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O ciclo do Marabaixo: permanências e inovações de uma festa cultural

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Academic year: 2017

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Wanda Maria da Silva Ferreira Lima

O ciclo do Marabaixo: permanências e inovações de uma festa cultural

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Wanda Maria da Silva Ferreira Lima

O ciclo do Marabaixo: permanências e inovações de uma festa cultural

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte das exigências do Curso de Pós-Graduação em História, para obtenção do título de “Mestre”.

Orientadora: Professora Doutora Maria Aparecida de Aquino

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L732c Lima, Wanda Maria da Silva Ferreira

Ciclo do Marabaixo : permanências e inovações de uma festa cultural – Wanda Maria da Silva Ferreira Lima. São Paulo, 2011

131 f. : il. , 30 cm

Dissertação (Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011.

Referências bibliográficas: f. 148-150.

1. Marabaixo. 2. Cultura. 3. História. I. Título.

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Wanda Maria da Silva Ferreira Lima

O ciclo do Marabaixo: permanências e inovações de uma festa cultural

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte das exigências do Curso de Pós-Graduação em História, na área de História Cultural, para obtenção do título de “Mestre”.

APROVADA: em 26/08 de 2011

COMISSÃO EXAMINADORA:

______________________________________________________ Dra. Maria Aparecida de Aquino

(Orientadora)

______________________________________________________ Dr. Antônio Rago Filho

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A Deus, minha Rocha e Senhor dos meus caminhos.

Apraz-me agradecer a todos os meus professores do curso de mestrado pelo incentivo, pela acolhida e por todas as sugestões que foram fundamentais durante toda essa caminhada. Em especial o meu agradecimento ao professor Marcos Rizolli por todas as oportunidades de crescimento e amadurecimento que a sua sensibilidade profissional contribuiu para que eu me tornasse um ser humano melhor.

A minha orientadora Maria Aparecida de Aquino por toda dedicação, compreensão, estímulo e por todas as exigências crescentes que me foram impostas a medida que se caminhava para a conclusão

Ao Mackpesquisa, o meu sincero agradecimento pelo apoio recebido através do Fundo Mackenzie de Pesquisa.

Agradeço a Assessoria de Pesquisa e Bolsas- APB da Universidade Presbiteriana Mackenzie pela atribuição da bolsa CAPES-PROSUP – Mod. II.

Agradeço ao IBRIT- Instituto Brasil Itália, em nome do senhor Marco Antonio Ribeiro Vieira Lima, por todo apoio recebido durante o seminário “Identidades Culturais no Brasil Contemporâneo”, realizado em Milão- Itália, em 2010.

Agradeço a todos os colegas da turma do curso de mestrado, pelas sugestões, críticas e apoio, e, em especial, aos amigos Márcio Antonio Faria, Elisabete Priedols, Priscila Rosin, Fabiana, Rosely Mulin e Juliana Rotta, pela amizade e torcida que, carinhosamente, fui recebendo durante toda a trajetória.

Ao Governo do Estado do Amapá, pela liberação concedida.

Agradeço todo o apoio e incentivo das Direções da Escola de Música Walkíria Lima: Silvia Gomes Corrêa, Rose, Socorro Santos e Sandra Meireles bem como o carinho e a torcida dos professores e funcionários da Escola.

À Confraria Tucuju, pela doação de material e pelo incentivo.

Ao sociólogo Fernando Canto, pelo apoio, pelo incentivo e por todo material doado.

Ao grupo de Marabaixo Raízes do Bolão eu agradeço os momentos de prosa, pelas informações e por todo carinho dispensado sempre que solicitados em me atender.

Com muita gratidão, à família Ferreira Lima, indispensáveis em todos os momentos. Pelo carinho, pelo sonhar juntos. Em especial a minha irmã Mary Lima pelo amparo e acolhida e a minha irmã Suzana Lima pelo incentivo, pelo carinho e amizade de todos os dias.

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A Denise Araújo pela contribuição de suas leituras.

Um agradecimento especial à Danniela Ramos por todo apoio recebido, pela amizade, pelas orações, pela torcida e por ter me recebido e apresentado à Associação Cultural Raimundo Ladislau ―Marabaixo no Laguinho e ainda por todo esforço dedicado para a realização dessa pesquisa.

Ao senhor Munjoca e sua família por me acolherem na casa do festeiro.

À Associação Cultural Raimundo Ladislau ―Marabaixo no Laguinho, por me ensinarem a acreditar na possibilidade de um mundo melhor.

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A presente dissertação visa compreender o que representa a Festa do Marabaixo para a Associação Cultural Raimundo Ladislau, enquanto grupo praticante e mantenedor dessa tradição cultural, através da noção de representação proposta pelo historiador Frances Roger Chartier. O cenário escolhido para o estudo da presente pesquisa foi o Centro Cultural Tia Biló, localizado no bairro do laguinho na cidade de Macapá, Estado do Amapá, durante a festa do “Ciclo do Marabaixo” que aconteceu no período de 24 de abril a 26 de junho de 2011. A dissertação parte de uma investigação sobre a Festa do Divino Espírito Santo em Portugal, no Brasil e em Macapá, através de uma abordagem histórica, apresentando algumas versões sobre a origem da festa, sua origem filosófica e a influência do pensamento de Joaquim de Fiore. Faremos, também, referência a algumas práticas da festa em Portugal, buscando o simbolismo da festa para o grupo Raimundo Ladislau. Apresentamos, também, o desenvolvimento da festa do Ciclo do Marabaixo realizado pela Associação que foi registrada através de fotografias e de áudio do evento bem como a realização de entrevistas semi-estruturadas com os integrantes do grupo. Em seguida, apresentaremos uma abordagem histórica sobre a relação da Igreja com o Marabaixo, partindo das informações descritas em um artigo de jornal datado de 1895 até chegarmos ao ano de 2011, onde observamos as relações de tensões entre a igreja e os brincantes do Marabaixo. No momento seguinte trataremos da relação do Marabaixo com o Governo do Estado observando as formas de representação presentes nessa relação e como cada um se apropria dos seus bens simbólicos, e ainda, como o evento vai se transformando na principal manifestação cultural e a maior referência identitária do patrimônio histórico-cultural do Estado do Amapá.

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Esta tesis tiene como objetivo entender que es la Fiesta de la Asociación para la Cultura Marabaixo Raimundo Ladislao, practicar en grupo y encargado del mantenimiento de esta tradición cultural, a través de la noción de representación propuesto por el historiador francés Roger Chartier. El escenario elegido para el estudio de esta investigación fue la tía Bilo Cultural Center, ubicado en el barrio de la laguna en la ciudad de Macapá, Amapá Estado, durante la fiesta del "Ciclo de Marabaixo" que tuvo lugar del 24 a 26 ab junio de 2011. La parte de una tesis doctoral en la fiesta del Espíritu Santo en Portugal, Brasil y Macapá, a través de un enfoque histórico, la presentación de algunas versiones del origen de la fiesta, su origen y la influencia del pensamiento filosófico de Joaquín de Fiore. También se hará referencia a algunas de las prácticas del partido en Portugal, en busca de la simbología de la fiesta para el grupo de Ladislao Raimundo. Aquí, también, el desarrollo de la Marabaixo ciclo de las fiestas de la Asociación que fue registrado a través de fotografías y el audio del evento y la realización de entrevistas semi-estructuradas con los miembros del grupo. A continuación, presentamos un enfoque histórico sobre la relación entre la Iglesia y Marabaixo la base de la información descrita en un artículo periodístico en 1895, hasta llegar al año 2011, donde se observa la relación de tensión entre la iglesia y el Marabaixo brincantes. Al momento siguiente, nos dirigimos a la relación de Marabaixo con el Gobierno del Estado bajo la forma de representación presentes en esta relación y cómo cada uno se apropia de sus bienes simbólicos y, sin embargo, como el evento se está convirtiendo en la principal expresión cultural y la identidad de la referencia más grande patrimonio histórico y cultural del estado de Amapá.

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Figura 1 - Mazagão, a cidade que veio da África ... 40 

Figura 2 - Matéria “Marabaixo, a expressão do nosso folclore” ... 41 

Figura 3 - Jornal Pinsonia de 1895 ... 43 

Figura 4 - Tia Biló, única filha viva do Mestre Julião, cantando um ladrão de marabaixo na abertura do Ciclo do Marabaixo, 2011 ... 49 

Figura 5 - Início do Ciclo do Marabaixo, 24 de abril de 2011 ... 50 

Figura 6 - O caldo de carne e bebida gengibirra: iguarias servidas durante a festa ... 51 

Figura 7 - O mastro enfeitado com a murta ... 53 

Figura 8 - Os dois mastros em homenagem ao divino espírito santo, na frente da casa do festeiro ... 54 

Figura 9 - Decoração do mastro com a murta antes de ser erguido ... 55 

Figura 10 - Início do levantamento do mastro, que acontece religiosamente às 06h da manhã, de acordo com a tradição ... 55 

Figura 11 - Altar preparado na casa dos devotos para receber a procissão da murta ... 56 

Figura 12 - A saída do cortejo em frente à casa do festeiro que vai buscar a murta ... 56 

Figura 13 - Procissão com a murta pelas ruas do bairro do laguinho ... 57 

Figura 14 - Casa decorada com as cores do santo (santíssima trindade) para receber a procissão da murta ... 57 

Figura 15 - Chegada da procissão da murta em frente ao altar na casa do festeiro ... 58 

Figura 16 - Novena realizada pelo seu João na casa dos festeiros ... 59 

Figura 17 - Novenas são realizadas em frente do altar onde estão as coroas do Divino Espírito Santo e da Santíssima Trindade ... 59 

Figura 18 - O padre com as roupas nas cores que simbolizam a coroa da Santíssima Trindade ... 62 

Figura 19 - O translado da coroa do Divino até a casa do festeiro ... 63 

Figura 20 - O translado da coroa após a missa até a casa do festeiro feito com o acompanhamento das caixas do Marabaixo ... 63 

Figura 21 - O café da manhã servido logo após a missa, na casa do festeiro ... 64 

Figura 22 - A coroa da Santíssima Trindade na igreja São Benedito ... 65 

Figura 23 - O grupo de Marabaixo Raimundo Ladislau na missa ... 66 

Figura 24 - Vanessa, a mais nova integrante do grupo, com apenas três anos de idade, na missa em homenagens a Santíssima Trindade ... 66 

Figura 25 - O símbolo da pomba na coroa ... 67 

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em 2009, após desligarem o microfone ... 83 

Figura 29 - Manifesto do grupo Raimundo Ladislau, na igreja de São Benedito, com a murta na mão, em 2009 ... 84 

Figura 30 - Daniella Ramos na igreja de São Benedito, com a murta na mão, em 2009 ... 84 

Figura 31 - A procissão da murta após a manifestação na igreja São Benedito, em 2009 ... 85 

Figura 32 - Missa do Divino Espírito Santo, com o padre vestido com as cores que simbolizam o santo ... 88 

Figura 33 - Grupo de Marabaixo durante o canto final na igreja ... 89 

Figura 34 - Leitura feita por um dos membros do grupo de marabaixo durante a missa ... 89 

Figura 35 - Mapa do Amapá ... 96 

Figura 36 - Reforma na casa da Tia Biló (casa do festeiro) em 2011 ... 99 

Figura 37 - Ambulantes e brincantes na frente da casa do festeiro ... 100 

Figura 38 - Os brincantes do Marabaixo em frente da igreja de São José praticando a luta da carioca, em 1948 ... 101 

Figura 39 - Poço do mato ... 102 

Figura 40 - Museu Sacaca ... 104 

Figura 41 - Museu Sacaca ... 104 

Figura 42 -Portaria Municipal que designa uma comissão responsável pela organização da festa do Marabaixo ... 108 

Figura 43 - Trecho da matéria sobre o “Marabaixo: expressão maior do nosso folclore” ... 109 

Figura 44 - Trecho da matéria sobre o “O folclore por mar a baixo” ... 110 

Figura 45 - Assembleia Pública sobre o Dia Estadual do Marabaixo, na Assembleia Legislativa do Estado ... 115 

Figura 46 - Os homenageados no Dia Estadual do Marabaixo, na Assembleia Legislativa. . 116 

Figura 47 - Integrantes do grupo de Marabaixo e funcionários do Governo do Estado do Amapá, no 6º Salão de Turismo, em São Paulo ... 117 

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INTRODUÇÃO ... 14 

1 Referencial teórico ... 17 

2 Desenvolvimento da dissertação ... 23 

CAPÍTULO 1 ... 25 

1 Origens da Festa do Divino Espírito Santo em Portugal ... 25 

2 O modelo festivo ... 30 

3 O simbolismo ... 34 

4 A Festa de Divino Espírito Santo no Brasil ... 36 

4.1 A Festa do Divino Espírito Santo no Amapá ... 38 

4.2 A Festa do Divino Espírito Santo em Macapá pelo Grupo de Marabaixo Raimundo Ladislau ... 47 

5. Simbologia do Ciclo do Marabaixo ... 73 

CAPÍTULO 2: O MARABAIXO E A IGREJA ... 75 

CAPÍTULO 3 O GOVERNODO AMAPÁ E A FESTA DO MARABAIXO...90 

CONCLUSÃO ... 118 

REFERÊNCIAS ... 122 

ANEXOS ... 126 

ANEXO I - CARTA DA ASSOCIAÇÃO RAIMUNDO LADISLAU AO BISPO DE MACAPÁ ... 127 

ANEXO II - PARTITURA DE LADRÃO DE MARABAIXO ... 129 

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INTRODUÇÃO

“A Associação Cultural Raimundo Ladislau ―O Marabaixo do Laguinho agradece a presença de todos e convida para que juntos, cantando, possamos dar início ao Ciclo do Marabaixo 2011.

Ai! Em nome do Pai Senhor me proteja Me livra do mal (bis) Refrão:

Tenho muita fé em Deus Também na Virgem Maria

Deus protege minha terra E também minha família

Refrão

A Santíssima Trindade Que agora vou coroa Ó minha Santa Bendita

Vem pra me abençoá

Refrão

Eu tenho fé no me Divino Na Santíssima também Nos que estão incomodados

Já estou muito além

Refrão

Ai! vamos, vamos minha gente Me consola o meu cantar Vamos dançar Marabaixo

Na terra de Macapá

Ai! Em nome do Pai Senhor me proteja Me livra do mal- Bis – Refrão

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A presente dissertação visa compreender o que representa a Festa do Marabaixo para a Associação Cultural Raimundo Ladislau, enquanto grupo praticante e mantenedor dessa tradição cultural, através da noção de representação proposta pelo historiador francês Roger Chartier. Para este historiador, as representações são consideradas como os modos pelos quais “em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é construída, pensada, dada a ler por diferentes grupos sociais”. (CHARTIER, 1990, p. 17)

A escolha do Marabaixo enquanto tema da dissertação está relacionada às minhas inquietações enquanto professora da disciplina “História da Música Popular Brasileira”, pertencente ao quadro estadual da Escola de Música Walkíria Lima, no estado do Amapá. A Festa do Marabaixo, como manifestação folclórica da cidade de Macapá, é muito respeitada pelos professores e alunos, fazendo, sempre que possível, parte da programação dos eventos e recitais promovidos pela escola, fato que já se torna digno de elogios, considerando que estamos falando de uma linguagem cultural que foge às concepções estéticas da cultura europeia sobre a música e que ainda é possível encontrar nos tons e semitons da programação curricular de algumas escolas de música do território brasileiro.

Embalada pelos discursos nacionalistas de Mário de Andrade, pela sua sensibilidade intelectual, expressa na sua preocupação com uma política cultural para o Brasil, pelo seu esforço na valorização da cultura popular através da diminuição da distância entre cultura popular e cultura erudita, e embalada, ainda, pela importância da pesquisa nessas áreas, encontrei na Festa do Marabaixo o objeto desta pesquisa, considerando a riqueza de informações que contribuiriam para o patrimônio músico-cultural brasileiro, tendo em vista as particularidades da sua expressão musical.

Outro fato que me inquietava relacionava-se à frequência com que a percussão rítmica era utilizada na música do Marabaixo e na composição das músicas regionais — denominadas de “Música Popular Amapaense” (MPA). Os compositores se utilizavam dessa mistura para diferenciarem o que seria uma canção genuinamente amapaense de outras canções regionais do Brasil.

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conflitos entre os grupos de Marabaixo, que se consideravam, cada um à sua maneira, portadores do verdadeiro ritmo, o qual dá nome ao evento, a Festa do Marabaixo. Diante de tal fato, senti a necessidade de compreender o problema.

No entanto, outras questões sobre o que seria tradicionalmente a Festa do Marabaixo se apresentaram, como no caso dos significados da festa, onde cada grupo, à sua maneira, se apresentava e se distinguia um do outro, e, algumas vezes, intitulava-se o verdadeiro herdeiro dessa tradição.

O foco da pesquisa mudou diante de tal premissa. Ainda que o objeto da pesquisa seja a Festa do Marabaixo, o desejo de investigar essa linguagem musical que acontece exclusivamente no Amapá não é descartado, apenas adiado, pois considero urgente e necessária a pesquisa da sua trajetória histórica, tendo em vista a possibilidade de encontrar fatos e elementos que contribuam para compreender a sua realidade atual e, assim, futuramente dedicar-me ao estudo da sua musicalidade.

Percebi, também, durante as minhas primeiras investigações sobre o evento, que essa relação entre o Marabaixo e a música regional estava inserida num quadro político no qual o Amapá, transformado em Estado no início da década de 1990, encontrou na cultura espaço para o seu discurso regionalista. Ainda que tenham sido apoiados diferentes segmentos da cultura, a música e as festas folclóricas foram os que mais se destacaram.

A Festa do Marabaixo tornou-se uns dos eventos culturais mais importantes do calendário turístico do Amapá. Grupos folclóricos floresceram tanto na capital do estado, Macapá, como em outras localidades e municípios. O governo promovia eventos que contemplavam a participação desses grupos e ainda contribuía financeiramente para a sua manutenção, com os grupos sendo solicitados a apresentarem-se nos mais diversos eventos da cidade, tais como a programação de uma escola e o aniversário da cidade, entre outros.

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essas homenagens posterga sua identidade cultural em relação à Festa do Divino Espírito Santo, que contempla o calendário festivo de outros estados brasileiros.

Dessa forma, a presente dissertação pretende compreender a Festa do Marabaixo na sua contemporaneidade, observando e analisando as tensões e mutações sofridas durante a sua trajetória histórica.

A programação da Festa, que também se utiliza de datas religiosas do catolicismo, se desenvolve por um período de dois meses. Inicia-se, tradicionalmente, no Domingo de Páscoa, e se estende até o Domingo do Senhor, após o Corpus Christi. No caso das comemorações do ano de 2011, o calendário compreendeu o período que foi de 24 de abril a 26 de junho de 2011.

Atualmente, a relação do Governo do Estado do Amapá com os brincantes do Marabaixo se caracteriza pela valorização e pelo reconhecimento da festa enquanto um bem cultural importante para o estado do Amapá. A Igreja também vem desenvolvendo uma aproximação e uma melhor compreensão do evento. Desse modo, esta investigação pretende ser uma contribuição para o estudo das manifestações culturais no Brasil, considerando as transformações históricas que muitas vezes destinam a cultura ao abafamento, ao recalque, a um desrespeito às suas práticas, embora, ao mesmo tempo, elas renasçam das cinzas.

1 Referencial teórico

A contribuição que a noção de representação propõe ao estudo da história cultural reside na informação dos elementos reveladores do registro da realidade que um determinado grupo mantém com o mundo social no qual está inserido.

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As primeiras reflexões sobre a contribuição das representações sociais na História iniciam-se no interior das discussões da Escola dos Annales, com os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, por volta de 1929. Porém, é com Roger Chartier, um dos historiadores mais importantes da terceira geração do grupo de pesquisadores conhecido como Escola dos Annales, que a noção de “representação” ganha reconhecimento e importância enquanto ferramenta utilizada para a compreensão da história cultural.

Para Chartier, a noção de representação possibilita “compreender o funcionamento da sua sociedade”(1990, p. 23). Para este historiador, as representações podem ser pensadas como “esquemas intelectuais incorporados que criam figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (1990, p. 23).

No entanto, é preciso percorrer alguns caminhos. Um deles está relacionado às práticas — ou seja, uma maneira própria de estar no mundo — que possibilitam o reconhecimento de uma identidade, revelando as particularidades interpretativas do mundo social no qual cada grupo está inserido, e que são proporcionadas através de articulações com as outras práticas (políticas, sociais, discursivas). Esse é o caminho percorrido nesta dissertação de mestrado.

A noção de práticas e representações possibilita novas perspectivas para o estudo da cultura; juntas, permitem alargar o campo da historiografia cultural, apresentando um número maior de fenômenos culturais, bem como o dinamismo no qual eles se inscrevem.

Através da noção de representação e do estudo das práticas é possível examinar a relação entre produtores e receptores da cultura, os objetos culturais produzidos e os processos da produção, bem como os sistemas que dão suporte a esses processos e sujeitos.

Ainda no âmbito das representações, Chartier aponta para a questão dos conflitos que permeiam os interesses dos grupos. De acordo com o historiador francês, a compreensão desses conflitos se encontra no diálogo entre a representação e alguns conceitos, como o simbólico, que está associado ao um determinado imaginário político.

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As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. (CHARTIER, 1990, p. 17).

Essa definição permite entender que as percepções sociais não são discursos neutros. Elas revelam as estratégias de legitimação e imposição que alguns grupos utilizam para impor sua autoridade bem como justificar suas escolhas e condutas.

A noção de representação dialoga também com outro conceito importante para a História Cultural, o de “ideologia”. O conceito de ideologia está relacionado diretamente com o poder, com a manipulação de determinados valores que visam produzir determinados resultados sociais. A ideologia apresenta-se através de dois caminhos: o primeiro se constitui como sendo ela própria uma representação; o segundo, quando manipula as representações já existentes visando atingir determinados objetivos e ressaltar certos interesses.

Ainda que o processo ideológico aconteça de forma consciente ou não, tanto pela parte de quem pratica como pela parte de quem se apropria, é um processo que promove mudanças de comportamentos e de atitudes nas inter-relações sociais e políticas, nas quais implica uma nova concepção social do objeto. São nesses espaços que as representações produzem verdadeiras “lutas de representação”. “As lutas de representação têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.” (CHARTIER, 1990, p. 17).

No cenário das festas populares, espaços marcados por relações de conflitos, ou seja, por lutas de representação, a noção de representação torna-se pertinente e fundamental para compreender o processo de mutabilidade das práticas da Festa do Marabaixo, inseridas no jogo de interesses dos atores envolvidos, que se camuflam por detrás de seu discurso.

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É baseado nessa tríade — “representação, prática e apropriação” — que Roger Chartier desenvolve seu estudo sobre História Cultural. O Marabaixo, enquanto fenômeno cultural, não está passivo diante de tais influências; as maneiras ou as formas pelas quais resiste ou aceita o controle imposto pela elite dominante, tanto em relação à Igreja quanto em relação ao Governo, pode proporcionar ao pesquisador significativa contribuição para o conhecimento histórico.

Para compreendermos melhor essa relação de conflito, ou seja, para que se possa entender como se processa esse reconhecimento por parte do Governo em relação à Festa do Marabaixo, e como a Festa se apropria desse reconhecimento, é importante ressaltar a fala de Daniella Ramos, presidente da Associação Cultural Raimundo Ladislau do Bairro do Laguinho, durante a realização de um festa, no mês de março de 2011, que contou com sorteio de prêmios e apresentação do grupo de Marabaixo, com a finalidade de arrecadar recursos para ciclo do Marabaixo:

Desde que foi criado sempre procuramos fazer promoções para garantir roupas bonitas, coloridas, que tornem o Marabaixo uma atração turística, sem perder nossa identidade. Agora, conscientes de que o Estado passa por dificuldades, vamos fazer mais promoções e com certeza neste Ciclo teremos o mesmo brilho. Continuaremos a tradição de oferecer caldo e gengibirra, mostrando o verdadeiro Marabaixo feito pelo povo. Não dá pra dizer que o Ciclo não foi bonito por culpa do Governo, temos que resgatar a tradição das

famílias, amigos e vizinhos fazerem a festa. (MACIEL. (http://noticiadoamapa.blogspot.com/2011/03/ciclo‐do‐

marabaixo‐2011.html. acessado no dia 22/04/2011 as 09:10)

A noção de representação é fundamental para se compreender a fala dos brincantes. A representação implica, necessariamente, uma avaliação, ou rotulação, do ser ou do objeto; promove um sistema de classificação que particulariza toda a visão do mundo e da sociedade, limitando o indivíduo a um conjunto de comportamentos e regras, ditados pela linguagem.

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A idéia de tensão [...] é sempre a idéia de demonstrar que não há a possibilidade de ler qualquer fenômeno de maneira unitária, de uma maneira que não englobe as contradições. [...] é porque se reconhece essas tensões que nós, como cidadãos, temos um espaço de intervenção. (CHARTIER, 2001).

Considerando essa curiosidade, o presente trabalho verificará essas tensões presentes nas relações entre a Igreja, primeiramente, e, depois, entre o Governo e os promotores da Festa do Marabaixo. As maneiras ou as formas pelas quais resiste ou aceita o controle imposto pela elite dominante, pelo Governo ou pela Igreja podem proporcionar ao pesquisador significativa contribuição para o seu conhecimento histórico.

Além de Roger Chartier, recorremos a outros teóricos com o objetivo de alargar nossa reflexão sobre a pesquisa em história cultural, tal como Michel de Certeau, através de seu estudo sobre a cultura no plural e sobre as práticas inventadas, ou as artes de fazer, presentes no nosso cotidiano. O pesquisador francês defende que “para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas sociais: é preciso que essas práticas sociais tenha significados para aqueles que as realiza”.(pag.9, 1995)

Para o autor a cultura se relaciona dentro de uma rede combinatória que perpassa pelas realidades políticas, econômica, das quais são indissociáveis. Essa dinâmica influência na consciência coletiva. É nessa perspectiva que tal estudo considera importante uma análise da compreensão do significado da festa do Marabaixo para o grupo Raimundo Ladislau

Outro autor que também contribui para esse estudo é o historiador Peter Burke, através de suas reflexões sobre hibridismo cultural. O termo “híbrido” tem sido utilizado nos estudos do fenômeno da globalização cultural que aponta para um intenso processo de mistura, ou seja, uma hibridização, presente nas discussões de temas sócios-culturais.

O presente estudo visa observar os processos híbridos que a festa do Marabaixo sofreu no seu processo histórico, ou seja, as trocas culturais que promoveram possíveis mudanças no evento. Para Peter Burke um estudo em História Cultural deve considerar que “toda inovação é uma espécie de adaptação e que encontros culturais encorajam a criatividade”. (pag.17, 2003)

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autor, interfere direta e rapidamente na “perda de tradições regionais e de raízes locais” e assim caracteriza a era da globalização. (pag.18, 2003)

Encontros entre culturas revelam verdadeiras fontes histórica presentes no pano de fundo da dinâmica dos eventos culturais que nos permitem uma melhor percepção e interpretação da realidade. Tradições da festa do Divino Espírito Santo, festa portuguesa que chega ao Brasil na época da colonização do território Brasileiro e assim em Macapá, e que estão presentes na festa do Marabaixo, são exemplos de misturas culturais que se mesclam e revelam novas formas culturais que caracterizam a cultura local, a cultura amapaense. Este estudo, portanto, irá considerar o termo híbrido como sendo uma interação entre as culturas.

Além desses teóricos os outros elementos foram escolhidos para contribuirem para a pesquisa: a análise documental, o registro fotográfico, jornais, revistas, acervos públicos e particulares, documentários, entre outras análises documentais. Recorremos também a fontes como sites, blogs, arquivos públicos e arquivos pessoais, bibliotecas, pesquisa de campo e a cobertura do evento.

A fotografia enquanto documento tem como referenciais autores como Boris Kossoy, no qual considera a imagem fotográfica " um meio de conhecimento da cena passada e, portanto, uma possibilidade de resgate da memória visual do homem e do seu entorno sociocultural"(2001, pag 55),

bem como, ainda podemos acrescentar, que as fotos “sintetizam ou ampliam o que o texto escrito exprimiu” (2001, pag. 26).

Ainda sobre fotografia, destaca-se a contribuição de Mirian Moreira Leite: " A memória da imagem não só difere da memória da palavra como chega em alguns casos, a substituir a própria memória." (2001. pag, 18).

A pesquisa oral que contemplou tal projeto considerou o respeito a autoridade dos velhos, por serem estes detentores de uma experiência que era passada em geração em geração, onde Walter Benjamin, quando se refere sobre a experiência compartilhada, nos fala da importância da narração no processo de preservação da memória.

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2 Desenvolvimento da dissertação

A presente dissertação está dividida em três capítulos. No capítulo 1 foi feita uma investigação sobre a Festa do Divino Espírito Santo em Portugal, no Brasil e em Macapá, através de uma abordagem histórica, apresentando algumas versões sobre a origem da Festa, sua origem filosófica e a influência do pensamento de Joaquim de Fiore. Ainda, neste capítulo, falamos da Festa de Marabaixo realizada pela Associação Raimundo Ladislau em 2011 — evento denominado “Ciclo do Marabaixo”. Observamos as práticas da festa que ainda permanecem desde a sua origem e novas práticas que particularizam e identificam o grupo de marabaixo Raimundo Ladislau. Além disso, analisamos o conjunto das práticas de hoje em relação às práticas da Festa que aconteciam em Macapá, conforme descritas em artigo de jornal datado de 1895. Fizemos, também, referência a algumas práticas da Festa em Portugal, buscando o simbolismo da Festa para o grupo.

No capítulo 2, apresentamos uma abordagem histórica sobre a relação da Igreja com o Marabaixo, observando as formas de representação presentes nessa relação e como cada uma se apropria dos seus bens simbólicos, e como essa apropriação promove inovações no conjunto das práticas da festa, ou não.

O capítulo 3 trata da relação do Marabaixo com o Governo do Estado. Nosso objetivo nesse capítulo é contextualizar essa relação, considerando os momentos de reconhecimento ou não do Estado com a Festa do Marabaixo, analisando se esse reconhecimento interferiu ou não na configuração do evento e de que forma essa interferência foi recebida pelos grupos de Marabaixo.

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Canto dos castanhais Joãozinho Gomes e Val Milhomem

A fé dessa gente é tanta que a dor que essa gente sente

passou a doer na Santa

é a voz que diz quando está descontente que grita ao mundo seus ais que fala, contesta, desmente que ecoa pelos castanhais

A fé dessa gente é tanta que a dor que essa gente sente

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CAPÍTULO 1

1 Origens da Festa do Divino Espírito Santo em Portugal

A Festa do Divino Espírito Santo, que celebra o Pentecostes, representação da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Cristo, cinquenta dias após o Domingo de Páscoa — o que corresponde à celebração do Ciclo da Páscoa, de acordo com calendário oficial católico —, teve início na Vila de Alenquer, em Portugal. A instituição da festa está atribuída à Rainha Isabel, esposa do rei D. Dinis, que reinou em Portugal no período compreendido entre 1279 e 1325.

Dentre as fontes que fundamentam essa versão estão as crônicas produzidas nos séculos XVII e XVIII, algumas disponíveis para pesquisa no arquivo digital de Açores, como a descrita por D. Rodrigo da Cunha, em 1642:

No dia do Espírito Santo estava na Igreja de S. Francisco, em throno de baixo do docel, o chamado Imperador, com coroa real na cabeça depois de a offerecer no altar, coroa que a mesma Rainha Santa Izabel doou para tal acto: além desta coroa havia mais duas. O Imperador era servido por pessoas nobres: e estando o sucessor do Reino em Alenquer, o Pagem quem levava a coroa da Igreja do Espírito Santo para a de S. Francisco. No sábbado, véspera da festa, cercavam a dita Villa com um rolo de cera benta, desde de S. Francisco até a Igreja do Espírito Santo, vindo em procissão d’aquella para esta Igreja. (CUNHA, 1942, parte 2, cap. 27).

Nas crônicas também é possível encontrar algumas lendas1 que revelam uma relação direta sobre a origem da Festa do Divino Espírito Santo com a Rainha Isabel. Dentre elas, destacamos duas que descrevem os milagres de Deus sobre a Rainha, que foi canonizada em 1625, pelo Papa Urbano VIII, fato que talvez justifique a popularidade dos festejos em Portugal.

Primeira lenda: Certo dia, a Rainha D. Isabel sonhou que teria recebido a visita do Espírito Santo, advertindo-a que deveria construir um templo dedicado ao seu nome, em Alenquer. Obediente ao desafio recebido, a Rainha, após suas orações, recebeu informações sobre o local e a planta da obra. De acordo com os operários, quando chegaram ao local os

      

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alicerces da construção já estavam prontos. A emoção tomou conta de todos; a Rainha, de joelhos ao chão, agradecia a Deus. No final do dia, a Rainha, resolveu distribuir rosas aos trabalhadores, informando-os que as rosas seriam o pagamento daquele dia de trabalho e distribuindo uma rosa para cada um deles, que receberam de bom grado. Mas, logo que o sol se pôs, as rosas se converteram em moedas de ouro.

Segunda lenda: Diariamente, os muros do Palácio da Rainha D. Isabel eram acercados por pedintes, que eram atendidos através de doações de alimentos. A atitude e a fama de caridosa da Rainha logo atraíram um número maior de pedintes, o que fez com que o Rei D. Dinis pusesse um fim a essa pratica caridosa por parte da Rainha. Não conformada com as ordens do Rei, a Rainha, certo dia, sai do Palácio carregando no covo do avental pedaços de pão para distribuir aos pobres, mas, infelizmente, no meio do caminho a Rainha encontra o Rei, que, intrigado, lhe pergunta: “O que levas no avental?” “Levo rosas”, respondeu a Rainha. “Rosas em janeiro?”, replicou o Rei. “Como é possível? Quero ver!” Temerosa, ela abre o pano e D. Denis vê belas rosas.

O “milagre das rosas” talvez explique o uso de rosas na decoração das festas, no vestuário, e também a distribuição de alimentos como carne, bebida, entre outros, presentes nas diversas festas do Divino Espírito Santo no Brasil e, em especial, em Macapá.

Ainda que tais lendas indiquem ter sido na Vila de Alenquer que se instituiu a Festa do Divino Espírito Santo, Jaime Cortesão, reconhecido por suas pesquisas sobre a história de Portugal, defende que o Convento de São Francisco de Alenquer já realizava, em 1323, homenagens ao Divino Espírito Santo, como é possível perceber no documento do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica de Portugal:

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contribuído para radicar a tradição, segundo a qual, sob a sua égide e de D. Dinis, se haviam originado.2

O documento publicado sobre o nome de “O compromisso da Confraria do Espírito Santo de Benavente”, pelo pesquisador português, Ruy Pinto de Azevedo, é uma cópia feita a partir do documento original, escrito em latim, que é anterior a 1234. O documento revela também que antigamente as festividades do culto ao Divino Espírito Santo estavam sobre a responsabilidade da Confraria de Santa Maria de Sintra (FOLGADO, 2010).

Segundo Mourão, “até o século XV, a assistência aos mais desvalidos era vista como uma virtude cristã e uma manifestação na dimensão profana da realidade”. É nesse cenário que o aparecimento das confrarias surge no meio social. Em Açores, lugar onde as festas do Divino ganharam vigor, as confrarias eram responsáveis pela organização da festa do Divino Espírito Santo, estando o evento sempre ligado aos dons e aos frutos relacionados com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Segundo Mourão (2007, p. 59), as confrarias “funcionavam enquanto sociedades de ajuda mútua, onde associados contribuíam com jóias de entrada e taxa anuais, na explicação de Reis (1997), recebendo, em contrapartida, assistência na condição de doentes, de prisioneiros, de famintos ou de falecimento.”

Toda relação sócio-caridosa que envolve a festa está atribuída aos franciscanos, cabendo à Rainha Isabel a principal referência dos festejos populares, ou a “apropriação” mais reconhecida da festa, nas terras portuguesas. Embora a origem da festa ainda não tenha uma data certa e a sua localização seja incerta, a responsabilidade da institucionalização pertence à Rainha Isabel de D. Dinis. Para o historiador português Moisés do Espírito Santo:

O culto ao Espírito Santo sob a forma de festividade, no sentido que iria adquirir mais tarde, tem início na Idade Média, em Itália, com um contemporâneo São Francisco de Assis, o Abade Joachim de Fiori (morto em 1202) que ensinava que a última fase seria a do Espírito Santo. Em Portugal, no séc. XIV, a festa do Divino já se encontrava incorporada à Igreja, como festividade religiosa, segundo reza um velho pergaminho franciscano depositado na Camara Velha de Alenquer. A responsável por essa institucionalização da festa em solo português foi a Rainha Santa Isabel, esposa do Rei D. Diniz (1279-1325), que mandou construir a Igreja do Espírito Santo, em Alenquer. A primeira celebração do Divino Espírito Santo, provavelmente influenciada pelos franciscanos, teria mesmo ocorrido       

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em Alenquer, pois foi aqui que os mesmos fundaram o primeiro convento franciscano em Portugal. A partir dali o culto expandiu-se, primeiro por Portugal (Aldeia Galega, na época Montes de Alenquer, Sintra, Tomar, Lisboa) e depois acompanhou os portugueses nos descobrimentos, nomeadamente, no Brasil e nos Açores, onde ainda permanece com todo o vigor, principalmente na ilha Terceira. Há 200 anos que as festas do Divino Espírito Santo foram interrompidas em Alenquer, e retomadas, apenas uma única vez, em 1945.3

Ainda no âmbito da origem da Festa do Divino, Manuel Joaquim Granda, professor português que realiza pesquisa sobre a história mítica de Portugal, defende que os eclesiásticos seiscentistas tiveram participação importante na defesa dos créditos atribuídos à Rainha Isabel, tendo em vista a canonização da Rainha em 1625:

De facto, foram autores eclesiásticos seiscentistas, como Dom Rodrigo da Cunha, Frei Manuel da Esperança ou o padre jesuíta Manuel, os primeiros a reivindicar a invenção do Império para a já então canonizada (desde o ano de 1625) Rainha Santa, enquanto as raras fontes documentais conhecidas anteriormente a seiscentos, tão só registram o contributo de D. Isabel no que concerne à introdução dos festejos em Alenquer.4

Embora os documentos históricos afirmem que a devoção ao Espírito Santo é anterior à referida Rainha, ao mesmo tempo em que indicam diversas teorias sobre sua origem, e embora se torne impossível determinar o momento exato em que a festa surgiu como manifestação antes de torna-se tradição, é válido ressaltar a importância das transformações históricas ocorridas ao longo dos anos até chegar ao Brasil, observando a cultura “como sendo, de um lado, aquilo que ‘permanece’, e de outro, aquilo que se inventa”. (CERTEAU. 1995, p. 239).

Para Agostinho da Silva, pensador português que se radicou no Brasil em função da ditadura de Salazar, o significado da Festa do Divino está relacionado ao pensamento de Joaquim de Fiore. Joaquim de Fiore é autor de uma filosofia da História onde o progresso da humanidade passaria por três eras históricas baseadas na figura da Trindade — o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Considerado como filósofo místico, o ex-abade de Florença abandonou o convento para seguir suas próprias ideias sobre o destino dos homens na terra. Suas ideias influenciaram as festas do Divino, sendo responsável pelo seu caráter democrático e popular,       

3 JORNAL DE ALENQUER. Disponível em: <http://alenquer-tradepatri.blogspot.com/2007/05/divino-espirito-santo-o-retomar-do-seu.html>. Acesso em: 23 maio 2011.

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característica presente também nas festas brasileiras. Segundo Marilena Chauí, a filosofia de Joaquim de Fiore baseava-se no

tempo estruturado e escandido em três tempos progressivos rumo à apoteose. Essa filosofia da história se oferece como concepção trinitária, progressiva e orgânica da história como desenvolvimento de estruturas invisíveis. Trinitária: a história é obra do Espírito através do Pai e do Filho, até a revelação final do Espírito. Progressiva: a história é o desenvolvimento temporal do aumento do saber, cuja plenitude coincide com o tempo do fim, quando será aberto o livro dos segredos do mundo. Orgânica: a estrutura do tempo, simbolizada pela Árvore de Jessé, significa que o tempo não é ciclo perpétuo de tribulações, não é agonia nem afastamento do absoluto, mas arbusto florescente onde frutifica a semente divina da verdade efetuando-se como eternidade temporal. Será impossível não reconhecer traços joaquimitas em toda a filosofia da história posterior. Joaquim introduz dois símbolos não escriturísticos e que são suas profecias próprias: o Papa Angélico (que prepara o caminho para o encontro final entre Cristo e o Anticristo) e os homens espirituais (duas novas ordens monásticas de preparação para o Tempo do Fim, a ativa ou dos pregadores, e a contemplativa, ou dos monges eremitas). (CHAUÍ, 2000).

Sua filosofia considerava que a humanidade caminharia para um mundo melhor, para um paraíso terrestre, onde o homem atingiria um estado de plenitude, de felicidade, de amor e de total liberdade. Seu pensamento encontrou eco nos dominicanos, nos agostinianos e, principalmente, nos franciscanos. O historiador português Jaime Cortesão, em seus vários estudos, ressalta a importância das ações franciscanas na difusão do culto e festa do Espírito Santo, tanto em Portugal continental, quanto na colonização dos Açores, concluindo que “as regiões portuguesas que não apresentaram registro dos festejos ao Espírito Santo, sejam as mesmas nas quais os franciscanos não estiveram presentes, ao longo da história”.5

Isabel Baltazar (2006, p. 103), historiadora portuguesa, destaca a observação de Antonio Quadros sobre a influência espiritual do legado de Fiore sobre as festas do Divino e de outros seguimentos da cultura portuguesa:

Em nenhum lugar deitou raízes tão fundas como no nosso país e na nossa cultura, não só inspirando as cerimônias religiosas aristocráticas e populares do culto e das festas do Espírito Santo, tal como foram instauradas por D. Dinis e Dona Isabel, não apenas emergindo na Arte portuguesa dos séculos XV e XVI, desde os painéis de Nuno Gonçalves à arquitetura Manuelina,

      

5 Sobre o assunto, ver CORTESÃO, Jaime. Franciscanismo, Mística e Descobrimentos. In: Os Descobrimentos

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mas também expressando-se como inspiração poética, com força especulativa ou com finalidade mística, na obra de poetas e pensadores modernos, como principalmente Jaime Cortesão, Fernando Pessoa, Alvaro Ribeiro ou Agostinho da Silva.6

Machado defende, em sua tese, que as ideias de Fiore, apropriadas pelos representantes da ordem franciscana, são vistas pela Igreja como uma ameaça ao legado da Igreja de Roma. Sua principal ameaça residia na: “idéia eclesiástica e universal da fraternidade entre cristãos, judeus e mulçumanos, inerentes à festa, foram os autênticos motivos das proibições e não o ‘caráter pagão’.” A ideia de pluralidade de religiões que era uma ameaça ao poder e à supremacia da Igreja de Roma. (2009, p. 19).

Não é nossa pretensão fazer aqui uma “história do Espírito”, e sim mostrar o “espírito da época” (BURKE, 2010, p. 10). Mesmo que as tradições e os ritos da festa implicassem, inicialmente, em ações de devoção, a mentalidade se representava por um imaginário, ou por uma cultura da esperança. Esse modelo festivo da comemoração atravessou o oceano e se instalou no Brasil, influenciando o pensamento e a vida das pessoas, presentes nos festejos populares da época.

2 O modelo festivo

Foi na Ilha de Açores7 que a festa do Divino se desenvolveu, se estruturou e se transformou num dos mais populares festejos de Portugal. A sua devoção popular está relacionada aos diversos milagres,8 “grandes mercês e raras maravilhas, feitas pela misericórdia do Divino Espírito Santo, Pai dos pobres, Consolador das Almas, Distribuidor das Graças e Favores” (GRANDA, p. 9) ocorridos nessa ilha. Essa estrutura permeia a base das muitas festas do Divino no Brasil.

      

6 Crítica de Isabel Baltazar ao livro Joaquim de Flora e sua Influência na Cultura Portuguesa, dos autores José Eduardo Franco e José A. Mourão, está disponível em: http://www.triplo.com.boletimch/2006/baltazar.htm. Consulta em: 23/05/2011

7 O arquipélago de Açores é constituído por nove ilhas, descobertas por navegadores portugueses entre 1427 e 1452. Apesar de uma certa diversidade interna, as ilhas têm em comum, sobretudo, a origem vulcânica, responsável por erupções e terremotos. (MOTINHA, 2003, p. 241).

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A organização da festa era de responsabilidade das confrarias ou irmandades do Espírito Santo que se organizavam para distribuir funções que eram representadas por cargos como juiz e mordomos, podendo, qualquer pessoa, independente de sua classe social, ocupar os referidos cargos. Cada confraria possuía um conjunto, conhecido como “insígnias”, formado pela coroa, cetro e bandeira, que também representavam o Espírito Santo.

O cargo mais importante dos festejos era o do imperador. Esse personagem representava o Espírito Santo que se fazia “presente” através da cerimônia da coroação. Os textos descritivos informam que, para exercer esse cargo, era escolhido um adulto, considerado como o mais pobre do lugar. Porém, o adulto cedeu lugar à criança, “sendo que em algumas regiões, como por exemplo, na dos Açores, foi substituído pela imperatriz”. (MOTINHA, 2003, p. 36).

O calendário das manifestações, considerado o mais tradicional, compreende o período entre o Domingo da Páscoa e o Domingo de Pentecoste. É possível encontrar variações quanto ao calendário, tanto em Açores como no Brasil — e também no Amapá. Essa variação é justificada pelas festas que fazem relação com a época das colheitas. Em Mazagão, Município de Macapá, a festa é comemorada em agosto, mas, em Macapá, o calendário obedece ao período tradicional do Domingo de Páscoa.

Até 1523, as festas do Espírito Santo eram realizadas à porta do hospital ao qual as confrarias eram ligadas, acontecendo principalmente no dia de Pentecostes. Durante os festejos, os fiéis agrupavam-se em cortejos para a coroação, preces, cantorias e danças, com a finalidade de solicitar e agradecer a proteção do Espírito Santo. O evento também oferecia uma refeição comunitária, tradição presente em muitas festas do Divino no Brasil. Em Macapá serve-se um caldo de carne bovina, o tradicional “cozidão”.

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tambor era o instrumento que não faltava. Além da festa do divino os foliões também acompanhavam as procissões de outros folguedos.

Nas festas do Espírito Santo, as cerimônias e rituais do império eram ordenados pelos foliões, através de suas cantorias improvisadas em versos de autoria desconhecida, apropriados para cada ocasião. Por conta da oralidade — uma das características da cultura popular —, quase tudo se perdeu, como no caso do Marabaixo em Macapá.

Os preparativos da festa aconteciam de forma organizada e iniciavam-se logo após o encerramento dos festejos. Inicialmente, sorteava-se entre os membros das confrarias e das irmandades os cargos de imperador e mordomo,9 encarregados de realizar o peditório e a arrecadação da doação devida por cada membro para a realização da festa. O cargo mais importante e o mais esperado era o do Imperador do Domingo de Pentecoste. Assim, logo após o Domingo da Páscoa, o imperador, os mordomos e os foliões, todos juntos, percorriam as casas dos moradores, pedindo, conforme a possibilidade de cada um, uma contribuição para a realização da festa.

Os festejos ao Divino iniciavam-se no primeiro domingo após a Páscoa. No entanto, já na manhã de sábado, os foliões, saíam da frente da casa do primeiro imperador e passavam de um lado para outro na rua, cantando e saudando o imperador que iria receber a coroa.

Depois acontecia o cortejo, ou seja, o translado das insígnias do Espírito Santo — coroa e cetro —, depositados em uma salva, e da bandeira — que se encontravam na Casa do Espírito Santo ou no hospital (também conhecido como “Misericórdia”), dependendo da tradição de cada lugar —, para a casa do primeiro imperador sorteado. Os foliões se posicionavam em frente à casa do primeiro imperador e, passando de um lado para o outro, na rua, entoavam quadras, saudando o feliz imperador que iria receber a coroa.

      

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Todo o cortejo era acompanhado por um quadrado de varas,10 sendo que o rei, ou pajem da coroa, e o alferes da bandeira caminhavam encerrados pelo quadrado, conduzidos por quatro mordomos da irmandade ou confraria. Os componentes do quadrado eram escolhidos através de um sorteio, sendo, os dois da frente, chamados de “Mestre-Sala” ou “Mestre-Sé”, de acordo com a ilha em que acontecia o império, e, o outro, o “Trinchante”.

Durante a semana, o cortejo se dirigia à casa do imperador. No entanto, antes da chegada, o imperador, seus mordomos e os foliões saíam cantando e dançando nos arredores da vila, a fim de encontrar e cortar o mastro para a festa, e, quando voltavam, saudavam as ruas com os galhos e ramos de murtas, madressilvas e rosmaninhos. Depois, o mastro era enfeitado com frutas, ramo de trigo, espiga de milho, e, na ponta do mastro, colocava-se um estandarte, de tecido branco, com a inscrição “Glória ao Divino”. (MOTINHA, 2003, p. 262).

A casa do imperador era decorada com panos vermelhos e brancos na porta. Preparava-se um altar, no centro da sala, com muitas velas e flores, para receber a coroa. Tanto o imperador como os seus convidados aguardavam o cortejo na porta da casa, com círios e velas na mão e uma toalha branca. Quando o cortejo chegava, todos beijavam o cedro, em sinal de respeito e adoração; em seguida, colocava-se a coroa no altar, sobre a salva de prata, com cetro atravessado.

Após o ritual, aconteciam as rezas, que poderiam ser coordenadas e dirigidas por qualquer pessoa que se interessasse, ou pelo padre, se estivesse presente. Finalizadas as orações, começava o baile, e os participantes eram levados para outro cômodo da casa, que já estava preparado para a dança. Em alguns bailes, quando muito concorridos, dançava-se também na rua em frente à casa, sempre ao som das danças da época. Havia sempre, entre os convidados, aqueles que traziam outros instrumentos como, por exemplo, pandeiros e violas, que abrilhantavam ainda mais a festa.

      

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A casa do imperador ficava de portas abertas, com duas pessoas responsáveis por guardar o Espírito Santo. Durante a semana, acontecia a preparação para o bodo. A denominação “bodo”, faz referência ao momento da festa onde acontece a distribuição de alimentos, como carne, pão, vinho, preparados em uma mesa, decorada com toalhas brancas, colocada na frente da casa do imperador. Toda a preparação do bodo se dava através de um cortejo, acompanhado pela folia, e que tinha a função de arrecadar donativos para evento.

Um dos momentos mais esperados da festa era a “coroação”. O cortejo saía da casa do imperador, conduzindo a coroa dentro do quadrado das varas, acompanhado da folia que alternava as cantorias e as rezas, até a porta da igreja, onde as insígnias eram novamente distribuídas e, depois, os párocos distribuíam água benta em todos e, em seguida, a coroa era depositada no altar da igreja. Após a cerimônia, celebrava-se missa, geralmente cantada, sendo ao final realizada a coroação do imperador.

Após a coroação, outro cortejo acontecia para retornar à casa do novo imperador, — sorteado para o próximo festejo — onde seria realizada a cerimônia de “descoroação”. Nesse dia, o jantar era mais caprichado, ou seja, mais reforçado. Por conta do pagamento das várias promessas individuais, a variedade de pães e vinhos era muito maior. Muitos doavam galinhas, pombas, coelhos, bezerros, bois e vacas, ou metade deles, que eram usados para o jantar ou para o leilão, que visava arrecadar fundos para a festa do ano seguinte.

Ao termino do leilão, acontecia novamente o sorteio dos novos responsáveis pela festa seguinte. No ambiente de alegria e descontração, a emoção tomava conta dos moradores das terras de Açores que seriam os novos escolhidos para dar continuidade ao Império do Senhor Espírito Santo.

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A Festa do Divino Espírito Santo representa a manifestação do poder de Deus sobre os fiéis, através da ação da terceira pessoa da Santíssima Trinade, o Espírito Santo, simbolizado pelo ritual da coroação. Para Manuel Breda Simões,11

“A coroa é símbolo de luz, poder, de elevação e de união. A concentração desses aspectos simbólicos na coroa, a constitui signo de transcendência. Dá-lhe sustentação os pressupostos filosóficos de Jean Whal, segundo os quais, originariamente, transcender significa “ir além de” e que por conseqüência, o homem indo além de sua própria humanidade em busca de um nascimento e de uma renovação, transcenderia a si próprio, passando do mundo terreno para o espiritual. A coroa seria, por excelência, o símbolo da ação desse novo homem, mediador dos vários mundos”. (MOTINHA, 2003, p. 42).

Manuel Granda defende a ideia de que a Festa do Divino Espírito Santo é

efetivamente uma representação simbólica do advento da Terceira Idade do Mundo, numa Espécie de Pentecoste Nacional, de acordo com a consabida tese que se pode buscar no cisterciense Joaquim de Fiore e nos meios joaquimitas e segundo a qual a história da humanidade percorreria desde a Criação o Fim do Mundo Três Tempos vividos cada um sob sua influência de uma das três pessoas da Trindade. Assim a lei mosaica foi própria do Pai, a lei evangélica da do Filho e a futura lei do Evangelho Eterno sê-lo-a dado Espírito Santo. (GRANDA, p. 4)

Segundo Granda, o apogeu da festa do Império12 do Divino Espírito Santo compreendeu os séculos XIV e a primeira metade do século XVI, coincidindo exatamente com o auge da expansão marítima e influenciando diretamente na política portuguesa. No entanto, politicamente, a noção de “império” na Idade Média é complexa e, simbolicamente, compõe-se de uma ritualidade muito próxima da apresentada nas festas do Divino.

A ideia de “império”, sistema de governo característico dos grandes impérios romanos, vai permanecer viva em todo o Ocidente ao longo da Idade Média. O título de imperador foi cobiçado, mas o território do seu poder não estava claramente definido.

A prática da coroação do Imperador por parte do Papa foi resgatada pela Igreja com o objetivo de reconstruir o Império Cristão Universal, que lhe permitiria fazer frente à Igreja do

      

11 SIMÕES, Manuel Breda. Le Symbolisme du Triple Couronnement ET Les Empires du Saint-Aprit. In: Os

Impérios do Espírito Santo e a Simbólica do Império: II Colóquio Internacional de Simbologia. Separata Boletim Histórico da Ilha Terceira, tomo I, 1984.

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Oriente. Segundo Le Goff e Schmitt, o ritual da coroação foi baseado em um documento falso: “entre 750 e 760, um falsário criativo compôs um documento chamado Doação de Constantino, onde relatava as condições em que teria operado entre o imperador e o papa Silvestre I uma divisão do mundo e do poder sobre o mundo: ao soldado, o poder temporal, ao sacerdote, o poder espiritual” (2002, p.608). Essa prática se propagou por toda a Idade Média. Sua ideologia fazia de Roma o centro do mundo, do Império Universal, da Cristandade, com a aliança do trono e do altar.

Em 1030, foi composto em Roma um “livro de Cerimônias na Corte Imperial”, fundamentado nas tradições da Doação de Constantino, e tudo com muita pompa. A cerimônia fazia analogia ao que consagrava os pontífices cristãos: unção, como a do batismo, consagração para três pelados. Depois, a entrega de uma coroa simbólica, formada de um diadema de oito plaquetas de ouro, para quem se designava “príncipe cristianíssimo”, e, ainda, contava com a presença de objetos igualmente simbólicos: o gládio, o cetro, a vara e o anel. (LE GOFF E SCHMITT. 2002. p. 612).

4 A Festa de Divino Espírito Santo no Brasil

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É diante desse quadro de esperança e conflitos que o “hibridismo religioso”,13 que envolve o catolicismo popular e a religiosidade no Brasil Colônia, vai se configurando e se reelaborando através de negociações de valores e de representações culturais, envolvendo os diversos segmentos sociais da época, como os escravos, o português, o índio e outros de nacionalidade diferente.

Essa mistura de ritos das religiões africanas, ritos cristãos e a participação indígena reflete uma falsa democracia racial que se manifesta hoje em dia como sendo o sagrado e o profano das festas populares no Brasil.

No entanto, embora a festa do Divino no Brasil seja um reflexo dessa realidade complexa entre sonho e realidade, algumas regiões brasileiras postergam esse culto, e, cada uma, à sua maneira, incorporou novos elementos para, assim, festejar essa utopia.

No Brasil, a festa do Divino se espalhou por quase todos os estados. Dentre eles, atualmente, podemos encontrar a festa no Estado do Rio Grande do Sul; em Santa Catarina; em Pirinópolis, GO; em São Luis do Maranhão; em Mogi das Cruzes, SP; e em Macapá, local da presente pesquisa.

Ainda é possível encontrar o ideal do Quinto Império14 promovendo a realização de novas Festas do Divino no Brasil, como é o caso da cidade de Cambuqueira, no estado

      

13 BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Unissinos. 2008.

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de Minas Gerais, que realiza a festa do divino visando o seu ideal joaquimita. Esse evento já se encontra na sua sexta edição e foi criado pela Associação Keppe e Pacheco15. Dentre os eventos que contemplam a festa, como a benção do pão, a coroação do divino, entre outros, destacam-se aqueles relacionados à conscientização e à espiritualidade, como as palestras sobre as origens da Festa do Divino e do Quinto Império. Segundo a associação:

a Festa do Divino Espírito Santo é a única que comemora o futuro — algo que ainda vai acontecer. Todas as demais festas populares comemoram um fato que já aconteceu — alguma vitória ou momento marcante de um povo ou nação — ou o feito de uma pessoa (Santo, herói ou líder). Mas a festa do

divino é a única que celebra o futuro(http://www.portaldodivino.com/Cambuquira/cambuquira.htm,

acessado em 27/05/11. As 22:14)

.

O modelo festivo do mundo ibérico trazido pelos portugueses para a América vai se estabelecendo nas terras brasileiras celebrando, de um lado, a concepção cristã da Igreja Católica, na simbologia da celebração do Pentecostes, através da fé no Divino Espírito Santo, e, por outro lado, as ideias do abade Joaquim de Fiore, que vão conquistando novos adeptos e influenciando na estrutura de novas festas do Divino no Brasil, através da ideia do V Império.

4.1 A Festa do Divino Espírito Santo no Amapá

       paz, a justiça e a fraternidade reinarão sobre a terra. Agostinha da Silva acredita que Portugal foi o país escolhido por Deus para revelar ao mundo a idéia do V Império, e afirma que o homem encontrará esse ideal na essência de cada criança e por intermédio da graça do Espírito Santo, que junto com uma proposta pedagógica, a teoria pode se transformar em realidade e se espalhar pelo mundo ‘como base, sustento e liberdade, como meio, o mundo, como fim, um sonho que se torne real’ (1988: 484). A idéia do V Império, aliada a idéia de Terceira idade do mundo, de abade Joaquim de Fiore, foi se constituindo no germe de uma cultura baseada na esperança de um futuro melhor.” (ARAÚJO. Alberto F. A idéia do V Império em Agostinho da Silva: para uma interpretação Mitonalítica. Universidade do Minho).

15 

- A Associação Keppe e Pacheco é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) inicialmente fundada em Paris em 1992, pela psicanalista Cláudia Pacheco, que reuniu um grupo internacional de indivíduos e instituições dedicadas a preservação da humanidade e da natureza. Dentre seus projetos destaca-se o “Stop à destruição do Mundo”, responsável pela realização da festa do Divino Espírito Santo em Cambuquira. É também divulgadora das idéias do psicanalista Noberto Keppe que criou a Sociedade de Psicanálise Integral, ou sociedade de Triologia Analítica, tendo Agostinho da Silva, o responsável por difundir a vinda do V Império ou o Reino do Espírito Santo no mundo, a partir de Portugal e Brasil, como Patrono da Sociedade em Portugal

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Os festejos em homenagem ao Divino no Amapá apresentam algumas imagens e representações do culto ao Espírito Santo muito próximas daqueles momentos festivos, registrados nas fontes dos séculos XVII e XVIII. No entanto, considerando que as práticas culturais são resultantes de processos culturais moldados pelas relações históricas ao longo do tempo, a presente dissertação visa compreender a Festa do Marabaixo atualmente, considerando-a enquanto um conjunto de práticas e representações do originário da tradicional Festa do Império do Divino de Açores.

A chegada da festa do Divino Espírito Santo em Macapá está relacionada a um capítulo bastante peculiar da história colonial do Brasil. Após a invasão dos soldados mouros e berberes à fortaleza Portuguesa de Mazagão, em Marrocos, no continente africano, Portugal decide abandonar a região. Assim, os habitantes da fortaleza foram enviados para as “Terras do Cabo Norte”, hoje estado do Amapá, em 1770, para fundar uma nova Mazagão, inaugurada com o nome de Vila Nova de Mazagão, criada com o propósito de povoar as terras amapaenses. A Vila Nova de Mazagão — hoje Vila de Mazagão Velho —se localiza a 70km

de Macapá.

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Figura 1 - Mazagão, a cidade que veio da África

FONTE: (BRASIL ARQUEOLÓGICO, p. 9).

Segundo Motinha (2003), as festas do Divino em Mazagão ficaram sob a responsabilidade dos descendentes dos primeiros colonizadores brancos, membros das famílias Videira e Barriga, e, em Macapá, a tradição ficou com a família de Julião Ramos, descendentes de escravos. Este fato, para a autora, justifica a presença dos dois grupos festivos: o “Espírito Santo dos Pardos” e o “Espírito Santo dos Brancos”.

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Figura 2 - Matéria “Marabaixo, a expressão do nosso folclore”

FONTE: Jornal do Amapá, Arquivo da Diocese de Macapá

No livro de Tombo, volume 1, da Igreja de São José de Macapá, no capítulo Festas e Funções de Culto na Matriz, encontramos também, uma referência a dois grupos que festejavam o Divino Espírito Santo

“Festa do Divino Espírito Santo: nos anos anteriores havia duas festividades: a do espírito santo real e a do espírito sano dos pardos, cada qual com sua coroa e relativas a esmolações. agora a festa do espírito santo se realiza na igreja, precedida de novena onde se expõe e se dá a benção com o ss. mo.” (pag 19, 1916)

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O “Jornal Pinsonia” é o documento mais antigo referente à manifestação da festa do Divino Espírito Santo no Estado do Amapá. Segundo Fernando Canto “O jornal ‘Pinsonia’ foi o primeiro periódico a ser impresso e a circular em Macapá, provavelmente de 1895 a 1900, e traz em sua edição de 25 de junho de 1898 um artigo escrito pelo cronista Prancário Júnior, em 1899” (CANTO, 1998)16, que faz uma descrição detalhada da festa, indicando possíveis transformações dos festejos em relação aos ritos iniciais.

      

16O referido artigo está transcrito com toda a originalidade do texto, conforme publicado no

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Figura 3 - Jornal Pinsonia de 1895

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A outra romaria descrita é a do transporte do mastro, enfeitado com a bandeira, “na qual se vê pintada a Pomba, symbolo do Divino” (CANTO, 1998, p. 23) com os devotos alegres, usando uniformes especiais, além das fitas, os lenços e as tolhas. O cortejo também era acompanhado com música, ao som dos ensaios de tambores (CANTO, 1998, p. 23), e com dança.

A cerimônia da coroação acontecia na casa do juiz; depois das novenas cantadas, uma “menina”, num santuário preparado para ocasião, recebia o Divino. Em seguida, a casa entrava em festa, “onde a helite macapaense gosou horas bem disthaiadas”. A descrição do evento relata as missas e o almoço servido com abundancia de comidas e bebidas. Suas informações fazem referência aos dias em que os eventos aconteciam, indicando que, ao findar, deixaria saudade, pois que tal festa aconteceria “só p’ro anno.” (CANTO, 1998, p. 25), ou seja, a festa aconteceria somente no outro ano, como ocorre atualmente.

O referido artigo revela, também, a oposição da Igreja em relação aos festejos, manifestada através da ausência do “sacerdote nas solenidades da egreja” (CANTO, 1998, p. 22). Essa situação foi amenizada com a interferência de um juiz de direito, festeiro daquele ano, representando o Marabaixo dos brancos, que conseguiu uma portaria do “governo bispado” (CANTO, 1998, p. 23) determinando a presença do Cônego Texeira, que, apesar disso, não compareceu no evento.

De acordo com esse registro documental, é possível perceber que a festa, ainda que hoje não aconteça com o mesmo formato, apresentava algumas das práticas que constituíam a estrutura dos festejos do Divino enquanto manifestação cultural e religiosa advinda de Açores.

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No livro “Água Benta e o Diabo”, do sociólogo Fernando Canto (1998), no qual analisa a relação de conflito e resistência entre a Igreja e o Marabaixo, através de uma crônica publicada no Jornal Pinsônia, de autoria de Pancrário Júnior, em 1899, o autor considera que os elementos que fazem relação às coisas sagradas — a Igreja — no Marabaixo, e assim particularizam a festa do Divino Espírito Santo em Macapá, estão representados, atualmente, “nas novenas e nas procissões da murta e através de letras de músicas, que também são orações, onde estão contidas essencialmente a crença nos santos festejados” (p. 33).

O cronista Pancrário Júnior relata com entusiasmos a presença da dança do marabaixo durante os festejos: “Nem todos, porém, deram por terminada a cerimônia do dia. Em muitas casas ferve o Mar-abaixo e quasi sempre amanhece” (CANTO, 1998, p. 24). Motinha, em sua pesquisa sobre a festa do Divino em Mazagão, também relata a presença da dança do Marabaixo durante os festejos. Considerando que muitas dessas festas se perpetuaram dentro de uma manifestação de cultura oral, não temos informações sobre a origem da dança do Marabaixo, nem de sua participação no evento.

O etnólogo Nunes Pereira (1951), presidente do Instituto de Etnografia e Sociologia do Amazonas na década de 1950, que esteve em Macapá realizando pesquisas sobre o Marabaixo e o Sairé, sugere que associação da dança do Marabaixo com a Festa do Divino Espírito Santo está relacionada com a estratégia17 dos missionários portugueses para desarticularem possíveis revoltas que gerariam graves problemas de ordem social e econômica, como as brigas entre os jesuítas e os colonos, rebeliões e, ainda, fugas e inaptidões dos trabalhadores indígenas. Diante de tal situação, “entenderam os Missionários aproveitar o Marabaixo no serviço da Fé Cristã, principalmente nas solenidades que exaltavam o poder do Divino Espírito Santo” (p. 110) .

Porém, a introdução do Marabaixo nas festividades da Igreja também proporcionou mudanças nos costumes católicos, principalmente no que diz respeito ao lado alegre e

      

Imagem

Figura 4 - Tia Biló, única filha viva do Mestre Julião, cantando um ladrão de marabaixo na abertura do  Ciclo do Marabaixo, 2011
Figura 11 - Altar preparado na casa dos devotos para receber a procissão da murta
Figura 17 - Novenas são realizadas em frente do altar onde estão as coroas do Divino Espírito Santo e da  Santíssima Trindade
Figura 24 - Vanessa, a mais nova integrante do grupo, com apenas três anos de idade, na missa em  homenagens a Santíssima Trindade
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Referências

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