os) presidiárias (os). Espera-se, que, este trabalho, possa contribuir para o desvelamento da realidade da mulher no meio criminal - sem pretensão de esgotá-lo - bem como possa contribuir também para posteriores estudos sobre o tema.

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a study on the complex reality of the criminal inmates Dr. John Keys - Natal / RN, done with women incarcerated in the Women's Pavilion Complex Criminal Dr. John Keys. Aimed to investigate the key determinants that lead women to enter the institution to be subject of crime. To better understand the object of our study, we start to understand and analyze the social reality, economic and cultural these women, as well as seizure of their family relationships and emotional, within a gender perspective and consider the analysis of major crimes committed and their determinations. In our study, it appears from successive approximations and procedures theoretical and methodological quality and quantity, we were privileged to documentary research, observation and semi-structured, beyond the theoretical foundation on the subject - that the question of increase in recent years, women in the criminal occurs as a result of socioeconomic reality experienced by those. At the same time, the study has also believe that poverty and crime are not phenomena of cause and effect, however, it is undeniable that the large number of prisoners (as) are poor and live situation of denial of rights. The main focus of the research points to the socio-emotional relationships, both marital and family as the main determinant for inclusion of women in crime, breaking with the myth that the woman is "fragile sex." And, more, points out that the woman in the process of emancipation and achievement of public spaces to commit a crime seek equal to the male. Moreover, the research also denounced in a prison system collapsed, and totally abandoned by the public. That denies all rights provided to prisoners (as), both inside and outside the "walls". It is a system that criminalizes and no one wants to fulfill its role, which is the functional rehabilitation and resocialization of (the) inmates (those). It is hoped that this work could contribute to the unveiling of the reality of women in the criminal - no pretension of exhausting it - and can also contribute to further studies on the subject.

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CF – Constituição Federal do Brasil

COAP - Coordenadoria de Apoio Penitenciário

COSERN – Companhia Energética do Rio Grande do Norte,

CP – Código Penal Brasileiro

CPI – Comissão Permanente de Inquérito

CPJC – Complexo Penal Dr. João Chaves

CTC – Comissão Técnica de Classificação

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

DESSO – Departamento de Serviço Social

DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos Socioeconômicos

FAL – Faculdade de Natal

FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LEP – Lei de Execução Penal

MS – Mato Grosso do Sul

NAS - Núcleo de Assistência Social

NAM – Núcleo de Assistência Médica

PAMN - Penitenciária Agrícola Dr. Mário Negocio

PCC - Primeiro comando da capital

PEA – Penitenciária Estadual de Alcaçuz

PR – Paraná

PRONASCI - Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(11)

SEJUC – Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania

SISNAD - Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas

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GRÁFICO 01 – REGIMES DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL

DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN 112

GRÁFICO 02 - COMPARAÇÃO DO NÚMERO DE HOMENS E MULHERES

PRESAS NO CPJC – NATAL/RN 113

GRÁFICO 03 – INGRESSANTES/ ANO NO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO

CHAVES – NATAL/RN 116

GRÁFICO 04 – ARTIGOS/ CRIMES COMETIDOS PELAS PRESIDIÁRIAS

DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN 119

GRÁFICO 05 - RAÇA/ETNIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL

DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN 137

GRÁFICO 06 – FAIXA ETÁRIA DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO

PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN 140

GRÁFICO 07 – NATURALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO

PENAL DR. JOÃO CHAVES – NATAL/RN 143

GRÁFICO 8 – NÚMERO DE FILHOS DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO

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TABELA 02 - POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE 111

TABELA 03 – PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS PRESIDIÁRIAS

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1 – INTRODUÇÃO 14 2 – CRIMINALIDADE, PRISÕES E O UNIVERSO FEMININO 27

2.1– A HISTORICIDADE DOS CRIMES, DAS PENAS E DAS PRISÕES 27

2.2 - A REALIDADE PRISIONAL NO BRASIL 51

3 VIOLÊNCIA E QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

65

3.1 - VIOLÊNCIA, MEDO E SEGURANÇA PÚBLICA 65

3.2 - AS DETERMINAÇÕES DA VIOLÊNCIA COMO EXPRESSÃO DA

QUESTÃO SOCIAL: OS ATRIBUTOS DA VIOLÊNCIA ESTRUTURAL 76

4 - MULHERES E A CRIMINALIDADE: VÍTIMAS OU SUJEITOS? 86

4.1 - A CRIMINALIDADE E A CONDIÇÃO FEMININA 86

4.2 – O PERCURSO METODOLÓGICO 98

4.2.1 - Conhecendo o lócus da Pesquisa e os instrumentos utilizados na coleta de dados

98

4.2.3 - A Execução da Pesquisa: Quanto à coleta, análise e as dificuldades encontradas

103

5 - A REALIDADE DAS PRESIDIÁRIAS DO COMPLEXO PENAL DR. JOÃO

CHAVES – NATAL / RN 109

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 158

REFERÊNCIAS 162

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1 INTRODUÇÃO

Corriqueiramente, nos noticiários policiais, lemos ou ouvimos as seguintes manchetes: “Duas Marias e um sonho: a Liberdade” (JH, 1ª edição. 25/07/07); “Três mulheres são presas tentando entrar em Alcaçuz com explosivos, drogas e celulares no ânus” (Diário de Natal, 01/12/2008); “Polícia Federal prende mulher ligada ao tráfico internacional de pessoas” (Jornal de Fato, 30/10/2008), dentre outras manchetes.

Diante de tais acontecimentos e da experiência do estágio obrigatório que tivemos no ano de 2004, no curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Complexo Penal Doutor João Chaves (CPJC) – Natal/Rio Grande do Norte (RN), mais precisamente no pavilhão feminino da instituição, observamos que o aumento da criminalidade no país e no RN está marcado pelo aumento significativo da criminalidade feminina.

Claro que o número parece insignificante, se levarmos em consideração o número de homens1 encarcerados nas penitenciarias, nos presídios e nas delegacias do país e do estado. Porém, não podemos deixar de considerar que a condição da mulher no meio social é um território de avanços e críticas, diante das contradições postas pela sociedade. E outra questão que fica no cerne de nosso estudo é o fato de que, independente da questão de gênero, a criminalidade e a violência vêm crescendo cotidianamente no cenário nacional, fugindo das prerrogativas conservadoras de que apenas os pobres, os negros e os homens são criminosos. A mulher, no meio criminal, é o principal indício do início do rompimento de esteriótipos machistas e discriminadores sob a ética de gênero.

Diante do exposto alertamos que,

Apesar da inegável importância do assunto, a criminalidade feminina nunca mereceu senão notas de rodapé nas obras criminológicas e jurídicas. [...] Na história do pensamento, as idéias de crime e criminoso tem sido antropocêntricas, isto é, a construção dos conceitos e postulados teóricos deita alicerces numa ideologia masculinizada, que leva em conta a visão masculina de mundo (OLIVEIRA, s/d, p.204).

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A tendência dos estudos jurídicos tradicionais é de considerar a mulher no meio criminal sob segundo conceitos tradicionalistas, os quais tentam explicar as diversas modalidades de crimes cometidos por mulheres apenas a partir da sua condição física, da sua ocupação no espaço privado; e, principalmente, a partir da sua condição de subalternidade social. Ou seja, a visão tradicionalista sobre a mulher e a criminalidade por ela cometida ou a coloca em um patamar de vitimização - quando é ela que sofre com atos de violência - ou a coloca no patamar de agente ativo do crime, mas considerando os fatores biológicos. Assim, apresenta os crimes cometidos por homens por serem mais fortes fisicamente; e os cometidos por mulheres em virtude de sua condição de fragilidade físico-biológica. Neste sentido, os crimes apontados como tradicionais entre as mulheres são: o aborto (por ser cometido freqüentemente no âmbito doméstico); a prostituição; o adultério (que era considerado como crime até a Constituição Federal de 1988) e o infanticídio (em virtude do papel de educadora dos filhos).

Neste trabalho, partindo de uma perspectiva crítica, apontamos os rompimentos e contradições desta visão tradicionalista, e mostramos que assim como a mulher rompeu com paradigmas e ingressou fortemente com qualidade e capacitação no mercado de trabalho, a prática criminal2 cometida por elas já não se enquadra mais nesta caracterização feita anteriormente, mesmo que muitas ainda estejam encarceradas em virtude de suas relações afetivas, ou melhor, em virtude de suas relações sociais de gênero com um companheiro e/ou cônjuge outrora infrator. Como mostram,

Os dados estatísticos de diversas pesquisas e também do Ministério da Justiça, no tocante ao sistema prisional brasileiro, apontam que a presença da mulher na última etapa do sistema de justiça criminal continua em menos repercussão. Porém, o perfil da mulher encarcerada, no que se refere aos delitos responsáveis por sua colocação intramuros, se alterou bastante, ante a marcante influência dos delitos relacionados a entorpecentes (tráfico e associação ao tráfico, etc.) e também de crimes interpessoais violentos, como o homicídio, seqüestros e roubos (OLIVEIRA, s/d, p. 217).

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Desse modo, questionamos: que motivos e/ou determinantes estão contribuindo para o ingresso destas mulheres no mundo da criminalidade? Será que o processo de emancipação da mulher nos diversos espaços da vida social também está-se estendendo-se para o meio criminal? Ou será que estamos diante de uma questão de submissão das mulheres ao gênero masculino, tendo em vista que muitas delas são presas juntas com seus companheiros e/ou cônjuges, ou até mesmo cometeram delitos por assumirem a “função” do companheiro após sua prisão? Quem são estas mulheres? A inserção de mulheres no mundo da criminalidade se dá em virtude dos determinantes econômico-sociais em um contexto no qual a criminalidade não é uma questão simples de gênero, e sim, uma das expressões mais cruéis da questão social, que entrelaça todos estes determinantes?

Enfim, como forma de responder a estes e a outros questionamentos que permeiam a criminalidade de modo geral, e mais especificamente, para a criminalidade feminina, é que desenvolvemos este trabalho.

De modo geral, neste trabalho tivemos por objetivo investigar para apreender os principais determinantes que levaram as mulheres apenadas a se inserirem como sujeitos da criminalidade. E procedemos a partir da consideração, compreensão e análise da realidade social, econômica e cultural destas mulheres envolvidas no meio prisional, bem como da apreensão de suas relações familiares e afetivas, dentro de uma perspectiva de gênero, preocupando-nos também com a exposição do perfil socioeconômico destas mulheres e com apreensão e análise dos principais crimes praticados por elas e suas respectivas determinações.

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Misse(1995, p. 83), afirma:“Todos os fantasmas que tem as marcas da pobreza e as mãos criminosas parecem possuir um traço em comum. [...] Não exatamente a pobreza que leva ao crime, mas pode ser: „a revolta‟”. Este autor chama a atenção para a questão apontada também por Zaluar (1985), em seu estudo de que para a maioria das pessoas, o crime aparece como uma forma de revolta ou vingança ao sistema ou a algum crime que o mesmo tenha sofrido autora. Sabemos que não podemos descartar esta afirmação. Porém, não devemos afirmar que a análise sobre os determinantes que envolvem o meio criminal centra-se apenas em um ponto, haja vista a questão da criminalidade e seus determinantes fazerem parte de uma rede complexa de nossa sociabilidade.

Dentro deste contexto, não podemos deixar de considerar o fenômeno da violência, que está diretamente ligada à questão do aumento da criminalidade. Neste sentido, entendemos também as diversas expressões da violência no meio social como fruto, entre outros elementos, das relações sociais e econômicas vigentes na atual sociedade, baseada na competitividade e acumulação do capital, a partir da exploração da mão-de-obra assalariada, ou até mesmo do desemprego.

Não podemos deixar de considerar também que esta violência não se refere apenas a uma questão de agressividade física cometida contra outro, mas perpassa todas as esferas da vida social, dentro de um contexto marcado pela diversas expressões da desigualdade social. A violência que aqui mencionamos assume a sua faceta mais cruel, a violência estrutural. Esta é entendida como um fenômeno social ligado à desigualdade na distribuição de recursos, ou seja, na desigualdade sociai, na exploração e na dominação, inerentes à sociedade capitalista, tendo como o seu principal representante o Estado Neoliberal. Segundo Silva (1995, p. 136), [...] “esta violência aparece como uma fatalidade, para o sistema capitalista, contra a qual não é possível resistir, pesando sobre os indivíduos a responsabilidade pelos insucessos pessoais e sociais.”

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Isto porque,

A questão social tem sido objeto de interpretações divergentes. Uma interpretação considera a questão como algo disfuncional, anacrônico, retrasado, face à modernização alcançada em outras esferas da sociedade, como na economia e organização do poder estatal. [...] Outros encaram suas manifestações como ameaça a ordem social vigente, a harmonia entre capital e trabalho, a paz social. Falam em multidão, caos, violência, subversão [...] mostram como a questão social está na base dos movimentos da sociedade (IANNI, 1989, p. 145).

Não podemos deixar de considerar que esta mesma sociedade que criminaliza é reflexo de posturas que ditam regras e normas sociais, e que submete o indivíduo a uma lógica, na qual o “ter”, é substituído pelo “ser”. Nesse contexto,o que está ocorrendo é que os considerados sobrantes estão tentando engajar-se a qualquer custo na lógica deste mercado para evitar principalmente o desemprego e manter a sua sobrevivência. E uma vez não se inserindo, resta-lhes, por sua vez, a prostituição ou a criminalidade como formas de estarem reincluídos no sistema.

Diante de tais considerações e considerando a relevância da compreensão do tema enquanto demanda do profissional do Serviço Social, tendo em vista que este se apresenta enquanto expressão da questão social, objeto de estudo desta profissão, neste trabalho partimos para compreender o fenômeno da criminalidade feminina, não como um fato isolado ou até mesmo como uma questão simples de comparação de dados quantitativos em relação à criminalidade masculina. Partimos, sim, de uma análise qualitativa, dentro de uma perspectiva de gênero, considerando as contradições da realidade social. Ou melhor, trabalhamos a questão de gênero sem desconsiderar a análise da dinâmica social e como a mulher está inserida neste meio.

Nesse contexto, é importante construimos alternativas que ofereçam respostas críticas e propositivas em relação às demandas impostas pelo mercado de trabalho que diretamente ou indiretamente, com maior ou menor intensidade e de forma inevitável, expõem situações perpassadas pelo circuito reprodutivo da violência (SILVA, 2004).

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Assim,

Torna-se cada vez mais necessário olhar as manifestações da violência de forma a compreendê-la para além do patamar explicativo que a relaciona diretamente à pobreza, está presente o tempo todo no trabalho do assistente social que é capaz de perceber que nas entrelinhas da fala ou da falta de brilho no olhar daquele que o procura, esconde-se uma vida marcada pelo medo e pela violência, em busca de recriação (Pavez; Oliveira, 2002, p.86-87).

Com este trabalho pretendemos desmistificar as opiniões sobre os crimes e atos infracionais cometidos pelos indivíduos, tentando assim desvelar os verdadeiros determinantes do aumento significativo do gênero feminino3no “meio criminal”.

Nesse sentido, como forma de responder aos nossos questionamentos, decidimos partir a análise das seguintes categorias analíticas: criminalidade, violência e gênero, as quais analisaremos no decorrer do trabalho.

E desde já, apresentamos os motivos que nos levaram a escolher tais categorias analíticas. Nos últimos anos, é comum nos noticiários policiais presenciarmos a inserção cada vez maior de mulheres no meio criminal, seja envolvida individualmente, fazendo parte de “gangues”, ou seja, em conjunto com companheiros (as) e/ou cônjuges. E mais: os crimes até então considerados masculinos, como o roubo e trafico de drogas e de entorpecentes, também passaram a fazer parte do universo feminino.

Por esse motivo, quando decidimos estudar a mulher enquanto sujeito da criminalidade, optamos primeiramente por trabalhar sob uma perspectiva de gênero: E como o crime é um espaço até então marcado pela presença masculina, seria necessário justificar o que atraiu o gênero feminino para o desempenho destes crimes, haja vista ter-se a visão de que o crime é uma forma de infrigir a ordem social. Assim, o homem domina o espaço público, seria mais “propício” que fosse o homem, por que por muito tempo o domínio da mulher esteve no âmbito privado. Desse modo, a categoria gênero, também nos faz justificar as mudanças nos padrões sociais impostos ao “Ser Homem” e ao “Ser Mulher”, e também justifica a emancipação desta última em todos os âmbitos, desde as atividades lícitas - como a entrada no mercado de trabalho, mulheres enquanto chefes e provedoras da família,

3 Dessa forma, é necessário para se entender a trama das relações sociais, perceber

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o número reduzido de filhos (as), o maior número de “mães solteiras” 4 e divorciadas e o aumento de mulheres com um nível superior e uma profissão, dentre outros; e ilícitas - como a saída da mulher de crimes considerados tradicionais, como o aborto, o infanticídio, os crimes passionais e a prostituição, para crimes que fazem parte do domínio dos homens, como o trafico de drogas, o roubo, o seqüestro, os homicídios, dentre outros.

A categoria gênero nos traz a possibilidade de entender/ explicar a inserção de mulheres no meio criminal, em virtude de suas relações conjugais e afetivas, seja com o companheiro e/ou cônjuge que era ou ainda está envolvido com a criminalidade, seja com o laço de parentesco, quando se fala na “relação mãe e filho”, na qual também estão envolvida. Desse modo, a categoria vem nos explicar a não ruptura com os “valores tradicionais” lançados à representação feminina, como o cuidar, o educar e acima de tudo, a parceria e a dominação exercida muitas vezes pelo sexo oposto que lhes coloca em situações como o crime. Muitas exercem este laço de fidelidade por causa da dominação e da ameaça e acabam sentindo-se obrigadas a se inserir naquela “atividade ilícita”.

Sabemos que as relações de gênero5 são construídas sobre as diferenças – o corpo biológico; sobre elementos como as relações econômicas – organização do trabalho; sobre as relações de poder – os sistemas de poderes e instituições normativas; os símbolos culturais e a identidade subjetiva, como os aspectos que se inter-relacionam e interagem entre si.

Podemos afirmar que a questão de gênero também nos faz entender a construção sócio-histórica que estas mulheres tiveram, sejam as condições objetivas e materiais, tendo como ponto de partida a problemática da questão social, na qual a questão de gênero não deixa de ser uma de suas vertentes na sociedade capitalista

4 Szymanshi (et al, 2002) apresenta alguma das diversas formas de arranjos familiares na atualidade: família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias; famílias adotivas, que podem ser bi-racial ou multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pais ou mães; casais homossexuais com ou sem criança; famílias reconstituídas depois de divórcios e varias pessoas vivendo junto, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.

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madura; sejam as condições subjetivas6, ao se falar de que forma as relações sociais de gênero interferem na vida, no pensar e no agir do gênero feminino e do masculino.

Dessa forma, é necessário, para entendermos a trama das relações sociais, perceber também as relações de gênero como parte constitutiva destas, já que, segundo Veloso (2001), gênero e questão social estão intimamente relacionados e que as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade não se explica tendo por base suas características biológicas, e sim, os processos e determinantes históricos que apontam os padrões de gênero.

Ressaltamos também que não existe uma essência masculina ou feminina imutável e universal, a qual homens e mulheres estão presos. Neste sentido, não podemos enquadrar a mulher apenas num patamar de vitimização, pois apesar da divisão do poder entre homens e mulheres ocorrer de maneira desigual, não significa dizer que esta última não exerça nenhuma forma de poder.

Por isso, afirmamos que estudar a questão de gênero significa não apenas romper com estereótipos em relação ao ser mulher dentro de uma rede de relações sociais, compostas por classe, raça, etnia e geração, mas acima de tudo, analisar a conjuntura no atual contexto capitalista, que nos exige um desvelamento crítico do real.

Também colocamos como categorias para estudo em nosso trabalho, as condições objetivas da criminalidade e da violência na contemporaneidade, expressando esta sociedade que há alguns anos vem vivenciando estes elementos enquanto, as expressões mais cruéis da questão social.

A questão social historicamente sempre foi tratada historicamente pelo Estado como “caso de polícia”. É inegável o caráter funcionalista com o trato social dado pelo poder estatal. E as prisões, neste sentido, são a representação concreta desta forma de ver o social. Nestas instituições, consideradas como totalitárias, o

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indivíduo7é relegado a um plano de tratamento, isolamento e “despojamento do eu”, no sentido de “reeducá-lo” para o retorno ao convívio social. Nesse contexto, segundo Camargo (1990), a prisão dentro desta sociedade disciplinar é a expressão simbólica e nítida do exercício do poder e da dominação. O próprio nome, “Penitenciária” surge em virtude do termo “pena”, castigo. É isso que a sociedade baseada na exploração e dominação promove: a penalidade para aqueles que vão contra os seus mecanismos de opressão.

Por isso,

Atualmente, a questão social passa a ser objeto de um violento processo de criminalização que atinge as classes subalternas. Relaciona-se a noção de classes perigosas – não mais laboriosas – sujeitas à repressão e extinção. A tendência de naturalizar a questão social é acompanhada de transformações de suas manifestações em objetos de programas assistenciais focalizados de „combate à pobreza‟ ou em expressões da violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e as repressões oficiais (IAMAMOTO, 2001, p. 17).

No contexto social, encontra-se uma sociedade marcada pelo “Ter”. E isso nos faz trazer as reflexões de Martins (1997) ao assinalar que, por vezes, as classes populares vivem uma inclusão marginal. Sabemos que a pobreza não é sinônimo de criminalidade, mas seria impossível desconsiderar que a atual conjuntura social, econômica e política em que se encontra a imensa massa populacional traz a probabilidade de os indivíduos encontrarem nos meios ilícitos a forma de garantir a sobrevivência.Segundo Zaluar (1985, p. 164), é comum escutarmos:

Todos os pobres são subalternos. Pessoas que vivem nas mesmas condições materiais de privação e que sofrem as mesmas experiências de submissão e de humilhação de quem têm que se submeter a supervisores ou patrões para garantir a sua sobrevivência. O bandido é do pedaço. O bandido é pobre. O bandido é gente como todos.

Nesse contexto, há a presença do chamado individualismo, cujo problema social enfrentado pelo cidadão não é “problema do Estado”, e sim, do indivíduo que não se inseriu na lógica social. Os termos “disfuncionais8” e “desajustados” ainda fazem parte do cenário contemporâneo. Como já assinalamos, é típico qualificar na sociedade os indivíduos considerados “maus” (aqueles chamados de delinqüentes, bandidos, transgressores, anormais) e os “bons” (os chamados trabalhadores,

7“A manifestação vital do individuo é expressão e confirmação da vida social, porque a vida individual e a vida genérica do homem não são diferentes, embora a vida individual seja um modo especial ou mais geral de vida genérica” (MARX, 1974b).

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funcionais ao capital) para estigmatizar os indivíduos e justificar a criação de instituições consideradas totalitárias, como as prisões e os hospitais psiquiátricos, que tem o intuito “reeducar” e “reabilitar” os indivíduos segundo os moldes e as normas sociais dominantes.

Quando o Estado não trabalha a questão social, como caso de polícia, ela é relegada a ações assistencialistas9, imediatistas e paliativas, que muitas vezes não garantem os mínimos sociais, face a política neoliberal adotada pelo Estado burguês. Assim,

[...] as propostas neoliberais, em relação ao papel do Estado quanto à questão social, são propostas reducionistas que esvaziam e descaracterizam os mecanismos institucionais de proteção social. São propostas fundadas numa visão de política social apenas para complementar o que não se conseguiu via mercado, família ou comunidade. [...] É um Estado no qual as questões relativas à pobreza e à exclusão social são alvo de ação estatal irregular e tímida, apenas suficiente (e nem isso?) para minimizar as conseqüências negativas dos programas de ajuste estrutural. [...] Assim sendo, o incipiente sistema de proteção social brasileiro, e particularmente a Seguridade Social que afiança direitos a partir da Constituição de 1988, vai sendo duramente afetado pelo corte nos gastos sociais. (YAZBEK, 2002, p. 37-38).

Desse modo, vemos crescer as mais fatais formas de violência, como a violência estrutural que acaba sendo base para as demais formas de violência. A segurança pública prestada pelo Estado se pauta apenas em medidas policiais, e nega aos cidadãos os direitos sociais, econômicos, humanos e políticos.

Para compreendermos as categorias criminalidade e violência, partimos do conceito e da análise de Zaluar (1985), que traz a questão da criminalidade no meio social, a partir de estudos em uma comunidade no Rio de Janeiro, e como a população se comporta frente a este acirramento. Já Fraga (2002) faz uma análise mais contemporânea da criminalidade, enquanto Baierl;Amendra (2002), fazem um recorte histórico sobre como intervir frente à problemática da criminalidade no Brasil. Dominguez (2002), apresenta o conceito de paz, os diversos tipos de violência e as diversas vertentes desta última categoria.

Quanto à questão das prisões, que são em nosso estudo, o lócus de pesquisa, utilizamos o pensamento de Foucault (2005), que tanto traz a análise do poder, quanto das relações de poder nos micros-espaços. Goffman (2007) nos

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reporta ao entendimento de como se define a prisão enquanto instituição totalitária. Partimos também de Beccaria (1998) que é um clássico na área penal; bem como das próprias legislações brasileiras, como a Constituição Federal de 1988; a Lei de Execuções Penais e o Código Penal Brasileiro. E por fim, utilizamos Lima;Pires (2006) que trazem a trajetória histórica das prisões.

Explicitadas as nossas escolhas analíticas, é o momento de explicar nossas escolhas metodológicas.

Enquanto primeiro momento de construção da pesquisa, partimos para a escolha do seu lócus: O Complexo Penal Doutor João Chaves, localizado em Natal/RN. E escolhemos o local intencionalmente, em virtude da relação que já possuíamos com a Assistente Social do referido Complexo Penal e por ser nosso foco de estudo deste o ano de 2004, quando realizamos estágio obrigatório, também no setor de Serviço Social da instituição.

Na escolha dos procedimentos metodológicos, enquanto técnicas para avançarmos na apreensão da realidade, utilizamos: a análise de dados secundários, mais precisamente, a análise das fichas de avaliação social e da visita íntima fornecidas pelo Serviço Social da instituição, além da análise de dados estatísticos do Censo Penitenciário Nacional e da instituição, referentes ao ano de 2008. Em seguida, optamos pela aplicação de um roteiro de entrevista semi-estruturada10, mantendo um contato direto com seis aprisionadas que estão cumprindo pena de reclusão, em regime fechado ou provisório na instituição. Selecionamos estas aprisionadas intencionalmente, atendendo a critérios da entrevista ligada principalmente à questão de gênero, inserção socioeconômica, assim como também levamos em consideração o tipo de crime cometido, na tentativa de fugir das prerrogativas dos crimes tradicionais outrora associados às mulheres, como já assinalamos.

Para interpretação e análise destes dados coletados utilizamos a análise temática das entrevistas e a exposição quantitativa e qualitativa dos números sobre a realidade socioeconômica das presas, como por exemplo, o número de filhos, o estado civil, as principais ocupações antes da prisão, a faixa etária, a escolaridade e naturalidade, procurando partir de uma realidade macro-social, ou melhor, dos dados

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gerais em âmbito nacional e local, para a realidade micro-social, ou seja, a realidade socioeconômica das seis mulheres entrevistadas.

O terceiro momento se deu na consolidação, confronto e desvendamento das informações apreendidas, que foram analisadas sob dimensão de totalidade, tentando atender aos questionamentos os quais nos propomos nesse estudo.

Enquanto que exposição e organização deste trabalho dividimos da seguinte forma: após esta apresentação inicial, no segundo capítulo abordamos a questão da criminalidade e das prisões, partindo de uma análise histórica do surgimento das prisões no mundo, no Brasil e de dados sobre o sistema carcerário no Rio Grande do Norte (RN).

No terceiro capítulo seguinte apresentamos a discussão sobre a questão da violência e a questão social no capitalismo contemporâneo, subdividindo-o em uma análise sobre os conceitos de violência, medo e segurança pública e uma exposição sobre as determinações da violência enquanto expressão da questão social, fazendo uma reflexão sobre a sua face mais cruel, que é a violência estrutural.

No quarto capítulo, fazemos uma leitura da criminalidade e da condição feminina, partindo em seguida para a exposição do nosso percurso teórico-metodológico.

Para encerrarmos o debate sobre a temática, fechamos a dissertação com a exposição dos dados coletados e sua análise, estabelecendo uma relação dialética entre a empiria e a teoria, em um esforço de reafirmar/afirmar o nosso objeto de estudo.

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neste âmbito de contradições, não podem ser entendidas como um “não -sujeito”11,mas como indivíduo que está dentro das relações sociais e que também são sujeitos de ações.

As mulheres são sujeitos capazes de amar, odiar e cometer violências e crimes. Neste sentido, as presidiárias entrevistadas apresentaram motivos diversos para a sua inserção no meio criminal: amor, ódio, pobreza, revolta etc. Não estamos afirmando que a presença da mulher no crime deve ser celebrado como algo positivo, tendo em vista que o aumento da criminalidade independe da condição de gênero e denuncia uma sociedade marcada por problemáticas sociais gravíssimas. Contudo, não podemos negar que o ingresso da mulher no meio criminal se apresenta como um rompimento com esteriótipos que a ainda estão presentes em algumas visões de mundo, sendo a mulher vista como ser “frágil” e o homem como ser “forte e corajoso”. Deste modo, a inserção das mulheres no meio criminal se, por um lado, mostra a desumanidade e crueldade da sociedade capitalista e por outro, mostra mulheres que se recusam a permanecer na condição de vítimas, mesmo que para isto necessitem ou precisem de ingressar na criminalidade.

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2 CRIMINALIDADE, PRISÕES E O UNIVERSO FEMININO

2.1 A HISTORICIDADE DOS CRIMES, DAS PENAS E DAS PRISÕES

É típico de toda forma de organização social a determinação e a aplicação de um conjunto de normas e leis, bem como estas serem expressas, ideologicamente por meio de códigos, leis e constituições para manter as relações sociais dentro de um padrão de conduta moral.

Sabemos que historicamente os indivíduos que violam estas leis e regras são considerados transgressores pela sociedade como, delinqüentes ou marginais haja vista que segundo Beccaria (1998), todos os indivíduos ao depositarem parcela de sua liberdade em prol do bem comum, precisam defender as usurpações privadas de cada homem em particular. E em muitos casos, não tentam apenas tomar a sua liberdade - que lhe é reservada pela nação - mas também violar a do próximo. Neste sentido, o termo crime surge justamente para dar conta da questão da infração e ilegalidade cometida por esse “indivíduo”. É a própria sociedade quem define o que deve ser considerado como crime ou não. Portanto, podemos afirmar que este fato não é algo natural, mas construído e legitimado socialmente.

Para dar conta desta realidade “é o direito penal que se preocupa em definir e explicar os atos proibidos (os crimes) aos quais as leis atribuem pena criminal” (BAJER, 2002, p.8). Portanto, o próprio Código Penal Brasileiro (CPB), de 1940, define em seu Artigo 1º que [...] “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há sem prévia cominação legal”.

Desta forma, historicamente, como forma de sanar o ato cometido ou até mesmo de punir o individuo pela “desordem”12, surgiram as penas seguindo suas mais variadas formas, partindo de um princípio fundamental, que é a vingança do soberano ou das formas de poder constituído. Sabemos que “atualmente, só o Estado está autorizado a punir [...]. A vingança não é admitida em nosso sistema jurídico” (BAJER, 2002, p. 10). E mais:

A pena surge desde os primórdios como forma do homem primitivo conservar sua moral e integridade. Com o passar do tempo a pena é atribuída aos indivíduos como meio de intimação e retribuição a crimes cometidos sob as formas mais cruéis de castigo e até os dias atuais como forma recuperadora (OLIVEIRA, 1984, p. 02).

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Etimologicamente, segundo Oliveira (1984, p. 2), a palavra pena [...] “procede do latim poena, significando dor, castigo, punição, expiação, penitência, sofrimento, trabalho e fadiga”. Discutindo questiona sobre a punição frente ao crime cometido contra a “ordem social”, Foucault (2005, p. 78) assinala:

Ora, se deixarmos de lado o dano propriamente material [...], o prejuízo que um crime traz ao corpo social é a desordem que introduz nele: o escândalo que suscinta, o exemplo que dá, a incitação a recomeçar se não é punido, a possibilidade de generalização que traz consigo. Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a serie de desordens que este é capaz de abrir.

Paz e harmonia social são termos utilizados para a manutenção da ordem hegemônica. E isso é o exercício claro do poder. Para Foucault (1999), o poder é definido como um sistema no qual, mesmo aqueles que estão em condição de submissão – como por exemplo as mulheres nas sociedades patriarcais - podem exercer algum tipo de poder sobre o outro, seja como forma de reação, seja como forma de reprodução para outrem. Assim,

[...] O poder não se encontra somente concentrado nas mãos daqueles que possuem os meios de produção das riquezas, nem somente no Estado, embora aí ele se manifeste visivelmente enquanto força. Tudo não se resolve, por exemplo, com uma mudança de governo, ou mesmo de um sistema político. O poder se espalha como uma teia dissemina-se capilarmente, minuciosamente, em todas as relações sociais. Ou seja, as relações de dominação impregnam todas as instituições: família, escola, igreja, sindicato, partido político, e transmitem-se de geração em geração pelos mais diversos meios (CAMARGO, 1990, p. 140).

Do ponto de vista da história da humanidade, sobre a aplicação de penas aos crimes cometidos, podemos dividi-los seguindo os seguintes períodos: a) vingança privada; b) vingança divina; c) vingança pública; d) criminológico ou científico. Salientamos que esta divisão não é linear, mas os períodos se fundem e por vezes, se misturam, e neles se mesclam inúmeros determinantes históricos.

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O suplício deve ser ostentoso deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. O próprio excesso das vigências cometidas é uma das peças de sua glória: o fato de o culpado gemer ou gritar com os golpes não constitui algo acessório e vergonhoso, mas é o próprio cerimonial da justiça que se manifesta em sua força. Por isso, sem dúvida, é que os suplícios se prolongam ainda depois da morte: cadáveres, queimados, cinzas jogadas ao vento, corpos arrastados na grade, expostos a beira das estradas. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível (FOUCAULT, 2005, p.32).

Assim, nas sociedades antigas, a morte e o sofrimento tomam dimensões teatrais, como atrativos para a população, que atua como público punitivo e julgador, nas rodas, nas guilhotinas, na fogueira ou na amputação. Foucault (2005, p.31) ainda ressalta que, [...] “o suplício é uma pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz. É um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”. Neste período, as penas não tinham um caráter proporcional ao crime cometido. E esta condição perdura, até o ano de 1680 a.C., com a implantação do Código de Hamurabi e com a Lei do Talião, na Mesopotâmia Antiga. As leis, até então eram orais. A partir deste momento, surge o primeiro conjunto de leis escritas, que ficou conhecido pela célebre expressão: “Olho por olho, dente por dente”. Dessa forma, a punição sai do âmbito privado e envereda pelo âmbito público. É a fase da Vingança Pública, pela qual o indivíduo passa a ser punido com o próprio crime praticado.

Um exemplo dos crimes e penas impostas pela sociedade antiga se deu no Reino Persa, principalmente durante o governo de Ciro, o Grande – 560 a 530 a.C.. Neste Império, o soberano era considerado representação direta dos deuses. Sendo assim, quem transgredisse a lei emanada do soberano estaria ofendendo a própria divindade. Sobre este período denominado de Vingança Privada, Mirabete (2002) afirma que as sanções eram instituídas em nome da autoridade pública do Estado enquanto representante dos interesses da sociedade e como representação divina. Quanto aos crimes considerados de menor grau, estes eram punidos com chibatadas, podendo serem substituídas, em alguns casos, por multas pecuniárias13. Já os crimes de maior gravidade eram severamente punidos por castigos bárbaros, como a marca de fogo, a mutilação, a cegueira ou até a própria morte.

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A pena de morte era aplicada em casos de homicídios, estupro, aborto14, grave desrespeito a pessoa do rei e traição. Havia diversas formas de executar essa pena máxima: o envenenamento, a empalação, a crucificação, o enforcamento, o apedrejamento, dentre outros. Apesar destas formas cruéis de tortura, aos criminosos considerados réus primários não se permitia a pena de morte.

No caso de Roma, segundo Bajer (2002), os romanos faziam distinção entre os crimes públicos (crimina), que por sua vez podiam ser classificados em dois grupos: os casos de traição e atentado contra a segurança do Estado (perduellio); e as mortes de chefes do grupo (parricidium). Todos esses crimes instigavam a perseguição pública e a pronta reação da autoridade. E os crimes considerados privados (delictia), como os casos de ofensas físicas ou morais, furtos dentre outros. Esses eram punidos pelo próprio atingido, que assumia a vingança.

Com advento da Idade Média e a figura da Igreja como a grande difusora dos preceitos da ordem moral e social, instaura-se o período da Vingança Divina, expresso principalmente nos tribunais da Santa Inquisição. Os crimes capitais não eram numerosos. Era dada mais importância aos crimes religiosos, como a heresia e a descrença. Desse modo, a questão da religiosidade foi colocada em primeiro plano e quem transgredisse esta ordem era severamente castigado em “nome de Deus”. Podemos caracterizar este período como um momento no qual se aplicavam punições em prol da procura da regeneração e da purificação da alma do delinqüente para a manutenção da ordem na terra. É importante ressaltarmos que, na Idade Média, a Igreja já utilizava as prisões como forma de penitência para punir o clero, pois, segundo Goffman (2007 p. 18), para esta instituição, era [...] “através da segregação que se estimulava o arrependimento”. Desta forma, a Igreja reafirma, a partir de sua doutrina moral, os preceitos de ordem, tendo Deus como fundador da harmonia e da ordem social, associado à figura masculina e a exaltação, do patriarcado como forma de organização social.

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A atuação da igreja antes de se iniciar a perseguição de heresias e heréticos, era coerente com os preceitos do cristianismo, Inaugurava-se a preocupação com o indivíduo, o cuidado com a dignidade, tendo-se proibido as ordálias e os juízos de Deus, que eram modos de resolução de conflitos por resistência física em provas e duelos (BAJER, 2002, p.15).

Assim, foi instituída a Inquisição pelo papa Gregório IX (1227-1241), em 1231. O Tribunal da Inquisição do Santo Ofício se instaurou em Portugal em 1536. Segundo Bajer (2002, p. 17), a Inquisição portuguesa procurou reprimir as heresias e os delitos sexuais, entre os quais eram freqüentes a bigamia e a sodomia15. Segundo Pitanguy (1985, p. 27), a dinâmica da Inquisição como agente de cristianização pode ser descrita, grosso modo, por três linhas gerais:

A perseguição à heresia, principalmente as seitas dos cátaros e valdenses, nos séculos XII e XIII; a perseguição aos judeus e cristão-novos, desenvolvida essencialmente na Península Ibérica e a perseguição a bruxaria, particularmente relevante nos séculos XVI e XVII, e nas regiões hoje correspondentes a França, Itália, Alemanha, Áustria e Suíça.

Umas das maiores vítimas destes tribunais foram as mulheres, acusadas, principalmente, por bruxarias e satanismo, uma vez que eram figuras associadas, desde o mito do pecado original, ao demônio. A mulher é colocada em segundo plano, segundo Lima (2002), primeiro, por ter sido criada a partir da costela de Adão; e depois por tê-lo induzido ao pecado. Por isso, foi acusada e se tornou responsável pelo pecado e pelo sofrimento da humanidade. Deste modo, os pensadores cristãos, vão justificar, com um discurso religioso ao longo dos séculos, a ignorância e a maldade das mulheres. O que “Para Santo Agostinho, os homens refletem o Espírito de Deus no corpo e na alma. A mulher, diferentemente, possui reflexos de Deus apenas na alma, pois o seu corpo constitui obstáculo ao exercício da razão” (LIMA, 2002, p. 102).

Ora, é fato que desde o século X, com as leis canônicas, que qualquer ato que remetesse à bruxaria era considerado como ato infiel ou pagão. Contudo, apenas no século XIV, com a expansão mercantilista e com o início do processo de declínio feudal, que a Igreja16 - na tentativa de não abalar o seu poder e sua

15 Sodomia é a denominação dada pela Igreja Católica a práticas homossexuais. O termo faz referência à cidade de Sodoma, destruída por Deus, segundo o Antigo Testamento da Bíblia cristã, em função dos seus pecados. E entre estes pecados consta a prática de relações homossexuais, segundo a interpretação oficial da Igreja.

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hegemonia - começou a remeter a crença à magia como heresia popular, e a heresia como algo maléfico, que merecia punição e pena de morte. Dessa forma,

O estabelecimento da bruxaria como realidade permitiu que, nestes séculos, as idéias de desordem e desvio com ela se confundissem. A bruxaria se apresenta como estereótipo do medo e do perigo. [...] Entretanto, a bruxaria não tem apenas um caráter genérico de sinalização do todo o mal: ela é o mal específico da mulher (PITANGUY, 1985, p. 30).

Enfatizamos o caso da bruxaria foi enfatizado haja vista a questão histórica da perseguição vivenciada pela figura feminina na sociedade. A punição e a perseguição neste sentido, tomam conta não apenas do corpo, propriamente dito, mas também da mente dos acusados por meio do poder ideológico e cultural da Igreja.

Os crimes e suas punições vão tomando forma a partir de seu contexto sócio-histórico, porém é inegável a afirmação constante do exercício do poder e da dominação dos homens sobre as mulheres, lembrando que, quase sempre os inquisidores eram homens e as torturadas eram mulheres.

A partir do século XVIII, segundo Oliveira (1984), os crimes adquirem uma nova roupagem. Filósofos, alguns políticos e juristas, por suas obras17 lutam para difundir um direito penal mais humanitário18. Instaura-se assim, o período

Humanitário das penas. Até os tipos de crimes cometidos vão adquirindo uma nova forma. Na Idade Média, por exemplo, os crimes capitais não eram muito numerosos,

17 Entre elas podemos citar: “O Estado das Prisões na Inglaterra e País de Gales” (1777) escrito por Johm Howard e “O Tratado das Penas e das Recompensas” (1791) de Jeremias Bentham. Isso tudo ocorreu porque os povos, pensadores, filósofos perceberam que de nada valia tantos castigos nas aplicações das penas, tornando desta forma a própria sociedade oprimida. Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria publicou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente, o tratado Dos delitos e das Penas, elaborando princípios que se firmaram como a base do direito penal moderno, alguns adotados pela Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, na Revolução Francesa, repudiando as penas de morte e punições cruéis. Beccaria argumenta a necessidade das leis estipularem as penas, evitando o arbítrio judicial; que as penas não fossem utilizadas somente para intimidação, mas para recuperar o delinqüente; reclama a proporcionalidade das penas aos delitos e a separação do Poder Judiciário do Poder Legislativo. Já no século XIX surge o movimento científico, de quem a maior expressão foi Cesare Lombroso com sua obra O Homem Delinqüente, que buscou compreender cientificamente os fenômenos criminais e o próprio infrator. Não deu certo, em razão de tentar atribuir ao direito penal uma função meramente clínica, contrapondo-se, ao entendimento de que se trate da ciência normativa (LIMA;PIRES, 2006).

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somente sendo condenados à morte os acusados de traição (frente à Igreja) e os homicidas. Com o advento da Idade Moderna, principalmente a partir da Revolução Industrial, as penas passam para uma ótica de moderação e os crimes contra o patrimônio aumentam (roubo, frutos e fraudes).

A respeito deste período, Foucault (2005, p. 72), assinala que, “[...] na verdade a passagem da criminalidade de sangue para a criminalidade de fraude faz parte de todo mecanismo complexo onde figuram o desenvolvimento da produção e o aumento da riqueza.”

Já Lima; Pires (2006, p.12) assinalam que,

No período humanitário se concebe o crime como um ato que atenta contra a moral da sociedade; contra o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas e que, nesse entender, foram aceitas por todos. Por conseguinte, o criminoso é tido como um indivíduo amoral que rompeu com as normas de forma consciente e livre, tornando-se, em decorrência, alvo de uma punição por parte do Estado na condição de representante da vontade geral.

Portanto, desse modo, as penas e crimes vão moldando-se de acordo com a ordem vigente, levando em consideração o conjunto de interesses postos pelas diversas classes sociais em luta, pela correlação de forças dos diferentes momentos históricos e pela ideologia dominante.

No século XVIII, assistimos a um período de grandes mudanças nas aplicações das penas e punições. Segundo Foucault (2005), passam a existir três formas de organizar o poder de punir. A primeira, que funcionava e se apoiava no velho modelo monárquico, ligado a aplicação dos suplícios, segundo os quais a punição servia de atração e terror para os espectadores, de cerimonial de soberania e poder, utilizando-se rituais de vingança aplicados sobre o corpo do condenado.

A segunda forma para organizar o regime punitivo do período, refere-se ao projeto dos juristas reformadores, que defendiam a punição como um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direitos, utilizando, não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação era realizada mais rapidamente pela cena do castigo19.

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Foucault (2005, p. 92), apresenta que,

A punição pública é a cerimônia da recodificação imediata. [...] Cada elemento desse ritual deve falar, dizer o crime, lembrar a lei, mostrar a necessidade da punição, justificar sua medida. Cartazes, placas, sinais, símbolos, devem ser multiplicados, para que cada um possa apreender seus significados. A publicidade da punição, não deve espalhar um efeito físico de terror, deve abrir um livro de leitura (FOUCAULT, 2005, p. 92).

A terceira forma estava centralizada nas instituições carcerárias, nas quais a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos. Ela utilizava processos de treinamento dos corpos, com traços que deixavam sob formas de hábitos e comportamentos, a implantação de um modelo de poder específico de gestão de pena. Nesta terceira forma de organização, o exemplo mais nítido são as prisões.

Este último modelo foi utilizado nas sociedades industriais do início do século XIX. A prisão passou a ser considerada, segundo Camargo (1990), no final do século XVIII e início do século XIX, nos países industrializados, como a pena das sociedades civilizadas. Anteriormente ocupara somente uma posição secundária no sistema de penas, tendo como finalidade apenas garantir a presença dos suspeitos à disposição de seus juízes ou do condenado à espera da execução de sua sentença.

Segundo Camargo (1990), o sistema político das sociedades modernas industriais foi organizado a partir da Revolução Francesa (1789 – 1799), quando a classe burguesa assumiu poderes em nome da liberdade e da igualdade. Igualdade e liberdade nunca postas em prática, dentro de um sistema socioeconômico que lhe dita regras e normas em detrimento da justiça social, e que tem como objetivo a acumulação e a produção/reprodução do capital sob domínio de uma minoria. Na verdade, por trás deste pensamento dominante, existe uma rede que mantém a desigualdade e assegura a dominação.

Numa sociedade de soberania e disciplina, de investimentos e extração de produtividade dos corpos, mercantilização da vida e a redução da contestação política, os espaços precisam ser localizados, fronteiras demarcadas. Anomias, pessoas perigosas, classes, nômades, mulheres, crianças, instintos, eles – os outros – precisam ser identificados, controlados, apaziguados, banidos, calados, desqualificados e às vezes mortos (PASSETI, 2002, p. 8).

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De forma geral, Foucault (2005) expõe alguns princípios em relação ao surgimento, a aplicabilidade e a evolução das penas. Utilizando-se do Código Penal da França, de 1791, o autor infere que a punição deve afastar o indivíduo da idéia de crime vantajoso e atraente. Ou seja, toda punição deve ter um caráter desencorajador do indivíduo, e ele deve ver na pena uma desvantagem ao cometer algum crime, despertando a vergonha no indivíduo. Tal formulação está exposta em: “Que o castigo o irrite e o estimule mais do que o erro que o encoraja” (FOUCAUT, 2005, p.88). Propriedades do indivíduo, como: honra, liberdade e vida devem ser atingidas quando este comete algum crime. Isso é uma forma de fazê-lo recusar o crime e respeitar o outro.

As formas de aplicabilidade das penas no século XVIII estavam pautadas principalmente na privação da liberdade, tendo em vista o então regime liberal instaurado. Porém, “[...] o corpo ainda é visto como instrumento para arrependimento em relação ao ato praticado, mas a finalidade maior da pena deve ser privar o indivíduo de sua liberdade que era considerada, ao mesmo tempo, o maior direito e maior bem” (LIMA;PIRES, 2006, p. 13).

Outro fato é que a pena deve servir de lição para todos. E, com isso, deve tomar o lugar do falso proveito do crime. Deve despertar na população que aquele crime cometido afetou todos os movimentos da sociedade, tanto os comuns quanto como os particulares. Por exemplo, na sociedade industrial, o fato de um indivíduo ser preso, é considerado uma desvantagem para todos, pois significa tirá-lo da produção. O capital, nesse sentido, perde mais um para produzir mercadorias e gerar lucros para o sistema. Isto porque “O condenado irradia lucros e significações. Ele serve visivelmente a cada um, mas ao mesmo tempo introduz no espírito de todos os sinais de crime-castigo” (FOUCAULT, 2005, p. 91).

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sobre moral e cívica” (FOUCAULT,2005, p.92). Era a “lição viva no museu da ordem” (p.92). Entendemos que

Encontrar para um crime o castigo que o convém é encontrar a desvantagem cuja idéia seja tal que torne definitivamente sem atração a idéia de um delito. É uma arte das energias que se combatem, arte das imagens que se associam, fabricação de ligações estáveis que desafiem o tempo. Importa construir pares de representação de valores opostos, instaurar diferenças quantitativas entre as forças em questão, estabelecer um jogo de sinais – obstáculos que possam submeter o movimento das forças a uma relação de poder (FOUCAULT, 2005, p. 87).

Como exemplo claro destas demonstrações de poderes e dar aplicação da moral e da noção de “perda social” tem a repressão do capital ao Movimento Operário, em especial no período da Revolução Industrial e da ascensão do capitalismo - fins do século XVIII para o século XIX - quando se presenciou a consolidação da contradição de classes e o aumento da pobreza e da miséria social.

A revolta dos trabalhadores era contra a submissão da vida humana aos interesses do capital, contra as humilhações cotidianas que os capitalistas lhes impunham, transformando-os em mera condição de expansão de seu capital e violentando a sua dignidade de ser humano, cuja força de trabalho era comprada a preços cada vez mais degradantes. [...] transformando a sua existência em uma luta contínua e desigual de sobrevivência (PITANGUY, 1985, p.44).

Quanto às revoltas, os trabalhadores eram punidos com pena de morte. Já os líderes sindicais com penas privativas de liberdade e repressão policial – a exemplo do Movimento Luddista ou luddismo, e das respostas dos trabalhadores à Revolução de 1848. Quanto a pobreza e a mendicância, estas eras vistas como “[...] um problema de caráter e a mendicância como uma forma de vadiagem” (MARTINELLI, 2006, p. 78), que afetavam diretamente o equilíbrio social, precisando sempre serem controladas em nome da estabilidade do poder. Já a partir do século XVII, com a instauração da chamada Legislação dos Pobres, na Inglaterra, era nítida a repressão: “Na legislação dos pobres, o enforcamento dos mendigos e a marcação dos pobres com ferro em brasa, por recusa ao trabalho ou fuga da aldeia ou das casas de correção, eram práticas sancionadas tanto pela Casa real como pelo Parlamento” (MARTINELLI, 2006, p. 78).

A classe burguesa via na pobreza um meio necessário para a produção do capital, mas que precisava ser “dominada” pelas autoridades estatais, para que não trouxesse riscos à expansão do capital. Na Inglaterra do século XIX, apesar do avanço do assistencialismo via Igreja e Estado20, assim como, com a tomada de

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consciência por parte da classe trabalhadora, que já lutava por medidas mais amplas de política social, ainda se afirmava que “[...] ser declarado pobre equivalia a perder um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à liberdade. A pobreza era punida como não-cidadania, isto é, com a destituição da cidadania econômica e com o cerceamento da liberdade de ir e vir” (MARTINELLI, 2006, p. 85).

Segundo Martinelli (2006), a mesma nação que declarava o discurso da cidadania é a mesma que punia mais severamente os pobres e os trabalhadores, privando-os de liberdade e de mobilidade social. Podemos afirmar que é um modelo de assistência aos pobres que se apoiava em três estratégias: a intimidação, a repressão e a punição.

É inegável o exercício freqüente das relações de poder frente aos pauperizados e explorados pelo capital. O castigo deve levar em si uma técnica corretiva. Apresenta-se como uma forma freqüente de moldar o ser aos ditames dominantes e a ordem hegemônica:

O soberano e sua força, o corpo social, o aparelho administrativo. A marca, o sinal, o traço. A cerimônia, a representação, o exercício. O inimigo, vencido, o sujeito de direito em vias que requalificação, o indivíduo submetido a uma coerção imediata. O corpo que é suplicado, a alma cuja representação são manipulações, o corpo que é treinado. [...] Não podemos reduzi-los nem a teorias de direito (se bem que lhes sejam paralelos) nem identificá-los a aparelhos e instituições (se bem que nelas se apóiem) nem fazê-los derivar de escolhas morais (se bem que nelas os encontrem suas justificações). São modalidades de acordo com as quais se exerce o poder de punir (FOUCAULT, 2005, p. 108 grifos nossos).

Nesse sentido, as técnicas e as ciências desempenham um papel definido por Camargo (1990) como normalizador da sociedade, reproduzindo padrões, normas e comportamentos imbuídos de preceitos, ligados à ideologia dominante. Em conseqüência disso, os que agem fora destes padrões são tidos como anormais. E assim “como todos temem a exclusão social, mantém-se a ordem estabelecida, sem questionamentos” (CAMARGO, 1990, p. 134). Desse modo, vamos assistir em meados do século XIX, ao surgimento do período considerado criminológico ou cientifico. Segundo Lima; Pires (2006), enquanto no humanitário há uma preocupação para com o crime e a pena, no criminológico podemos afirmar que este se dirigiu principalmente para a pessoa que praticou o ato delituoso e para as circunstâncias que a levaram a praticá-lo.

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É um período em que a patologia criminal entra em cena, e o indivíduo deixa de ser acusado de amoral, passando a ser visto como “anormal”. Segundo Lima;Pires (2006), alguns estudiosos, como Cesare Lombroso, que viveu na Itália, entre 1835 e 1909, este se baseava na Teoria da Evolução de Darwin, para explicar patologicamente o criminoso. Para ele, o criminoso nato é “[...] aquele que permaneceu atrasado em relação aos demais durante a evolução das espécies e que, por isso, ainda não perdeu a agressividade”. (LIMA; PIRES, 2006, p.19) Desse modo, as raízes para a explicação do ato criminoso estava na biologia.

Para tal período também se aplica a individualização da pena, que é sancionada de acordo com a identificação e o diagnóstico do infrator. Ressaltamos que em virtude deste caráter patológico, as penas tem um efeito terapêutico e de recuperação do indivíduo, evitando assim a reincidência criminal. Neste sentido, Lima;Pires (2006), afirmam que: “[...] a prisão seria uma instituição na qual os indivíduos transgressores da lei seriam reabilitados para que, quando do retorno ao convívio social, não mais descumprisse a lei, vivendo em „normalidade‟ – leia-se em conformidade com os padrões dominantes” (p. 21). Era o crime sendo visto como doença; e a prisão como um hospital e esta é ainda a concepção dominante nos dias atuais.

Ainda hoje, é típico qualificar os indivíduos considerados “maus” na sociedade, aqueles chamados de delinqüentes21, bandidos, transgressores e anormais; e os “bons”, os chamados trabalhadores e funcionais ao capital. A resposta para todo este “mal” é o próprio aparato policial. O que podemos afirmar sobre este primeiro momento é que, historicamente, os crimes e suas punições (penas) e as diversas formas de violência foram – e são - atribuídas a caso de polícia e não expressões da questão social22, nas quais as palavras de manutenção da ordem e paz social fazem parte da agenda social dominante.

Quanto aos determinantes que influenciam o indivíduo a inserir-se na criminalidade não podemos determiná-los objetivamente. Porém, para um primeiro

21Para Foucault (2005, p. 213), “O correlativo da justiça penal é o próprio infrator, mas o do aparelho penitenciário é outra pessoa: o delinqüente que segundo tal, é uma unidade biográfica, núcleo de periculosidade, representante de um tipo de anomalia.”

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