Albinismo em comunidades indígenas: o fator cultural afetando a prevalência da doença.

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(1)Comunicado 125 Técnico. ISSN 9192-0099 Brasília, DF Julho, 2005. ALBINISMO EM COMUNIDADES INDÍGENAS O fator cultural afetando a prevalência da doença Fábio de Oliveira Freitas1 Joana Zelma Figueredo Freitas2 Janaina Alves Santos3 ___________________________________________________________________ índices de albinismo mais altos em. Introdução. todo o mundo: 1/100, segundo Gupta Segundo Brasileiro Filho et al.. (2004), em parte explicado ao costume. (1993), albinismo é uma enfermidade. da população de realizar casamentos. metabólica rara, causada por defeitos,. consangüíneos. Do mesmo modo, na. de. ilha. base. genética,. na. síntese. e. de. Lençóis,. no. de. 400. Brasil,. sua. distribuição de melanina no organismo. população. do indivíduo. O albinismo é uma. apresenta também um alto índice de. doença. albinismo: 1,5/ 100 (FREIRE-MAIA,. com. herança. autossômica. recessiva, sendo, portanto necessário. habitantes. 1988).. que ambos os pais forneçam o alelo. Já em relação às populações. recessivo para que o filho apresente o. indígenas brasileiras, o índice de. fenótipo. albinismo. albino. (GARDNER. e. SNUSTAD, 1986).. é. extremamente. baixo,. sendo que atualmente, para uma. A prevalência média de albinismo. população total de aproximadamente. mundial é de 1/20000 (FREIRE-MAIA,. 300 mil índios, só existe o relato da. 1988). Porém, existem locais em que. existência de dois indivíduos albinos,. essa incidência é muito alta, como em. sendo que um destes é o foco deste. La. trabalho, como será discutido mais. Comarca. de. Kuna. Yala,. no. Panamá, onde se encontra um dos 1. adiante (PINHEIRO, 1996).. -Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia - PqEB – Parque Estação Biológica W5 Norte Final. Brasília – DF, Caixa Postal 02372, Brasil - fabiof@cenargen.embrapa.br 2,3 - Fundação Nacional da Saúde - FUNASA.

(2) Objetivos. Analisar. Resultados e Discussão. alguns. dos. fatores. que. Como já relatado, a índia Albina. expliquem o baixo índice de albinismo. pertence à tribo Kuikuro, do Parque. entre as populações indígenas brasileiras. Indígena do Xingu. Sua idade atual é de. é o objetivo deste trabalho, verificando se. início de adolescência. Em termos de. este índice é de alguma maneira afetado. sociabilidade, a índia albina é tratada de. por fatores culturais inerente a estas. forma diferenciada por sua comunidade,. comunidades.. mas. até. recentemente. ela. estava. freqüentando aulas junto com outras crianças, em sua própria aldeia.. Materiais e métodos. Naquele. momento. ela. se. Foi realizada uma viagem até a aldeia. encontrava em clausura, um ritual de. Kuikuro no Parque indígena do Xingu,. passagem da adolescência para a vida. noroeste do estado do Mato Grosso,. adulta, que se inicia com a menarca. Brasil, no período de 11 á 22 de agosto de. (primeira menstruação). O período de. 2003, de onde havia relatos de um caso de. reclusão é determinado pela família,. uma índia Albina.. podendo em alguns casos durar anos.. Durante a visita, os pais da criança. Esse ritual tem como objetivo, entre. foram contatados, assim como outros. outras coisas, preparar o jovem para a. membros da aldeia, a fim de levantar. vida adulta, no caso feminino, ensinar à. dados sobre o histórico da criança; se. adolescente os afazeres de uma boa. houve algum outro caso de albinismo. esposa,. naquela família ou na aldeia e de como a. histórias. criança era tratada pelo restante daquela. (NOVAES, 1985).. comunidade.. As. complementadas funcionários. da. informações com FUNAI,. foram. relatos assim. de como. além. do. sobre. a. aprendizado própria. de. cultura. Em termos de saúde, o período de clausura. é. muito. bom. para. a. adolescente, pois ela fica resguardada. agentes de saúde daquele Parque, que. do. sol,. não. apresentando. naquele. relataram a ausência de outros casos. momento nenhuma ferida maior em sua. nessa e em outras aldeias do Parque.. pele, o que difere de relatos de funcionários da FUNAI que a avistaram anos atrás, informando que a pele daquela garota continha muitas feridas,.

(3) sintoma característico de albinos muito expostos ao sol.. Em. nossa. visita. à. aldeia,. descobrimos que os pais da índia albina. Em termos culturais, é comum entre. não a sacrificaram ao nascer porque,. as comunidades indígenas a prática do. como era o primeiro filho do casal,. infanticídio.. motivos. acharam que sua pele iria escurecer. alegados para o sacrifício de crianças.. com o tempo. Segundo relatados de. Giacone (1949) relata que quando uma. outros índios e funcionários da FUNAI,. criança nasce defeituosa, os índios fazem. os pais desta criança posteriormente. uma cova perto da choupana e nela. tiveram. enterram viva a criança. Segundo os. características desta patologia, sendo. próprios índios xinguanos: ninguém pode. todos sacrificados ao nascer.. Diversos. são. os. depender de uma outra pessoa para viver.. mais. três. filhos. com. Ainda, relatos de membros mais. O nascimento de gêmeos é outro. velhos desta aldeia indicam que no. caso de prática de infanticídio. Segundo a. passado já houve outros casos de. visão dos índios, existe a crença de que os. albinos na aldeia, portanto a presença. gêmeos são algo proibido, um é mal e o. do fator (alelo) albino faz parte da. outro é bom e, como não é possível. história daquela comunidade e, de. distinguir quem é quem, eles sacrificam os. tempos em tempos, um indivíduo albino. dois.. escapa do crivo cultural inicial, ao No caso de mães solteiras ou de. nascer, integrando a comunidade.. relações que não deram certo, como em. Os índios alegam que a índia. uma separação, as mães acham por bem. albina, apesar de estar em clausura,. sacrificar o bebê porque ele não vai ter o. que é uma etapa de preparação para. pai presente para lhe cuidar e defendê-lo.. um casamento, não vai se casar com. Estes são alguns dos motivos citados. ninguém,. pois. nenhum. homem. da. para que ocorra o infanticídio, sendo que. aldeia a aceitaria como esposa. Se isto. para o nosso estudo é importante saber. se. que a prática é também aplicada às. deixará descendentes, demonstrando. crianças albinas, a qual entra na mesma. que mesmo quando algum indivíduo. situação. As. com esta patologia consegue escapar. características físicas do albino são algo. do crivo inicial, o mesmo fica de tal. que transmite medo para a sociedade,. forma. levando a acreditar que a criança albina. própria. representa o mal.. conseguirá formar uma relação de. dos. bebês. gêmeos.. confirmar,. provavelmente. estigmatizado, sociedade,. perante. que. não. sua. dificilmente.

(4) casal, com o qual perpetuaria para uma. centenas de gerações, causa uma. nova geração seus alelos de albinismo.. diminuição da freqüência do alelo tipo. Nas populações indígenas brasileiras,. albino. nas. populações. indígenas,. as quais de modo geral não possuem um. podendo chegar até a sua completa. grande número de indivíduos em cada. extinção, se perpetuadas as condições. aldeia, fazendo com que os casamentos. culturais atuais.. aconteçam entre pessoas de parentesco. Nos raros casos onde uma criança. não muito distantes, a tendência era que, a. albina escapa do sacrifício, ela acaba. partir do momento que existissem alelos. sendo. de albinismo nestas populações, a mesma. casará e seus alelos terão pouca. deveria apresentar um número maior de. chance de serem perpetuados.. indivíduos albinos, pois a chance de haver. discriminada,. dificilmente. se. Não pretendemos neste trabalho. cruzamento entre indivíduos portadores de. aprofundar. alelos. maior.. antropológica sobre estes costumes.. Entretanto, mesmo sabendo que este alelo. Ainda, não é função deste artigo julgar. está presente na população indígena,. se isto é correto ou errado, já que o que. pelos dois casos conhecidos, não é isto o. relatamos faz parte de uma cultura. que ocorre.. diferenciada.. para. albinismo. seria. em. uma. análise. A pratica do infanticídio de crianças. O fato é que isto demonstra como. com características indesejáveis, aliado a. o homem pode influir na freqüência. tradição de proibição de casamento entre. alélica. irmãos e primos, costume presente em. também que a variação entre raças. muitas etnias, faz com que a freqüência. humanas existentes no mundo pode. deste alelo acabe sendo reduzido na. não ser apenas resultado da seleção. população e, diminua a chance de que. natural e adaptação ao ambiente, mas. dois alelos albinos se encontrem. Estes. também pode em parte ser um legado. comportamentos ajudam a entender os. de uma seleção artificial, realizada. motivos da ocorrência de albinismo ser tão. durante gerações e gerações, com base. baixa dentro das populações indígenas.. na cultura de cada povo.. de. uma. Devemos Considerações Finais. população.. considerar. Mostra. que. este. artigo não está analisando a questão ética de se sacrificar crianças e muito. A. prática. cultural. milenar. do. infanticídio, que elimina crianças com características indesejáveis, ao longo de. menos encorajando a adoção desta prática,. mas. sim. a. análise. das.

(5) conseqüências, em termos evolutivos, que. própria sociedade já passou por muitas. esta prática acarretou ao longo de milênios. fases e mudanças, algumas delas que. naquelas sociedades indígenas brasileiras.. devemos sentir vergonha, mas que não. Nossa possui. sociedade,. atualmente. dita. uma. ocidental, cultura. e,. vem ao caso numerá-las e muito menos analisá-las.. principalmente,. recursos. (médicos,. Para sociedades onde os grupos. equipamentos,. medicamentos,. dinheiro,. de pessoas reunidas em uma aldeia. conhecimento, leis, ...) que estimulam e. normalmente variam de 50 a 300. permitem que indivíduos com limitações. pessoas. físicas/ mentais, consigam sobreviver de. limitada acaba exigindo/ fazendo com. maneira mais satisfatória e muitas vezes. que o restante do grupo tenha que. anulem o próprio “defeito”. Entretanto,. trabalhar. muitas sociedades, como as indígenas,. trabalho. possuem. condições. acesso. muito. limitado. às. em. média,. mais que. para a. uma. compensar. mesma. de. pessoa. não. executar.. de. tem a. tecnologias que permitiriam uma sobrevida. percentagem. ou vida mais digna às pessoas com. aumenta, o restante é obrigado a. determinados problemas genéticos e/ou de. trabalhar ainda mais, o que torna a. saúde.. comunidade,. do. pessoas. Se. o. ponto. limitada. de. vista. Além disto, mesmo que hoje em dia. evolutivo, vulnerável. Esta é uma lógica. algumas destas sociedades já tenham. que ajuda a entender a evolução da. acesso a estes recursos, esta “seleção”. cultura. faz parte de uma cultura com raízes. indígenas.. milenares,. moldadas. nas. sociedades. de. Finalmente, NÃO queremos neste. adaptações a um ambiente que exige. artigo sugerir a adoção deste costume à. muito de cada indivíduo (sol forte o ano. nossa sociedade e muito menos afirmar. todo; produzir o próprio alimento; construir. que aquela sociedade está errada ou. casas; pescar; se proteger de inimigos;. certa, ou que deve mudar seu costume.. entre. Não, queremos apenas apresentar um. muitos. outros).. através. presente. Estes. fatores. ambientais e de sobrevivência da espécie. exemplo. tiveram grande influência na moldagem da. práticas culturais, praticadas de forma. própria cultura a que fazem parte. Além. constante,. disto, a dinâmica de mudança cultural é. gerações, podem influir na seleção/. particular. não. evolução, influenciando a freqüência de. podemos nos esquecer que a nossa. alelos, tornando algum destes ainda. a. cada. sociedade. e. real. ao. de. como. longo. de. questões/. diversas.

(6) mais raros do que a média encontrada na população mundial. A natureza molda, direciona, mas o homem faz o ajuste fino através de sues hábitos. Referencias Bibliográficas BRASILEIRO FILHO, G.; PITTELA, J. E. H.; PEREIRA, F. E. L.; BAMBIRRA, E. A. Doenças genéticas. In: PATOLOGIA geral básica. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1993. p. 17-18. FREIRE-MAIA, N. Teoria da evolução: de Darwin à teoria sintética. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. GARDNER, E. J. D.; SNUSTAD, P. Genética. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1986. GIACONE, S. S. A. Os tucanos e outras tribos do Rio Uapés afluente do NegroAmazonas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado São Paulo: Ed Abá, 1949. GUPTA, M. P. Investigaciones farmacognósticas sobre la flora panameña. Anais Real Academia Nacional de Farmacia, Madrid, v. 70, p. 839-883, 2004. NOVAES, W. Xingu: uma flecha no coração. São Paulo: Brasiliense, 1985. PINHEIRO, E. Estanho na aldeia. Isto é, São Paulo, v. 1373, p. 36-37, 1996..

(7) Comunicado Técnico, 125. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Exemplares desta edição podem ser adquiridos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Serviço de Atendimento ao Cidadão Parque Estação Biológica, Av. W/5 Norte (Final) – Brasília, DF CEP 70770-900 – Caixa Postal 02372 PABX: (61) 448-4600 Fax: (61) 3403624 http://www.cenargen.embrapa.br e.mail:sac@cenargen.embrapa.br 1ª edição 1ª impressão (2004): 150 unidades. Comitê de Publicações. Expediente. Presidente: Maria Isabel de Oliveira Penteado Secretário-Executivo: Maria da Graça Simões Pires Negrão Membros: Arthur da Silva Mariante Maria Alice Bianchi Maria da Graça S. P. Negrão Maria de Fátima Batista Maria Isabel de O. Penteado Maurício Machain Franco Regina Maria Dechechi Carneiro Sueli Correa Marques de Mello Vera Tavares de Campos Carneiro Supervisor editorial: Maria da Graça S. P. Negrão Normalização Bibliográfica: Maria Alice Bianchi e Maria Iara Pereira Machado Editoração eletrônica: Maria da Graça Simões Pires Negrão.

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