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A lenda de Hannibal Lecter: um estudo da carnavalização nos filmes o silêncio dos inocentes, Hannibal e dragão vermelho

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Academic year: 2017

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(1)

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ELIANA PARDO PULZ DOICHE

A LENDA DE HANNIBAL LECTER: UM ESTUDO DA

CARNAVALIZAÇÃO NOS FILMES

O SILÊNCIO DOS

INOCENTES

,

HANNIBAL

E

DRAGÃO VERMELHO

(2)

D657L Doiche, Eliana Pardo Pulz.

A lenda de Hannibal Lecter: um estudo da carnavalização nos filmes O silęncio dos inocentes, Hannibal e dragão

vermelho / Eliana Pardo Pulz Doiche. - 170 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f. 169-170.

1. Dialogismo. 2. Bakhtin, Mikhail. 3. Lecter, Hannibal. I. Título.

(3)

ELIANA PARDO PULZ DOICHE

A LENDA DE HANNIBAL LECTER: UM ESTUDO DA

CARNAVALIZAÇÃO NOS FILMES

O SILÊNCIO DOS

INOCENTES

,

HANNIBAL

E

DRAGÃO VERMELHO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito

para obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª. Drª. Lílian Lopondo

(4)

ELIANA PARDO PULZ DOICHE

A LENDA DE HANNIBAL LECTER: UM ESTUDO DA

CARNAVALIZAÇÃO NOS FILMES

O SILÊNCIO DOS

INOCENTES

,

HANNIBAL

E

DRAGÃO VERMELHO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito

para obtenção do título de Mestre em Letras.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profª. Drª. Lílian Lopondo

Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

__________________________________________________

Profª. Drª. Ângela Sivalli Ignatti

Universidade de São Paulo (USP)

__________________________________________________

Profª. Drª. Maria Luíza Guarnieri Atik

(5)

A meu marido e filhos, eternos

companheiros, pela confiança na

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar saúde para trilhar esta jornada até o final.

A meu pai, pelo carinho e exemplo de um homem trabalhador desde os primeiros anos.

À minha mãe, pela criação tão intensa e tão dedicada.

À Profª. Drª. Lílian Lopondo, pelo apoio e pelas longas esperas.

A todos os professores e administradores da EMEF Padre Gregório Westrupp pelo companheirismo e compreensão.

(7)

[...] por ter muito para ver, nossos olhos, com frequência,

(8)

RESUMO

O objetivo desta dissertação é o estudo da personagem Hannibal Lecter nas narrativas fílmicas O Silêncio dos Inocentes, Hannibal e Dragão Vermelho. Para tanto, focalizamos a personagem sob dois aspectos: o primeiro se relaciona com sua construção. Estudamos os movimentos de câmera e os ângulos de focalização da câmera. Alguns outros elementos da linguagem fílmica, como os ruídos e a música, foram citados quando os mesmos eram muito relevantes para a composição da personagem. O segundo trata do dialogismo, da “ciência das relações”, conforme formulada por Bakhtin. Buscamos, assim, apreender os momentos em que as personagens tomam consciência de sua identidade. Os procedimentos narrativos comuns ao corpus evidenciam que a concepção de mundo dos filmes se sustenta sobre a carnavalização. Por meio das imagens carnavalizadas, estamos diante de um mundo às avessas, onde as verdades e as identidades são relativas.

(9)

ABSTRACT

The goal of this dissertation is the study of the character Hannibal Lecter in filmic narratives The Silence of the Lambs, Hannibal and Red Dragon. To this end, we focus on the character in two ways: the first relates to its construction. We studied the movements of the camera, the camera angles and focus of the camera. Some other elements of film language, such as noise and music were cited when they were very relevant to the composition of the character. The second deals with the

dialogue, “the science of relations”, as formulated by Bakhtin. We seek thus to seize

the moments when the characters become aware of their identity. The narrative procedures common to the corpus show the conception of the film world stands on the carnavalization. Through the images carnivalized, we are faced with a topsy-turvy world where the truths and identities are relative.

(10)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 Vista panorâmica do edifício de treinamento do FBI. Clarice é a pessoa que está correndo para o lado direito do edifício...

30

Ilustração 2 A cena evidencia a jovialidade e o entusiasmo da estudante...

31

Ilustração 3 Sequência em que ocorre o destaque na predominância do sexo masculino da Instituição...

31

Ilustração 4 Lecter visto por Clarice e Clarice vista por Lecter... 40

Ilustração 5 Lecter está colado ao vidro olhando para Clarice ... 46

Ilustração 6 Clarice quebra as regras de segurança e se aproxima de Lecter que lhe promete ajuda...

48

Ilustração 7 Clarice após seu encontro com Hannibal Lecter... 49

Ilustração 8 Clarice volta para a academia em busca de aprimoramento... 50

lustração 9 Clarice durante sua formatura recebe uma ligação de Hannibal Lecter ...

57

Ilustração 10 Tomada em plano geral final, Lecter está caminhando para frente com terno claro e chapéu...

58

Ilustração 11 Mason Verger na sequência de abertura do filme... 63

Ilustração 12 Máscara que foi usada por Hannibal Lecter quando transferido para o Tennesse...

64

Ilustração 13 Clarice Starling, solitária, chegando ao local onde deve instruir seus homens...

67

Ilustração 14 A agente Especial Starling: posição de liderança... 68

Ilustração 15 Clarice pouco antes de atirar na mãe que carregava um bebê preso no peito...

70

Ilustração 16 Clarice logo após o tiroteio em sua casa... 71

(11)

Ilustração 18 Clarice Starling em seu caminho para a casa de Verger... 75

Ilustração 19 A onipotência de Mason Verger concretizada em sua visão... 79

Ilustração 20 Imagem de transição entre as sequências... 82

Ilustração 21 Primeira vez que a câmera focaliza Dr. Fell... 86

Ilustração 22 Hannibal Lecter na última cena do filme... 90

Ilustração 23 Porta vermelha atrás de Graham. Seria ela um símbolo de Hannibal Lecter? ... 96 Ilustração 24 Porta da frente da casa do Dr. Hannibal Lecter... 96

Ilustração 25 Hannibal Lecter no momento em que agride o Agente Especial Will Graham... 102 Ilustração 26 Hannibal e Will Graham em seu reencontro... 113

Ilustração 27 Dragão Vermelho... 117

Ilustração 28 O ataque repentino de Hannibal Lecter... 118

Ilustração 29 Hannibal Lecter no momento em que encerra a leitura de sua carta... 121 Ilustração 30 Reação visual de Lecter às palavras de Clarice ... 133

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO 1 A PERSONAGEM EM O SILÊNCIO DOS INOCENTES ... 26

1.1 CLARICE STARLING E SEU PONTO DE VISTA... 26

1.1.1 CLARICE STARLING E O PONTO DE VISTA DO OUTRO... 29

1.2 CLARICE STARLING FORA DA ACADEMIA... 34

1.2.1 CLARICE STARLING E HANNIBAL LECTER – O PRIMEIRO ENCONTRO 38 1.3 CLARICE STARLING RETORNA PARA A ACADEMIA... 50

1.4 CLARICE STARLING E HANNIBAL LECTER – O SEGUNDO ENCONTRO .. 52

1.5 BUFFALO BILL OU JAMES GUMB ... 54

1.6 O FINAL ABERTO DE O SILÊNCIO DOS INOCENTES ... 56

CAPÍTULO 2 A PERSONAGEM EM HANNIBAL ... 59

2.1 MASON VERGER E SEU INFORMANTE... 59

2.2 CLARICE STARLING – O ENCONTRO COM OS PARCEIROS... 66

2.3 CLARICE STARLING – O ENCONTRO EM PRAÇA PÚBLICA... 69

2.4 O JULGAMENTO DE CLARICE STARLING... 71

2.5 CLARICE STARLING – O ENCONTRO COM MASON VERGER... 75

2.6 HANNIBAL LECTER OU DR. FELL ... 82

2.7 HANNIBAL LECTER E CLARICE STARLING – A CARTA PERFUMADA... 86

2.8 O FINAL DE HANNIBAL ... 88

CAPÍTULO 3 A PERSONAGEM EM DRAGÃO VERMELHO... 91

3.1 HANNIBAL EM ENCONTROS SOCIAIS... 91

3.2 HANNIBAL LECTER E WILL GRAHAM – O PRIMEIRO ENCONTRO... 95

3.3 WILL GRAHAM LONGE DO FBI EM NOVA FASE... 104

(13)

3.5 DRAGÃO VERMELHO OU FRANCIS DOLARHYDE... 114

3.6 HANNIBAL LECTER E WILL GRAHAM - NA JAULA DE EXERCÍCIOS... 118

3.7 O FINAL CIRCULAR DE DRAGÃO VERMELHO... 120

CAPÍTULO 4 – AS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM O SILÊNCIO DOS INOCENTES, HANNIBAL E DRAGÃO VERMELHO ...

123

4.1 HANNIBAL LECTER – O EU E O OUTRO EM O SILÊNCIO DOS

INOCENTES ...

125

4.2 HANNIBAL LECTER – O EU E O OUTRO EM HANNIBAL 138

4.3 HANNIBAL LECTER – O EU E O OUTRO EM DRAGÃO VERMELHO 143

CAPÍTULO 5 A CARNAVALIZAÇÃO EM O SILÊNCIO DOS INOCENTES,

HANNIBAL E DRAGÃO VERMELHO...

145

5.1 AS CATEGORIAS CARNAVALESCAS INSERIDAS NAS NARRATIVAS

FÍLMICAS ...

147

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 154

REFERÊNCIAS ... 161

ANEXO I FICHA E SINOPSE DOS FILMES ESTUDADOS...

HANNIBAL 165

O SILÊNCIO DOS INOCENTES 166

(14)

Introdução

[...] as artes constituem discursos poderosos sobre a vida, sobre os seres humanos. Beth Brait

O homem conseguiu produzir uma grande quantidade de artefatos que lhe possibilitaram dominar e transformar o meio natural em que vive. Essa atitude de criar instrumentos e aperfeiçoá-los constantemente torna possível a compreensão do processo civilizatório pelo qual o ser humano vem passando desde que surgiu sobre a Terra.

Os rastros deixados pelas civilizações (potes, urnas mortuárias e instrumentos rudimentares para tecer, caçar ou pescar etc.) permitem que os antropólogos culturais reconstituam a organização social de um grupo humano a partir dos objetos preservados.

Além dos objetos que lhe são úteis no dia-a-dia, o ser humano também produz coisas que, apesar de não terem utilidade imediata, sempre estiveram presentes em sua vida. Por meio dessas criações, as quais se constituem as obras de arte, o homem expressa seus sentimentos diante da vida e, mais ainda, expressa sua visão do momento histórico no qual vive. É com o intuito, de revelar-se, que o artista apropria-se de uma linguagem para produzir algo que lhe agrada e lhe é representativo.

Dentre as muitas criações de caráter estético, que buscam sensibilizar e emocionar o apreciador, interessa-nos estudar o cinema. Inicialmente, o cinema trazia como novidade o movimento das imagens. O Cinematógrafo dos irmãos Lumière, antes de ser apresentado em sessão pública pela primeira vez em Paris, em 28 de dezembro de 1895, já havia sido mostrado ao mundo científico, em reuniões privadas.

[...] Ele aluga o Salão Indiano, uma saleta no subsolo do Grand Café, no nº 14 a arrumação é sumária: uma tela, uma centena de cadeiras, um aparelho de projeção em cima de uma escadinha e, na entrada, uma faixa:

(15)

As pessoas que pagam para entrar na sala de cinema são mergulhadas na escuridão. No local, além dos artefatos descritos na passagem acima por TOULET, há um piano. O equipamento é instalado para encobrir o ruído do aparelho que reproduz as imagens. O programa de vinte minutos, que comporta uns dez filmes, vai deixando o público pasmo diante das imagens animadas. Na famosa Entrée d’um train en gare de Ciotat, (A chegada do trem na estação de Ciotat), em que Louis Lumière usou uma objetiva de campo profundo, a locomotiva vinda do horizonte, aumenta de tamanho e projeta-se sobre os espectadores. O caráter mágico da imagem cinematográfica aparece com clareza: a câmera cria algo mais que a simples duplicação da realidade.

A novidade dos irmãos logo percorre as capitais da Europa e chega à cidade de Nova Iorque em 29 de junho de 1896. Porém, até cerca de 1910, a França ocupa o primeiro lugar na produção e exportação cinematográficas.

Nos primeiros dez anos, um filme ainda era apenas uma sequência de tomadas estáticas, fruto direto da visão teatral. Porém, os cineastas começaram a cortar o filme em cenas. A partir da aparente simplicidade da técnica de montar e editar as imagens criou-se um vocabulário e uma gramática de incrível variedade, ou seja, um meio de conduzir um relato e de veicular idéias.

No decorrer de um século, a jovem linguagem do cinema passou por uma incrível diversificação. Desde o seu surgimento e o estabelecimento dos dois princípios básicos: o cinema como documento (Lumière) e como sonho (Méliès); das primeiras criações estilísticas: a não estaticidade de Lumière, a trucagem em Méliès a forma de fazer filmes mudou completamente. Hoje se admite que este cinema dos primórdios corresponda a outro tipo de espetáculo. Dessa forma, das primeiras exibições do final do século 19, praticamente, só resta a sala escura.

A partir dessa breve história do cinema, cabe agora um enfoque sobre o corpus, a fim de podermos prestar melhores esclarecimentos sobre a origem e os objetivos deste estudo.

(16)

determinada língua concebida a partir de convenções determinadas por um certo grupo social.

A partir dessa constatação, ou seja, de que em um filme, podemos perceber a presença de várias linguagem: a fílmica, aquela que trata dos meios cinematográficos: imagem, diálogos, ruídos, música, materiais escritos, e as outras que se materializam em forma de enunciados, os quais são pronunciados pelas personagens e que refletem suas posições ideológicas. Além disso, devemos considerar que o cinema não é puro entretenimento e que por isso pode ser objeto de um estudo sério.

Essas primeiras observações levam-nos a esclarecer o objetivo de nossa dissertação que parte da construção da personagem com o intuito de demonstrar que o dialogismo e a carnavalização são dois elementos de reflexão que podem ser observados nas produções cinematográficas1 O Silêncio do Inocentes (The Silence of the Lambs) (1991), de Jonathan Demme; Hannibal (Hannibal) (2001), de Ridley Scott e Dragão Vermelho(Red Dragon) (2002), de Brett Ratner.

Nas obras citadas, alguns aspectos da personagem Hannibal Lecter, que participa das três narrativas fílmicas, nos chamam a atenção. Parece-nos que a substância fundamental de que é feita a personagem é a maneira como ele é mostrado pela câmera. A opção pelo primeiro e primeiríssimo plano causam um estranhamento e amedrontam seu interlocutor, além disso, nota-se seu posicionamento frente ao seu interlocutor; sua habilidade de discurso ou convencimento, sua capacidade de antecipar-se aos fatos e seu domínio intelectual. Em suma, é por sua voz que Hannibal Lecter torna-se uma personagem complexa, que vai transfigurando-se ao longo da narrativa para alcançar seu objetivo final, qual seja, a liberdade (liberdade da prisão e retorno ao status quo, libertar-se da antiga identidade de canibal e libertar-se de seu duplo - Will Graham).

No mundo ficcional retratado, policial e bandido se coadunam e refletem uma realidade e um modo de vida que se expressam pela ambiguidade e pela ambivalência. É nesse contexto que Hannibal Lecter transita livremente relaciona-se

1 Um dos filmes escolhidos para esta pesquisa O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs) (EUA, 1991) é uma adaptação do romance homônimo de Thomas Harris, The Silence of the Lambs lançado em 1988. O outro Hannibal (Hannibal) (EUA, 2001) também adaptado de um romance homônimo de Thomas Harris, lançado em

1999. Dragão Vermelho (Red Dragon) (EUA, 2002) foi adaptado a partir do romance homônimo de Thomas

(17)

com as outras personagens de diferentes esferas sociais, intercambiando seu papel, herói ou anti-herói, de acordo com a necessidade do momento.

Dessa maneira, ao decidirmo-nos por estudar a personagem estávamos elegendo seu caráter dialógico, uma vez que intuímos desde a primeira vez que assistimos aos filmes que o vigor das personagens criadas é fruto das relações, e, fundamentalmente, de sua voz. Por isso, para tratarmos das relações entre as personagens, elegemos o dialogismo. Segundo MACHADO (1995, p. 310), BAKHTIN formulou a “ciência das relações” por meio de “da observação da

interação existente na dinâmica das enunciações, dos organismos, dos fenômenos e

do homem com o mundo”. Sendo assim, o dialogismo “celebra a alteridade, a necessidade do outro”, elegendo-se, assim, como elemento principal através do qual Bakhtin pensará as relações culturais. Quando um fenômeno é analisado à luz do

dialogismo ele deve ser considerado “em sua bidirecionalidade, a orientação de um EU para o OUTRO”.

As películas, anteriormente descritas, foram escolhidas para compor o nosso

corpus, em primeiro lugar, por serem filmes que tratam das personagens, ou seja, o foco está nas relações entre elas e não na ação.

Dentro da Teoria Literária, KAYSER (1985) propõe, ou melhor, estabelece uma classificação para os textos ficcionais considerando suas particularidades: drama de ação, é aquele construído de eventos; drama de personagem, é aquele em que a personagem domina o a história e drama de espaço, o lugar é o protagonista do texto. Portanto, por essa classificação, poderíamos situar nosso

corpus na segunda categoria: drama de personagem. Segundo o teórico, a estrutura do drama de personagem se caracteriza

(18)

No mundo cinematográfico, o diretor Scorsese argumenta que quando se opta por fazer um filme de gênero, há regras a serem respeitadas em relação ao público2.

Em outros termos, diretor e espectador compartilham de um pré-conhecimento que foi estabelecido pelo sistema de criação. Dessa maneira, para o público torna-se mais fácil fazer uma boa leitura da película.

Outro fator que nos levou a escolher os filmes se relaciona com as personagens, as quais apresentaremos no decorrer do trabalho. As mesmas estão

envolvidas em “um enredo suficientemente rico, forte e convincente para manter no leitor sempre a mesma pergunta aflita: e agora? que vai acontecer? e depois?”

(MOISÉS, 1983, p. 106). Ou seja, O Silêncio dos Inocentes traz para o primeiro plano a figura de uma mulher, situação rara na história do cinema, tentando se inserir em um sistema onde o predomínio masculino é claro. Ela se encontra separada de Lecter por uma parede de vidro. Em Hannibal, Clarice e Hannibal estão separados geograficamente. A policial está nos Estados Unidos e ele mora em Florença. As situações provocadas por um antigo paciente e vítima de Lecter vão possibilitar o reencontro dos dois. Já em Dragão Vermelho, o último filme, podemos entender em que situações Hannibal Lecter foi preso e como ele se associa ao criminoso Fada dos Dentes para matar o agente Graham.

Pela técnica de composição das narrativas fílmicas, os diretores dos filmes convidam o espectador a experimentar diferentes sensações com cenas que colocam o homem em situações extraordinárias que o revelam e provocam. Além disso, põem em tensão a sanidade e a loucura; o bonito e o feio; o velho e o novo; o certo e o errado. Enfim, o ser e o não ser. É na esteira desse ambiente de imagens ambivalentes que encontramos a carnavalização. Segundo BAKHTIN (2008, p. 122),

a cosmovisão carnavalesca aplicada a um texto “coloca a imagem e a palavra numa relação especial com a realidade”. Dessa maneira, a vida é desviada de sua ordem

normal, transformando-se em uma “vida às avessas”, um “mundo invertido”. Nessa

nova ordem, todos são participantes ativos, pois o carnaval não é representado, ele é vivido. O principal palco das ações carnavalescas é a praça pública, as ruas contíguas ou qualquer outro espaço onde as personagens possam se encontrar.

(19)

Por fim, em nossa escolha consideramos a notoriedade comercial e o apelo popular das películas. Os três filmes foram sucesso de bilheteria e ainda são transmitidos tanto nos canais abertos quanto nos canais disponibilizados pelas empresas de televisão a cabo.

O Silêncio do Inocentes, por exemplo, foi a terceira obra a vencer as cinco principais categorias do Oscar: Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Diretor (Anthony Hopkins, Jodie Foster e Jonatham Demme, respectivamente), e também o Oscar de Melhor Filme, e o Oscar de Melhor Roteiro adaptado para Ted Tally. Os outros dois filmes que conseguiram esse feito foram Aconteceu Naquela Noite, de Frank Capra (1934) e Um Estranho no Ninho, de Milos Forman (1975).

Feitas as primeiras justificativas quanto à escolha do nosso corpus, enfatizamos que neste trabalho procura-se dar palavra ao próprio filme, suas imagens, diálogos e sons são tomados aqui como núcleo central e busca-se extrair deles as relações dialógicas entre as personagens, as questões que estas suscitam e como as mesmas são resolvidas no plano diegético. Partimos à apresentação dos filmes escolhidos.

As técnicas de filmagem utilizadas na trilogia buscam fazer algo que o cinema foi se aperfeiçoando desde sua primeira exibição, ou seja, prender inúmeros espectadores diante de uma grande tela, o que, atualmente, leva mais ou menos duas horas. Para isto a montagem do filme nas disposições de cenas e a construção estética das personagens principais serão fundamentais para que exista uma

sintonia, uma espécie de “pacto”, entre o público e a personagem que conduz a trama para que após a efetivação deste “pacto” o filme se estenda até o resultado

final. E, nesse sentido, a identificação entre público e personagem se realiza, a trama pode tomar qualquer rumo, a personagem pode mostrar até um caráter ambíguo que, em geral, o seu público o acompanhará e receberá a mensagem proposta pelo narrador cinematográfico.

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Para isso, entra na feitura do filme a pós-produção que consiste não apenas na montagem coerente das cenas gravadas que darão um sentido ao filme, mas também na introdução de feitos sonoros e visuais, como a correção de defeitos nos cenários, acerto das cores e luzes, tudo planejado para guiar as emoções do espectador e para marcar a tônica da narrativa.

Vejamos a seguir as fábulas dos filmes escolhidos:

Em O Silêncio dos Inocentes, Hannibal, psiquiatra, que está preso em uma instituição para prisioneiros com problemas mentais, por praticar o canibalismo, recebe constantemente a visita da Agente do FBI Clarice (interpretada por Jodie Foster). Jovem estudante, inexperiente, ambiciosa é facilmente envolvida pelo Dr.

Lecter. Ele que é “um monstro” – segundo o médico responsável pela prisão – Dr. Chilton (interpretado por Anthony Heald).

Embora tivesse sido orientada por seu superior, a manter-se distante e ter cuidado com Hannibal, ela relaxa e flexibiliza todas as regras de segurança que lhe foram transmitidas: não se aproximar do vidro da cela, não aceitar nada do prisioneiro, não revelar nada pessoal a ele. Ainda, passa a visitá-lo constantemente, a qualquer hora – está ansiosa para resolver o seu primeiro caso. Deveria identificar, juntamente com Lecter, Buffalo Bill - James Gumb (interpretado por Ted Levine), o responsável por uma série de mortes que têm em comum o fato de as vítimas terem partes de suas peles retiradas de seus corpos. O objetivo do assassino é trocar de pele. Trocar a pele de um homem pela pele de várias mulheres. Para isso ele costura os pedaços retirados de suas vítimas e cria para si uma roupa/pele. Gumb estabele com a pele uma relação externa de recobrimento, ele acredita que sua nova pele o libertará do masculino.

(21)

Porém, não consegue deixar de pensar nele, mesmo depois de tudo resolvido. As duas personagens se reencontram em Hannibal em circunstâncias bem diferentes.

Dez anos depois, Dr. Hannibal Lecter reaparece, após ter fugido da prisão, em Hannibal, filme que possui uma atmosfera onírica, um clima de irrealidade. Neste episódio, ele vive tranquilamente pelas ruas de Florença (Itália), trabalhando na Biblioteca Capponi, como Dr. Fell que ocupa interinamente na biblioteca o cargo vago pelo desaparecimento de seu antecessor. Para ser efetivado, Dr. Fell precisa provar que é grande conhecedor da obra de Dante Alighieri, pois alguns membros do conselho da biblioteca não o querem por ser estrangeiro. D. Fell (Hannibal - para o espectador) apresenta-se ao grupo e prova pelo discurso que está apto a assumir o cargo.

Como no primeiro episódio, ele se posiciona em um patamar superior ao dos outros. Quanto a Clarice, sem a jovialidade e a crença no sistema que tinha no primeiro episódio, continua na luta pelo seu espaço, tendo que provar aos seus superiores que possui competência e que foi julgada e condenada injustamente. Ela alega ter feito seu trabalho exatamente da maneira como foi treinada. Ironicamente, se comparada a Lecter, a enclausurada, agora, é ela, que não mede esforços para capturá-lo.

O passado de Lecter, entendido aqui como o pouco que nos foi revelado em

O Silêncio dos Inocentes, não o deixará viver em paz. Ele será perseguido por Mason Verger (interpretado por Gary Oldman), uma das poucas vítimas que sobreviveu ao ataque do canibal. E ainda, um policial italiano, o inspetor Rinaldo Pazzi (interpretado por Giancarlo Giannnini) com problemas financeiros que, atraído pela recompensa oferecida por Verger, emprenha-se sozinho na captura do assassino, sem considerar os perigos que poderiam advir dessa sua decisão.

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Will Graham é a personagem que contracena o tempo todo com Lecter. Interpretado por Edward Norton, é caracterizado como alguém dotado de habilidades especiais: ele vê coisas; não se considera vidente, mas reconhece que possui algo a mais. Esse algo a mais o auxilia na resolução de seus casos.

As cenas iniciais, mostram a prisão de Hannibal Lecter efetuada pelo Agente Especial Will Graham. Os dois traçavam juntos o perfil de um assassino que come parte de suas vítimas. Enquanto aguarda o retorno do psiquiatra, que saiu da sala, Graham percorre com os olhos os objetos pessoais de Hannibal. Um livro de receitas lhe chama a atenção: Hannibal é o homem por quem procura. Sem tempo para reagir, o inspetor é atacado por Hannibal. O primeiro consegue ferir o outro com uma flecha. Ao final, Graham dispara sua arma contra Hannibal.

Um diário relata ao espectador o desfecho do duplo ataque: ambos sobrevivem; Hannibal é condenado à prisão perpétua e o inspetor do FBI aposenta-se após ter recebido alta do hospital. O afastamento do inspetor é provisório, pois ele será procurado, pouco tempo depois, por Jack Crawford, para ajudá-lo a traçar o perfil psicológico do assassino apelidado de Fada dos Dentes ou Dragão Vermelho, cujo nome é Francis Dolarhyde, papel de Ralph Finnes.

Tal criminoso mata famílias inteiras nas noites de lua cheia. O FBI espera prendê-lo antes do próximo ataque. O assassino é apresentado ao espectador, caracterizado como alguém preso ao passado, aos maltratos da avó, com dificuldades de se encarar no espelho. Além disso, revela-se fã do Dr. Hannibal Lecter, com o qual se corresponde e com quem compartilha seus feitos e desejos.

Mesmo contra a vontade de sua esposa, o agente retorna à ativa. Ele é mostrado como alguém com medo, porém, consciente de suas habilidades natas, sente-se obrigado a ajudar a salvar vidas. Então, aceita se reencontrar com Hannibal Lecter.

A narrativa toda vai enfatizar o conflito entre os três: Hannibal que quer vingança e busca sua autoafirmação; Francis Dolarhyde, que busca uma nova identidade e o agente que precisa superar seu medo. Dragão Vermelho encerra com uma chamada para o primeiro filme O Silêncio dos Inocentes.

(23)

cultural e o poder de seu discurso interno. Veremos em seguida os procedimentos metodológicos que são utilizados para a realização deste texto.

A proposta deste trabalho, como dissemos inicialmente, é, em primeiro lugar, estudar a personagem. Para esse fim, é preciso encarar a construção do filme, isto é, a maneira que o diretor encontrou para dar forma às suas criaturas, e “aí pinçar a independência, a autonomia e a “vida desses seres de ficção” (BRAIT, 1985). Para MARTIN (2003), o diretor é o autor do filme. Porém, acreditamos que seja uma simplificação, pois HOWARD e MABLEY (2002) ao abordarem o tema da autoria de um filme argumentam que a questão é discutível. Os especialistas em roteiro alegam que a forte interdependência entre os cineastas que produzem, rodam e montam um filme não permite que se atribua a autoria a somente uma pessoa. Eles complementam a reflexão dizendo que

[...] alguns filmes trazem a marca muito nítida de uma personalidade, muitas vezes vem do diretor, mas, em alguns casos, do escritor, do fotógrafo e, mais frequentemente do que gostariam de admitir dos teóricos do cinema de autor, essa marca, estampada pelo filme todo, vem da estrela– não importa quem tenha escrito ou dirigido. Desde os filmes de Mãe West até a série Thil Man, passando pelas fitas de James Bond e pelos faroestes de Clint Eastwood, muita coisa, no cinema, tira suas qualidades mais específicas dos atores em frete à câmera. Mas, na maioria dos casos, o autor é a equipe, não um indivíduo em particular. E a variedade, a profundidade e o brilho de qualquer filme aumentam justamente pelos esforços desse pequeno grupo, onde cada qual contribui com sua especialidade. (2002, p. 40, grifo nosso)

À ideia de BRAIT, acrescentamos o pensamento do Prof. Wolfgang Kayser (1985, p. 4). Segundo ele:

(24)

As considerações de BRAIT e KAYSER são úteis para refletirmos sobre a primeira etapa do nosso trabalho, qual seja, a leitura e análise das películas. Para isso, devemos considerar que

um filme é uma história contada pelas imagens em movimento e que se estrutura em torno de um conjunto de elementos essenciais os quais ganham maior ou menor ênfase conforme o objetivo que se quer atingir,

Portanto, para compreendê-lo, precisamos proceder a um levantamento das

técnicas de narração e em seguida, analisar quais os efeitos de sentido que decorrem do uso desses elementos. Com esse propósito, servi-nos de duas obras que tratam da linguagem fílmica. A primeira é o Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, AUMONT e MARIE (2009) e a segunda é A linguagem cinematográfica,

MARTIN (2003).

Salientamos que as obras acima não tratam a personagem de maneira especifica, pois ela é considerada apenas um dos elementos dentro da estrutura fílmica. Por conta disso, buscamos nos apoiar, também, na Teoria Literária, especialmente em AGUIAR E SILVA (2007), MOISÉS (1983). KAYSER (1985), BRAIT (1985) e finalmente BAKHTIN (2008), pois este considera que a personagem existe enquanto linguagem. São as impressões e percepções sobre si e sobre o universo à sua volta que irão determinar a existência da personagem.

Em seguida, pretendemos analisar os dois elementos norteadores das narrativas fílmicas as relações dialógicas e a carnavalização. Para a primeira parte da nossa análise recorremos aos textos de BAKHTIN (2000, 2008, 2010a e 2010b).

A escolha da teoria bakhtiniana justifica-se por apresentar mais que um objeto de estudo da linguagem. Mikhail Bakhtin percebe na linguagem uma realidade definidora da própria condição humana, que é o ponto central da temática de nosso corpus. Em decorrência desse pensamento, o filósofo recupera o sujeito para o discurso, ou seja, “para a língua enquanto fenômeno integral concreto” (2008, p. 209), através do “eu” e do “outro”, mediante processo da subjetivação. Em sua

(25)

Percebemos que o discurso do prisioneiro, o do policial e a falta de discurso verbal, ou seja, a não expressão pela linguagem, de algumas personagens, tanto em

O Silêncio dos Inocentes quanto em Hannibal e também em Dragão Vermelho têm grande importância, porque mostram a tensão e o estranhamento delas em relação à sua própria realidade. Este é um aspecto relevante que se procurará evidenciar neste trabalho, justamente, pelo mutismo forçado ao qual alguns dos tipos representados têm sido submetidos.

As narrativas fílmicas estudadas dão voz a indivíduos que, por um questão de gênero (Clarice), social (Lecter) ou outra questão qualquer, sempre estiveram excluídos da participação social ou de qualquer tipo de direito. É uma maneira de carnavalizar, ou seja, de subverter, de transgredir o discurso oficial. Segundo BAKHTIN (2008 e 2010), violações do discurso, declarações inoportunas, comportamentos contrários às normas e etiquetas são típicos da carnavalização.

A dissertação está organizada em quatro capítulos. No capítulo 1, buscamos examinar a narrativa fílmica O Silêncio dos Inocentes. De início, apresentamos a estrutura do filme. Em seguida, para a análise da ficção focalizamos os aspectos relacionados com a ação, as personagens, o espaço, o tempo, o ponto de vista narrativo, os e os recursos técnicos (o diálogo, a descrição, a narração e a dissertação).

O capítulo 2 propõe-se a analisar a construção das personagens na película Hannibal. No filme podemos observar que o diretor utilizou técnicas de narrativa bem mais elaboradas que em seu antecessor. Isso se deve pelo fato de que a fábula de Hannibal é narrada a partir de duas cidades distintas. Além da montagem alternada, necessária para que não haja interrupção da diegese, destacamos outros recursos como a criação do espaço da diegese e algumas cenas descritivas. Todos esses elementos contribuem para a criação da obra.

(26)

O quinto capítulo será escrito para mostrar, que a partir da análise dos filmes, chegamos à conclusão que a concepção de mundo de cada um se sustenta sobre a carnavalização.

(27)

Capítulo 1 - A personagem em

O Silêncio do Inocentes

O objetivo deste capítulo é analisar as personagens que povoam a narrativa fílmica O Silêncio dos Inocentes. Para atingir tal propósito, nos propomos a descrever e analisar os processos de narração utilizados na construção das mesmas.

O filme O Silêncio dos Inocentes, que possui vinte e oito seqüências3, conta uma história que se passa nos Estados Unidos da América, na década de 1980. A película possui uma narrativa linear, ou seja, os fatos são narrados em ordem cronológica. À simplicidade do enredo aliá-se a utilização correta do potencial de cada recurso técnico, mas sem que o resultado pareça excessivamente técnico e sim convincente dentro do universo policial e das personalidades psicóticas. Para isso, os desempenhos de Hopkins e de Foster são fundamentais.

1.1 Clarice Starling e seu ponto de vista

As duas primeiras sequências iniciam o “retrato” da protagonista.

O protagonista representa, na estrutura dos actantes ou agentes que participam na açção narrativa, o núcleo ou o ponto cardeal por onde passam os vectores que configuram funcionalmente as outras personagens, pois é em relação a ele, aos valores que ele consubstancia, aos eventos que ele provoca ou que ele suporta, que se definem o deuteragonista, a personagem secundária mais relevante, o antagonista, a personagem que se contrapõe à personagem principal, e que, em muitos textos, coincide com o deuteragonista-, e os comparsas, as personagens acessórias ou episódicas (AGUIAR E SILVA, 2007, p. 699-700).

(28)

O retrato inicial da personagem principal vai sendo aos poucos completado, uma vez que é a protagonista que em geral merece uma apresentação mais extensa e rica. Da mesma maneira, conforme sugere a citação acima, as outras personagens vão nascendo à medida que o drama vai sendo construído pela câmera narradora.

Passemos à abertura do filme. Ela é feita com uma tomada em primeiro plano. O espectador observa uma grande árvore perdida na imensidão do espaço vazio que se observa atrás dela. Em seguida, a câmera vai se deslocando lateralmente para baixo até que tudo seja descrito e o foco fixo e em plano geral distante aguarda a aproximação de alguém.

Sobre a escolha do plano inicial, destacamos a passagem abaixo:

A escolha de cada plano é condicionada pela clareza necessária à narrativa: deve haver adequação entre o tamanho do plano e seu conteúdo matéria, por um lado (o plano é tanto maior ou próximo quanto menos coisas há para ver), e seu conteúdo dramático, por outro (o tamanho do plano aumenta conforme sua importância dramática ou sua significação ideológica) (MARTIN, 2003, p.37).

Com base na explicação de MARTIN, pensamos que o diretor optou pelo primeiro plano da árvore para antecipar uma característica de personalidade da protagonista, sua tendência ao isolamento.

Juntamente como os créditos iniciais, a legenda permite identificar a floresta perto de Quântico, Vírginia, EUA; em tal local, fica a sede do FBI – sigla para Federal Bureau Investigation. O deslocamento da câmera é interrompido e o foco fixo aguarda a aproximação daquela que será a protagonista. Enquanto ela se aproxima do foco fixo, seu retrato físico e também psicológico vão sendo delineados.

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descritivo. O plano geral dá uma dimensão maior do local enquanto o primeiro plano mostra detalhes relacionados à personagem: seu cansaço, sua determinação, etc..

O segundo recurso utilizado pela câmera para mostrar a personagem e ao mesmo tempo captar o espectador é a alternância do ponto de vista. Tal termo relaciona-se com o modo de narrar e pode ser compreendido de maneira geral como sendo

Um lugar, real ou imaginário, a partir do qual uma representação é produzida. [...] Esse ponto de vista é com freqüência identificado com o olhar, e, em um filme narrativo, a questão será saber se esse olhar pertence a alguém: a um personagem (plano “subjetivo”), à câmera, ao autor do filme

ou a seu enunciador [...]. A marcação mais ou menos insistente desse ponto de vista corresponde aos diversos graus de ocularização4 (Jost). (AUMONT

E MARIE, 2009, p. 237, grifo nosso)

Ora o espectador vê o rosto cansado de Clarice, ora o espectador vê o que está por vir, os próximos obstáculos a serem transpostos. A moça não se detém diante de nada e o espectador participa de tudo junto com ela. Seu treinamento é interrompido por um homem, visto de costas, que a chama de Starling e lhe comunica que Crawford quer vê-la no escritório dele. AGUIAR E SILVA (2007) atribui ao nome um elemento importante na caracterização da personagem. Para o teórico,

“o nome da personagem funciona freqüentemente como um indício, como se a relação entre o significante (nome) e o significado (conteúdo psicológico, ideológico,

etc.) da personagem fosse motivada intrinsecamente” (Ibid., p. 705).

O primeiro nome da protagonista Clarice, segundo o Dicionário Eletrônico de Nomes Próprios5, foi levado para a Inglaterra na Idade Média. O mesmo nome deve ter surgido na França e talvez seja uma forma derivada de Claritia ou de Clara. O nome feminino Clara é de origem latina Clarus e significa claro, brilhante, ilustre.

Já o nome Clarissa6, que também é uma variação de Clara, indica uma

pessoa firme nas suas decisões. Embora vaidosa e bastante voltada para si própria,

(30)

desde criança ela exibe um comportamento maternal em relação a quem precisa de ajuda.

Ambas as etimologias revelam o perfil da protagonista. Quanto ao sobrenome Starling7 uma significação relaciona-se com uma espécie de pássaro com penas negras ou talvez esteja relacionado com a palavra inglesa “star” que significa estrela

ou astro. Traduziríamos livremente Clarice Starling como Estrela Brilhante ou Astro Brilhante.

A moça retorna e o homem, ao se virar para acompanhá-la, identifica-se pela sigla FBI bordadas em seu boné de cor amarela. O foco da câmera volta para Starling e, durante seu retorno, o equipamento desvia-se da protagonista para mostrar ao espectador em primeiro plano três cartazes de madeira cravados nas árvores.

Tais cartazes exortam a garota a suportar a dor (Hurt), a agonia (Agony), o

sofrimento (Pain). Um quarto acrescenta amar isso (Love it); logo abaixo, com a tinta apagada: orgulho (Pride). Os enunciados mostrados pela câmera narradora são simbólicos, isto é, representam os valores ligados à realidade na qual está inserida a personagem. Ou seja, para se tornar uma agente federal, ela precisa transpor todos os obstáculos que se colocarem à sua frente (conforme o que já nos foi mostrado nas primeiras cenas). Portanto, as frases antecipam a diegese: a vida da protagonista não será fácil.

1.1.1 Clarice Starling e o ponto de vista do outro

A seguir, uma construção de grandes proporções é filmada em plano geral e ângulo contra-plongée (o tema é fotografado de baixo para cima, ficando a objetiva abaixo do nível normal do olhar) e toma o espaço da protagonista, que é vista minúscula pelas paredes de vidro de um longo corredor. Nessa situação, a sugestão de superioridade da edificação (por metonímia da Instituição) em relação à pessoa se deve ao tamanho do plano e ao ângulo de filmagem.

(31)

Ilustração 1 - Vista panorâmica do edifício de treinamento do FBI. Clarice é a pessoa correndo pelo lado direito do edifício8

Um corte é necessário para que a câmera entre no edifício e siga a personagem. A alternância entre o ponto de vista objetivo e subjetivo vai fazer com que o espectador vá se deslocando pelos corredores, escadas e salas juntamente com a protagonista. Os detalhes são focalizados quadro a quadro em primeiro plano. Aos poucos, a câmera vai mostrando onde a história acontece. Trata-se do Centro de Treinamento do FBI (que de fato existe e fica localizado nesse mesmo local). Há muitos jovens em grupos ou em duplas manuseando armas os quais contrastam com a solidão de Starling. Em seu caminho encontra-se com uma colega que a

chama pelo primeiro nome, “Clarice”. Neste trecho, o retrato da personagem está se

completando: Clarice Starling é uma pessoa jovem, descontraída, porém parece solitária. Consideramos isso, pela observação dos lugares por onde ela passa: as pessoas caminham ou trabalham em grupos e não isoladas.

(32)

Ilustração 2 - A cena evidencia a jovialidade e o entusiasmo da estudante

Até que chegue a seu destino, a sala de Crawford, o ambiente masculino no qual Clarice está inserida é mostrado. A cena acontece em plano distante, isto é, os atores são vistos de corpo inteiro. Dessa maneira, a desvantagem tanto física quanto numérica de Clarice é chocante para o espectador.

Clarice segue por um corredor até chegar em frente à porta de um elevador. Dentro dele, podemos ver nove homens, os quais entram no elevador e a circulam. Todos eles estão vestidos com camisetas vermelhas e entram no elevador primeiro, conversando, não a cumprimentam nem são cumprimentados. A moça, vestida com um casaco cinza, fica circulada por uma linha vermelha. Este detalhe da cor, realça a desvantagem numérica da figura feminina, porém tal fato parece não incomodá-la uma vez que adota uma postura corporal de enfrentamento e não de submissão. Além disso, ela é descontraída, jovial e mantém-se com a cabeça erguida olhando fixamente para o painel que marca os números dos andares. A porta se fecha.

Ilustração 3 - Sequência em que ocorre o destaque na predominância do sexo masculino da Instituição 9

(33)

A seguir, a câmera fixa em primeiro plano aguarda a abertura da porta do

elevador. Quando isso acontece, o espectador vê Clarice saindo do elevador e retomando seu destino que é o Departamento de Estudos Comportamentais. Starling entra na sala e, enquanto aguarda seu superior, observa tudo à sua volta. Inesperadamente seus olhos se detêm em um quadro de fotografias que mostram as mulheres assassinadas por Buffalo Bill. Ao lado das fotos, anexado no mesmo mural, está uma folha de jornal com a manchete que narra o ocorrido. A câmera volta a focalizar o rosto da protagonista: ele está contraído; ela se emociona com o que vê. Neste ponto da narrativa fílmica, o uso do travelling lateral e a alternância entre o ponto de vista objetivo e o subjetivo aproximam o espectador e a personagem.

O clima de comoção é quebrado pela chegada de alguém. Trata-se de Jack Crawford, interpretado por Scott Glenn, personagem secundária, ou seja, uma

deuteragonista. Os atores estão em primeiro plano e o enquadramento é quadro a quadro (ou seja plano subjetivo do interlocutor). Tal recurso imprime um tom de intimidade à cena.

Durante o diálogo, de caráter informal e bastante cordial, Clarice é elogiada por seu desempenho na academia: ela está se formando como uma das melhores alunas da turma e seu desejo é fazer parte da equipe do Departamento de Estudos de Comportamento. Crawford reconhece a qualidade da moça, oferece-lhe um trabalho. Em poucas palavras, explica a ela do que se trata: Clarice deve procurar um prisioneiro, Dr. Hannibal Lecter, um brilhante e perigoso canibal, e tentar conseguir dele algumas informações para completar o dossiê do prisioneiro, uma vez que todas as tentativas de diálogo com o detento foram frustradas.

Enquanto Clarice faz novas indagações, a câmera vai se afastando das personagens (travelling para trás). Dessa maneira, novos elementos vão ser adicionados à cena: o dossiê do prisioneiro, um crachá de identificação e os relatórios que devem ser preenchidos. Atrás de Crawford está o quadro com as fotografias que impressionaram Clarice – a sugestão é de que o trabalho designado a Clarice se relaciona com os assassinatos.

Em seguida, um travelling rápido para frente faz com que a tela seja tomada

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Hannibal Lecter dentro de sua cabeça. Faça o seu trabalho, mas nunca se esqueça do que ele é!” (Grifo nosso).

Dessa maneira, Clarice e o espectador foram advertidos quanto à periculosidade de Hannibal Lecter. O perfil traçado do prisioneiro parece, de antemão, contrapor-se com o significado do seu nome. Como já destacamos anteriormente, o nome é de grande importância na caracterização das personagens;

é “considerado pelo homem primitivo como parte integrante de sua personalidade”

(RANK, 1939, p. 101).

Segundo o Dicionário Eletrônico de Nomes Próprios10 o nome Hannibal ou Aníbal em português significa

dádiva do deus Baal e indica uma pessoa passiva e receptiva, que normalmente se mostra calma, gentil, diplomática e bondosa. Apesar de não ser ambicioso, consegue tudo o que deseja usando sua enorme capacidade de convencer e mesmo seduzir. (grifo nosso)

Uma consulta ao mesmo dicionário mostrou-se inútil para tentarmos conseguir o significado do sobrenome Lecter. Acreditamos que o nome seja uma criação, isto é, uma corruptela do vocábulo inglês lecture. Para buscarmos o significado que acreditamos seja relevante para a nossa análise, fizemos uma consulta ao dicionário Oxford Escolar. A obra oferece as seguintes entradas para a palavra lecture:

s 1 palestra: to give a lecture dar uma palestra 2 sermão LOClecture treatre

anfiteatro *1 vi – (on sth) dar uma palestra (sobre algo) 2 vt ~ sb (for/about sth) passar um sermão em alguém (por causa de algo) lecturer s 1 (GB)

(USA professor) ~ 2 conferencista (1999, p.483).

Portanto, teríamos alguém com características positivas com um bom domínio da palavra. Veremos pelo andamento da diegese quem é Hannibal Lecter.

(35)

1.2 Clarice Starling fora da Academia

Ao ser designada para a entrevista, Clarice deixa a academia e viaja para Baltimore. Uma tomada externa em plano panorâmico mostra o Hospital Estadual e Prisão Psiquiátrica de Baltimore. Uma voz em off, que é de uma personagem da ação, faz a transição entre as seqüências.

Com um corte, a câmera entra no hospital. A voz em off ganha um rosto. Em primeiríssimo plano e ângulo plongée o homem continua os comentários sobre Lecter, iniciados na sequência anterior. O mesmo tipo de plano e o mesmo ângulo da câmera simulam uma continuidade: as duas personagens compartilham da mesma opinião sobre Hannibal Lecter. Além disso, o interlocutor, que é Clarice, está

em pé. Dr. Frederick Chilton diz olhando para Clarice: “Ele é um monstro, um psicopata. É raro capturar um vivo. Do ponto de vista da pesquisa médica, Lecter é o

nosso item mais estimado.” (grifo nosso)

O Larousse Cultural oferece a seguinte definição de monstro:

s.m. (lat. monstrum). 1. Organismo que, no todo ou em algumas de suas partes, se afasta da estrutura ou da conformação natural da sua espécie ou sexo, e cujo estudo pertence à teratologia. 2. Ser fantástico das lendas mitológicas. 3. Pessoa cruel, feroz, desumana. 4. Pessoa feia, horrorosa. 5. Fig. Coisa gigantesca e colossal. 6. Fam. Pessoa admirável sob qualquer aspecto.

adj. 2g.2n. Que revela natureza, qualidade ou proporções extraordinárias. (1992, p. 762).

Pelo número de entradas que o dicionário traz da palavra “monstro”, é

praticamente impossível traçar um perfil da personagem. O efeito de expectativa criado com o uso do vocábulo de múltiplos sentidos prende e aguça a curiosidade da protagonista e do espectador.

(36)

para o trabalho, dizendo que há tempos não via detetive tão atraente. Tenta flertar com Clarice, mas ela o ignora e retoma o assunto Lecter.

O tom de intimidade é quebrado com a abertura da câmera para o plano geral. Clarice consegue se livrar da abordagem grosseira e sexista feita pelo médico. Uma nova sequência se inicia. Porém um detalhe que pode passar despercebido refere-se a um objeto que será retomado mais à frente. O espectador deve estar atento a ele, ou se perderá no futuro, isto é, pode achar que houve uma fragmentação na narrativa ou que aconteceu algo muito fantasioso. Trata-se da caneta que o médico segura o tempo todo e a qual só vai guardar no início da próxima cena.

O objeto mostrado várias vezes pela câmera irá representar dentro da diegese a chave para a liberdade de Hannibal Lecter, até o momento desconhecido.

Finalmente, os dois se encaminham para a cela de Lecter. Nessa sequência, destacaríamos o cenário, uma vez que contrasta com a sensação de espaço e liberdade sugeridos pela primeira sequência a qual descrevemos.

Eles andam apressadamente, com a câmera tentando acompanhá-los. Após terem atravessado uma porta, uma tomada fixa em ângulo ponglée mostra o percurso a ser percorrido. Trata-se de um profundo labirinto estreito de escadas. Ao final dele, há um policial.

A opção do diretor em mostrar a longa estrada relaciona-se com o retardamento da diegese, ou seja, cria-se um clima de suspense. Principalmente para a personagem Clarice que está adentrando em um mundo novo, desconhecido até agora.

Um corte da câmera acelera a diegese e já nas escadarias eles continuam conversando; o médico não perde a chance de provocar Clarice. Além disso, vai

fazendo outras observações sobre o prisioneiro: “Eu acho que Lecter não vê uma mulher há oito anos e você é o tipo dele.” Acreditamos que tal comentário objetiva a

criação de um clima de “romance” no imaginário do espectador e de Clarice. Aos

poucos, o narrador vai construindo a unidade de tempo ao se referir ao período de

(37)

A montagem alternada (mudança de ângulos e ponto de vista) é utilizada uma vez que há necessidade de se imprimir movimento aos planos que se sucedem.

Durante o percurso o médico diz: “Nós tentamos estudá-lo é claro! Mas ele é muito sofisticado para os testes padrões. Ele odeia a gente. Ele acha que eu sou o castigo

dele.” (grifo nosso)

Por meio da primeira fala do médico, que usa um tom jocoso, percebemos que Hannibal é mantido vivo apenas pelo interesse que se tem em estudá-lo. Ao se

referir ao outro como “nosso item” o médico desconsidera a qualidade humana do

prisioneiro. Enfatiza assim sua utilidade como cobaia, como objeto de pesquisa. Entretanto, não deixa de reconhecer a superioridade do outro, pois o considera

“sofisticado para os testes padrões”.

O caminho para baixo é longo. Além das escadarias, descritas anteriormente, eles percorrem longos corredores iluminados e com tonalidades claras. Lecter está realmente enclausurado em um porão de segurança máxima.

Reafirmamos que a ênfase na distância que separa Hannibal Lecter do mundo, consequentemente de Clarice, não está relacionada apenas com a periculosidade deste. Metaforicamente representa a estrada que levará Clarice a autoconsciência.

À medida que se aproximam de seu destino, o homem muda bruscamente o tom de sua fala e diz seriamente: “Não toque no vidro, não se aproxime do vidro. Só entregue a ele papel macio. Nada de lápis, caneta, grampos ou clips no papel dele. Use a gaveta deslizante. Se ele tentar lhe passar alguma coisa, não aceite.”

A essa altura, Clarice e o espectador estão ansiosos para chegar à cela de Lecter. A câmera mostra que tal espera está chegando ao fim. O ambiente, antes claro e iluminado, vai ficando avermelhado e escuro. Grades vermelhas aparecem. É por trás delas que as personagens são vistas. Para aumentar o clima tenso e retardar o aparecimento de Hannibal, o diretor inclui uma fotografia e a mostra para Clarice em tom de advertência acrescentando:

(38)

Nesta cena em que há uma fotografia envolvida, a câmera trabalha com a

sugestão, com o não “visto”. É pela reação de Clarice que o espectador imagina o que está representado no papel. Consideramos aqui, que a fotografia é uma

linguagem objetiva, sem truques, que embora se ofereça “apenas como material para o cotejo”, o que vemos nela é um reflexo “mais puro do que nosso reflexo no

espelho”, conforme sugere BAKHTIN (2000, p. 54). Sendo assim, a imagem que Clarice vê é a representação do real. Dessa maneira, a personagem Hannibal Lecter ganha nova face. Sua construção está aos poucos deixando de ser subjetiva, isto é, pela fala do outro; a fotografia é um elemento concreto. Ninguém duvida que ela retrate a pessoa que foi atacada por Lecter.

As grades vermelhas são abertas. Um som grave de metal é ouvido. Tal ruído aumenta o clima de tensão que vem sendo observado desde o momento em que as personagens iniciaram sua descida até as celas que se localizam no subsolo. Pela montagem alternada, vemos o rosto avermelhado de Clarice em ângulo contra-plongée, enquanto ela observa a fotografia que está em suas mãos.

A mudança de foco da câmera acontece quando o médico volta a falar; seu rosto está em primeiríssimo plano11 e então se utilizando de um tom jocoso diz: “Os

médicos conseguiram salvar um maxilar e mais ou menos... salvar um dos olhos... O pulso dele nunca foi acima de 8512, mesmo quando comeu a língua dela... E eu o mantenho aqui.” (grifo nosso). O termo destacado na fala do homem demonstra que ele estabelece com o outro uma relação de posse, ou seja, o diretor considera o prisioneiro Hannibal como algo de sua propriedade.

Ao chegarem ao destino, Clarice pede ao médico que a deixe entrar sozinha,

considerando que Lecter “acha que você é o castigo dele”. Ao fazê-lo, imita o tom jocoso comum na fala do diretor Chilton. Este último se sente contrariado, pois

11“Primeiro Plano (Close-Up): A câmera, próxima da figura humana, apresenta apenas o rosto ou outro detalhe qualquer que ocupa a quase totalidade da tela (há uma variante chamada primeiríssimo plano, que se refere a um maior detalhamento –um olho ou uma boca ocupando toda a tela)” (XAVIER, 1984, p. 19)

(39)

esperava conseguir algo do prisioneiro com a presença da moça lá. Sem ter o que fazer, responde de maneira grosseira, porém concorda. Dirige-se ao enfermeiro o qual estava aguardando e lhe pede para que a acompanhe até a saída após a visita.

Uma porta se fecha atrás de Clarice, a câmera circula lentamente pelo local em plano subjetivo da personagem Clarice. A sala é pequena, os tons de vermelho e branco predominam. Há muitos monitores de vídeo, um deles mostra o Dr. Chilton fazendo seu caminho de volta para cima. Há três pessoas do sexo masculino. Um deles está atrás de um vidro, repleto de armas. O outro está sentado e cumprimenta a moça com a cabeça. Um terceiro se apresenta como Barney e mostra o lugar onde Clarice pode guardar seu casaco. Ele abre a grade e diz em tom cortês: “Ele fica no final. A última cela. Mantenha a sua direita. Lá tem uma cadeira para você. Eu vou

ficar de olho. Está tudo bem!”.

1.2.1 Clarice Starling e Hannibal Lecter o primeiro encontro

Ao mesmo tempo em que uma grade se fecha outra se abre. O peso delas pode ser sentido pelo som agudo gerado quando são movimentadas. Em Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 734), registra-se que “porta”, dentre diversas acepções, simboliza o local de “passagem entre dois estados, dois mundos [...] ela tem

significado dinâmico, psicológico”. Ora, isso pode simbolizar também a procura do

homem pela sua identidade. Na focalização insistente da câmera em mostrá-la durante seus intensos treinamentos, está manifesto o empenho dela, nesse início de carreira, em afirmar sua identidade como policial.

(40)

Com relação à expressividade da cena, o que mantém a atenção e o interesse do espectador é a montagem rítmica, isto é, a escolha do momento exato para que ocorra a mudança de plano. MARTIN (2003) explica como é a técnica

Se o plano se prolonga, advém um instante de aborrecimentos, impaciência. Se cada plano for cortado exatamente no momento em que diminui a atenção, sendo substituído por outro, o espectador permanecerá constantemente atento. Dessa maneira, o filme tem ritmo (p.148).

Ao fazer cortes no plano, o diretor modela, ou seja, determina o ritmo do filme e assim enfatiza um fato ou outro, sendo assim, a escolha feita é de caráter expressivo e não somente narrativo. Optando por retardar o tempo de deslocamento da personagem pelo pequeno e estreito corredor, o diretor deseja provocar um aumento do suspense. Além disso, todos sabem que Hannibal está próximo, em frente à cadeira, e o retardamento da diegese, garante um “tempo” maior para que o espectador e a protagonista se prepararem para o encontro.

Um tema musical acompanha o compasso de Clarice. Ele vai se intensificar quando ela chega ao final do corredor e procura por Hannibal, juntamente com o espectador, uma vez que a câmera focaliza o lugar em ponto de vista objetivo. Os movimentos circulares do aparelho simulam os olhos da estudante. Até que a objetiva se fixa. Ele está em pé, atrás do vidro.

Para filmar a cena do encontro entre Clarice e Hannibal, o diretor utiliza a técnica da profundidade de campo, que consiste em captar o movimento das personagens. Ao mesmo, em que ela, câmera, se desloca para fazer as tomadas.

Encontramos em MARTIN (2003) a descrição do recurso

Uma composição em profundidade de campo consiste em distribuir os personagens (e os objetos) em vários planos e fazê-los representar, tanto quanto possível, de acordo com uma dominante espacial longitudinal (o eixo óptico da câmera). A profundidade de campo é tanto maior quanto mais afastados os planos de fundo estiverem do primeiro plano e quanto mais próximo da objetiva este se encontrar (p. 165).

(41)

O uso da composição em profundidade de campo permite que o diretor combine de maneira audaciosa o primeiro plano e o plano geral, acrescentando “sua

acuidade de análise e sua capacidade de impacto psicológico à presença do mundo e das coisas ao redor, através de enquadramentos de uma rara intensidade estética

e humana”.

É exatamente a impressão de “raridade” e “intensidade” que a próxima

sequência provoca no espectador. A cena, cujo tempo de duração é de 7m22s, se inicia com um cumprimento cordial que parte de Hannibal; ele veste o uniforme azul da prisão e está perfeitamente ereto; olhando atentamente para a garota.

A visão daquele homem quebra a expectativa do público e da moça: ambos esperavam um monstro. A câmera circula lentamente pela cela. Finalmente, a objetiva se fixa por trás dos ombros de Lecter e vemos Clarice sob o ponto de vista dele. Ela se apresenta cordialmente e mostra suas credenciais conforme solicitação do prisioneiro.

Ilustração 4 - Lecter visto por Clarice e Clarice vista por Lecter

Quando Starling lhe exibe sua carteira, ele solicita que ela chegue mais perto. De repente, com um corte da câmera, pela primeira vez todos podem vê-lo. Hannibal é focalizado em primeiríssimo plano, que se refere a um maior detalhamento – um olho ou uma boca ocupando toda a tela. Acreditamos que tal tomada objetiva

corroborar com o retrato de “monstro” criado anteriormente por Crawford e pelo Dr.

Chilton, pois em breve o espectador e Clarice vão se deparar com um sujeito que está encarcerado já faz muito tempo.

(42)

estudos. Sua reação é baixar os olhos e dirigir-se a Clarice de maneira irônica. CASTRO (2008) refere-se à ironia como sendo típico do discurso bivocal, isto é, aquele surgido inevitavelmente sob as condições do discurso dialógico.

Além da entonação irônica, Lecter brinca com os opostos, ou seja, a negação

e a afirmação: “Você não é do FBI? É?”. Dessa maneira, observa-se que ele não se preocupa em ocultar seu descontentamento. Por sua vez, Clarice responde ao questionamento sem usar a negativa, pois isso denotaria uma situação permanente:

“Ainda estou em treinamento na academia.”

Ao usar a expressão “ainda”, Clarice procura transmitir uma ideia de algo transitório, isto é, prestes a se modificar. Sua estratégia, no entanto, não surte efeito, pois a reação de Lecter assusta a ela e ao espectador: ele abre bem os olhos na continuação de sua fala.

Hannibal: Jack Crawford mandou uma estagiária para mim?

Clarice: É sou uma estudante. Estou aqui para aprender com o senhor. Talvez possa decidir por si mesmo, se sou ou não qualificada para isso. Hannibal: Muito bajulador de sua parte, agente Starling. (grifo nosso)

Nessa altura do diálogo, Clarice procura manter o distanciamento e valorizar o saber do outro. Então a câmera a mostra do ponto de vista subjetivo da personagem Hannibal. Tal recurso sugere que ele a esta analisando. Ela, por outro lado, parece estar à vontade; senta-se conforme sugestão dele.

Durante o diálogo, há a predominância do primeiríssimo plano para o rosto de Hannibal (ele está em pé). A mulher será enquadrada em contra-plongée, afastada na câmera em plano frontal – ela está sentada. Hannibal quer saber o que o companheiro de cela Miggs dissera para ela. Clarice: “Ele disse: Sinto o cheiro do

seu sexo.”; Lecter: “Entendo. Eu mesmo não sinto!”

(43)

aos orifícios que permitem a entrada de ar na cela. Hannibal inspira longamente e lentamente nomeia os cremes de corpo e de mãos que ela está usando e o quais eventualmente usa.

Analisando o ambiente em que se encontra Hannibal e a forma como o narrador destaca seu olfato faz com que o prisioneiro se assemelhe a um animal, ou até mesmo, um predador que fareja sua presa antes de atacá-la. Além dessa informação, nada mais nos é revelado sobre a personagem Hannibal Lecter.

Clarice se atrapalha com tudo aquilo e muda de assunto. Assim, o local é focalizado em plano geral para que se possa ter uma visão da cela toda. Os dois são focalizados lateralmente, estão um de frente para o outro, enquanto procuram examinar o aspecto físico um do outro. Para BAKHTIN (2000, p. 47), o aspecto físico

é “o conjunto dos componentes expressivos que constituem o corpo humano”.

Ambos estão tentando imaginar o impacto que sua imagem externa provoca no outro. Clarice, sentada à sua frente, procura motivos para continuar a conversa, observa todos os detalhes da cela, seguindo a recomendação de Crawford. Alguns desenhos fixados nas paredes da cela vão chamar a atenção da estudante. Assim, ela se refere a eles:

Clarice: Foi o senhor quem fez os desenhos?

Lecter: Este é o Duomo visto do Belvedere. - a câmera mostra o desenho e depois Hannibal - Conhece Florença?

Clarice: Todos os detalhes só de memória?

Lecter: Memória, agente Starling é o que eu tenho em vez da vista.

Essa referência à cidade de Florença é retomada em Hannibal, filme que será objeto de nossa análise no próximo capítulo. Ao mencionar sua falta de “vista”, refere-se a sua condição de prisioneiro, ou seja, o fato de estar privado de sua liberdade.

Imagem

Ilustração 1 - Vista panorâmica do edifício de treinamento do FBI. Clarice é a pessoa   correndo pelo lado direito do edifício 8
Ilustração 3 - Sequência em que ocorre o destaque na predominância do sexo masculino da  Instituição  9
Ilustração 8 - Clarice volta para a academia em busca de aprimoramento
Ilustração 10 - Tomada em plano geral final, Lecter está caminhando para frente com o terno claro                 e chapéu
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Referências

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