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Violência doméstica: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil - Estudo da violência de gênero no município de Currais Novos/ RN entre Janeiro e Julho de 2019

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS CAICÓ

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

TRABALHO DE CURSO

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ANÁLISE SOCIOJURÍDICA DA

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL – ESTUDO DA

VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO MUNICÍPIO DE CURRAIS NOVOS/RN

ENTRE JANEIRO E JULHO DE 2019

MILENA REGINA BARACHO CHAVES

CAICÓ/RN

2019

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ANÁLISE SOCIOJURÍDICA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL – ESTUDO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO

MUNICÍPIO DE CURRAIS NOVOS/RN ENTRE JANEIRO E JULHO DE 2019

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/CERES - Caicó, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharela em Direito.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Oswaldo Pereira Lima Junior

CAICÓ/RN 2019

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ANÁLISE SOCIOJURÍDICA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL – ESTUDO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO

MUNICÍPIO DE CURRAIS NOVOS/RN ENTRE JANEIRO E JULHO DE 2019.

Monografia apresenta à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN/CERES - Caicó, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharela em Direito.

Aprovado em: ______/______/___________.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior

Orientador

_________________________________________________ Prof. Dr. Dimitre Braga Soares de Carvalho

Examinador

_________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento

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as batalhas diárias.

Aos meus pais, pelo dom da vida; à minha mãe Maria da Paz Baracho Chaves (in memoriam) pelo amor a mim dedicado enquanto foi possível. Ao meu pai Marcos Ferreira Chaves pela vida inteira de esforços, pelo amor sem medidas e por ter sonhado com este momento mesmo antes que eu.

Ao meu sobrinho Eduardo; por me inspirar com sua doçura e amor genuínos. A Paulo dos Santos Ferreira pelos dias felizes vividos.

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À Mônika Louise Chaves Costa pelo auxílio técnico neste trabalho, pela amizade e carinho a mim dedicados.

Aos colegas de curso e professores da UFRN e da UFCG (Sousa-PB), aos amigos e a todos que de alguma forma contribuíram para que este momento fosse possível.

Ao meu orientador professor doutor Oswaldo Pereira de Lima Junior por todos os ensinamentos e atenção dedicados a este trabalho.

À Geralda Santos; com profissionalismo me concedeu ferramentas necessárias para que eu continuasse a trilhar este caminho.

Agradeço ainda à equipe da Delegacia de Polícia Civil de Currais Novos/RN pela disponibilização de material utilizado para pesquisa desta monografia. Em especial ao gestor Bel. Paulo dos Santos Ferreira.

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A violência doméstica/ de gênero/ familiar foi cunhada na sociedade e se estabeleceu a partir de conceitos que delimitavam papeis sociais entre homens e mulheres. Este modelo se engendrou no contexto familiar e público de modo que influenciou gerações a persistirem na luta entre os gêneros, favorecendo uma queda de braço que se baseava na força física e na violência, aspecto que desfavorecia as mulheres; ao homem era concedido o lugar de chefe da família – o forte a quem era demandado as decisões familiares. Por causa disso, a mulher foi subjugada a um lugar de fragilidade, de marginalização, o que não proporcionava as mesmas condições de crescimento social, profissional, educacional e financeiro. A partir deste contexto se estabeleceu a violência doméstica, que por muito tempo silenciou mulheres que passavam por maus tratos, por humilhações e situações que atingia suas dignidades. Estas mulheres normalmente não falavam sobre o assunto por medo ou por terem sido ensinadas a serem o segundo sexo; a cultura machista asseverava que deveriam obedecer aos pais, aos maridos. Diante disso, a violência doméstica foi se perpetuando pelo tempo. Nos dias de hoje é considerada crime e possui legislação própria para tratar dos casos. O ambiente é bastante complexo, porém o Brasil tem dado passos na busca do enfrentamento dessa mazela social. Este trabalho objetiva dialogar sobre essa problemática, trazendo concepções teóricas e dados/casos reais, no intuito de provocar a discussão sobre a violência contra a mulher na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Feminicídio. Gênero.

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1 INTRODUÇÃO ... 7 2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA ... 10

2.1 AS MEDIDAS PROTETIVAS E A REINCIDÊNCIA DE CASOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA... 14 2.2 A LEI MARIA DA PENHA ... 17

3 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE CURRAIS NOVOS NO PERÍODO DE JANEIRO A JULHO DE 2019... 19

3.1 DO ATENDIMENTO À MULHER NA DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE

CURRAIS NOVOS/RN ... 21

4 O FEMINICÍDIO ... 25

4.1 O FEMINICÍDIO EM CURRAIS NOVOS NO PERÍODO DE JANEIRO A JULHO DE 2019 ... 33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36 REFERÊNCIAS ... 38

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1 INTRODUÇÃO

A violência contra mulher ocorre no Brasil há bastante tempo, como podemos observar na película brasileira “Desmundo” (FRESNOT; MOTTA, 2002), adaptada de uma obra de mesmo nome (MIRANDA, 1996). A história se passa no ano de 1570, época em que órfãs portuguesas foram enviadas ao Brasil para casar-se com colonizadores. A personagem principal Oribela é obrigada a unir-se em matrimônio com Francisco de Albuquerque, um homem rude e que a trata como propriedade lhe causando humilhações e sofrimentos diários. Tomando por base essa relação de dominação entre homem e mulher – papéis estabelecidos na sociedade – plantada pelos costumes portugueses e enraizados ao nosso com a miscigenação dos dois povos no Brasil Colônia é possível fazer conexão sobre os primeiros resquícios da violência praticados por homens em face de suas parceiras.

É possível notar não apenas nos filmes, mas em obras literárias e históricas a forma grosseira e imperativa que existia no passado e que se reproduz até os dias atuais em nossa sociedade – no contexto homem/ mulher – as quais apresentam homens e mulheres em lugares divergentes na família, com papéis muito bem definidos e estratificados. Além disso, ao longo do tempo algumas lutas foram travadas nessa busca por igualdade entre os gêneros; é fato que alguns direitos foram conquistados pelas mulheres, como, por exemplo, o direito ao voto. Porém, é notável que até hoje ainda seja possível observar nas atitudes e palavras ou simplesmente na omissão um preconceito velado de homens e mulheres que ainda não conseguiram se libertar do machismo e da relação histórica marcada por submissão e maus tratos, a qual ocorria e ocorre diariamente no seio familiar e no espaço público.

Este trabalho tem o objetivo de explicar o fenômeno da violência doméstica e familiar e o feminicídio na sociedade brasileira, além de evidenciar os casos desse fenômeno social, as suas origens, além de dialogar com informações atuais públicas sobre a temática. Neste sentido também, é importante informar as motivações e implicações da violência no ambiente familiar praticada contra as mulheres através de conceitos e dados atualizados a cerca do tema.

O objetivo principal é discutir o assunto a partir de recortes, da doutrina, de dados e de informações veiculadas na mídia recentemente com o intuito de

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amadurecer a problemática, tentando levantar hipóteses e argumentos em torno da violência contra a mulher. A análise surge a partir da perspectiva abordada e do contexto histórico ao qual está inserido o Brasil.

A violência doméstica é uma mazela social atual e que vem se alastrando dia a dia em todos os municípios do Brasil – seja em capitais, em municípios de médio porte ou em cidades menores – casos de mulheres violentadas por parceiros, ex, filhos, irmãos ou de pessoas próximas ao seio familiar se multiplicam sem limitar raça, idade ou classe social. Essa violência é gerada a partir de descontentamentos ao fator gênero, pelo simples fato de a mulher ser o que é. A motivação desse tipo de crime é uma espécie de ódio ao feminino, misoginia e discriminação à figura da mulher – aspecto que delimita esses crimes de outros, separando a violência de gênero de outros delitos praticados no Brasil.

Neste sentido, o trabalho busca aproximar-se dos números elencando casos denunciados/relatados na Delegacia de Polícia Civil de Currais Novos (cidade com população estimada em quase 45 mil habitantes), localizada no estado do Rio Grande do Norte, delimitando o recorte temporal de janeiro a julho do ano de 2019, procurando demonstrar que os casos existem em qualquer parte do país, que são expressivos, e que os mesmos geram a invisibilidade do sofrimento da mulher, denigrem sua autoestima todos os dias a cada minuto, ao nosso lado.

A importância desta pesquisa é a positivação dos dados encontrados sobre os casos de violência contra a mulher e o feminicídio em Currais Novos/RN, bem como a discussão de toda a problemática que o tema levanta. É importante destacar que a expansão do número de trabalhos, debates, livros, estudos, leis efetivas sobre o tema, implicará em mais políticas públicas – podendo ser implementadas, projetando assim uma possível situação na qual os casos criminalizados pela Lei Maria da Pena e os assassinatos de mulheres possam decair no Brasil de maneira objetiva e concreta. Salvando a vida de milhares de mulheres, impedindo assim novos casos.

A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho foi a coleta de dados, a pesquisa bibliográfica, estudos de casos reais na delegacia de Currais Novos/RN, a pesquisa qualitativa através de percepções e análises de estudos sobre a violência contra a mulher e o feminicídio no Brasil e mais precisamente nos casos ocorridos no período estudado na cidade de Currais Novo/RN. Para tanto o trabalho se utiliza de análise de documentos: livros, relatórios, filmes, matérias

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jornalísticas, trabalhos científicos, artigos, leis, tratados, palestras. No intuito de dialogar/ discutir/ mitigar o tema discutido, almejando possíveis soluções.

Sobre os dados é possível afirmar que o contexto brasileiro ainda é frágil no sentido de não existir um banco de dados integralizado a nível nacional/ estadual nas delegacias que possa elencar as características da problemática de forma pontual e correta. Os dados existentes são carentes de classificações com relação à idade, à classe social, à raça, à profissão das vítimas e de seus agressores, o que possibilitaria uma pesquisa mais aprofundada, além de produzir dados mais concretos e fidedignos. A falta desse banco de dados dificulta a abordagem e a discussão da violência doméstica e suas nuances técnicas no contexto atual no Brasil.

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2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O tema violência contra a mulher – violência doméstica ou ainda violência de gênero – tem causado muita discussão na sociedade atualmente, visto que mais mulheres se sentiram à vontade para denunciar as agressões sofridas por causa do advento da Lei Maria da Penha, e seja, ainda, por causa da maior visibilidade dada ao tema na mídia, nas escolas ou no ambiente familiar. Além disso, é possível relacionar o maior número de denúncias e notícias sobre os casos a partir do aspecto econômico, pois se antes a mulher era tida como propriedade do marido ou do pai, hoje ela tem a possibilidade de estudar, trabalhar e de prover seu próprio sustento e com isso ter uma melhor notoriedade em suas opiniões e posições pessoais. Para validar tal informação observa-se notícia recente a qual aponta que o Governo registra uma denúncia de violência contra mulher a cada 6 minutos no Brasil (MORAIS, 2019).

Além disso, segundo o Mapa da Violência, elaborado pela Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher em 2018 (BRASIL, 2019) a violência doméstica no Brasil ocorre e existe em variadas formas e atinge diferentes classes sociais, credos e grupos econômicos (BRASIL, 2019, p. 5), o que impossibilita dizer que os casos envolvendo mulheres que sofreram violência são encontrados predominantemente em classe A ou B, sendo um evento social abrangente que passeia por todas as classes sociais e que persiste com o tempo.

Neste sentido, ainda é possível destacar a classificação que o estudo publicado em 2018 trouxe, o qual explica a violência doméstica no Brasil a partir de cinco pontos originários: “a importunação sexual, a violência online (crimes contra a honra), o estupro, o feminicídio e a violência doméstica” (BRASIL, 2019, p. 7). Além do mais, o estudo analisou notícias sobre o tema entre janeiro e novembro de 2018, tendo como fonte 140.191 notícias publicadas pela imprensa brasileira.

Segundo o estudo a cada 7 minutos uma mulher é agredida fisicamente no Brasil e a cada meia hora alguém sofre violência psicológica ou moral (BRASIL, 2019, p. 7). Estatísticas como estas só trazem maior complexidade e relevância a um cenário já muito caótico, tendo em vista que apesar do crescente número de casos hoje noticiados, tantos outros ainda se perdem antes de chegarem às delegacias de polícias ou aos jornais.

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É importante ressaltar que a violência doméstica ainda é permeada de medo e preconceitos, pois a mulher sofre calada em muitos casos com receio da pressão psicológica e familiar que pode sofrer caso denuncie o agressor, que na maioria das vezes é alguém da própria família ou muito próximo às relações pessoais (BRASIL, 2019, p. 10).

Todavia, existem casos ainda mais complexos que envolvem crianças e adolescentes, pois se é certo que a mulher adulta já sofre muito para enfrentar a família e a sociedade, a situação ganha ainda maior dificuldade quando meninas são abusadas por pais, padrastos ou pessoas muito próximas à família. Trata na situação na qual, em muitos casos esses agentes jogam com a fragilidade psicológica dessas jovens, que não sabem distinguir o que é cuidado e o que é abuso, decerto que vislumbram naqueles homens pessoas de quem deveriam receber apoio e proteção.

É o que demostra o estudo supracitado que assevera que aproximadamente 69,6 % dos casos de estupro envolvendo vítimas de até 4 anos de idade tem como algoz um parente (BRASIL, 2019). Não é difícil, portanto, imaginar a situação de desespero e de dependência que uma pessoa vitimada por um estuprador (pai, padrasto, parente) pode apresentar, amealhando sintomas confusão psicológica, outros transtornos mentais ou mutilação como cita o estudo (BRASIL, 2019, p. 14).

Neste contexto também, o estupro (segundo a cartilha) é marcado por uma questão muito definida: o consentimento. Caso a pessoa não expresse o desejo de ter qualquer relação/ contato sexual, ou físico este serão considerados estupro. Um país como o Brasil que por muito tempo pregou a conquista amorosa marcada pela insistência masculina (demonstrada na literatura, no cotidiano ou ainda em filmes românticos), sofre ainda com a perspectiva de criminalização de condutas diárias machistas e misóginas – quando estas mesmas condutas são tidas como oriundas de um gênero. Exemplo disto, quando o homem acredita que os serviços domésticos sejam coisas para mulher – como subjugar a mulher exigindo a aceitação de traições ou agressões físicas e psicológicas – ainda dificultam o poder e o controle dos corpos e atitudes das mulheres acreditando que estão sob suas tutelas.

Vale ressaltar que hodiernamente são comuns notícias veiculadas pela mídia sobre fotografias de mulheres alvos de vinganças de ex-parceiros, estes por não aceitarem o fim dos relacionamentos passam a ameaçá-las com a disseminação de suas imagens nuas ou seminuas, tudo com o intuito de manchar a honra da mulher

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perante a sociedade. Neste sentido, percebe-se o quanto ainda a sexualidade feminina é reprimida e a intimidade da mulher brasileira se torna moeda de troca diante de tais ameaças. Tal prática mais conhecida como vingança pornográfica recebeu tratamento especial da legislação e hoje é tida como crime. Além do mais, atualmente estão elencados como tipos penais: o estupro coletivo e o estupro corretivo (BRASIL, 2019, p. 18).

É importante asseverar sobre o tema, que um fator de grande relevância foi o advento da ação de estupro ter sido classificada como Ação Incondicionada. Neste contexto, o que ocorre é que independentemente da vontade da vítima o crime será denunciado pelo Ministério Público, pois este tem o poder de oferecer a denúncia e dará início a ação de ofício. Além disso, a legislação vigente no país sofreu alterações no sentido de proteger a vítima, tendo particularidades que dialogam com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Lei 13.718/2018). Essa lei traz inclusive alguns casos em que a pena pode sofrer alteração caso o agressor tenha alguma relação íntima de afeto com a vítima, fato que agrava a pena.

Segundo o estudo elaborado pela Câmara dos Deputados em 2018 a violência doméstica/de gênero é definida como sendo todo tipo de agressão praticada entre pessoas que habitam um ambiente em comum (BRASIL, 2019 p. 24). Assim, essas práticas podem ser: físicas, morais, sexuais, psicológicas ou patrimoniais e podem também ser praticadas por pessoas que não fazem parte da mesma família, porém que detêm um vínculo afetivo ou social com a vítima.

Inclusive, é importante saber que pessoas idosas e crianças podem ser vítimas de violência doméstica nesse jaez, desde que as vítimas sejam mulheres. Aqui vale destacar ainda que o termo mulher hoje já é capaz de receber interpretação jurídica e sociológica no sentido de abordar as Transmulheres, transessuxais, travestis e intersexuais que possuam identidade social com o sexo feminino. Todas elas estão sob a égide da Lei Maria da Penha. É o que vem entendendo a jurisprudência segundo Berenice Dias, no livro Lei Maria da Penha: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (DIAS, 2015, p. 67).

Sobre o tema, estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) assevera que 58% dos casos de agressões contra mulheres foram praticados por ex-companheiros, por maridos e correlatos; e 42% figuram no polo ativo como agressores os pais, padrastos e avós (OMS, 2002). O que só reforça a perspectiva

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de que o sentimento de posse que os homens expressam em detrimento às pessoas do sexo feminino na família é uma situação particular na sociedade brasileira e que merece ser vista de forma peculiar e aprimorada, já que ao longo do tempo temos várias situações que subjugam a mulher a um lugar à margem no contexto social. Isso em um modelo cultural em que a maioria das famílias seria encabeçada por homens, principalmente no Nordeste, região que essa prática teve grande espaço no passado.

Outrossim, é válido afirmar que os dados existentes sejam noticiados pela mídia sejam os aposto em registro de Boletins de Ocorrência nas delegacias brasileiras sofrem críticas com relação ao grande número de subnotificações (os dados não são precisos) e existe a falta de detalhamento nas informações tanto sobre os agressores quanto com relação às vítimas e suas peculiaridades (falta informações sobre o contexto e seus agentes).

Tal situação só dificulta a análise da problemática de maneira fidedigna e realista, bem como a elucidação dos reais números da Violência contra Mulher no Brasil, seus desdobramentos e nuances. Porém, alguns dados existem, sobre eles tem-se que as mulheres vítimas de violência com idades até 8 anos são 4 % (entre as que sofreram violência), as com faixa etária entre 18 e 59 são as mais afetadas contabilizam cerca de 83,7 das vítimas e as mulheres com mais de 60 anos somam 15% dos casos notificados (BRASIL, 2019, p. 28).

Dessa forma, a situação social envolvendo as mulheres vítimas de violência de gênero e conjugal é grave. Além disso, os fatores sociais ainda demonstram que o número pode ser bem maior, visto que algumas mulheres não conseguem denunciar os maus tratos. Algumas ainda dependem financeira ou sentimentalmente dos seus agressores, ou ainda pensam que a denúncia pode causar algum mal aos filhos – esses fatores tendem a inibir a denúncia.

Outro fator preponderante para alimentar a cadeia de violência é o machismo, sentimento que enaltece o homem, empodera o masculino e consequentemente acaba por enfraquecer a figura do feminino, provocando abismos sociais entre eles. Em muito setores da sociedade ainda é possível notar costumes culturais que não igualam homem e mulher, por exemplo, em situações profissionais nas quais mulheres e homens desempenham as mesmas funções e recebem valores diferentes – comumente os homens recebem melhores salários.

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Enquanto sistema ideológico pode-se observar que o machismo oferece modelos de identidade tanto para homens quanto para mulheres. Esse modelo “normatiza” comportamentos masculinos e femininos. Ocultando partes essenciais da relação entre os sexos e invalidando todos os outros modos de interpretações das situações e todas as práticas que não correspondam aos padrões de relação nele contido. O machismo continua a ser a estrutura ideológica em articulação com a ideologia dominante e com as instituições de controle social (LAMOGLIA; MINAYO, p.603).

2.1 AS MEDIDAS PROTETIVAS E A REINCIDÊNCIA DE CASOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

É cabível dialogar sobre os avanços provocados pela legislação brasileira atual e suas ramificações, tais como a implementação de pedido de medidas protetivas para as vítimas. A Lei Maria da Penha foi muito celebrada por especialistas e a ONU a considera uma das melhores em seu campo de atuação. Porém, alguns pontos merecem ser discutidos. Neste sentido, se sabe que apesar de hoje a grande maioria dos casos possuírem efetivo pedido de representação criminal contra os agressores, ou seja, um pedido de providências perante o judiciário, na prática muitas mulheres ainda ficam desprotegidas, pois o sistema ainda não consegue efetivamente afastar esses homens delas, o que pode ocasionar em alguns casos a reincidência da violência doméstica/ familiar/ gênero.

Sobre o tema vale destacar o Projeto de Lei 5001/16 que versa sobre a possibilidade de o agressor comparecer a programa de reeducação e recuperação para acompanhamento psicossocial, além da aprovação da Política Nacional de Dados e informações relacionadas à violência contra a mulher, os quais aguardam apreciação no Senado Federal (BRASIL, 2019 p. 33). Tais dados farão parte de um sistema que poderá armazenar os dados reais sobre a violência doméstica no Brasil, capaz de traçar um panorama da situação de forma a organizar e sistematizar criando assim uma plataforma governamental contendo tais informações.

Atualmente, a grande maioria das vítimas opta por solicitar o pedido de medidas protetivas quando sofre algum tipo de violência, esse aspecto é notado ao

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acessar os relatórios policiais em qualquer delegacia. Porém, apesar de solicitarem tais medidas, as mulheres sabem da fragilidade do sistema, que não impede de fato que o agressor tenha acesso a elas, caso queira.

Por isso, é comum que as mulheres vítimas de violência de gênero expressem o medo/receio que têm, preocupadas que este homem chegue novamente ao seu convívio; esse cotidiano de violência faz parte do chamado ciclo da violência, que possibilita que o agressor reincida nas agressões – quando há o contato novamente com a mulher violentada. O homem se arrepende da sua conduta, pede desculpas à companheira, diz que vai mudar. A mulher acredita, confia que será diferente a relação a partir dali, porém os dados mostram que por qualquer divergência cotidiana, o homem volta a demonstrar ódio e acaba por reincidir no crime, este é chamado ciclo da violência, que revitimiza a mulher.

Existem ainda as medidas protetivas de urgência, todas previstas na Lei Maria da Penha. Por exemplo, o artigo 18 da lei traz em seu texto as medidas de urgências, as quais devem ser atendidas pelo juiz em até 48 horas. O artigo 19 afirma que as medidas podem ser concedidas de imediato e sem a ocorrência de audiência entre as partes, um aspecto que vem possibilitando maior celeridade e proteção às mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica. No mesmo sentido, tem-se que tais medidas são aplicadas de forma cumulativa ou podem ser substituídas por outras com maior eficácia de acordo com o caso concreto (BRASIL, 2006).

A lei trouxe outras medidas que podem ser vistas como forma de interromper o ciclo de violência e o contato direto do agressor com a mulher, evitando revitimizá-la. Assim, possibilita o afastamento e a punição do homem, que antes do advento da lei poderia estar próximo mesmo após ter praticado violência contra a sua companheira.

Já artigo 20 expõe a possibilidade da prisão preventiva do agressor, medida que fortalece as denúncias e afasta decerto o receio de convivência que antes ocorria mesmo após a prática abusiva, ora citada. O artigo 21 dá o direito à mulher ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, podendo esta sentir-se mais segura e não ser colocada em perigo caso o homem seja posto em liberdade novamente, sem que ela saiba (BRASIL, 2006).

A legislação traz ainda em seu artigo 22, outras medidas de urgências como: o afastamento do lar, a proibição de aproximação – tanto da ofendida como de

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familiares e testemunhas – a proibição de frequentar o agressor determinados lugares, a restrição ou suspensão de contato/visitas a menores e a prestação de alimentos (BRASIL, 2006). Todas essas medidas são úteis para tentar minimizar o sofrimento que uma mulher enfrenta quando é acometida de violência doméstica.

É importante destacar que mesmo com tais ações o poder judiciário ainda não consegue, em muitos casos, evitar que as mulheres sejam o alvo recidivo dos agressores. Porém, a perspectiva de punição estipulada na lei sugere mecanismos que mitiguem os casos de violência ou procurem inibir o algoz em tornar a praticar o crime.

O artigo 23 da Lei 11.340/06 elenca as medidas que incidem sobre a mulher, no caso com o objetivo de preservá-la. Permite o encaminhando da vítima e de seus dependentes ao serviço oficial de proteção e atendimento, a recondução destes ao lar em segurança, ou o afastamento da mulher do lar – resguardando os direitos de guarda dos filhos e alimentos ou até mesmo determinando a separação de corpos (BRASIL, 2006).

Existe ainda a tutela de proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou da mulher, elencada no rol do artigo 24 da mesma lei. Nele impõe-se que o juiz pode decidir que o agressor restitua bens, além de proibir atos de compra e venda e locação de propriedade em comum – tudo a fim de assegurar que o patrimônio não venha a ser destituído no momento do conflito familiar – conceder a suspensão de procurações conferidas pela vítima (em muitos casos sob ameaças de mortes ou possíveis agressões), a prestação de caução provisória – decorrente de perdas e danos em razão da prática de violência familiar/ doméstica (BRASIL, 2006).

Todo este arcabouço citado pela Lei Maria da Penha como Medidas Protetivas tem hoje um papel crucial no enfrentamento da violência de gênero no país, visto que passou a figurar com mais frequência e simplicidade nos lares e nos diálogos da população brasileira, a qual já começou a conhecer alguns pontos da lei. Isso trouxe, de certa forma, maior conforto e segurança jurídica para mulheres de todo o país, as quais podem ter alguma esperança de serem amparadas quando em situação de violência.

Está mais do que em tempo de resgatar a cidadania feminina. É preciso colocar a mulher a salvo do agressor, para que ela tenha coragem de denunciar sem temer que sua palavra seja levada a sério. E a única resposta para o inquietante problema da violência doméstica é assegurar a efetividade da Lei 340/2006 (DIAS, 2015, p. 35).

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2.2 A LEI MARIA DA PENHA

A Lei 11.314/2006 – publicada em 07 de agosto de 2006 – foi um avanço enorme na luta pelos direitos das mulheres brasileiras e na busca pelo enfrentamento da violência doméstica, de gênero e familiar no país. Incontestavelmente esse diploma jurídico trouxe uma maior segurança às mulheres que passam por violência no âmbito familiar e afetivo podendo possibilitar uma evolução desde sua criação até os dias de hoje, no sentido de proteger mulheres em situações de riscos em face do agressor, que na maioria das vezes está perto dela. A lei Maria da Penha resgatou a cidadania feminina ao criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher (DIAS, 2015, p. 11).

Neste sentido, levou certo período até que a população brasileira e até as próprias mulheres agredidas pudessem pensar a lei como o verdadeiro instrumento para o objetivo para qual fora criada. Dessa forma, o contexto familiar também recebeu influência da legislação, pois sua atuação – que antes era negado – foi sendo incorporado ao dia a dia das famílias, conseguindo o valor que se almejava. A falta de consciência de que a violência intrafamiliar merecia um tratamento diferenciado fez com que o Brasil durante décadas descumprisse tratados internacionais, tendo sido alvo de sanções (DIAS, 2015, p. 11).

Porém, quando foi criada e sancionada o cenário da sociedade brasileira ainda não estava adequado para recepcionar uma lei que defendesse os direitos de uma parcela da população tão marginalizada como a feminina. Costumes, práticas, falas diárias, políticas públicas tudo precisava se modificar e evoluir para acompanhar as inovações que a lei traria.

Em um primeiro momento a lei gerou enormes resistências. Recebida com desdém e desconfiança, foi alvo das mais ácidas críticas (DIAS, 2015, p. 11). Aos poucos, com o passar dos anos, com debates, eventos, pesquisa e campanhas educativas o cenário foi se modificando até o contexto atual no qual a Lei Maria da Penha se estabelece como o principal mecanismo de proteção da mulher na sociedade brasileira contemporânea. Ao repudiar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório concernente à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha constitui conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres (DIAS, 2015, p. 47).

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A lei completou este ano treze anos desde a criação. Sem dúvidas trouxe inúmeros ganhos, todavia os efeitos ainda se encontram em andamento, já que a violência de gênero têm raízes mais profundas que simplesmente a mudança de leis pode oferecer. No Brasil é preciso reconhecer ainda que são necessárias políticas públicas que deem suporte à lei na prática, para intensificar a rede de proteção destinada às vítimas de violência de gênero. Segundo Del Priori (2013, p. 6) “Não importa a forma como as culturas se organizaram a diferença entre masculino e feminino sempre foi hierarquizada”. Referenciando esse patamar de superioridade que o costume e a cultura ocidental se impõem mesmo hodiernamente, marcando a sociedade por uma luta de gêneros que coloca homens e mulheres em lados opostos, nunca um ao lado do outro.

Dados publicados pela mídia (Datafolha) deste ano apontaram inclusive que 52% das mulheres que sofreram violência não denunciaram seus agressores (ZAREMBA, 2019). Dados que deflagra – mesmo com o advento da Lei Maria da Penha – um número de vítimas que permanecem caladas por inúmeros motivos; seja pelo fator cultural, financeiro ou familiar ainda persiste a violência e a fragilização do feminino em detrimento do masculino, aspecto que passa através das gerações e que precisa ser mitigado/ solucionado na sociedade brasileira.

Estudos indicam a agressão psicológica como altamente prevalente nas relações conjugais. É possível que os altos índices evidenciados revelem o quanto a agressão psicológica conjugal se apresenta naturalizada nos relacionamentos, em muitos casos, nem sendo reconhecida como violência propriamente dita, mas entendida com uma estratégia de resolução de conflitos que os cônjuges se utilizam para alcançar seus objetivos pessoais no relacionamento. Considera- se que esses resultados revelam a necessidade de que os cônjuges a utilizam para alcançar seus objetivos pessoais no relacionamento (COLOSSI et al., 2015, p.62).

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3 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO MUNICÍPIO DE CURRAIS NOVOS NO PERÍODO DE JANEIRO A JULHO DE 2019

A pesquisa foi realizada com todos os inquéritos envolvendo violência doméstica/de gênero/intrafamiliar registrados na Delegacia de Polícia Civil, localizada no município de Currais Novos, no estado do Rio Grande do Norte – casos notificados no período de janeiro a julho de 2019. Ao todo foram encontrados 21 inquéritos policiais, sendo 20 registrados como violência doméstica – variando entre casos de lesão corporal de natureza leve, difamação, vias de fato, ameaça, injúria; e 1 caso de Feminicídio, ocorrido em julho deste ano – morte por asfixia (golpe mata-leão), totalizando 21 inquéritos policiais sobre o assunto estudado neste trabalho.

Em primeiro plano, é importante elucidar que a delegacia recebe semanalmente muitos casos de violência doméstica praticados na cidade de Currais Novos, bem como nas cidades de Lagoa Nova/RN e Cerro Corá/RN – municípios que pertencem à área de abrangência desta delegacia. Porém, os casos ora citados se referem apenas aos ocorridos/ praticados na cidade de Currais Novos/RN, como foi mencionado outrora.

A partir dessa perspectiva é mister dialogar sobre o teor dos relatórios encontrados, os quais têm em comum alguns pontos que merecem destaque. Todos os casos visitados trazem situações de limite emocional das vítimas, ou seja, reportam-se a condutas em que ou a violência física já vem sendo praticada há muito tempo, ou quando a violência psicológica e moral se excederam a tal ponto que culminaram na agressão física, sempre acompanhada de ameaças de morte e do consumo de bebida alcoólica. Uma característica comum a grande maioria dos casos é a presença dos ciúmes dos parceiros, bem como o motivo traição – suposto motivador comum para que o agressor tenha praticado o delito.

Aspecto sempre citado como motivador para os crimes contra mulheres o ciúme é contexto que inclusive pode ser usado como desculpa do agressor na tentativa de minimizar a conduta criminosa. Em muitos casos o homem tenta descriminalizar a prática dizendo a mulher que sente ciúmes por gostar dela. Além disso, a violência de gênero tem, segundo a Lei Maria da Penha, um fator nítido: a

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expressão do ódio (misoginia) pelo feminino, a imposição do poder do homem mistificado pela dominação do masculino como o sexo mais forte (BRASIL, 2006).

Outro aspecto que pode ser notado nos relatórios é que os parceiros ou ex-parceiros usam a violência para intimidar as mulheres, seja porque não querem pagar pensão alimentícia aos filhos, seja porque não aceitam que elas se relacionem com outros homens, mesmo após o fim do relacionamento amoroso. Mais uma vez, a mulher não detém o direito a por fim à relação, seria este o papel masculino, e por isso, ele não aprova.

Outro ponto caraterístico é que a violência física ou as demais praticadas e evidenciadas no contexto intrafamiliar é presenciada por filhos, netos, amigos, vizinhos, mães. Em outras palavras, são situações em que a família inteira e os mais próximos têm o conhecimento, mas que mesmo assim, não denunciam protelando a ciência dos casos e podendo até agravá-lo visto que pode levar ao feminicídio. É comum ouvir a máxima popular que diz que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Esse mito social ainda persiste na sociedade.

Além disso, um ponto que é citado com frequência nos relatórios estudados para esta pesquisa é a zona no corpo na qual a agressão acontece. Não foi constatado nenhum caso em que a violência física não tenha sido efetuada nos membros superiores. As mulheres agredidas tinham em todos os casos marcas nos rostos, no pescoço, nos ombros, nas costas, nos braços, no couro cabeludo. Sendo em alguns casos episódios de agressões feitas com o uso de arma de fogo ou de instrumentos domésticos tais como: um cabo de vassoura ou uma faca.

É notável também explanar que em todos os casos elencados para esta pesquisa as Medidas Protetivas foram solicitadas ao Poder Judiciário. Além disso, em todos os inquéritos policiais realizados neste período na delegacia de Currais Novos os autos já haviam sido remetidos ao juiz. Portanto, nenhum caso estava aguardando providências ou estava sem conclusão.

Em alguns eventos houve reincidência, quando já existiam (em 03 casos) Medidas Protetivas em relação ao agressor e estas foram desrespeitadas. Em um deles foi determinada a Custódia Preventiva do investigado; em outro caso o indiciado confirmou que já havia praticado violência doméstica contra sua mulher, mas que nunca fora notificado acerca de qualquer decisão judicial. Num terceiro caso o imputado ainda confirmou a informação que havia sido preso por causa do mesmo motivo (violência doméstica) e que teria sido solto em 17/05/2019, dias

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depois, em 12/06/2019, foi autuado novamente, só então foi pedida e homologada sua Prisão Preventiva.

Neste sentido ainda é válido refletir sobre um tópico recorrente nos inquéritos estudados: a negativa dos indiciados em confessar o crime/culpa ou a culpabilização da vítima. É comum encontrar nos depoimentos dos homens acusados de agredirem suas companheiras, ou ex-companheiras, a negação do fato. Os homens – quando questionados sobre as agressões – disseram que não havia ocorrido ou que apenas estavam se defendendo das agressões praticadas por elas. Em alguns casos colocaram a culpa na bebida que haviam ingerido ou ainda nas próprias vítimas, contando estórias inversas ao que as mulheres haviam informado no Boletim de Ocorrência. Em nenhum caso dentre todos os inquéritos lidos o homem disse que era responsável/ culpado do crime ao estava sendo imputado.

No entanto, no caso de Feminicídio ocorrido no município de Currais Novos/RN em julho deste ano o acusado agiu de forma contrária à maioria dos casos citados, confessou o crime; o próprio havia ligado para informar sobre o crime à polícia, porém sem se identificar. Em seguida, após se evadir da cidade, acabou se apresentando às autoridades policiais – convencido pelo pai. O ciclo de violência pode ser notado: o homem pratica o crime, se arrepende e se declara para a mulher. Neste caso, porém, a ex-companheira já estava morta.

3.1 DO ATENDIMENTO À MULHER NA DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL DE CURRAIS NOVOS/RN

Consoante preconiza a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis, as quais estão elencadas no artigo 12 da referida Lei, quais sejam:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

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I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (BRASIL, 2006).

A unidade policial de Currais Novos, embora não se trate de uma Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher (DEAM), tem empreendido esforços no sentido de prestar um atendimento a mulher vítima de violência doméstica, nos moldes do que estabelece a Lei Maria da Penha.

A base de todo atendimento (humanizado) deve ser a escuta qualificada sigilosa e não julgadora, baseado nas seguintes diretrizes: tranquilidade, registro, discrição, sigilo, fazer perguntas corretas, linguagem adequada, proteção, afastar culpas e atenção.

Na referida Delegacia, há dois profissionais (autoridade policial – Delegado, e uma APC – Agente de Polícia Civil), com qualificação específica no atendimento à mulher vítima de violência doméstica, sendo uma regra nesse atendimento, a não exposição da vítima a pessoas outras presentes no recinto, bem assim aos profissionais de imprensa que se façam presente na unidade policial.

Feito o registro da ocorrência, conforme seja o tipo penal praticado, a vítima é encaminhada para realização de exames que servirão de prova técnica na investigação criminal e em seguida é encaminhada ao cartório, no qual sua oitiva é produzida por meio de vídeo. Neste ato, todas as informações necessárias para o

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procedimento policial são coletadas objetivando não se fazer necessário uma nova oitiva, tudo com o intuito de evitar a revitimização da mulher.

Finda a oitiva é ofertada à vítima a possibilidade de pleitear Medidas Protetivas de Urgência, estabelecidas no Capítulo II da Lei Maria da Penha. Sendo formalizado o pedido, a autoridade policial deverá encaminhar ao Juízo competente em até 48h, o qual deverá decidir no mesmo lapso temporal.

Dando impulso a investigação, a autoridade policial procederá com as oitivas de testemunhas e imputado, como também instruindo o feito com perícias e outros documentos comprobatórios do fato ocorrido, necessários para um juízo de valor quanto a autoria e materialidade do delito.

Por fim, a autoridade policial produzirá um Relatório conclusivo da investigação, procedendo o indiciamento do autor do fato, nos termos do artigo 2º, §6º da Lei 12.830/2013 (BRASIL, 2006).

É oportuno registrar que a Lei Maria da Penha estabeleceu uma Rede de Enfrentamento a Violência Doméstica e Familiar, em seu art. 35 (BRASIL, 20060, sendo imperioso o seu bom funcionamento, pois a repressão ao crime é apenas um seguimento dessa Rede. No referido artigo consta que a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: 1) Centros de Atendimento Integral e Multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar e 2) Casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).

Na cidade de Currais Novos as vítimas de violência doméstica/de gênero recebem apoio no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), nas Unidades de Saúde Básicas ofertadas pelo município e no Hospital Regional Dr. Mariano Coelho. Além disso, contam com a assistência da Defensoria Pública e do Ministério Público Estadual.

Percebe-se notadamente que vencida a etapa da violência doméstica propriamente dita, a vítima necessita de apoio em várias frentes, em especial o psicológico e estrutural.

No período mencionado pela pesquisa, a Delegacia de Polícia Civil de Currais Novos encaminhou para Justiça 91 Inquéritos Policiais, dentre os quais, 19 diziam respeito a Violência Doméstica Familiar. Nesse mesmo período, foram registrados 31 Boletins de Ocorrências sobre fatos dessa natureza segundo o sistema da

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delegacia, todavia a pesquisa tratou apenas de 21 inquéritos (20 inquéritos tratando de violência doméstica e 1 sobre Feminicídio), os quais abordavam crimes praticas na cidade de Currais Novos.

Para tanto, ressalta-se que – via de regra – todo Registro de Boletim de Ocorrência de violência doméstica enseja a instauração de IP. Neste sentido, é possível demonstrar ainda que existe desencontro entre os números dos dados notificados pelo sistema da DP e os inquéritos verificados no cartório da delegacia para pesquisa in loco, pois a Delegacia de Polícia Civil de Currais Novos investiga também os crimes praticados nos municípios de Lagoa Nova/RN e Cerro Corá/RN, por isso o sistema aponta um número maior de crimes dessa natureza.

Portanto, significa dizer que os casos envolvendo Violência Doméstica (das três cidades as quais a delegacia investiga), na unidade policial, no que diz respeito à remessa de procedimento, representam aproximadamente 21% (segundo os dados do sistema da Polícia Civil do RN), de toda produtividade da DP e que dos registros feitos, 62% foram encaminhados à justiça com o devido indiciamento do imputado.

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4 O FEMINICÍDIO

Feminicídio é o assassinato de mulheres em um contexto marcado pela desigualdade de gênero. No Brasil é também um crime hediondo desde 2015. Nomear e definir o problema é um passo importante, mas para coibir os assassinatos femininos é fundamental conhecer as suas características e, assim, implementar ações efetivas de prevenção (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 9).

Diante disso, é importante ressaltar que o feminicídio resulta de uma série de condutas cotidianas que são reproduzidas, em muitos casos, sem a consciência moral do ato, pois fazem parte da cultura do machismo. O fenômeno deriva das práticas de violência doméstica/gênero e, portanto, ambas se relacionam.

Nessa perspectiva, é necessário destacar que homens machistas não pensam que têm condutas machistas, eles simplesmente agem e reproduzem o que estão acostumados a fazer por décadas e anos. É certo que em algum ponto podem ter a lucidez dos atos, sem, contudo, fazer a análise de sua prática. Na maioria das vezes o ambiente familiar no qual foram educados permitia o comportamento, algo que foi ensinado de maneira empírica como o adequado; possivelmente essa caraterística deve ter sido apenas naturalizada com conduta, inclusive reafirmadas pelas próprias mães.

Porém, através das lutas por mais direitos levantadas pelas mulheres e com o crescimento do movimento feminista foi possível dar voz à ala feminina, denunciando que o homem precisaria rever seu conceito de gênero na sociedade moderna e aprender um novo modelo familiar, agora que pregasse a igualdade entre os gêneros. Não caberia mais tantas disparidades em casa, no trabalho ou na vida cotidiana.

O feminicídio é um crime de ódio e seu conceito surgiu em 1970, para reconhecer e dar visibilidade à morte violenta de mulheres resultante da discriminação, opressão, desigualdade sistemáticas (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 11).

Assim, o crescente número de mulheres mortas por seus companheiros denunciou o flagelo social da violência doméstica. Muitos casos ganharam destaque na mídia nacional, possibilitando maior visibilidade para o tema; por exemplo, o caso de Maria da Penha, que quase foi morta por seu ex-companheiro. Após a divulgação

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do caso de Maria da Penha outras mulheres tiveram coragem para denunciar os maus tratos. Nos dias atuais os números são bastante expressivos. Treze mulheres foram assassinadas por dia em 2013, quase cinco mil por ano, revela o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015).

O caso de Maria da Penha foi noticiado, publicizado e ganhou destaque no debate internacional. Este fato acarretou sanções ao Brasil por negligenciar a luta de Maria da Penha por seus direitos humanos, possibilitando ainda terreno fértil para o debate e criação da lei. Construir no âmbito da sociedade e do Governo a compreensão de que são mortes que ocorrem como desfecho de um histórico de violência (PRADO; SANEMATSU, 2017, p.10).

Não obstante, após o advento da Lei Maria da Penha, os casos continuaram a ser noticiados e a morte de mulheres em situação de violência doméstica também ganhou destaque, foi por causa disso que a Lei do Feminicídio veio para complementar o arcabouço de proteção da mulher no Brasil, surgiu a necessidade de maior aplicabilidade e rigor da lei nos casos de mortes de mulheres por motivos de gênero.

A violência de gênero não se encaixa em outros tipos de violência, o feminicídio não é confundido com outras mortes de pessoas do sexo feminino, pois tem esse fator que diferencia o crime. A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre tornada invisível, e, por consequência tolerada pela sociedade (PRADO; SANEMATSU, 2017, p.10).

Ao longo de décadas o conceito foi ganhando força entre ativistas, pesquisadoras e organismo internacionais. Mas só recentemente o feminicídio passou a ser incorporado em legislações de diversos países da América Latina, inclusive do Brasil. Neste sentido, feminicídio é uma palavra nova criada para falar de algo que é persistente e, ao mesmo tempo, terrível: que as mulheres sofrem violência ao ponto de morrerem (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 11).

Mais do que nunca, compreender as desigualdades que contribuem para que as mortes violentas aconteçam continua sendo essencial para a correta aplicação da lei, e principalmente, para uma atuação preventiva (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 12).

A preocupação do Brasil em criar uma legislação específica para coibir e punir o feminicídio segue as recomendações internacionais como a Comissão sobre a

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Situação da Mulher (CSW), e o Comitê de Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW), ambos da ONU (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 13).

Gênero se refere a construções sociais de atributos femininos e masculinos definidos como papeis definidos como inerentes a “feminilidade” ou “masculinidade” (PRADO; SANEMATSU, 2017, 2017, p. 14).

São esses papeis que alimentam discriminações e violências por terem características relacionais e hierárquicas, ou seja, as atribuições dos papeis masculinos e femininos se complementam, convertendo diferenças em desigualdades (ONU, 2016, apud PRADO; SANEMATSU, 2017).

É preciso compreender que a violência física é mais um traço de um contexto global de violência que inclui também humilhações, críticas e exposição pública da intimidade (violência moral), ameaças, intimidações, cerceamentos do direito de ir e vir, controle dos passos da mulher (violência psicológica), forçar a ter relações sexuais ou restringir a autodeterminação da mulher, quando se trata de restringir ou de levar a diante ou não uma gravidez (violência sexual) entre outros (PRADO; SANEMATSU, 2017, p.7).

Sobre o crime de homicídio praticado contra a mulher O Dossiê sobre a Violência doméstica de 2017 elenca a divisão seguinte: o crime íntimo (quando existe uma relação amorosa entre a vítima e o algoz), o não íntimo (quando não existe ligação emocional ou relacionamento entre o agente e a vítima) e o social (o qual ocorre em formas encobertas de assassinatos de mulheres, mas com caraterísticas do Feminicídio que é o ódio à condição da mulher). Sobre isso o segundo inciso da Lei do Feminicídio fala em menosprezo e discriminação, incluindo então a violência que acontece entre pessoas que não se conhecem (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 18).

Já o livro Feminicídio: invisibilidade mata, destaca mais detalhadamente as modalidades de assassinatos de mulheres, todos identificados como praticados em razão do gênero da vítima. Íntimo: morte de uma mulher cometida por uma pessoas com quem a vítima tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo: marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex-namorado, ou amante, pessoa com que tem filho (a)s. Inclui-se a hipótese do amigo que assassina uma mulher – amiga ou conhecida – que se negou a ter uma relação íntima com ele, seja sentimental ou sexual (PRADO; SANEMATSU, 2017).

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Não íntimo: morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação, como uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo. Infantil: morte de uma menina com menos de 4 anos de idade cometida por um homem no âmbito de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder conferido pela sua condição de adulto sobre a menoridade da menina (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Familiar: morte de uma mulher no âmbito de uma relação de parentesco entre a vítima e o agressor. O parentesco pode ser por consanguinidade, afinidade ou adoção (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Por conexão: morte de uma mulher que está na “na linha de fogo” no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga ou parente da vítima, ou também de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Sexual sistêmico: morte de mulheres que são previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Há duas modalidades – sexual sistêmico desorganizado, quando a morte das mulheres está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro. Presume-se os sujeitos ativos matam a vítima num período de tempo determinado; sexual sistêmico organizado, quando se presume que os sujeitos ativos atuam com uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planejado por um longo e indeterminado período de tempo (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Por prostituição ou ocupações estigmatizadas: morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação – strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas – cometida um ou vários homens. Inclui os casos nos quais o(s) agressor(es) assassina(m) a mulher motivado(s) pelo ódio e misoginia que a condição de prostituta da vítima desperta nele(s). Esta modalidade evidencia o peso da estigmatização social justificação da ação criminosa por parte dos sujeitos – “ela merecia; ‘ela fez por onde’; era uma mulher má’ a vida dela não valia nada” (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Por tráfico de pessoas: morte de mulheres produzida em situação de tráfico de pessoas. Por ‘tráfico’, entende-se o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, valendo-se de ameaças ou uso da força ou

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outras formas de coação, quer seja rapto, fraude, engano, abuso de poder, ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento da(s) pessoa(s), com fins de exploração. Esta exploração inclui no mínimo, a prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, ou trabalhos ou serviços forçados, a escravidão ou práticas análogas à escravidão, a servidão ou a extração de órgãos (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Por contrabando de pessoas: morte de mulheres produzida em situação de contrabando de migrantes. Por “contrabando”, entende-se a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado do qual a mesmo não seja cidadã ou residente permanente, no intuito de obter, direita ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício de ordem material (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Transfóbico: morte de uma mulher transgênero ou transexual na qual o(s) agressor(es) a mata(m) por sua condição de identidade de gênero transexual, por ódio ou rejeição (PRADO; SANEMATSU, 2017).

Lesbofóbico: morte de mulher lésbica na qual o(s) agressor(es) a mata(m) por sua orientação sexual por ódio ou rejeição. Racista: morte de mulher por ódio ou rejeição de sua origem étnica, racial ou de seus traços fenotípicos. E por mutilação genital feminina: morte de uma menina ou mulher resultante da prática de mutilação genital (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 21, p.22, p.23).

A ONU propõe que o modelo seja adaptado as diferentes realidades encontradas nos países. No Brasil vale destacar outras situações peculiares. O assassinato de filhos /as para vingança do autor contra a mulher, que também pode ser considerado feminicídio por conexão e a morte de mulheres bissexuais por sua orientação sexual, ódio ou rejeição (PRADO; SANEMATSU, 2017, p.23).

Todavia, vale lembrar que nem todo homicídio de mulher é um feminicídio. Os aspectos de cada caso concreto devem ser avaliados. É dever do Estado adotar as práticas necessárias e pertinentes no intuito de descobrir se o crime foi praticado por intermédio de motivações de gênero. A partir disso, a ONU criou um protocolo para a investigação de assassinatos de mulheres: as Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes de mulheres (ONU, 2016, apud PRADO; SANEMATSU, 2017).

As diretrizes reúnem elementos que podem servir como ferramentas para evidenciar razões de gênero, a partir de uma análise das circunstâncias do crime,

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das características do agressor e da vítima e do histórico de violência (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 20).

As diretrizes elencadas pela ONU apontam também com grande ênfase os deveres do poder público e os direitos das vítimas, destacando que o Feminicídio é um crime evitável e que o Estado tem a responsabilidade de formular medidas de responsabilização, proteção, reparação e prevenção (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 20).

Essa perspectiva endossa a afirmativa de que o poder público deve agir para proporcionar às mulheres segurança na vida doméstica, proporcionando respostas rápidas através de mecanismos que pacifiquem as questões de gênero no ambiente público e privado, e é certo que a implementação de leis e políticas públicas podem ser incisivas nesse contexto, bem como mitigando a violação dos direitos humanos dessas mulheres.

Assim, os tipos de Feminicídios, são eles: íntimo, não íntimo, infantil, familiar, por conexão, sexual sistêmico, por prostituição ou profissões estigmatizadas, por tráfico de pessoas, por contrabando de pessoas, transfóbico, lesbofóbico, racista e ainda por mutilação genital feminina (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 23, p.24).

Muitos casos se tornam públicos e a sociedade ainda tenta criminalizar as mulheres, culpando-as por ter merecido serem alvo de violência ou morte. Com frequência as mulheres vítimas de Feminicídio são tratadas como criminosas ou como as verdadeiras responsáveis pelos crimes que sofreram. Seu passado será investigado, sua família também assim como seu trabalho e tudo o que possa ser usado para tornar duvidosas, do ponto de vista moral, a sua memória e sua história (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 28).

Estudo publicado pelo Ministério da Justiça apontou caraterísticas importantes de como morreram as mulheres vítimas deste tipo de crime em nosso país: a imposição de grave sofrimento, às vítimas, com prevalência de lesões no rosto, face ou em locais do corpo que caracterizam a anatomia feminina – seios ventre, vagina, entre eles (PRADO; SANEMATSU, 2017, p. 29).

Essa informação corrobora com os dados analisados na delegacia de Currais Novos. Os relatórios demonstram exatamente que as lesões foram praticadas nas partes do corpo ora mencionadas.

A partir desta perspectiva sabe-se que lei 13.104/15 alterou o Código Penal Brasileiro e estabeleceu que o homicídio de mulher sob a condição da vítima ser

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mulher, ter o sexo feminino. Neste sentido, nem todas as mortes de mulheres (feminicídio) se enquadrará na lei do Feminicídio. A legislação veio a criminalizar o crescente contexto de homicídios de mulheres no Brasil no ambiente doméstico e familiar, em resposta ao aumento da violência doméstica ao longo dos anos. A lei 13.104/15 qualifica o crime em uma hipótese uma modalidade de homicídio (crime doloso) que tem a pena cominada entre 12 a 30 anos, podendo – segundo a lei – ser aumentada em algumas hipóteses que são: se for cometido contra mulher gestante ou após três meses do parto, contra menor de 14 anos, ou maior que 60 anos – casos em que terá sua pena majorada entre 6 e 8 anos (BRASIL, 2015). Podendo, ainda, a conduta ser enquadrada em sua forma tentada ou consumada.

Sobre a lei levantou-se a possibilidade de questionar sua constitucionalidade no que se referia à igualdade entre homens e mulheres no Brasil, porém essa hipótese foi afastada visto que de acordo com a doutrina (MELLO; PAIVA, 2019), as questões de gênero devem ser vistas sob outra ótica, levando em consideração a vontade da lei de maneira afirmativa, no sentido em que protege os direitos das mulheres, as quais historicamente foram tratadas de forma destoantes em relação aos homens. Existe a necessidade de abordar a Lei Maria da Penha, bem como a Lei do Feminicídio de forma dinâmica, segundo a perspectiva de legislação enquanto instrumento de promoção e proteção dos direitos das mulheres.

Assim, a lei 13.104/15 foi um avanço do legislador no sentido de não tolerar práticas violentas e criminosas em face de mulheres, figuras que buscam a igualdade em todos os âmbitos na sociedade brasileira, bem como de criar uma cultura de enfrentamento e de punição à violência contra a mulher no Brasil, a partir de uma luta da sociedade brasileira para dar uma efetiva resposta na esfera penal ao crescente número de casos de homicídios de mulheres no contexto familiar, criminalizando essa conduta que atualmente não é socialmente permitida por grande parcela da população no país.

Segundo o Dossiê Violência Contra a Mulher publicado em 2015 (DOSSIÊ, 2015) a tipificação do crime de Feminicídio espera por impactos na sociedade, requer a visibilidade desses crimes na sociedade brasileira, pretende mitigar os entraves ainda persistentes, mesmo com a nova legislação em vigor, e busca ainda que a lei reduza a impunidade no país. Essa é de fato a finalidade mais pertinente da norma, reduzindo, dessa maneira, os índices de mortes entre mulheres por questões de gênero, em relações familiares e pelo fato de serem apenas mulheres.

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Ainda nos dias de hoje é, infelizmente, ainda comum que a morte de mulheres sejam admitidas pelo senso comum das pessoas, pois apesar de se compadecerem com o sofrimento da morte de um ente familiar ou de uma conhecida, quando o homicídio tem esse aspecto relacionado ao fato da vítima ser mulher, ainda vemos discursos discriminatórios com as vítimas, trazendo um teor de culpa da própria vítima ou amenizando o crime. O discurso machista às vezes permite elencar fatores como o uso de drogas, a emoção ou o calor do momento em casos de Feminicídios, tudo numa tentativa de retirar o dolo dos homicidas de mulheres.

Persiste a construção da imagem das vítimas, o comportamento delas ainda é submetido a um escrutínio moral pelo Tribunal do júri. Por outro lado, há uma tendência a proceder a desumanização do autor – que pode ter tido “um lapso”, uma “forte emoção”, bebeu ou usou drogas, ou é um pervertido sexual, alguém que tem um comportamento monstruoso. Nunca o criminoso é um homem racional para quem a lei é dirigida. E isso oculta o conteúdo político da discussão sobre a desigualdade de gênero na sociedade. O discurso que é feito é parece ser sempre o mesmo: é que aquele caso pontual, uma tragédia individual e não um episódio que é recorrente na sociedade (CEJUS/ FGV, 2014).

Portanto, a partir do advento da Lei do Feminicídio foi possível punir de forma mais efetiva e justa o homicídio praticado contra a mulher, sempre que o crime fora praticado por causa da condição da vítima ser mulher, quando do contrário o crime não seria cometido. É possível então levar em consideração o contexto familiar sobre o qual o delito foi cometido. Neste cenário, é importante evidenciar a problemática que envolve a lei na prática. O fato de existir a lei e esta ser um mecanismo que inibe por si só a prática do crime – pois a partir do momento que a população tem o conhecimento de que as condutas têm punições mais graves, os índices de crimes tendem a diminuírem – é possível que com o tempo as taxas venham a decair e a efetividade da legislação apareça em números.

Por fim, é importante destacar que a atualização de uma nova lei não ocorre de um dia para outro, é preciso promover a atualização da doutrina e a implementação do novo marco legal através de ações afirmativas e políticas públicas que busquem essa nova perspectiva na seara penal. Fatores que, somados, se mostrem pertinentes à criação de um novo cenário, possibilitando novas práticas, novas decisões jurídicas e o surgimento de culturas sociais igualitárias entre os gêneros no Brasil.

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Atualmente o Senado aprovou Proposta de Emenda à Constituição, que seguiu para a Câmara dos Deputados a qual estabelece a imprescritibilidade do crime de Feminicídio. O projeto, de autoria da senadora Rose de Freitas, enseja alterar o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, com o intuito de que o crime de Feminicídio seja julgado a qualquer tempo, sem que haja prescrição do ato delitivo, quebrando assim o paradigma de que muitos assassinos de mulheres ficariam impunes por fugirem da justiça até a prescrição do assassinato. Uma das justificativas da Emenda é o estudo elaborado pelo Mapa da Violência de 2015, o qual afirma que aproximadamente 106 mil mulheres foram mortas no Brasil entre os anos de 1980 e 2013 (WAISELFISZ, 2015).

Por conseguinte, o Feminicídio ainda figura como um evento que, em regra geral, ocorre após inúmeros outros atos violentos diários, por isso é mister se compreender que o homicídio de mulheres é um ato que pode ser prevenível e que expõe sinais pontuais que podem se vislumbrados de forma adequada serão evitados. Nesse contexto, é importante que o poder judiciário monitore se as decisões de Medidas Protetivas estão realmente sendo cumpridas, no intuito de saber se o Estado está realizando seu papel de maneira incisiva na resposta sobre o crescente número de assassinatos de mulheres no contexto familiar no Brasil.

4.1 O FEMINICÍDIO EM CURRAIS NOVOS NO PERÍODO DE JANEIRO A JULHO DE 2019

No período estudado a Delegacia de Polícia Civil de Currais Novos, estado do Rio Grande do Norte abriu um único inquérito de Feminicídio. O caso ocorreu na 18 julho deste ano dentro da residência em que morava o autor do crime com sua família quando o homem e a mulher ambos com pouco mais de 30 anos consumiram drogas juntos, logo depois iniciaram uma conversa sobre o relacionamento, ocasião em que a mulher disse que não desejava mais continuar com o parceiro e que estava ficando com outro homem. Por causa disso, os dois iniciaram uma luta corporal que culminou com um soco no nariz e uma mata leão que o jovem desferiu contra a ex-companheira. Neste momento a jovem caiu descordada numa cama, na qual também ficou deitado por algum tempo o agressor.

Referências

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