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O chantre de Viseu e cónego de Coimbra Lourenço Esteves de Formoselha (...1279-1318†): uma abordagem prosopográfica

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O C H A N T R E D E V I S E U E C Ó N E G O D E C O I M B R A

L O U R E N Ç O E S T E V E S D E F O R M O S E L H A (... 12 7 9 - 1 3 1 S t ) :

U M A A B O R D A G E M P R O S O P O G R Á F I C A

M ARIA DO RO SA RIO BA RBOSA M O R U JÀ O • A N lSIO M IGU EL DE SO USA SARAIVA ••

Não é possível pesquisar no fundo de pergam inhos m edievais que o

Arquivo Distrital de Viseu conserva sem que a atenção nos fique presa a

um nome que recorrentem ente surge nos docum entos: o de Lourenço

Esteves de Form oselha. arcediago e depois chantre de Viseu, cónego de

C oim bra, actuantc em grande núm ero de diplom as desde o últim o quartel

do século XIII até à sua morte, em 1318.

A sua figura em erge dessas largas dezenas de actos escritos que o

referem , m ostrando m últiplos aspectos da sua vida ao longo de quase q u a ­

renta anos. As inform ações colhidas perm itiram -nos construir uma ficha

prosopográfica a seu respeito, seguindo uma matriz já testada no estudo

dos m em bros do cabido de uma catedral

A partir dos dados assim org a­

nizados. procurám os ver o perfil deste eclesiástico por vários ângulos.

• A ssistente tia F aculdade de Letras da U niversidade de C oim bra. M em bro do p ro ­ jecto de investigação F asli E cclesiae Portugaliae prosopogrqfia do clero catedraU cio

p ortuguês (1 0 7 1 -1 3 2 5 1.

•• M estre cm H istória da Idade M édia pela Faculdade de Letras da U niversidade de C oim bra. B olseiro de D outoram ento da Fundação para a C iência e a Tecnologia. M em bro do projecto de investigação Fusti E cclesiae P ortugaliae: prosopografia d o clero catedra-

Itcto p ortuguês 11071 -1.125).

A nísio M iguel de Sousa Saraiva. A Sê de h im e g o na p rim eira m etade do século

X IV ( I2 V 0-I.U V ), 2 vols . C oim bra. 2000 (dissertação de m estrado policopiada). A refe

rida m atriz é apresentada no vol. 1. p. 231-233. Ao longo do texto, rem eterem os sem pre para os diversos itens da ficha prosopográfica. escusando-nos assim de rep etir as in fo r­ m ações e fontes que aí se encontram sistem atizadas

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7 6 M A K 1 A D O R O S Á R I O M O R U J À O / A N Í S I O M I G U E L S A R A IV A

reveladores de diversas facetas da sua vida e personalidade. Não q u ise­

mos esgotar as informações colhidas; apenas olhám os este clérigo por

alguns dos enfoques possíveis, procurando, através das diversas imagens

obtidas, aproxim arm o-nos um pouco da realidade com plexa da sua pes­

soa. Tentando m ostrar que a prosopografia constitui não só um m étodo

historiográfico que perm ite análises estatísticas, mas tam bém um utilís­

simo instrum ento para organizar os dados colhidos nas fontes, capaz de

nos ajudar a encontrar não apenas o que se repete e é com um aos m em ­

bros de um determ inado grupo, mas também as características próprias de

cada indivíduo

A carreira eclesiástica

As prim eiras referências a Lourenço Este ves que encontram os m os­

tram -no já inserido no meio eclesiástico. Na verdade, é com o clérigo que

nos aparece logo em 1280 \ Que ordens possuía então, ignoram o-lo.

Sabemos, contudo, que nunca ultrapassou o diaconado 4, grau im ediata­

mente anterior ao de presbítero, e de grande prestígio na Idade Média \

; Entre os autores que se têm reeentem enie dedicado à tem ática prosopográfica c problem atizado a seu respeito, sublinham os o exem plo de H élène M illet com o m em bro do projecto de investigação das elites diocesanas francesas entre os séculos XIII e XV, d en o ­ m inado F asii E cclesiae G allicanae. trabalho cujos contornos sistem atiza no artigo "C irco n scrire et dénom brer, pour quoi faire?", in L 'É la i m oderne e t les élites: X IIT-

-XVIII' siècles. A pports e t lim ites de la m éthode prosopographique. Paris. 1996, p. 265­

-275, onde consolida algum as reflexões anteriorm ente ensaiadas cm diversos artigos, nom eadam ente em "N otice biographique et enquête prosopographique". M élanges de l 'É ­

cole F rançaise de Home - M oyen Âge. Temps M odernes. Rom e. I(K)( I ), 1988. p. 8 7 - 111.

Uma outra abordagem m uito interessante sobre os benefícios e os problem as que as pro- sopografias/biografias podem ter no processo de construção do d iscurso histórico deve-se a G iovanni Lcvi. “ Les usages de la b io g rap h ie” . A n n a les: É conom ies. Sociétés,

C ivilisations. Paris, fasc. 6. nov.-déc. 1989, p. 1325-1336; m atéria tam bém ela m otivo de

análise por Bernard G uenée. na sua obra pioneira e m odelar Entre l'É g lis e e t l ’É tat: q u a ­

tre vies de p réla ts fr a n ç a is à la fi n du M oyen  ge ( XI I F- XV' siècles), Paris, 1987.

* Vid. prosop. item I: 3.

4 Vid. prosop. item I: 4.

' De acordo com a definição apresentada por A fonso X na sua Prim eira P artida. o diácono serve os sacerdotes quando cantam m issa "e Ihy am d 'o ffe re ç e r o pã e vinho de que consagra o corpo de N ostro Senhor lhesu C risto. E elles am de d izer o auàgelho ( ...) E pode ainda preegar e b a u ti/a r e dar peendèça aa ora da m orte" (José de A zevedo Ferreira, A lphonse X. Prim eyra partida. Édition et étude. Braga. 1980, p. 267-268).

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O C H A N T R E D E V IS E I' E C Ó N E G O DE C O IM B R A lO U R E N Ç O E ST E V E S DE EO R M O SEL H A 7 7

Por essa altura, ou pelo m enos antes de 1284, exercera o cargo de rei­

tor da igreja de Santa M aria de Ourém \ Mas a sua vida religiosa decor­

reu em inentem ente na esfera do cabido catedralício de Viseu, ao qual

sabem os ter pertencido desde 12 8 1 7.

A 15 de M arço desse ano, o bispo D. Mateus enviou carta ao cabido

viseense, ordenando que Lourenço Esteves fosse em possado de uma pre­

benda vaga \ A ele se refere com o "quem ( ...) nos de sacro fonte ex tra­

xim us”, fórm ula que nos parece poder significar que foi o próprio D.

M ateus quem baptizou o jovem clérigo

tal expressão indica, pelo

m enos, a relação próxim a entre ambos, que explica a protecção recebida

do prelado.

Com efeito, foi directam ente por mão do bispo da diocese que

Lourenço Esteves entrou na canónica de Viseu, a 10 de Julho de 1281

Reunido o cabido no claustro, com o era costum e, foi recebido com um

beijo pelos cónegos e conduzido ao seu lugar no coro e no capítulo,

tom ando posse, em seguida, da sua prebenda ". A esta corporação ficou

* Vid. prosop. item V: 4 e D ocum entos, n. 3. 1 Vid. prosop. item I: 3.

‘ D ocum entos, n. I a. A carta d o bispo explica que existiam trinta prebendas na Sé, d estinadas a vinte e sete cónegos, e que o provim ento da prebenda vaga lhe cabia a si. A sua autoridade sobre o c ab id o afigura-se-nos. nesta com o noutras ocasiões que terem os a o portunidade de assinalar, m ais forte do que a exercida pelos prelados de outras dioceses. Em L am ego e Évora a desig n ação dos novos cónegos parece ter pertencido ao cab id o e ao bispo, qu er em conjunto, qu er separadam ente, para além de, a partir do final do século XIII, se am pliar o sistem a das reservas pontifícias que perm itia ao papa, por si só, nom ear de form a d irecta cónegos e dignidades; cfr. A nísio M iguel de Sousa Saraiva. A S é de

L a m eg o ..., vol. I. p 162-163: e H crm ínia Vasconcelos Vilar. A.v dim ensões de um poder. A diocese de É vora na Idade M édia. Lisboa, 1999, p. 163-164.

* A interpretação que fizem os desta expressão foi considerada com o a m ais p ro v á­ vel pelos Srs. P rofessores D outora M aria A legria M arques e D outor José A ntunes, a quem m uito agradecem os.

Vid. D ocum entos, n. 1.

" Esta cerim ónia faz lem brar a tom ada de posse de um canonicato na Sé de C oim bra c de outro na co leg iad a de S. Pedro da m esm a cidade por G eraldo Peres. p erso ­ nagem estudada por M aria do R osário Barbosa M orujão, "G eraldo Peres, có n eg o da Sé de C oim bra no século X IV ” , Revista Portuguesa de H istória, C oim bra. 31(1), 1996, p. 3 93­ -430. S em elhante era tam bém o ritual de investidura de um novo deão na Sé de l.am ego. de aco rd o com A nísio M iguel de Sousa Saraiva. A Sé de L a m eg o ..., vol. 1. p. 120-121, e o seguido na catedral bracarense sem pre que um cónego era adm itido no co lég io c a n o n i­ cal. com o nos refere M aria Justiniana Pinheiro M aciel Lim a, O cabido de B raga no tem po

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7 8 M A R IA D O R O S A R I O M O R U J Ä O / A N Í S I O M IG U K L S A R A IV A

ligado toda a vida, nela cum prindo diversas etapas de uma carreira que o

elevou de sim ples cónego a arcediago, a tesoureiro e, finalm ente, a c h an ­

tre da catedral IJ. Conhecemos o diplom a pelo qual. a 4 de Agosto de

1312, ascendeu a esta última dignidade, a mais elevada que algum a vez

alcançou IJ. Por ele ficam os a saber que, na sequência de um conflito su r­

gido no seio da canónica por causa de certas distribuições, o bispo D.

Egas substituíra o deão pelo chantre, colocara nesse cargo o tesoureiro,

que era então Lourenço Esteves, e nomeara para o seu lugar um outro

cónego. Docum ento raro este. por revelar o m om ento exacto em que as

dignidades são ocupadas, e, mais ainda, por evidenciar o poder intervcn-

tivo do prelado na sua nomeação, poder esse que se nos afigura bem mais

forte do que o exercido pelos seus congéneres de outras dioceses M.

Vários diplom as atestam a actividade de Lourenço Esteves inerente à

sua condição de cónego e dignidade

Com o arcediago, executou, em

1283, as ordens recebidas do seu bispo, tom ando conta da aldeia de

Cerejo, no concelho de Pinhel

Em 1295, exerceu as funções de vigário

episcopal. Em 1301, em Senhorim , actuou num a dem anda enquanto p ro ­

curador do cabido. Representando a canónica, recebeu um novo cónego,

em 1316, juntam ente com outros dignitários capitulares. Testem unhou

num erosos actos jurídicos relacionados com a catedral dc Viseu, lavrados

nessa cidade ou em Coim bra n.

Foi ainda a sua condição de eclesiástico que o levou a ser nom eado,

por três vezes, juiz apostólico ", Em 1312, porém , a sua designação para

tais funções sofreu alguma contestação. Em causa estava um a dem anda

l! Vid. prosop. item I: 3. 11 Vid. D ocum entos, n. 6.

'* Não se sabe m uito acerca desta m atéria, m as os dados disponíveis apontam para que os bispos das dioceses de Lam cgo, Évora e Braga não interviessem desta form a na nom eação dos dignitários capitulares. Hm qualquer dos casos, por exem plo, o provim ento do deão parece resultar de uma eleição no seio do cabido, com po sterio r confirm ação e p is ­ copal, com o nos inform a A nísio M iguel de Sousa Saraiva, A S é de L tim ego..., vol. I, p. 118-119. Este m esm o A utor (ibidem . p. 120-122) relata um significativo co n flito ocorrido em 1317, após o prelado lam ecense ter indicado ao cabido aquele que devia ser o novo deão. Os m em bros da canónica pediram a revogação do nom eado e invocaram antigos direitos do cabido relativam ente à sua eleição; o candidato do bispo acabou por ser re je i­ tado, e nesse m esm o ano foi eleilo um outro deão.

15 Vid. prosop. itens V; I e 2. '* Vid. D ocum entos, n. 2.

17 Nos anos de 1296, 1300. 1304, 1305, 1309. 13 12 e 1313. Vid. prosop. item IV: 5. 11 Vid. prosop. item VI: 2.

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O C H A N T R E DE V ISEU E C Ó N E G O DK C O IM B R A L O U R EN Ç O ESTE V E S D E FO R M O S E I.IIA 7 9

entre o m osteiro de Santa Cruz de Coim bra e o prior da igreja de S.

M artinho, lugar que fazia parte do couto do bispo conim bricense.

Alegavam os criízios que a nom eação papal recaíra sobre o chantre de

Viseu que antecedera Lourenço Esteves. e que o facto de o novo dignitá­

rio ser tam bém cónego de Coim bra o tornava parte interessada no pro­

cesso

argum ento recusado pelo chantre, dado que a questão não env ol­

via nenhum m em bro da canónica coimbrã.

Com o acabam os de ver, Lourenço Esteves passara a acum ular o lugar

no cabid o viseense com um a conezia na catedral de C oim bra.

Efectivam ente, com o cónego desta Sé o encontram os m encionado desde

O utubro de 1309

mas já antes dessa data o localizam os, por diversas

vezes, na urbe conim bricense *.

Vários elem entos se conjugaram decerto para conduzir Lourenço

Esteves a Coim bra. Sua mãe, Sancha Afonso, fizera-se sepultar no m os­

teiro de S. Francisco desta cidade, onde a sua própria progenitora se

encontrava enterrada e a cuja com unidade pertencia o seu irm ão

A

fam ília paterna acrescentara ao nome o topónim o Form oselha. lugar da

freguesia de Santo Varão, no concelho de M ontem or-o-Velho, onde se

tinha radicado ÍJ. Seus tios M artim Eanes de Form oselha e Pedro Eanes de

Urgeses tinham estabelecido laços privilegiados com a Sé de Coim bra: o

prim eiro instituirá aí uma capela, à qual doara um conjunto de bens, e o

segundo fora cónego da catedral. Ambos se fizeram sepultar nessa igreja,

e foi junto deles que o sobrinho escolheu ser enterrado \ Por últim o, não

devem os esquecer que D. M ateus, seu protector em Viseu 4, ocupara

(ainda que ausente na cúria romana) a cátedra episcopal m ondeguina entre

1268 e 1275, sucedendo a D. Egas Fafes, tio-avô de Lourenço Esteves

2>.

' Vid. prosop. item VI; 2 e D ocum entos, n. 5.

*" Em A bril de 1294, nos m eses de A bril, Agosto e N ovem bro de 1298. em Junho de 1299, A bril de 1301, O utubro de 1304. Janeiro de 1306. tal com o se pode ver no seu Itinerário, apresentado em anexo.

!l Vid. prosop. item II: 1.1.

;; No en tan to , u fam ília era originária de U rgeses, freguesia do co n celh o de G uim arães, topónim o que alguns m em bros da fam ília m antiveram no nom e. qu er na g e ra ­ ção dos pais de L ourenço E steves. quer na sua. acabando por se impor. Sobre esta fam ília e a sua estratégia de im plantação, vid. José A ugusto de Sotto M ayor Pizarro. L inhagens

m edievais portuguesas: genealogias e estratégias ( 1279-1325). vol. 2, Porto. 1999. p.

417-419 e 425-426.

Vid. prosop. item II; 1.3.

" Vid. prosop. item IV: I. 35 Vid. prosop. item 11: 1.3.

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8 0 M A R IA D O R O S Á R I O M O R U J À O / A N iS I O M I G U E L S A R A IV A

Os laços com a cidade de Coim bra foram, com certeza, condiciona­

dos por todos estes elem entos, que são. antes de mais. de ordem familiar.

O enquadram ento familiar

É este um outro prisma bem docum entado pelo qual podem os an ali­

sar Lourenço Esteves e o seu percurso.

De algum a forma parecem ter convergido na sua pessoa diversos v ec­

tores da estratégia linhagística da família a que pertencia. Apesar de ecle­

siástico, foi ele a sua figura central, o protagonista dos “papéis mais re le ­

vantes no quadro familiar, nom eadamente em term os patrim oniais” >.

O bservem os a sua genealogia r .

Com o prim eiro e importante ponto de referência encontram os seu tio

Estêvão Eanes, chanceler de D. Afonso III M. De ascendência hum ilde, a

sua origem foi compensada, porém, pelos fortes laços pessoais de amizade

e serviço dedicado que o ligavam ao m onarca desde criança, pois o futuro

Bolonhês fora criado por seu pai, João Garcia. Colaço do infante, Estêvão

acom panhou-o a França e foi seu leal e eficiente chanceler desde que

ascendeu ao trono até à morte, ocorrida em 1279. O seu prestígio e in­

fluência estenderam -se, decerto, aos fam iliares mais próxim os, entre os

quais se contavam os sobrinhos Sancha c Pedro Afonso, respectivamente

mãe e tio de Lourenço Esteves. Desconhece-se quem eram seus pais, dado

que não há notícia de nenhum irmão do chanceler de nome Afonso; talvez

fossem fruto do casamento de uma das suas irmãs. Maria ou Maior Eanes ” .

* José A ugusto de Solto M ayor Pizarro. oh. cit.. vol. 2, p. 433.

; N os itens II: I e III: 1.1 da ficha prosopográfica encontram -se as abonações de todas as inform ações constantes do esquem a genealógico em anexo, que incluem algum as correcções que pudem os introduzir aos dados apresentados por José A uguslo de Sotto M ayor Pizarro, oh. cit.. vol. 2. p. 420-435 e vol. 3, genealogias 4.21.1 c 4 .21.2, obra de que som os altam ente credores.

* Vid. prosop. itens II: 1.3 e IV: 1. Sobre E stêvão Eanes. veja-se B ernardo de Sá N ogueira. "O testam ento de Estêvão Eanes. chanceler d 'e l-rc i D. A fonso III” . R evista da

/•acuidade de Letras, Lisboa, 5“ série. 8, Dez. 1987. p. 79-91 e L eontina Ventura, A nobreza de corte de Afonso III, vol. 2, C oim bra. 1992. p. 585-594 (dissertação de d o u to ­

ram ento policopiada).

” Bernardo de Sá N ogueira. "O testam en to ...", p. 85. nota 44. e p. 87, nota 50. estra­ nha o facto de nunca serem m encionados os nom es dos pais de Sancha A fonso, que é uma das principais beneficiadas no testamento do tio. Aventa algum as hipóteses quanto à sua filia­ ção: seria filha do próprio chanceler? Ou de Afonso Eanes do Vinhal, eventualm ente filho

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O C H A N T R E DE VISEU E C Ó N E G O DF. C O IM B R A LO U R EN Ç O ESTEVES D E FO R M O SELH A 8 I

De qualquer m aneira, Sancha Afonso era sobrinha dilecta do chanceler,

que a contem plou no seu testam ento, bem como ao seu m arido e filhos,

de entre os quais é especificam ente nomeado Lourenço Esteves.

Estêvão Eanes constituiu, sem dúvida, o elo prim ordial entre o nosso

clérigo e a corte. Por seu interm édio se pode ter estabelecido tam bém a

ligação com D. M ateus, que fora capelão de Afonso 111 entre 1248 e 1260.

O facto de saberm os que o seu sucessor no cargo de chanceler, m estre

Pedro M artins, futuro bispo de Évora e de Coim bra

em prestou dinheiro

ao arcediago de Viseu !l parece-nos igualmente revelador da rede de rela­

ções pessoais que o parentesco com o valido do Bolonhês proporcionou a

Lourenço Esteves.

Pelo lado paterno, a linhagem fam iliar entroncava nos Fafes de

Lanhoso

n: sua avó, Teresa Fafes, era irmã de D. Egas Fafes, bispo de

Coim bra e depois arcebispo de Com postela 13 - mais um parente o cu­

pando im portantes cargos na hierarquia eclesiástica, que pode ter tido

tam bém algum a influência na protecção concedida por D. M ateus, já que

sim ultaneam ente estiveram na cúria rom ana u.

Teresa Fafes casara com um Urgeses, João Peres, filho de Pedro

Salvadores, que encontram os associado à corte de Afonso Hcnriques e de

Sancho I ’5. A estratégia m atrim onial protagonizada pelos descendentes de

Pedro Salvadores perm itiu-lhes alcançar boas alianças. Um dos filhos,

Fernão Peres, ao contrair casam ento com Teresa M artins de Riba de

de M artim A nes do Vinhal, que alguns consideram irm ão de Estêvão Eanes (m as tal id e n ­ tificação não é seguida por L eontina Ventura, A nobreza cie c o rte ..., vol. 2. p. 729-732)? Seria filha de um a irm ã do ch an celer e do próprio Bolonhês, que deu à m aioria dos seus bastardos o patroním ico A fonso? A o certo sabem os apenas que a mãe de Sancha A fonso se encontra sepultada em S. F rancisco de C oim bra, onde, com o já referim os, o filho era frade e a filha escolheu a últim a m orada.

Vid. a seu respeito N uno José Pizarro Pinto D ias. C ortes p o rtu g u esa s 11211 a

1383). Braga, 1987. p. 294 (provas cienlífico-pedagógicas, policopiado). Sobre o ep isco ­

pado em Évora de D. Pedro M artins, vid. H erm ínia V asconcelos Vilar, A s dim ensões de

um p o d e r p. 67-69.

31 Vid. prosop. item VII: 2.5. Vid. prosop. item II: 1.3.

’’ Vid. a prosopografia elaborada a seu respeito por L eontina V entura, A nobreza de

c o rte .... vol. 2. p. 750-755.

M Sobre a presença de am bos os prelados ju n to do papa, vid. M aria A legria M arques, O p a pado e P ortugal no tem po de D. Afonso III ( 12 4 5 -1279). C oim bra, 1990, p. 164. 214-215 e 242-243 (dissertação de doutoram ento policopiada).

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8 2 M A R I A D O R O S Á R I O M O R U J Á O / A N Í S I O M I G U E L S A R A IV A

Vizela. unira-se a uma das mais poderosas linhagens do reino; deste

m atrim ónio nasceram João Fernandes de Urgeses, que foi cónego da Sé

de Braga e da colegiada de Guim arães, e M artim Fernandes de Leiria ou

de Podentes, o conhecido alcaide de Leiria

O utro filho, João Peres,

consorciara-se, com o vimos, com uma Fafes, adquirindo assim poder nos

julgados de Lanhoso e Bouro. Os filhos deste casal conseguiram tam bém

importantes casam entos: Martim Eanes com uma Dade. Lourenço Eanes

com uma Teixeira, Estêvão Eanes com Sancha Afonso, sobrinha do ch an ­

celer. Apenas Pedro Eanes não casou; ingressou, ao invés, no clero secu­

lar. seguindo na vida eclesiástica um outro destino usual nas intrincadas

estratégias de afirm ação e estruturação das fam ílias nobres da época.

Tanto M artim com o Estêvão Eanes foram cavaleiros e vassalos da

Casa do infante D. Dinis; mas a influência do parentesco de sua esposa

com o chanceler deu certam ente a Estêvão uma projecção na corte supe­

rior à do irmão, e não deixou, com toda a probabilidade, de abrir mais

umas quantas portas à carreira de seu filho Lourenço. No entanto, foi o

facto de ter sido o único herdeiro de seu tio M artim Eanes, falecido sem

descendentes directos, que proporcionou ao nosso eclesiástico o grosso da

sua fortuna, e lhe valeu a inim izade de seu outro tio. Lourenço Eanes.

com o terem os ocasião de ver. Para já. retenham os a ideia de que a gera­

ção de seu pai era com posta por três cavaleiros (dois, um dos quais o pro­

genitor. ligados à corte régia) e um mem bro das duas principais canóni­

cas catedralícias de então. Braga e Coim bra, existindo ainda um prim o

direito do pai que era não só cónego do prestigiado cabido bracarense,

mas tam bém da poderosa e influente colegiada de G uim arães.

Estêvão Eanes e Sancha Afonso foram pais de Vasco, Teresa, Lourenço

e Urraca Esteves. Vasco, cavaleiro, é o único dos irmãos referido nos livros

de linhagens; foi pai de três filhas, uma das quais freira em Santa Clara de

Coimbra. Teresa casou com Garcia Peres Pereira, tio do famoso arcebispo

de Braga, I). Gonçalo Pereira: morreram ambos cedo. deixando órfã Sancha

Garcia, ao que tudo indica criada por uma tia paterna ". Lourenço Esteves

protegeu e acompanhou de perto esta sobrinha ao longo da sua vida, como

* Sobre este alcaide, duranle tanto tem po acusado, injustam ente, de ler traído sem quaisquer escrúpulos D. Sancho II a lavor do B olonhês, vid. L eontina Ventura c Saul A ntónio G om es. “ L eiria na crise de 1245-1248. D ocum entos para um a revisão crítica".

R evista P ortuguesa de H istória. C oim bra. 28. 1993. p. 159-197.

Vid. prosop. item II: 1.2 e José A ugusto de S olto M ayor Pizarro. oh. cil., vol. 2. p. 301.

(9)

O C H A N T R E D E V ISEU E C Ó N E G O D E C O IM B R A LO U R EN Ç O ESTEV ES D E 11 IR.MOSELHA 8 3

se deduz do facto de ter colocado como procurador da jovem um seu escu­

deiro w e de. em 1296. a autorizar a arrendar a quinta de Oveco, no term o

do Vouga, que ela herdara do avô materno v*. Por seu turno. Sancha quis

“ galardoar" o tio pelo bein e ajuda que ele lhe prestara apôs a morte da

mãe, doando-lhe essa m esm a quinta *.

Lourenço Esteves foi, na sua geração, o elem ento destinado à carreira

eclesiástica. Não deixou, apesar disso, de garantir descendência. De mãe

ou mães desconhecidas, teve três filhos e. provavelm ente, uma filha:

Estêvão, Egas, João e G uiom ar Lourenço 4I. Sobre Estêvão Lourenço,

sabem os ter vindo a Coim bra, juntam ente com alguns hom ens do bispo do

Porto, saquear a casa do pai m oribundo - indício de uma má relação entre

ele e o seu progenitor, o qual. tanto quanto nos é possível saber, nada lhe

deixou em testam ento. Já quanto a Egas e João Lourenço, possuím os

algum as inform ações mais. que nos permitem pensar que as suas vidas se

terão desenrolado na zona de Viseu, a cujo cabido o chantre pediu pro ­

tecção para ambos. Os dois irmãos surgem sempre juntos nos poucos

docum entos que os m encionam , por vezes com o “clientulis” do pai;

foram contem plados por este com o usufruto da quinta de O veco, que v ie­

ram a trocar com a canónica viseense por propriedades no concelho de

Pinhel. Refira-se, por fim. Guiom ar Lourenço, freira no m osteiro de

Santana de Coim bra, designada como "criada" do chantre no docum ento

pelo qual com prou, no term o da cidade, um olival que m ais tarde veio a

em prazar e que pertencera ao já então falecido Lourenço Esteves. A co in ­

cidência da propriedade e do patroním ico levam-nos a aventar a hipótese

de se tratar de uma sua filha: infelizmente, a falta do texto com pleto do seu

testam ento não nos perm ite saber se o chantre lhe fazia algum a referência

ou deixava algum legado que perm itisse confirm ar esta nossa suposição.

O suporte patrim onial

Vejamos Lourenço Esteves por mais outro enfoque, o de senhor de

um vasto patrim ónio. De facto, como herdeiro de vários dos seus p aren ­

tes. conseguiu concentrar nas suas m ãos uma muito significativa parte da

riqueza fam iliar, quer do lado paterno, quer do m aterno

" Vid. prosop item IV: 3 * Vid. prosop. item IV: 3

*' Vid prosop itens II 1.2 e VII: 1.4 41 Vid. prosop. item III; I I.

(10)

M A K IA R O R O S Á R I O M O R U J À O / A N l S I O M I G U E I . S A R A IV A

O seu tio chanceler deixou-lhe em testam ento diversos bens situados

no term o de Santarém , de entre os quais se destacava sobrem aneira a lezí­

ria da Atalaia, quer pelo seu valor, quer pelos problem as que veio a acar­

retar 43. Recebeu também direitos sobre o couto de Alvito. que o tio d es­

tinara. prim eiram ente, à Ordem da Santíssim a Trindade u. Couberam -lhe

ainda, em conjunto com a mãe e os irmãos, as propriedades do chanceler

em M onforte do Alentejo, e. por partilha entre os herdeiros dos pais. mais

umas tendas nessa localidade. O colaço de Afonso III destinara ao pai de

Lourenço Esteves algum dinheiro, uma besta e tudo quanto possuía cm

Além -Douro - pelo que o nosso eclesiástico veio a receber com o herança

paterna o paço de Ancede. situado no actual concelho de Baião, na terra

da Nóbrega. m ais precisam ente no couto do m osteiro de S. M artinho de

Crasto, que o chanceler do Bolonhês protegera *5. Dos pais herdou ainda

casas e lugares em Coimbra e um herdam ento no cam po do term o desta

cidade.

Dissemos já que a maior parte da fortuna de Lourenço Esteves pro­

veio da herança deixada por seu tio M artim Eanes de Form oselha.

Herança que. sublinhe-se. não lhe foi directam ente endereçada: o cav a­

leiro constituíra como herdeiro e testam enteiro o cónego de Coim bra

Pedro M artins, seu amigo, e fora este quem alienara tais direitos, prim eiro

em favor de Lourenço Eanes de Form oselha. irmão do tcstador. depois em

proveito de Lourenço Esteves **. O tio preterido reclam ou prontam ente da

decisão do prim eiro testam enteiro, dando início a uma acesa disputa com

o sobrinho que se iria prolongar por cerca de cinco anos. e que este aca­

baria por v e n c e r47. E interessante verificar que Lourenço Esteves se inti­

tulou. até à morte, “testam entcyro e hereo" de M artim Eanes 4* - prova

clara do significado de que tal facto se revestiu c da constante necessidade

de afirm ar os seus direitos sobre os bens herdados, constituídos por parte

da quinta de Formoselha; propriedades nos julgados de Braga e Vermoim

(englobando pelo menos um casal e moinhos); a quinta de Parada, no c o n ­

celho de Carregai do Sal; bens em Gavinhos, na terra de Seia; duas casas

*’ V id p r o s o p . ile m V II: I I 44 Vid. prosop. item VII: l. l .

45 C om o se pode verificar em M aria A legria M arques. “ M osteiro de S. M artinho de C rasto. Subsídios para a sua história na Idade M édia", in Subsídios p a ra a história da Terra

da Nóbrega r do concelho de Ponte da Barca. vol. 2. Ponte da Barca. I W S. p. 31-33.

“ Vid. prosop nem IV: 3 c D ocum entos, n. 4a. 41 Vid. prosop. item VII: l .l .

(11)

O C H A N T R E D E V ISEU E C Ó N E G O DE C O IM B R A LO U R EN Ç O ESTEV ES D E FO R M O S E L H A 8 5

na Alm edina de Coim bra; casas, tendas, herdades, vinhas e terrenos em

Santarém J’’.

No final da querela em torno desta herança, Lourenço Esteves era

senhor de um patrim ónio vasto, espalhado de norte a sul do país. Não pro­

curou, no entanto, m anter todos os bens recebidos: vendeu os que se situa­

vam no couto de Braga, logo em Janeiro de 1304 “ , e em 1306 cedeu a D.

João M artins de Soalhães, bispo de Lisboa, a parte que lhe coubera na

quinta de Form oselha, em troca de propriedades situadas perto de

Condeixa. em Sobreiro (termo de Coim bra) e em

Lagoa Casta, nesta dio­

cese ” . Estes e os bens herdados de Martim Eanes. juntam ente com os

direitos sobre o couto do Alvito recebidos do chanceler, viriam a ser dei­

xados ao cabido de Coim bra no seu testamento, que passam os a analisar.

“ Eece testam entum m eum ”

As últim as vontades de Lourenço Esteves foram consignadas por

escrito pouco antes de morrer, em dois grandes rolos de papel que o latim

da época designa com o “papiro”

No dia em que faleceu, várias teste­

m unhas o viram deitado no seu leito, com o testam ento na mão, m os­

trando-o e declarando: “Ecce testam entum m eum ” 5\ Tinha sido escrito

pelo escrivão da audiência episcopal João Afonso, e “bene ordinatum ". ou

seja, redigido conform e as regras pelo cónego conim bricense João

Gomes.

A fragilidade do suporte de escrita utilizado foi talvez responsável

pelo facto de este testam ento não ter chegado aos nossos dias 54.

C onhecem os apenas, por vários instrumentos de pública-form a, as cláu ­

sulas respeitantes aos bens que o chantre viseense deixou às Sés de

w Vid. prosop. item VII: 1.1. w Vid. prosop. item VII: 1.3.

51 Vid. prosop. item VII: 2.1 e D ocum entos, n. 4. 42 Vid. prosop. item III: 2.1 e D ocum entos, n. 7. ” Vid. prosop. item UI: 2.4 e a respectiva nota.

s* O papel era. de facto, m uito m ais frágil e perecível do que o resistente p erg am i­ nho, com o nos lem bra M aria José A zevedo Santos. "O ensino da P aleografia e da D iplom ática na Faculdade de Letras da U niversidade de C oim bra” , in Ler e com preender

a escrita na Idade M édia, L isboa. 2000. p. 81. Sobre a utilização do papel na Idade M édia

e a sua conservação, vid. ainda Isaías da Rosa Pereira, D ocum entos p a ra a história do

p a p el em P ortugal. L isboa, 1990. e A na M aria Leitão B andeira. Pergam inho e p a p e l em Portugal: tradição e conservação, L isboa. 1995.

(12)

8 6 M A R I A D O R O S Á R I O M O R U J Ã O / A N Í S I O M I G U E L S A R A IV A

Coim bra, Viseu e Braga, indicadas por ordem de im portância dos legados

recebidos 55.

M andava Lourenço Esteves enterrar o seu corpo, caso m orresse fora

de Viseu, na igreja catedral de Coim bra, junto aos tios M artim e Pedro

Eanes, ao pé do altar de Santa Clara, na capela que D. Egas Fafes fundara

em honra da Santa de Assis

Os cónegos presentes ao seu enterro rece­

beriam vinte libras, sendo outras trinta destinadas àqueles que viessem ,

no trintário, com cruz, água benta, turíbulo e incenso sobre o seu túmulo.

Instituía uma capela, por sua alma e de M artim Eanes, à qual afectava a

larga maioria do património que constituíra a herança deste tio S7. Um

capelão idóneo devia nela servir dia e noite, rezando as horas e celebrando

missa de

requiem por alma de ambos, todos os dias. Nessa missa, tal como

em todas as celebrações que ordenava, deviam ser pronunciadas determ i­

nadas orações do ofício dos defuntos: "Deus qui inter apostolicos” . desti­

nada a sufragar os bispos falecidos, por alma de D. Egas Fafes; “Deus cui

proprium est”, por si próprio e por M artim Eanes; “Deus qui nos patrem et

m atrem ”, por seus pais; e finalmente a prece “Fidelium Deus” S8.

D eterm inava uma série de aniversários, por sua alm a e de M artim

Eanes, a que destinou quantias diversas. Esses aniversários deveriam ser

celebrados no dia da sua morte, 6 de Julho, e tam bém nas festas de S. João

Baptista, S. Lourenço M ártir, Nossa Senhora da Assunção, S. Bartolomeu

e S. João Evangelista. O registo destes sufrágios no obituário da catedral

prova-nos que o cabido cumpriu, efectivam ente, a sua vontade 59.

” Podem -se com parar as determ inações de L ourenço E steves com as cláu su las tes- tam entárias do clero da Sé de Braga, analisadas por Elisa M aria D om ingues da C osta C arvalho, A m orte do alto clero bracarense (séculos X II a XV) . Braga. 1999 (dissertação de m estrado policopiada).

“ Vid. prosop. item III: 2.3. A capela de Santa C lara situa-se, ainda hoje, no braço esquerdo do transepto da catedral; cfr. A ntónio de V asconcelos. A Sé-velha de C oim bra (A pontam entos para a sua história), vol. 1, C oim bra. 1930, p. 152. Sobre a devoção das

gentes de C oim bra a esta Santa, nom eadam ente entre os cónegos da catedral, vid. Saul A ntónio G om es. "A s ordens m endicantes na C oim bra m edieval: notas e docum entos” ,

L usitania Sacra. L isboa, 2“ série, 10, 1998, p. 174.

57 Vid. prosop. item III: 2.2. w Vid. prosop. item 111: 2.2.

59 Com efeito, encontram -se registados no Livro das K alendas todos os aniversários instituídos, com excepção daquele que se devia celebrar no dia de S. João E vangelista, a 27 de D ezem bro, pois faltam ao obituário as folhas finais, a partir de 24 desse mcs. Vid. Liber

A nniversariorum E cclesiae Cathedralis C olim briensis (Livro das K alendas). ed. crítica de

(13)

O C H A N T R E DE V ISEU E C Ó N E G O D E C O IM B R A LO U R EN Ç O ESTE V E S D E F O R M O S E tJIA 8 7

Com o corpo, Lourenço Esteves legava a sua cama, com posta por

dois colchões designados por alm adraqucs. quatro alm ofadas (dois peque­

nos faceiros e dois cabeçais), uma colcha branca e um cobertor de laranjo

(presum im os que fosse um tecido cor de laranja) forrado com peles d eno ­

m inadas “pena purada”.

Ao deão e aos cónegos, a quem designava por "am icos”. “ socios” e

"dom inos” . deixava os seus direitos em Alvito. pedindo-lhes que utilizas­

sem os respectivos rendim entos em prol de sua alma e do tio chanceler.

O utra catedral contem plada no seu testam ento foi a de Viseu, onde

planeara sepultar-se caso m orresse nesta cidade

Tal com o em Coim bra,

instituiu aí uma capela, onde seriam celebradas para sempre, diariam ente,

as horas canónicas e uma m issa de

requiem com o ofício de defuntos, por

sua alm a e de M artim Eanes de Formoselha. Pedia três orações: “Deus cui

proprium ” . “Inclina D om ine” . “Fidelium Deus”. Para além disso, d eter­

m inava que se fizessem dois aniversários, um no dia em que m orresse,

outro na data de falecim ento do tio, com solene missa de

requiem no coro

da Sé. que devia incluir o responsório dos defuntos e uma procissão com

água benta. Em cada um destes aniversários, cinco libras seriam distrib uí­

das pelos cónegos e porcionários presentes, bem com o pelos pobres e

enferm os de Viseu. Para cobrir todas as despesas, doava ao cabido os seus

bens de Routar e Vila Chã,

110

concelho de Viseu, uma casa nessa cidade

e uma alm uinha no Prado.

A quinta de O veco, que recebera, com o vimos, de sua sobrinha

Sancha G arcia, era deixada aos filhos João e Egas enquanto vivessem ,

juntam ente com cem libras destinadas a fazer uma nova e boa adega na

propriedade. A quinta passaria para a posse do cabido após a morte dos

dois irm ãos, obrigando-se os cónegos a celebrar todas as quintas-feiras,

no coro. uma missa de

requiem por alma de Lourenço Esteves. que ter­

minaria com um a procissão sobre o seu túmulo, caso aí estivesse e n te r­

rado; se tal não sucedesse, uma oração com o responsório dos defuntos

finalizaria a cerim ónia.

Ao cabido de Braga, o chantre de Viseu deixava todo o seu patrim ó­

nio situado a norte do Douro. Em troca, pedia três aniversários com missa

de

requiem oficiada no coro da catedral, por alma de seu tio chanceler,

dos pais e dele próprio.

(14)

8 8 M A R I A D O R O S Á R I O M O R U J Ã O / A N ( S I O M I G U E L S A R A IV A

Apenas as canónicas beneficiadas tiveram a preocupação de co n ser­

var o texto que consignava os legados recebidos e as obrigações de an i­

versários e missas que aqueles impunham. Por isso, não chegou eco aos

nossos dias de nenhuma das outras disposições estabelecidas.

O testam ento não mencionava, ao que parece, o nome daqueles a

quem Lourenço Esteves confiava o cum prim ento das suas últim as vonta­

des. Procedeu-se. por isso. a uma inquirição a esse respeito, pouco tem po

após a sua morte

os vigários do bispo de Coim bra interrogaram d iver­

sos eclesiásticos que tinham visitado o chantre no dia em que m orrera,

incluindo o cónego que a seu mando ditara o testam ento e o escrivão que

o passara a escrito. Os testemunhos concordantes m ostravam que o m ori­

bundo tinha escolhido para testam enteiros dois cónegos viseenses. Durão

M artins e Gil Tiago. Na sequência deste inquérito, am bos foram reconhe­

cidos pela audiência episcopal como legítim os executores do testam ento

de Lourenço Esteves e actuaram no desem penho dessas funções em

número considerável de documentos, até ao ano de 1324.

A m aterialidade do quotidiano

A “visibilidade da existência” M de Lourenço Esteves ultrapassa lar­

gamente os poucos legados que as cláusulas conhecidas do seu testam ento

referem , dado terem sobrevivido vários inventários que nos elucidam

sobre o recheio das quintas de Formoselha e Parada na altura em que rece­

beu a sua posse e das suas casas de Coim bra ao tem po da sua morte.

Docum entos de uma riqueza invulgar, que nos perm item percepcionar um

pouco m elhor o modo de vida deste nobre eclesiástico w.

*' A cerca dessa inquirição e da actuação dos testam enteiros de L ourenço Esteves, vid. prosop. item III: 2.4.

Seja-nos perm itido parafrasear o sugestivo título do trabalho de M aria H elena da C ruz C oelho e Leontina Ventura. “O s bens de Vataça: visibilidade de uma existência".

Revista de H istória das Ideias, C oim bra, 9 (2), 1987. p. 33-77.

Na identificação dos objectos contidos nestes inventários seguim os diversos glossários, incluídos nos seguintes trabalhos: M aria Helena da Cru/. C oelho e Leontina Ventura. “O s bens de V ataça...", p 72-77: M aria H elena da C ru / C oelho. "O senhorio crú- zio do A lvorge na centúria de T rezentos", in H omens, espaços e poderes. Séculos XI-XVI,

II - D om ínio Senhorial, Lisboa. 1990. p. 88-92; idem . “ H om ens e N egócios” , in Ó cio e N egócio, C oim bra. 1998, p. 197-202: M aria José A zevedo Santos, “ As origens do m os­

teiro de S. Paulo de A lm aziva", in Vida e m orte de um m osteiro cistercienxe. S Paulo de

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41-O C H A N T R E DE V ISEU E C Ó N E G 41-O DE C 41-O IM B R A L41-OUREN(,X> ESTEV ES D E I 41-O R M 41-O SE L H A 8 9

Em 1298. Lourenço Esteves recebera com o herança de M artim Eanes

parte da quinta de Form oselha, com posta por casas, vinhas, herdam entos

e uma adega M. Nesta encontravam -se seis cubas vazias, duas tinas, um

tonel e duas pipas. Na quinta existia um grande número de anim ais: uma

égua. um boi. quatro vacas com seus vitelos, dois jum entos, catorze po r­

cas. dois porcos, três bácoros, três leitões pequeninos, duas ovelhas, três

carneiros, cinco patos e vinte e quatro patas. Trinta e cinco lusais de linho

gram ado *\ íim moio e treze alqueires de cevada, uma foice, um m achado,

duas cadeias de barco (recordando-nos a proxim idade do rio M ondego) e

um leito grande com pletavam o conjunto de bens entregues ao clérigo.

No m esm o ano. entrara em posse das casas, vinhas, herdades e árvo­

res que form avam a quinta de Parada, em Carregai do Sal

Do espólio

constavam quatro cubas vazias para vinho, duas também vazias d estin a­

das a pão, cinco tinas, outra cuba, duas m asseiras velhas, três talhas e

ainda duas “cõyas" de m assa

Q uatro arcas, outra arca sem cobertura,

três mesas e dois escanos form avam o conjunto de móveis m encionados.

Seis escudelas e dois talhadores constituíam a louça de mesa. Várias

alfaias para o trabalho agrícola são descrim inadas: cinco arados desig n a­

dos por “aradoyras”, seis sachos, duas foices, uma foice roçadeira, três

foices setoiras, uma serra britada, uma podadoura **. Uma lança longa

recordava que a quinta pertencera a um cavaleiro. Entre os anim ais c o n ­

tavam -se nove ovelhas e um carneiro, treze cabras, cinco cabritos e oito

-53; A na Paula F igueira Santo* e A nísio M iguel de Sousa Saraiva. "O patrim ónio da Sé de Viseu segundo uni inventário de 1331” . R evista Portuguesa de H istória. C oim bra. 32. 1997-98. p. 11 6 -133. M uito úteis foram tam bém o trabalho de M aria da C o n ceição F alcão Ferreira. “ R oupas de cam a e roupas do corpo nos testam entos de G uim arães ( 1250/1300)” .

R evista da F aculdade de Letras. H istória. Porto. 2' série, 14. 1997, p. 33-63; e a ineon-

lornável e clássica obra de A. 11. de O liveira M arques. A sociedade m edieval p o rtu g u esa , 5* ed ., L isboa. 1987.

w Vid. prosop. item VII: 1.1.

w T rata-se do linho trilhado pela gram adeira antes de ser espadelado; vid. "G R AM A- D EIRA ” e "G R A M A R ", in G rande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. T. X II. p. 679.

“ Vid. prosop. item V II: I I.

Pensam os que as "cõ y as" podiam ser uma espécie de vasilha ou recipiente; elr "C O IN A " e "C U IA ", in G rande Enciclopédia P ortuguesa e Brasileira, T. VII e V III. p. 96 e 208.

*• P odem os co m parar este conjunto de alfaias agrícolas com os apresentados por M aria H elena da C ruz C oelho. O Baixo M ondego nos fin a is da Idade M édia (Estudo de

h istória rural). 2" ed.. vol. I. C oim bra. 1989. p. 213; e idem . “O senhorio crü/.io do

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M A R IA D O R O S Á R I O M O R L M Â O / A N l S I O M ICJUH1. S A R A IV A

patas. Mas m uito mais existia na propriedade, e tinha sido indevidam ente

entregue a Lourenço Eanes. Entre esses bens, cuja devolução o sobrinho

reclam ava, contavam -se mais móveis (quatro arcas, duas uchas, dois

escanos e quatro mesas); recipientes e m edidas (seis cubas, cinco tinas,

um cubo. um barril, duas talhas, três cestas, dois cestos de m ão, uns sei-

rões); muitos utensílios dom ésticos e agrícolas (um alm ofariz, designado

por m orteiro, três caldeiras, uns ferros dc caldeira, uma sertã. quatro

enxadas, três podadoiras. uma enxó, cinco foicinhas. seis ferros de arado,

seis sachos, uma foice dc segar, duas outras foices, umas tesouras, um

machado, um escopro); animais (quinze cabras, nove ovelhas, duas patas,

quatro bois que deviam provavelmente ser atrelados a dois carros de que

Lourenço Eanes se tinha também apoderado). Levara consigo roupas de

cama (um almadraque e uma almocela, ou seja, uma manta) e do corpo

(um cerom e, espécie de manto; uma garnacha. manto mais curto, feito de

cham alote; e umas calças, correspondentes a meias altas). Um cabrestel de

cavalo e umas rédeas com suas cabeçadas serviriam para a m ontada de

Martim Eanes, e estavam na posse do irmão, tal com o a sua arm adura e as

armas (umas solhas de corpo, um lorigo e uma loriga que andavam em

quatro partes, um cutelo do corpo e duas lanças)

Também em Coim bra se tinha Lourenço Eanes apossado indevida­

mente de num erosos bens: duas mulas, uma égua, dois asnos e um rocim;

diversos móveis (dois leitos, duas mesas, três arcas); recipientes vários

** Sobre estas peças dc equipam ento guerreiro, vid. João G ouveia M onteiro. A

guerra em P ortugal nos fin a is ila Idade M édia. Lisboa, 1998. A solha ou couraça era uma

peça de protecção do tronco do cavaleiro, difundida na Península Ibérica a partir de m ea­ dos do século X III; era feita de couro “fervido", acolchoada e forrada por dentro com telas de estopa entre as quais se em butiam lâm inas de ferro (p. 537-538). A loriga era outra peça de arm am ento defensivo, feita de elos m etálicos; era especialm ente característica do e q u i­ pam ento dos guerreiros dos séculos XII e XIII. O lorigo indicado no docum ento c o rre s­ ponderia talvez ao lorigão. que diferia da loriga. ao que parece, apenas no com prim ento, já que era um pouco m ais com prido, cobrindo o corpo até abaixo da cintura (p. 543). O cutelo era uma arm a de origem cam ponesa, usada nos com bates da peonagem ; feito de ferro, tinha uma lâm ina m uito resistente de um só gum e (p. 538). A lança era a arm a o fe n ­ siva por excelência dos cavaleiros m edievais (p. 544). V árias im agens de peças destes tipos encontram -se reproduzidas e com entadas em P era guerrejar. A rm am ento m edievaI

no espaço português. C atdlogo da exposição, coord. científica de M ário Jorge B arroca e

João G ouveia M onteiro, Palm eia. 2000. p. 258-261 (lo n g a s). 2 6 9 -2 7 1 (couraças), 349-360 (pontas de lanças). Sobre o assunto, veja-se tam bém o trabalho de M ário Jorge B arroca incluído neste m esm o catálogo, nas p. 37-110. intitulado “ A rm am ento m edieval p o rtu ­ guês. N otas sobre a evolução do equipam ento m ilitar das forças cristãs".

(17)

O C H A N T R E DE V IS E li E C Ó N E G O DE C O IM B R A L O U R EN Ç O E STE V E S D E FO R M O S E L H A 9 1

(um a pipa para vinho, duas m asseiras, uma tina para farinha, uma ferrada,

um açafate, duas cestas, uns alforges e três argãs, que eram tam bém uma

espécie de alforges, dois sacos em que andava a cama de M artim Eanes,

duas redes para palha); roupas de casa (um alm adraque. uma cócedra. que

seria outro colchão, uma alm oeela); num erosos utensílios dom ésticos

(uma caldeira, uma sertã. um acéter. vinte escudelas e uni talhador p in­

tado) e agrícolas (duas enxadas, um m achado, três fusos de lagar de

azeite, uns ferros de muro, um ferro de vessadoiro 70). D estaquem -se

ainda, entre outros objectos de que o cavaleiro se apoderara, uma espada,

duas lanças e um carro. Espólio de propriedades urbanas pouco diferente,

afinal, do que vimos existir nas quintas: a ruralidade invadia então o

espaço citadino. A principal diferença consiste na ausência, entre os bens

tom ados pelo cavaleiro na cidade, de animais para além das m ontadas.

Os róis descritos correspondiam a conjuntos de bens que Lourenço

Esteves recebeu de outrem , não aos seus próprios pertences. Esses são­

-nos dados a conhecer através de um precioso e detalhado inventário, e la ­

borado quando, um a sem ana após a morte do dignitário viseense, os c ria ­

dos entregaram aos seus testam enteiros tudo quanto ele conservara na sua

casa de Coim bra, sita na Rua dos Peliteiros 7I. A m edida que os criados

m ostram o que tinham levado para a morada de D. Pedro M artins, c h a n ­

tre de Coim bra, "por m oor goarda tem endo se de alguum que lhes filh as­

sem ”, e. já na casa do falecido, conduzem os testam enteiros desde as

cavalariças à câm ara de Lourenço Esteves. ao sobrado e à adega, dão-nos

a conhecer todo um vasto conjunto de objectos e animais

N as cavalariças encontravam -se três mulas, uma baia e duas m urze-

las. com os respectivos arreios. Uma delas era a m ontada habitual do

7,1 Sobre este tipo de arado, correspondente provável do arado quadrangular. vid. M aria H elena da C ruz C oelho. O B aixo M o n d eg o ..., vol. I, p. 209-212, que nos esclarece sobre a eficácia deste instrum ento agrícola, cujo uso no século XIII se d ev ia c irc u n sc re ­ ver aos dom ínios de proprietários m ais abastados.

'' A Rua dos Peliteiros. onde trabalhavam os hom ens deste m ester, situava-se fora das m uralhas de C oim bra, no arrabalde, entre a igreja de Santiago, a cu ja freguesia p e r­ tencia. e o rio M ondego: cfr. L uísa Trindade. A caso urbana em Portugal: séculos X IV a

XVI . C oim bra. 2000, p. 102 (provas de capacidade científica, policopiado).

n Vid. prosop. item VII: 3. A extraordinária riqueza e singularidade deste in v en tá­ rio, que se conserva no A rquivo D istrital de Viseu, foi já reconhecida por José A ugusto de S otto M ayor P i/a rro . que. na sua tese já por diversas vezes citada. L inhagens m e d ie v a is.... vol. 2. p. 434. nota 55. anuncia a sua publicação. Por este m otivo, não incluím os a sua transcrição no anexo que acom panha este artigo, nem estudam os com a exaustividade que m ereceria este tão im portante docum ento.

(18)

9 2 M A R I A D O R O S A R I O M O R U J Â O / A N Í S I O M I G U E L S A R A IV A

chantre de Viseu; noutra costum ava andar o seu açoreiro. Uma outra

mula, russa e nova. tinha sido roubada pelo filho do falecido, no saque

que fizera a casa do pai ” . No interior desta existiam mais arreios: dois

pares de cabeçadas de freios, umas rédeas, um as cabeçadas novas, dois

couros de estribeiras. Um ferram ental. com posto por turqueses, um cutelo

de ferrar e um martelo, servia certam ente para tratar das ferraduras das

montadas.

A habitação continha várias peças de m obiliário, de entre as quais se

destacam as arcas, móvel por excelência da casa m edieval 74. Em sete

uchas de diferentes m ateriais e tam anhos e numa arca grande guardavam ­

-se os mais variados objectos; roupa, cartas, especiarias, candeias de sebo,

dinheiro, escudelas e talhadores. Havia ainda dois leitos de cam a. quatro

mesas, uma tábua grossa de pinho e uns pés de mesa. sete bancas, um

escaninho com duas fechaduras, dentro do qual se encontravam dois esca­

ninhos pequenos e cartas. Um alm ofreixe novo era, com certeza, a mala

onde Lourenço Esteves transportava os seus haveres quando viajava.

Os recipientes eram muitos e de diversas categorias: barris, pipas,

tonéis, odres, potes, tinas de madeira, sacos para farinha, ferradas para o

leite, cortiços, seirões, cestas, sacos, correios. M ultiplicavam -se os utensí­

lios de uso comum na cozinha e à mesa: sertãs, caldeiras, masseiras, um

tacho para água, uma trempes. um espeto de ferro, bacias, acétercs. Entre

inúmeros objectos de natureza diversa, destacam -se. pela sua singulari­

dade. duas cadeias para podengos, com ramal, que se juntam à referência,

já citada, a um açoreiro ao seu serviço para nos revelar o gosto do chantre

de Viseu pelas actividades venatórias \ Os m etais preciosos estavam pre­

sentes em jóias (dois anéis de ouro, um com safira e outro com diam ante),

taças e colheres de prata.

As roupas de casa abundavam, traduzindo o conforto da habitação: col­

chões, conhecidos como almadraques, chumaços e cócedras: numerosas

” Vid. prosop. itcni III: l .l .

74 Vid. M aria H elena da C ruz C oelho. "H om ens e N egócios", p. 151 - 152 c A. H. dc O liveira M arques. A sociedade m ed ieva l.. .. p. 79-80.

77 Um lal gosto dem onstra bem a sua categoria de nobre, já que este grupo social linha a caça com o uma das suas actividades predilectas. Pelos objectos descritos, podem os im aginar facilm ente L ourenço Esteves m ontando a cavalo, acom panhado pelos seus podengos, caçando com a ajuda de aves de rapina de que o seu açoreiro se ocupava. Sobre a caça na Idade M édia. e. especialm ente, com o desporto de nobres, vid. A. H. de O liveira M arques. A sociedade m ed ieva l.... p. 185-190; e M aria H elena da C ruz C oelho c C arlos G uilherm e Rilcy, "S obre a caça m edieval". Estudos M edievais. Porto, 9, 1988. p. 221-267.

(19)

O C H A N T R E D E V ISE I) E CÓNECK) DE ( O IM B R A l.O U R E N Ç O ESTEVES DE EOKM OSE1-HA 9 3

alm ofadas, designadas por faceiros e cabeçais; cobertores, um de laranjo

que fazia parte da cam a do chantre legada ao cabido de Coim bra, vários

grossos com o os actuais cobertores de papa, chamados alfâm bares; col­

chas arroxeadas e brancas, almocelas; toalhas e mantéis; tecidos vários,

imperando o linho ou bragal. Realce-se a existência de lençóis, objectos de

grande luxo e de uso pouco generalizado em Portugal naquela altura 7fc.

Riqueza e abundância transparecem também do elenco dos seus trajes.

Tinha ele três mantos, um de tecido florentino, outro de pano de Ypres, o

terceiro de bifa com cendal; quatro pelotes, espécie de vestido sem m an­

gas e com grandes cavas, um de sarja de Florença e outro claro, feito dc

pano de Ypres. ambos forrados ou guarnecidos com pele, denom inada

pena genovesa, um de bifa violada, outro ainda de “ensay" preto 77. Um

tabardo, espécie de m anto ou capa, feito de “m arvi” , fazia conjunto com

um capeirão do mesmo rico tecido de lã flam engo, que cobriria a cabeça

de Lourenço Esteves 7\ Uma m urça de bruneta. tecido escuro, era forrada

a “pena veyra". que parece corresponder à pele castanha averm elhada do

esquilo

19. Havia ainda uma saia. túnica de amplas mangas, já velha.

Com plem entavam as vestes cintas (uma de seda com fivela e pregos de

prata, outra de couro com parcho verm elho), uma algibeira (velha), dois

pares de luvas, barretes vários. Roupas feitas de tecidos estrangeiros, por

vezes forradas a pele. coloridas, vistosas, caras, mais próprias de um

nobre do que de um hom em do clero, que devia trajar de m odo sóbrio e

discreto

As únicas peças de vestuário eclesiástico m encionadas são

uma capa de coro de “ensay” e três sobrepelizes.

Deixámos para último lugar um especial conjunto de bens. reveladores

de Lourenço Esteves com o homem de saber ' . Tinha em sua casa quatro

Vid. A. H. de O liveira M arques. A sociedade m ed ieva l.... p. 77.

M aria dei C arm en M artin e/ M eléndez, Los nom bres de lejidos en C astellano

M edieval. G ranada. 1989. p. 73-75 e 558 identifica "en say ” com um tecido de lã fabricado

na Flandres, em locais com o B ruges. Ypres. G and e Tournai.

Segundo M aria dei C arm en M artin e/ M eléndez, ob. cit., p. 121-122. "m arb í" ou "m arv i” . com o é grafado no docum ento, é um tecido de lã de grande qualidade, o rig in á ­ rio de L ovaina, M alines e B ruxelas, decorado com listas que lhe conferiam um aspecto m arm oreado, e utilizado, entre outros fins. para co nfeccionar tabardos.

^ C om o explica A. H. dc O liveira M arques, A sociedade m e d ie v a l.... p. 33. * A ssim m andavam as leis canónicas, já se enunciando no cânone 4 do II C oncílio dc Latrão, em 1139. que todo o eclesiástico devia evitar vestuários vistosos e fora do n o r­ m al; cfr. R aym onde Forevillc. Latran I. II. III et Latran IV. vol. 6 de H istoire des C onciles

Œ cum éniques. Paris. 1965. p. 92.

(20)

9 4 M A R I A D O R O S Á R I O M O R U J À O I A S I S I O M I G U E L S A R A IV A

cadernos de “carneyro raso”, catorze dúzias c mais duas peles de "pur-

gam ynho de cabritas pera livro", umas tábuas de cera com bainha. Se os

cadernos e as peles se podiam destinar á escrita de outrem que ele enco ­

mendaria, já as tabuinhas enceradas m ostram , inequivocam ente, o seu

próprio interesse em tirar apontam entos, em escrever. Juntam -se estes ele­

m entos ao notável conjunto de obras de Direito que possuía

com posto

por umas Decretais de Gregório IX

umas D ecretais Novas, de

Inocêncio IV e Gregório X, com glosa; três exem plares do Livro Sexto

das D ecretais, um dos quais glosado; uma

Summa de Pero Bontle\ um

Reportório; um Com postelano com caderno de D istinções; uma

Summa

Codicis de Azon; uma Summa Decretalium do professor de Bolonha

Pedro de Sam pson. Um Breviário constante da lista tanto podia ser um

livro litúrgico como uma obra jurídica 1,4. Também neste conjunto se

encontravam um Decreto de G raciano com glosas e um a

Summa

Decretorum de Huguccio de Pisa. que pertenciam ao cabido conim bri-

cense. ao qual tinham sido deixados por D. Egas Fafes *; os testam entei­

ros apressaram -se a devolver estes dois m anuscritos à canónica.

Todas estas obras constituem prova dos seus estudos de Direito.

Desconhecem os, porém, que universidade frequentou

Sabemos que. por

1292. Lourenço Esteves se encontrava a estudar; a sua ausência de Viseu

para estudos e negócios familiares fora a justificação apresentada ao

declinar o cargo de juiz apostólico para o qual tinha sido nom eado nesse

ano. Formulamos a hipótese de ter cursado Direito em Salam anca, onde

seu prim o João Fernandes de Urgeses falecera, por volta de 1270/71 *7;

não encontrám os, contudo, qualquer referência docum ental que perm ita

verificar a nossa intuição.

Vid. prosop. item VIII: 2.

" Talvez fossem aquelas que Lourenço E steves entregara com o penhora, pelo em préstim o de 150 libras, a D. Pedro M artins, bispo de C oim bra; vid. prosop. item VII: 2.5.

u A ssim indica Isaías da Rosa Pereira. “L ivros de D ireito na Idade M édia 11“ .

Lusitania Sacra, L isboa. 8. 1970. p. 81-96. nu p. 85.

De facto, constam do testam ento de D. Egas (vid. L ivra das K alendas. vol. I. p. 198-203) estas obras que, juntam ente com outras, o bispo m andava guardar no tesouro da catedral e em prestar, m ediante uma caução cm dinheiro, a cónegos seus fam iliares que estivessem a estudar. Este passo do testam ento é tam bém publicado c com entado por Isaías da R osa Pereira. “L ivros de D ireito nu Idade M édia". L usitania Sacra. Lisboa. 7.

1964-1966. p. 7-60, na p. 22. “ Vid. prosop. item VIII: I. ' Vid. prosop. item II. 1.3.

(21)

O C H A N T R E D E V IS E I' E C Ó N E G O DE C O IM B R A I.OUR1.NÇO ESTEV ES D E EORM OSHI HA 9 5

A im a g e m fin a l

Por vários prism as olhám os Lourenço Esteves.

Seguim os o seu percurso de clérigo secular, cum prindo um

cursas

honorum que o conduziu à dignidade de chantre na catedral de Viseu e à

obtenção de uma sem pre apetecida conezia no prestigiado e rico cabido

da Sé de Coim bra. Foi, sem dúvida, auxiliado na sua carreira pela posi­

ção social que ocupava, garantida pela rede de relações fam iliares eni que

se inseria.

Nobre, nascera no seio de uma linhagem que, não sendo de prim eira

grandeza, era aparentada com alguns dos mais ricos e influentes senhores

da segunda m etade de Duzentos. Entre todos os laços fam iliares que e x a ­

m inám os, afigura-se-nos com o fundam ental a ligação m uito próxim a ao

chanceler de Afonso III. Também a herança dos bens do tio M artim Eanes

determ inou o seu futuro com o homem poderoso e rico e com o figura c e n ­

tral da linhagem dos Urgeses / Formoselha.

Concentrou nas suas mãos um vasto patrim ónio, pelo qual pugnou

com energia. Situado em bora especialm ente na zona centro do país, avan­

çava tam bém para o M inho, para a zona de Santarém e para o A lentejo.

Era constituído por propriedades urbanas, em Coim bra e Santarém , mas,

sobretudo, rústicas: a lezíria da Atalaia, as quintas beirãs de Form oselha.

Parada e O veco form avam o núcleo forte dos seus dom ínios. Os inventá­

rios dessas explorações m ostram -nas bem equipadas, proporcionando

com certeza bons rendim entos ao seu proprietário.

Acrescentem os que em seu redor gravitava uma considerável clie n ­

tela. form ada por seis procuradores, sete escudeiros, vários hom ens seus

fam iliares, seis eclesiásticos que se diziam clérigos seus (um dos quais o

futuro bispo de Viseu e chanceler do reino D. Miguel Vivas), dois m or­

dom os. dois criados que guardavam os seus bens e casas em Coim bra ,K.

Era um senhor, um nobre, e com o tal vivia, no conforto das suas casas,

rodeado pelos seus dependentes, trajando rica e variadam ente, caçando a

cavalo com açores e podengos.

D escobrim o-lo culto e interessado pela escrita, com conhecim entos

de Direito que o ajudaram , decerto, a vencer os muitos conflitos em que

se viu envolvido ao longo da vida e a desem penhar convenientem ente as

funções de ju iz que o poder apostólico, por várias vezes, nele delegou.

(22)

M A R I A D O R O S Á R I O M O R U J À O / A N Í S I O M I G U E L S A R A IV A

O uvim os, numa nota de hum anidade que a docum entação medieval

raras vezes perpetua, um dos seus criados descrever com o ele, doente e

só, assistira de candeia na mão, impotente, ã pilhagem a que um dos seus

filhos procedia na sua morada. Vimo-lo à hora da m orte, jazendo no leito,

rodeado por eclesiásticos, dispondo dos seus haveres, pedindo orações e

m issas para si e para quem o protegera, preparando a passagem para o

outro mundo. Vislumbrámo-lo na sua casa já vazia, mas onde a sua pre­

sença ainda se fazia sentir em todos os objectos que o tinham acom pa­

nhado ao longo da vida.

Foi Lourenço Esteves um entre m uitos eclesiásticos. Foi também um

homem único, uma figura irrepetível. que graças à sua tenacidade e deter­

m inação se destaca hoje, tal com o acontecera no seu tem po, do colectivo

da clerezia medieval portuguesa.

Referências

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