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Doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil: repercussões do modelo de atenção à saúde sobre a seguridade social.

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D oenças crônicas não-transmissíveis no Brasil:

repercussões do mo delo de atenção à saúde

sobre a seguridade social

Chronic non-com municable diseases in Brazil:

the health care system and the social security sector

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina.

Av. Bastian 212, 90130-020, Porto Alegre RS.

achutti@cardiol.br 2 Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UFRGS. Aloyzio Achutti 1

Maria Inês Reinert Azam buja 2

Abstract Social security com prehends

govern-m ental and societal actions on the rights to the social insurance, to social service, and to health care itself. This article sketches each one of these elem ents. Many of this group disease have com -m on risk factors, de-m anding continuous atten-tion. Com paring our population with that from the US, it is possible to observe that they are quite identical until the 15 to 24 years old, while the American population is twofold bigger from 35 to 44 years old and more than four times above the 75. This difference explains why the num ber of deaths by CN CD is still very low in Brazil com -pared with US: our population is younger and dies before, by other causes. The ageing process of our population, particularly through reduction of the early m ortality, will be followed by the in-creased proportion of the CNCD and their impact in the social security. Health care as well as social insurance and social service are suffering the pressure of the power hegem ony, from economy and culture of the global market. Trying to fore-cast a possible future scenario for the social secu-rity in Brazil, it is being discussed the urgent ne-cessity to reform the country budget, aiming the financial balance.

Key wo rds Chronic non-com m unicable

dis-eases, Health care system, Demography, Social se-curity

Resum o A seguridade social envolve ações do

poder público e da sociedade sobre direitos à pre-vidência social, à assistência social e à própria saúde. Este artigo traça um esboço de cada um desses elem entos. Muitas doenças crônicas não-transm issíveis têm fatores de risco com uns e dem andam assistência continuada de serviços. Comparando-se nossa população com a dos EUA, vê-se que é praticamente do mesmo tamanho até a faixa dos 15 aos 24 anos. A am ericana é duas vezes maior dos 35 aos 44 anos e mais de quatro vezes m aior acim a dos 75 anos. Tais diferenças explicam porque o número de mortes por DCNT é muito mais baixo no Brasil: nossa população é m ais jovem e m orre antes. Na m edida em que o processo de envelhecimento avance, especialmen-te, via redução da mortalidade precoce, aumenta-rá a prevalência das DCNT e sua repercussão na seguridade social. Assim como a atenção à saúde, a previdência social e a assistência social sofrem pressões políticas, econômicas e culturais. Na ten-tativa de im aginar um cenário futuro possível para a seguridade social no Brasil discute-se a necessidade de reformular o orçam ento do País, visando ao equilíbrio financeiro.

Palavras-chave Doenças crônicas

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Introdução

Este tem a con tém vários desafios, a com eçar pelo exercício de previsões, cam in ho sem pre difícil de seguir dentro dos padrões habituais da literatura epidemiológica. Serve, entretanto, para levantar questionam entos e suscitar dis-cussões de utilidade im ediata, con tribuin do para ajustar precon ceitos, ten tar esclarecer confusões originadas em conflitos ideológicos, ajudando a enfrentar dificuldades naturais na tradução do discurso para a form ulação de uma política de saúde, e sua ulterior aplicação prática.

O tema é, por natureza, transetorial, o que não surpreende em se tratando de saúde e seus problem as, cuja causalidade em geral se situa fora do setor em que se verifica o impacto. Esta característica torn a m ais difícil n ão som en te sua análise e compreensão, mas principalmen-te sua utilização no planejamento de possíveis inter venções e adoção de políticas adequadas que satisfaçam todos os atores envolvidos.

Com o seguridade social envolve ações do poder público e da sociedade sobre os direitos à previdência social, à assistência social e à pró-pria saúde, no âmbito deste artigo cabe apenas um esboço sobre a con tribuição de cada um destes elementos e suas interações na avaliação do im pacto das doen ças crôn icas n ão-tran s-missíveis (DCNT) sobre todo o sistema – sem a pretensão de medir custo-benefício de inter-venções sobre este grupo de doenças.

As doenças crônicas não-transmissíveis

O grupo das DCNT com preende m ajoritaria-mente doenças cardiovasculares, diabetes, cân-cer e doen ças respiratórias crôn icas. Muitas doen ças deste grupo têm fatores de risco co-muns, e demandam por assistência continuada de serviços e ônus progressivo, na razão direta do envelhecimento dos indivíduos e da popu-lação.

H á m ais de trin ta an os, este con jun to de doenças é reconhecido com o im portante não som en te em países in dustrializados (OMS, 1972). Mas nos últimos três anos, com base em recortes de um estudo publicado por Murray e Lopez em 1996, seguiram -se vários ar tigos,

publicados in tern acion alm en te, cham an do a atenção para um possível deslocamento da epi-dem ia de doen ças crôn icas, das econ om ias

industrializadas em direção aos países m enos desenvolvidos ( Whelan , 2002; World Health Repor t, 2002). Com base n esta expectativa, tem -se precon izado m udan ças n os sistem as nacionais de saúde, que no lugar de cuidarem predominantemente de condições agudas, pas-sem a se organizar para a atenção continuada de doenças crônicas.

Em reunião realizada no Rio de Janeiro em n ovem bro de 2003, com represen tan tes do Min istério da Saúde, da Organ ização Pan -Americana de Saúde, Organização Mundial da Saúde e da Organ ização das Nações Un idas para a Agricultura e Alimentação, foi dito que este con jun to de doen ças é respon sável por 60% das m or tes e in capacidade em todo o m un do, num a escala progressiva, poden do chegar a 73% de todas as mortes em 2020. Em 2001, no Brasil, as DCNT foram responsáveis por 62% de todas as mortes e 39% de todas as hospitalizações registradas n o Sistem a Ún ico de Saúde (OPAS/OMS, 2004).

As prem issas subjacen tes a este “aler ta de epidemia” nos documentos citados são: 1. as DCNT são decorrentes do estilo de vida ocidental;

2. a adoção deste estilo de vida por popula-ções em vias de desenvolvim en to determ in a um a m odificação de seu perfil de m orbidade, aumentando a importância das DCNT (transi-ção epidemiológica);

3. estes fatores de risco são os mesmos ao lon-go do tempo e no espaço;

4. seus efeitos são modificáveis por interven-ção sanitária;

5. a redução na mortalidade por DCNT veri-ficada nos EUA e em outros países semelhantes deveu-se à intervenção com sucesso sobre estes fatores de riscos.

Na verdade, esta última premissa não é tão definitiva pois, conforme Mathers (2002), exis-tem três hipóteses para explicar a surpreenden-te queda da m ortalidade entre os m ais velhos registrada nos EUA e em outros países desen-volvidos nos últimos 30 anos:

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m en to in ten sivo, as m odern as tecn ologias diagnósticas e de tratamento clínico ou a cirur-gia das coronárias. Conseqüentemente, o declí-nio na mortalidade seria acompanhado por um aumento na prevalência de doenças crônicas e de incapacidade;

2. A hipótese da com pressão da m orbidade proposta por Fries (1989) postula que, com a expectativa de vida adulta se aproxim ando de seu limite biológico, se a incidência de doenças incapacitantes puder ser retardada para idades posteriores, então a morbidade será comprimi-da para um período mais curto de vicomprimi-da. Esta é a concepção que justificaria a intervenção sani-tária precoce e con tinuada precon izada pelas organ izações in tern acion ais (prom oção da saúde, prevenção primária e secundária); 3. A hipótese proposta por Man ton (1982, 1987) sugere que o declín io n a m or talidade pode ser causado, ao menos parcialmente, por redução na letalidade, mas que teria havido de fato diminuição da incidência e do potencial da intensidade de progressão das doenças. A que-da na incidência e uma evolução aparentemen-te mais benigna dos casos remanescenaparentemen-tes – tal-vez associada à variação nos mecanismos etio-patogênicos predominantes ao longo do tempo (Azambuja, 2004) – teriam sido as responsáveis pelo progressivo aum en to n a proporção de saudáveis e longevos na população.

Com o envelhecimento de nossa população e a persistência na exposição aos fatores de ris-co, aum en tan do a ocorrên cia de DCNT n o Brasil, quais seriam as repercussões, sobre a seguridade social, considerando as alternativas das in ter ven ções san itárias sugeridas a par tir das teorias que explicariam sua queda no Pri-meiro Mundo?

1. Se o objetivo for o declínio na mortalidade às custas de redução da letalidade apen as, ou seja, por um m odelo de cuidado focado n a aten ção secun dária e terciária, o setor saúde trocaria custos (teóricos) de acompanhamento e medicalização de longo prazo, por ampliação do acesso a m edicam en tos e tecn ologias con -centrados em um período menor de tempo. A repercussão n a seguridade depen deria da so-brevida que um maior acesso a cuidados médi-cos com m ais tecn ologia e qualidade pudesse som ar ao cuidado já dispen sado hoje a este grupo de pacien tes, um a vez que, apesar de suas falhas e baixa cobertura, este é o m odelo de atenção dominante em nosso país.

2. Se o objetivo for a com pressão da m orbi-dade, teríam os cer tam en te um aum en to de

custo para o Sistem a de Saúde, que teria de investir em detecção precoce, con troles fre-qüen tes e, provavelm en te, dispen sação de m edicam en tos (preven ção prim ária e secun -dária) ao longo de décadas, o que não elimina-ria a n ecessidade de fárm acos e tecn ologia mais intensivamente aplicada na evolução dos casos, mesmo supondo que se reduza o núme-ro dos que dela n ecessitem . Este é o m odelo que tem sido preconizado para enfrentarmos a ameaça de “epidemia” de DCNT. Na previdên-cia, esperar-se-ia um deslocamento do impac-to econômico, da concessão de benefícios pre-coces (por incapacidade temporária ou defini-tiva para o trabalho), para mais tempo de pres-tação continuada de aposentadoria, por incre-mento na longevidade.

3. Se, en tretan to, a queda n a m or talidade (verificada nos EUA e outros países com carac-terísticas semelhantes) fosse devida à queda na incidência destas doenças (Manton) – hipótese provável e de causa ainda em polêmica (Azam-buja, 2004) – n ada im pediria que o m esm o fenômeno estivesse ocorrendo em todo o mun-do, e que o deslocam en to esperado da epide-mia de fato não estivesse ocorrendo. Neste ca-so, um a m aior proporção da população seria saudável ao lon go da vida, e teria vida m ais longa. Os custos para o Sistema de Saúde cairi-am , e os custos previdenciários aum entaricairi-am somente pelo aumento da longevidade.

Obviam en te esta avaliação do im pacto de modelos assistenciais no atendimento das DC-NT sobre a seguridade social é sim plista, por ser un idim en sion al. Pressupõe que n ão haja outros determ in an tes (com peting-causes de

m orbi-m or talidade e outros determ in an tes dem ográficos e econôm icos) para o desem pe-nho do sistema.

A transição demográfica

Observa-se em todo o mundo, o Brasil incluí-do, um envelhecimento populacional que cer-tamente causa impacto na política e nos orça-m entos da seguridade social, voltada particu-larmente para os estratos demográficos de mais idade e para os incapacitados. Se a ocorrência das DCNT aumenta com o envelhecimento da população, cada vez m ais deverá aum en tar o ônus delas decorrente entre os beneficiários do seguro social (Datasus, 2004; MPAS, 2002).

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ficos e os de saúde, seria preciso contar com os seguintes elementos: a natalidade, a mortalida-de in fan til, a m orbi-m or talidamortalida-de do adulto jovem (trabalhador m ais exposto às causas extern as), do adulto de m eia-idade, n o qual começam a aparecer mais as DCNT, e do adul-to idoso, que vai determ in ar seu período de sobrevida depois da aposentadoria ou da insta-lação de limitação ou incapacidade para prover o próprio sustento, bem com o de seus depen-dentes.

Obviam en te tais elem en tos n ão são in de-pen den tes e, por sua vez, estão determ in ados por uma série de outros mais de ordem socio-cultural e que não comparecem claramente nas categorias demográficas e nosológicas: a deter-m inação da freqüência, precocidade e ideter-m por-tân cia de m uitas doen ças do grupo DCNT estariam sendo definidas desde a gestação, co-mo na hipótese de Barker (2003), fazendo com que os sobreviven tes da m or talidade in fan til estivessem sujeitos a m ais este desafio; o risco de aciden tes de trabalho e a capacidade de se defen der deles depen dem da n atureza e da organização do mesmo e do treinamento e cul-tura do trabalhador; o risco da violência é mai-or nos grupos sociais menos privilegiados e em ambientes por eles freqüentados.

No Brasil, a mortalidade ainda ocorre pre-cocem en te, e especialm en te n as regiões m ais pobres (Figura 1). Mas, embora a longevidade dos cidadãos ain da seja baixa, com parativa-m ente coparativa-m o Priparativa-m eiro Mundo, o conjunto da população brasileira já envelheceu, pois há pro-porcionalmente menos crianças hoje do que há 30 an os. Este envelhecim en to, n o en tan to, é pequeno comparado com a situação de outras populações. Nos EUA, não só a sobrevida indi-vidual é m aior com o tam bém repercutem n a estrutura etária da população as ondas migra-tórias e a geração “baby-boom” nascida no

póssegun daguerra. A figura 2 m ostra que, en -quan to a população dos EUA é praticam en te do mesmo tamanho que a do Brasil até a faixa dos 15 aos 24 an os, ela é duas vezes m aior n a faixa dos 35 aos 44, e mais de quatro vezes mai-or acim a dos 75 an os. Esta diferen ça explica por que o número de mortes por DCNT ainda é muito mais baixo no Brasil do que nos EUA: a nossa população é mais jovem, e morre antes, por outras causas.

Na m edida em que o processo de envelhe-cimento da nossa população avançar, especial-m en te via redução da especial-m or talidade precoce, deverá aumentar a prevalência das DCNT e sua repercussão na seguridade social.

Figura 1

Distribuição proporcional da mortalidade geral por grupos etários, nas Regiões Norte e Sul do Brasil e nos EUA, em 1999.

(*) EUA, 15-45 e 55 + 0,0

10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0

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Brasil/Região Sul

Brasil/Região Nor te

50 (*) e + 15-49 (*)

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A seguridade social

A Seguridade Social compreende um conjunto in tegrado de ações de in iciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdên cia e à assistência social (Previdência Social, 1999).

Assim como a atenção à saúde, a previdên-cia e a assistên previdên-cia soprevidên-cial em n osso m eio e n o resto do m un do sofrem as pressões da atual hegemonia do poder, da economia e da cultu-ra, pelo m ercado globalizado. Todas estão entremeadas por interesses econômicos, e não podem ser discutidas fora deste contexto.

A previdência está baseada no conceito de seguro, ou seja, em um contrato individual que afirm a a existên cia de um direito pessoal do con tribuin te (ou afiliado ao sistem a) a um ben efício futuro em razão e n a proporção de sua contribuição presente. São elementos críti-cos n o cálculo do valor desta con tribuição: a estrutura etária da população, sua longevidade e a taxa de emprego. Já o conceito de segurida-de baseia-se em um contrato social, pelo qual o direito aos benefícios aparece como um direito da cidadania. É esta a concepção que norteia a concessão de aposentadorias aos trabalhadores rurais e a concessão de benefícios previstos na LOAS – Lei Orgân ica da Previdên cia Social –

para idosos (mais de 65 anos) e portadores de deficiên cia com provada em qualquer idade, com renda familiar per capita mensal inferior a

25% do salário mínimo. No custeio hoje do sis-tema, podem ser apontados como nós críticos o grau de desemprego e informalidade; o rebai-xam en to do salário dos trabalhadores m ais jovens quando comparado aos dos mais velhos que estão em vias de se aposentar; o custeio das aposen tadorias dos trabalhadores rurais; o grande número de aposentadorias urbanas por idade, para as quais bastam 15 anos de contri-buição; e o número crescente de benefícios por incapacidade tem porária ou definitiva para o trabalho.

Segundo o PNAD/IBGE, em 2001 existiam 40,7 m ilhões de trabalhadores ocupados que n ão con tribuíam para a Previdên cia Social. Este con tin gen te correspon dia a 57,7% da população ocupada privada, isto é, quase 58 em cada 100 trabalhadores ativos sem vínculo con-tributivo com a Previdência (2003). A tendên-cia que se observa na economia brasileira tem sido no sentido do agravamento deste quadro.

Em m arço de 2004, o INSS em itiu aproxi-madamente 22 milhões de benefícios (Boletim Estatístico da Previdência Social, 2004). Destes, as aposentadorias por tem po de contribuição foram 16%, e as por idade (em boa parte para Figura 2

Tamanho relativo da população dos EUA com relação à do Brasil, em sucessivas faixas etárias.

0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00

EUA/Brasil

75 + 65- 74 55- 64

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trabalhadores rurais) 55% do total. Já a som a das aposen tadorias por invalidez, auxílios-doença, e benefícios assistenciais para não con-tribuintes (LOAS e renda m ensal vitalícia por invalidez) – n a m aior par te decorren tes de agravos à saúde ou suas seqüelas, som aram 23%. O INSS ainda não disponibiliza estatísti-cas que permitam estabelecer as causas básiestatísti-cas dos ben efícios con cedidos por in capacidade temporária ou invalidez permanente. As infor-mações disponíveis são esparsas.

Em Porto Alegre (Boffet al., 2002), a

análi-se de um total de 6.898 benefícios E-31 (auxí-lio-doença comum por incapacidade temporá-ria para o trabalho) concedidos em 1998 (não incluídos os aciden tes do trabalho) m ostrou que as “causas extern as” respon deram por 1.486 (22%); a “convalescen ça após cirurgia”, por 1.181 (17%); e as “condições clínicas”, por 4.119 (61%) (Previdência Social, 2003). Com-paradas a estudo realizado n o Brasil em 1986 (Men des, 1995), as causas extern as passaram da quarta para a prim eira posição com deter-m in an te de in capacidade tedeter-m porária para o trabalho. Dos 61% de afastam entos tem porá-rios por incapacidade decorrente de doença clí-nica (60%), as doenças do aparelho circulató-rio ocuparam o 3º lugar (16,2%), após doenças osteomusculares (24,8%) e as doenças mentais (18,9%). No grupo das doen ças do aparelho circulatório, as causas de afastam en to foram , pela ordem , doen ça hiper ten siva, doen ça isquêmica do coração, doenças cerebrovascula-res, e doenças das veias. É provável que as apo-sentadorias por invalidez tenham outra distri-buição relativa de causas básicas, com m aior proporção de DCNT entre os casos.

O modelo de atenção à saúde

Se as transições demográfica e epidemiológica têm poten cial de im pacto sobre a seguridade social, a efetividade de nossa política sanitária e de n osso sistem a assisten cial precisaria ser também contemplada. Um modelo de atenção à saúde pressuporia a existên cia de algo bem defin ido, estruturado e testado. Sabe-se que por enquanto nossas ações de saúde se desen-volvem num ambiente nebuloso, imaturo e de difícil avaliação, dificultando a sua designação como um verdadeiro modelo.

Em que pese o en orm e esforço de n ossos bem-intencionados planejadores de saúde, não se pode ain da falar em sistem a de aten ção à

saúde com identidade própria, com integração dos diversos níveis adm inistrativos e de juris-dição, com regulam en tação do privado, do governamental e público, com clara atribuição de com petên cias e respon sabilidades, com implementação adequada de serviços e avalia-ção de resultados, com remuneraavalia-ção adequada e trein am en to de pessoal, com um a política definida em cima de prioridades levantadas no nível local das populações a serem atendidas.

Mesm o con tan do com um bom plan eja-m en to para ueja-m eja-m odelo de aten ção à saúde, n ossa heterogen eidade (e doen ça social) o comprometeria, dificultando o acesso ao diag-nóstico precoce e à possibilidade de uma assis-tência de qualidade no diagnóstico e na obten-ção dos recursos terapêuticos.

Especialmente em se tratando de DCNT, o in ter valo de tem po en tre a in ter ven ção e a m edida de sua efetividade costum a ser m ais lon go, m edido em décadas ou até gerações, dependendo do grau de exigência e do interes-se em afastar possíveis fatores de confusão.

O plan ejam en to de in ter ven ções sobre os fatores de risco clássicos para DCNT, extrapo-lados de outros países, e orquestrados por inte-resses ao m enos duvidosos, pode ser tam bém question ado, e n este caso o in ter valo en tre a in ter ven ção e o seu im pacto deve ser ain da m aior. É preciso tam bém con siderar que os custos destas in ter ven ções m ais precoces n a história natural, em bora aparentem ente m ais baratos no nível individual, podem ser m uito elevados, considerando-se a extensão da cober-tura exigida e a n ecessidade de com preen der m últiplos outros aspectos in terdepen den tes. Entre estes, certam ente está incluída a educa-ção ou, in do m ais além , o desenvolvim en to humano integral.

Estas considerações não significam uma fu-ga da responsabilidade em responder ao tem a proposto, mas de justificar o grau de incerteza que se oculta atrás de uma equação intersetorial, aparen tem en te bem form ulada. Visa tam -bém provocar os especialistas para tecerem seus comentários e apresentarem suas hipótes-es e rhipótes-espostas.

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Conclusões

• A transição demográfica em países como o nosso tende a tornar mais crítica a despropor-ção entre contribuintes e beneficiários do siste-m a de previdência social. Cosiste-m o ausiste-m ento do desem prego e a redução da m assa salarial dos contribuintes, m enos trabalhadores com salá-rios mais baixos terão que sustentar mais apo-sentados com salários mais altos por mais tem-po. O que está ocorrendo hoje, perversamente, é que a aposentadoria dos m ais velhos é com freqüência a única fonte estável de renda de toda a família (filhos e netos), e os velhos são usur-pados do direito de utilizá-la a seu critério. • A vuln erabilidade do sistem a de seguro social nas condições aqui descritas traz m aior responsabilidade aos políticos e gestores do sis-tema de seguro social e aumenta a culpabilida-de daqueles que o fraudam.

• A promoção de mais empregos no mercado form al e a regularização das con tribuições devidas ao Seguro Social estão en tre as solu-ções de curto prazo para minimizar os desequi-líbrios atuais, que tendem a se aprofundar em um cenário de transição demográfica e

epide-miológica sobreposto à longa crise econômica que estamos vivendo.

• Como o SUS ainda tem deficiências graves, os custos da incapacidade recaem pesadamente sobre a previdência e a assistência social, já que os pacien tes perm an ecem em ben efício por m uito tem po, aguardan do exam es, procedi-mentos ou acesso a um especialista para o tra-tamento adequado. Uma integração maior en-tre a Previdência e Assistência Social e o SUS é fundamental.

• Os programas de prevenção de DCNT e de promoção da saúde deveriam contar com estu-dos relacion aestu-dos com suas con seqüên cias de mais longo prazo, para medir sua efetividade e orien tar m edidas reguladoras do im pacto n o sistema de seguridade social.

• A avaliação das repercussões de diferentes alternativas de intervenção nas DCNT sobre o sistema de seguridade social deve levar em conta a estrutura demográfica e o padrão de morbida-de da nossa população, o estado morbida-de organização do SUS e de sua integração com a previdência e a assistência social, e as possibilidades de acesso e lim itações de financiam ento do sistem a, na atual conjuntura econômico-social do País.

Colaboradores

A Achutti e MIR Azam buja participaram igualm ente na concepção, discussão e redação final do texto.

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Referências

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