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A Festa do Divino Espírito Santo no Amapá 38

       paz, a justiça e a fraternidade reinarão sobre a terra. Agostinha da Silva acredita que Portugal foi o país escolhido por Deus para revelar ao mundo a idéia do V Império, e afirma que o homem encontrará esse ideal na essência de cada criança e por intermédio da graça do Espírito Santo, que junto com uma proposta pedagógica, a teoria pode se transformar em realidade e se espalhar pelo mundo ‘como base, sustento e liberdade, como meio, o mundo, como fim, um sonho que se torne real’ (1988: 484). A idéia do V Império, aliada a idéia de Terceira idade do mundo, de abade Joaquim de Fiore, foi se constituindo no germe de uma cultura baseada na esperança de um futuro melhor.” (ARAÚJO. Alberto F. A idéia do V Império em Agostinho da Silva: para uma interpretação Mitonalítica. Universidade do Minho).

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- A Associação Keppe e Pacheco é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) inicialmente fundada em Paris em 1992, pela psicanalista Cláudia Pacheco, que reuniu um grupo internacional de indivíduos e instituições dedicadas a preservação da humanidade e da natureza. Dentre seus projetos destaca- se o “Stop à destruição do Mundo”, responsável pela realização da festa do Divino Espírito Santo em Cambuquira. É também divulgadora das idéias do psicanalista Noberto Keppe que criou a Sociedade de Psicanálise Integral, ou sociedade de Triologia Analítica, tendo Agostinho da Silva, o responsável por difundir a vinda do V Império ou o Reino do Espírito Santo no mundo, a partir de Portugal e Brasil, como Patrono da Sociedade em Portugal

Os festejos em homenagem ao Divino no Amapá apresentam algumas imagens e representações do culto ao Espírito Santo muito próximas daqueles momentos festivos, registrados nas fontes dos séculos XVII e XVIII. No entanto, considerando que as práticas culturais são resultantes de processos culturais moldados pelas relações históricas ao longo do tempo, a presente dissertação visa compreender a Festa do Marabaixo atualmente, considerando-a enquanto um conjunto de práticas e representações do originário da tradicional Festa do Império do Divino de Açores.

A chegada da festa do Divino Espírito Santo em Macapá está relacionada a um capítulo bastante peculiar da história colonial do Brasil. Após a invasão dos soldados mouros e berberes à fortaleza Portuguesa de Mazagão, em Marrocos, no continente africano, Portugal decide abandonar a região. Assim, os habitantes da fortaleza foram enviados para as “Terras do Cabo Norte”, hoje estado do Amapá, em 1770, para fundar uma nova Mazagão, inaugurada com o nome de Vila Nova de Mazagão, criada com o propósito de povoar as terras amapaenses. A Vila Nova de Mazagão — hoje Vila de Mazagão Velho —se localiza a 70km

de Macapá.

Dentre as famílias que vieram para Mazagão Velho, havia, entre os emigrados, alguns provenientes das ilhas de Açores, o que justifica os festejos do Espírito Santo nessa região. (MOTINHA. 2003, p. 169).

 

Figura 1 - Mazagão, a cidade que veio da África

FONTE: (BRASIL ARQUEOLÓGICO, p. 9).

Segundo Motinha (2003), as festas do Divino em Mazagão ficaram sob a responsabilidade dos descendentes dos primeiros colonizadores brancos, membros das famílias Videira e Barriga, e, em Macapá, a tradição ficou com a família de Julião Ramos, descendentes de escravos. Este fato, para a autora, justifica a presença dos dois grupos festivos: o “Espírito Santo dos Pardos” e o “Espírito Santo dos Brancos”.

O jornal do Amapá traz, na matéria “Marabaixo a expressão do nosso folclore”, uma citação sobre o conflito entre dois grupos em Macapá. São o grupo do Espírito Santo dos Pardos e o Espírito Santo dos Brancos, sendo que tal conflito fez diminuir a presença dos negros na igreja.

 

Figura 2 - Matéria “Marabaixo, a expressão do nosso folclore”

FONTE: Jornal do Amapá, Arquivo da Diocese de Macapá

No livro de Tombo, volume 1, da Igreja de São José de Macapá, no capítulo Festas e Funções de Culto na Matriz, encontramos também, uma referência a dois grupos que festejavam o Divino Espírito Santo

“Festa do Divino Espírito Santo: nos anos anteriores havia duas festividades: a do espírito santo real e a do espírito sano dos pardos, cada qual com sua coroa e relativas a esmolações. agora a festa do espírito santo se realiza na igreja, precedida de novena onde se expõe e se dá a benção com o ss. mo.” (pag 19, 1916)

O “Jornal Pinsonia” é o documento mais antigo referente à manifestação da festa do Divino Espírito Santo no Estado do Amapá. Segundo Fernando Canto “O jornal ‘Pinsonia’ foi o primeiro periódico a ser impresso e a circular em Macapá, provavelmente de 1895 a 1900, e traz em sua edição de 25 de junho de 1898 um artigo escrito pelo cronista Prancário Júnior, em 1899” (CANTO, 1998)16, que faz uma descrição detalhada da festa, indicando possíveis transformações dos festejos em relação aos ritos iniciais.

      

16O referido artigo está transcrito com toda a originalidade do texto, conforme publicado no jornal Pinsonia, no livro “Água Benta e o Diabo”, do sociólogo Fernando Canto.

 

Figura 3 - Jornal Pinsonia de 1895

O artigo descreve momentos da festa que fazem lembrar os festejos das ilhas de Açores, tais como: a romaria que sai em busca de arrecadar doações para preparar os alimentos, como pão e bebida, onde o “juiz em pessoa distribue aos devotos que assistem a collocação do mastro em frente a estrea da festa” (CANTO, 1998, p. 22).

A outra romaria descrita é a do transporte do mastro, enfeitado com a bandeira, “na qual se vê pintada a Pomba, symbolo do Divino” (CANTO, 1998, p. 23) com os devotos alegres, usando uniformes especiais, além das fitas, os lenços e as tolhas. O cortejo também era acompanhado com música, ao som dos ensaios de tambores (CANTO, 1998, p. 23), e com dança.

A cerimônia da coroação acontecia na casa do juiz; depois das novenas cantadas, uma “menina”, num santuário preparado para ocasião, recebia o Divino. Em seguida, a casa entrava em festa, “onde a helite macapaense gosou horas bem disthaiadas”. A descrição do evento relata as missas e o almoço servido com abundancia de comidas e bebidas. Suas informações fazem referência aos dias em que os eventos aconteciam, indicando que, ao findar, deixaria saudade, pois que tal festa aconteceria “só p’ro anno.” (CANTO, 1998, p. 25), ou seja, a festa aconteceria somente no outro ano, como ocorre atualmente.

O referido artigo revela, também, a oposição da Igreja em relação aos festejos, manifestada através da ausência do “sacerdote nas solenidades da egreja” (CANTO, 1998, p. 22). Essa situação foi amenizada com a interferência de um juiz de direito, festeiro daquele ano, representando o Marabaixo dos brancos, que conseguiu uma portaria do “governo bispado” (CANTO, 1998, p. 23) determinando a presença do Cônego Texeira, que, apesar disso, não compareceu no evento.

De acordo com esse registro documental, é possível perceber que a festa, ainda que hoje não aconteça com o mesmo formato, apresentava algumas das práticas que constituíam a estrutura dos festejos do Divino enquanto manifestação cultural e religiosa advinda de Açores.

Pereira (1951), durante sua viagem a Macapá, observou que alguns elementos da festa do Divino no século XVI, brincada em Portugal, ainda podiam ser assistidos nos “longínquos rincões do Brasil”, tais como: a distribuição de alimentos aos pobres no dia do Divino denominado de “bodo” — que se realizava após a missa festiva. Também, durante a tarde, havia procissão e, à noite, luminárias e outra cerimônia, que era considerada especial, a “guarda da coroa”. Todos esses momentos aconteciam com “a mesma harmonia, bem como o mesmo colorido e movimento, das suas primitivas realizações” (p. 112).

No livro “Água Benta e o Diabo”, do sociólogo Fernando Canto (1998), no qual analisa a relação de conflito e resistência entre a Igreja e o Marabaixo, através de uma crônica publicada no Jornal Pinsônia, de autoria de Pancrário Júnior, em 1899, o autor considera que os elementos que fazem relação às coisas sagradas — a Igreja — no Marabaixo, e assim particularizam a festa do Divino Espírito Santo em Macapá, estão representados, atualmente, “nas novenas e nas procissões da murta e através de letras de músicas, que também são orações, onde estão contidas essencialmente a crença nos santos festejados” (p. 33).

O cronista Pancrário Júnior relata com entusiasmos a presença da dança do marabaixo durante os festejos: “Nem todos, porém, deram por terminada a cerimônia do dia. Em muitas casas ferve o Mar-abaixo e quasi sempre amanhece” (CANTO, 1998, p. 24). Motinha, em sua pesquisa sobre a festa do Divino em Mazagão, também relata a presença da dança do Marabaixo durante os festejos. Considerando que muitas dessas festas se perpetuaram dentro de uma manifestação de cultura oral, não temos informações sobre a origem da dança do Marabaixo, nem de sua participação no evento.

O etnólogo Nunes Pereira (1951), presidente do Instituto de Etnografia e Sociologia do Amazonas na década de 1950, que esteve em Macapá realizando pesquisas sobre o Marabaixo e o Sairé, sugere que associação da dança do Marabaixo com a Festa do Divino Espírito Santo está relacionada com a estratégia17 dos missionários portugueses para desarticularem possíveis revoltas que gerariam graves problemas de ordem social e econômica, como as brigas entre os jesuítas e os colonos, rebeliões e, ainda, fugas e inaptidões dos trabalhadores indígenas. Diante de tal situação, “entenderam os Missionários aproveitar o Marabaixo no serviço da Fé Cristã, principalmente nas solenidades que exaltavam o poder do Divino Espírito Santo” (p. 110) .

Porém, a introdução do Marabaixo nas festividades da Igreja também proporcionou mudanças nos costumes católicos, principalmente no que diz respeito ao lado alegre e

      

17 “Quando as lutas sucessivas entre colonos e os jesuítas, bem como as rebeliões, fugas e inaptidões do trabalhador indígena, geravam graves problemas, de ordem social e econômica, para a Província Amazônica, mister foi que igual procedimento adotassem também com os negros, trazidos nos tumbeiros, do Continente Africano. Quer nas fazendas de gado, roças, engenhos e pesqueiros das suas Missões, quer, depois, nas cidades e vilas dominadas pelos colonos, cuidaram os padres de tolerar-lhes as danças sociais e mesmo as religiosas, com que, eles os negros, festejavam os seus voduns, orixás e loas, ao som dos tambores sagrados, às vozes dos seus cânticos em dialetos da Africa”. (PEREIRA, 1951, p. 110).

descontraído, que ficou a cargo do empréstimo dos instrumentos musicais e da dança que embelezavam o evento.

Os negros transplantados lhes emprestaram a eloqüência dos seus instrumentos, o ardor do seu sangue, a exuberância da sua alegria, a resistência de seus músculos, a expressão mais pura de sua Arte e de sua Religião. E foram atores, músicos e poetas, bailarinos e ginastas nos atos religiosos e profanos conduzidos pelos Missionários. (PEREIRA, 1951, p. 110).

A presença de um grande número de habitantes nas festas, onde tanto os representantes do estrato social da elite como os descendentes de escravos se confraternizam e almejam as bênçãos do Espírito Santo, revela o poder de socialização da festa.

No início de 1900, a organização da festa em Macapá era de responsabilidade da família de Julião Ramos (1876-1958), líder comunitário dos descendentes de escravos que moravam no centro da cidade, na região denominada de Vila Santa Engrácia, que, hoje, está localizada no centro da cidade, tendo como referência a Residência do Governador, o antigo Fórum, onde funciona a sede da OAB/AP (Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Amapá), a Praça Veiga Cabral, nas proximidades da igreja de São José de Macapá, onde a festa acontecia, e ainda é a principal referência como “bela vista” para o Rio Amazonas.

Nessa época, existia em Macapá somente uma única festa do Divino Espírito Santo. No entanto, muitos dos ritos da festa foram se perdendo ou se transformando, ao longo dos anos, principalmente aqueles considerados pela Igreja como práticas impróprias para a religião católica, bem como o próprio desenvolvimento da cidade.

A festa do Divino Espírito Santo é conhecida, atualmente, pelo nome de “Ciclo do Marabaixo”. O calendário festivo inicia-se no Domingo de Páscoa, tal como considerado pela Rainha Isabel, em Portugal. Durante aproximadamente dois meses, as homenagens ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade, assim denominados pelos representantes de alguns grupos de Marabaixo em Macapá, vão sendo distribuídas entre eventos considerados como os momentos sagrados e os momentos lúdicos da festa, que acontecem até o término dos festejos, no domingo do senhor, ou no domingo de Pentecostes.

4.2 A Festa do Divino Espírito Santo em Macapá pelo Grupo de Marabaixo Raimundo

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