• Nenhum resultado encontrado

Como a família contribui com o processo de violação de direitos de usuários com deficiências na APAE de Ijuí

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Como a família contribui com o processo de violação de direitos de usuários com deficiências na APAE de Ijuí"

Copied!
56
0
0

Texto

(1)

SILVANA SIMINOVSKI OSS

COMO A FAMÍLIA CONTRIBUI COM O PROCESSO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE USUÁRIOS COM DEFICIÊNCIAS NA APAE DE IJUÍ

Ijuí (RS) 2012

(2)

COMO A FAMÍLIA CONTRIBUI COM O PROCESSO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE USUÁRIOS COM DEFICIÊNCIAS NA APAE DE IJUÍ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais (DCJS), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social

Professor: MSc. José Wesley Ferreira

Ijuí (RS) 2012

(3)

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof.José Wesley Ferreira, essencial para a realização do presente trabalho.

A minha filha Vitória, pela compreensão de minhas ausências, pelo carinho e amor transmitidos.

A todos os profissionais da APAE, que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigada!

(4)

LISTA DE SIGLAS

APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais BPC - Benefício de Prestação Continuada (BPC)

(5)

RESUMO

Este estudo discute a contribuição da família no processo de violação de direitos de usuários com deficiências da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Ijuí, que pode ocorrer através do preconceito, da discriminação, abandono, negligência, maus tratos, cerceamento da liberdade, superproteção, e que impossibilitam a pessoa com deficiência ter autonomia e o exercício de sua cidadania. A pesquisa realizada foi do tipo qualitativa. Foram utilizadas as técnicas de entrevista semiestruturada para a coleta de informações, e de análise de conteúdo para o processo analítico. Os sujeitos pesquisados foram 5 profissionais de diferentes áreas que trabalham na APAE de Ijuí, sendo quatro do sexo feminino e um do sexo masculino. As entrevistas ocorreram em dezembro de 2012. O método adotado foi o dialético-critico, que possui como categorias centrais a totalidade, a historicidade e a contradição. Como resultado de pesquisa, identificou-se que a forma como a sociedade se organiza não permite a inserção da pessoa com deficiência, visto que os processos sociais decorrentes da estrutura econômica da sociedade padroniza os sujeitos, os gostos, a estética, e o deficiente é visto como anormal. Estes processos sociais se interpenetram nos processos particulares, ou seja, nas relações familiares e favorece o assujeitamento da pessoa com deficiência, porque a própria família não reconhece seu membro com deficiência como uma pessoa que pode se inserir na sociedade.

(6)

ABSTRACT

This study discusses the role of the family in case of violation of rights of disabled users of the Association of Parents and Friends of Exceptional Children (APAE) of Ijuí, which can occur through prejudice, discrimination, abandonment, neglect, abuse, restriction of freedom, overprotection, and that prevent disabled people have autonomy and the exercise of citizenship. The research was qualitative type. Techniques were used semi-structured interviews to collect information, and content analysis for the analytical process. Study subjects were 5 professionals working in different areas of APAE Ijuí, four females and one male. The interviews took place in December 2012. The method was dialectical-critical, as it has all core categories, historicity and contradiction. As a result of research, we identified that the way society is organized not allow the inclusion of people with disabilities, as social processes arising from the economic structure of society standardizes the subject, tastes, aesthetics, and the poor is seen as abnormal. These social processes interpenetrate in particular processes, ie, family relationships and favors the subjection of people with disabilities, because it does not recognize his own family member with a disability as a person who can insert themselves into society.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 QUESTÃO SOCIAL E FAMÍLIA ... 8

1.1 As relações familiares nas quais se inserem pessoas com deficiências ... 15

1.2 As expressões da Questão Social de famílias com pessoas com deficiências ... 19

2 METODOLOGIA... 23

3 ANÁLISE DE DADOS ... 27

3.1 Caracterização dos sujeitos ... 27

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 45

REFERÊNCIAS... 48

(8)

INTRODUÇÃO

A história evidencia que sempre existiu discriminação contra grupos de pessoas menos favorecidas e vulneráveis, como mulheres pobres, negras, indígenas, pessoas com deficiências, indivíduos com HIV e homossexuais. Apesar das lutas sociais em favor dos direitos humanos, as pessoas com deficiências são os indivíduos que mais sofrem violações de direitos, sendo discriminadas por serem consideradas incapazes, devido às limitações que suas deficiências lhes impõem.

A violação de direitos se manifesta dentro da família, e ocorre através de várias situações que evidenciam violência doméstica e intrafamiliar, como agressão física, psicológica e/ou sexual. Também ocorre em situações que evidenciam abandono, negligência, maus tratos e cerceamento da liberdade, ou superproteção, não permitindo ao usuário ter autonomia e vida social. Desta forma, as pessoas com deficiências, além de se encontrarem em situação de vulnerabilidade, também estão em situação de invisibilidade para a família e sociedade. Isso acontece pela falta de credibilidade, por não serem ouvidos, ou por não lhes ser dados a devida atenção. A família e a sociedade não acreditam em seu discurso devido às limitações que apresentam. Mesmo àqueles que têm condições de relatar alguma situação de violação de direitos não é dada atenção ao seu discurso, sendo entendido como uma “fantasia”, algo da sua imaginação.

A família, que tem como pressuposto o cuidado e a proteção de seus membros, muitas vezes se encontra fragilizada e vulnerabilizada, desta forma, impossibilitada de cuidar e proteger seus filhos com deficiências.

(9)

1 QUESTÃO SOCIAL E FAMÍLIA

No exercício de seu trabalho, os Assistentes Sociais se deparam com as mais variadas expressões da questão social, como a violência com pessoas com deficiências, o abandono, desemprego, trabalho precarizado, o não acesso à saúde, à educação (FERREIRA, 2008).

Os Assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc. Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e á ela resistem e se opõem (IAMAMOTO, 2001, p. 28).

A questão social surgiu a partir da situação de miserabilidade da classe trabalhadora. No período de constituição do modo capitalista de produção foi ocorrendo uma série de mudanças, como a migração da população das zonas rurais para as zonas urbanas, a superação da escravidão etc. A sociedade passou a ser dividida em duas classes antagônicas. Segundo P. Netto (2001, p. 43),

A questão social emergiu do pauperismo da classe trabalhadora na Europa Ocidental, no período do surgimento da industrialização. As lutas dos trabalhadores obrigaram o Estado a assumir a responsabilidade pela mediação do conflito de classes. A revolta dos trabalhadores deu visibilidade para as suas condições de vida, que eram precárias, e contribuiu para que elas fossem reconhecidas como questão social.

Os capitalistas aplicam seu dinheiro em fatores de produção, com o objetivo de produzir mercadorias. Estes fatores dividem-se em capital constante e variável. O capital constante é formado pelos meios de produção e matérias-primas, e o capital variável é a força de trabalho que, juntamente com os meios de produção e matérias-primas, possibilita a produção de mercadorias. O que é pago pelo burguês para obter capital constante é reposto integralmente. Já o valor pago pela força de trabalho é pago parcialmente, pois o trabalhador não recebe por todas as horas trabalhadas. Estas horas não pagas ao trabalhador formam a mais-valia que é o lucro do capitalista (FERREIRA, 2008).

A contradição expressa no capitalismo é visível. Quanto mais a tecnologia avança, mais vulnerabilizadas ficam as condições de trabalho e de vida dos

(10)

trabalhadores. Quanto mais produzem, maior é sua situação de miserabilidade, ou seja, não tem acesso ao que é produzido (apenas uma pequena parte) pelo seu trabalho. Já os proprietários dos meios de produção se tornam cada vez mais poderosos, pois não socializam a riqueza produzida pelos trabalhadores.

Diante disto, a exploração do trabalho pelo capital produz a desigualdade social, o que constitui a questão social. Esta se diferencia de outras demandas sociais precedentes à ordem burguesa pelo fato de que na sociedade capitalista, na mesma proporção em que se produz riqueza, se produz o pauperismo dos trabalhadores. A pressão dos trabalhadores faz o contraponto - as resistências. A classe trabalhadora organizada pressiona o Estado a assumir as demandas dessa classe como questão social (FERREIRA, 2008). É neste campo que ocorre o trabalho do Assistente Social, respaldado pelo Projeto Ético Político da Profissão, compreendendo como a questão social é vivenciada pelos cidadãos em suas vidas. Conforme aduz Silva (2012, p. 7),

O assistente social como um profissional que tem como seu objeto de trabalho as necessidades sociais, deve intervir nas expressões da Questão Social. Estas expressões da questão social rebatem no campo como uma consequência do sistema que fundamenta o capitalismo, aparece no sujeito individual e/ou coletivo em situação de vulnerabilidade social e pessoal, e é no âmbito da família que se encontram o maior número de demandas, e é nela também que deve estar a ação do Assistente Social.

Os Assistentes Sociais buscam compreender como os processos que decorrem da estrutura econômica da sociedade produzem a questão social e a forma como se manifestam na vida dos usuários com deficiências, por exemplo, que têm seus direitos violados de todas as formas possíveis (FERREIRA, 2008).

Na contemporaneidade as expressões da questão social que rebatem na família se tornou objeto de intervenção dos Assistentes Sociais. Historicamente, a família sempre foi um lugar de refúgio, cuidado e proteção. Sabe-se que o grupo familiar exerce um papel fundamental na vida dos usuários. É nesta instância que podem existir laços consanguíneos, ou não, que o sujeito desenvolve sua personalidade, identidade e sentimento de pertencimento. Conforme define Simões (2010, p. 190-191),

(11)

A família constitui a instância básica, na qual o sentimento de pertencimento e identidade social é desenvolvido e mantido e, também, são transmitidos os valores e condutas pessoais. Apresenta certa pluralidade de relações interpessoais e diversidades culturais, que devem ser reconhecidas e respeitadas, em uma rede de vínculos comunitários, segundo o grupo social em que esta inserida.

A situação de abandono, negligência e maus tratos às crianças e adolescentes têm trazido à tona o discurso sobre a importância da família no contexto de vida dos sujeitos. Cada vez há mais programas de enfrentamento destas questões. No Brasil, estes programas são preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tem como objetivo a garantia do direito à vida familiar e comunitária (MIOTO, 2001). Estes programas se destacam no sentido de uma revalorização da família, como lugar de busca de condições materiais de vida, de proteção, de solidariedade, e de identidade, porém, sob o rótulo de programas de apoio às famílias estão sendo construídas as mais variadas propostas, relacionadas aos setores da sociedade civil e do Estado (MIOTO, 2001).

Muitos programas ainda se situam nos princípios normatizadores e assistencialistas já ultrapassados, que ainda culpabilizavam os indivíduos pela situação de vulnerabilidade social e econômica em que se encontravam, pela dificuldade nos cuidados básicos de proteção e cuidado dos filhos, enfim, por todo o contexto de miséria e dificuldades.

As relações entre família e Estado têm sido objeto de estudos em diferentes áreas do conhecimento. Muitos autores afirmam que, apesar da importância da centralidade da família na vida dos sujeitos, têm ocorrido uma prática de negação deste reconhecimento, através de uma penalização e culpabilização da família pelas Instituições.

Diante desta parceria, se desenvolveu uma cultura assistencialista no que se refere às políticas e serviços destinados a proporcionar a sustentabilidade à família como unidade. Estas políticas estão fundadas na ideia de que se a família fracassar o Estado intervém. A relação que se estabeleceu entre Estado e família foi marcada pela instauração do Estado como responsável pela elaboração e controle de regras e normas para a família e pela construção de uma parceria que é totalmente contraditória.

(12)

No âmbito dos serviços e políticas sociais, relacionadas aos grupos familiares, as famílias são estigmatizadas como normais ou anormais, sãs ou doentes. Ainda se faz essa leitura no trabalho com famílias. Esta construção histórica foi pautada na ideia de que as famílias devem ser capazes de cuidar e proteger seus membros, independentemente de suas condições. Isto possibilitou diferenciar as famílias em aquelas que são capazes de cuidar de sua prole e aquelas incapazes de desempenhar com êxito estes papéis de cuidado e proteção social.

As mudanças históricas, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, a liberalização da sexualidade, impactaram na forma de organização das famílias e têm se manifestado no dia-a-dia dos serviços socioassistenciais nos quais se têm noção das mudanças pelas quais a instituição família passou, porém existe a expectativa de que as famílias mantenham os mesmos padrões tradicionais de funcionalidade que atribuem ao homem o papel de “provedor financeiro” do lar e a mulher as atividades domésticas.

Espera-se que as famílias funcionem da mesma forma que outrora, isto é, que tenham o mesmo padrão de funcionalidade. Os serviços partem do pressuposto de que a mulher é responsável pelo cuidado dos filhos e que o homem é o provedor da família, de modo que estas funções vinculam-se a julgamentos morais. Esse modelo de família que a sociedade conhece é, historicamente, recente.

Conforme Áries (1981), no início do séc. XVIII, com o aparecimento da escola, a preocupação com a igualdade entre os filhos, o sentimento de família sendo valorizado pelas Instituições como a Igreja, é que se começou a ser construído o modelo de família que hoje se conhece e se entende como universal.

O termo famílias desestruturadas ainda é usado para designar estes grupos que fracassam em proteger e cuidar de seus membros, e demonstram as expressões de suas falhas, como a drogadição, o alcoolismo, o desemprego, a negligência e maus tratos com pessoas com deficiências.

Sabe-se que as relações familiares são perpassadas pelos processos sociais que têm origem na estrutura econômica da sociedade na qual a família está inserida, ou seja, fenômenos construídos socialmente, como preconceito, desemprego, pobreza se interpenetram nas relações familiares que podem reforçar a alienação e o processo de violação de direitos, ou ser um vínculo de apoio para que os sujeitos possam resistir ao desemprego, à pobreza e ao preconceito (TURCK, 2012).

(13)

Infere-se que em famílias com membros com deficiências a atitude da família pode reforçar o assujeitamento desses membros do grupo familiar ou contribuir para fortalecer esses sujeitos para que possam resistir à violação de direitos, tornando-se seres protagonistas na luta pela cidadania.

A família passou por mudanças significativas. Da família nuclear e tradicional, surgiram novos tipos de famílias, ou seja, novas configurações familiares. Com o aumento dos divórcios, a liberalização da sexualidade, as lutas feministas e a ampliação dos direitos das mulheres, bem como seu ingresso no mercado de trabalho, a possibilidade de novas uniões e de ter a escolha sobre ter ou não filhos, mudou as relações familiares. Houve a redefinição dos papéis do homem e da mulher. As mulheres passaram a investir mais em seu trabalho e formação. Dessa forma, constituir família deixou de ser o principal objetivo das mulheres, dando espaço a novos tipos de arranjos familiares, como famílias extensas, que agregam filhos casados no lar, famílias constituídas apenas por um dos cônjuges, as chamadas famílias reconstituídas, nas quais o casal se separa e encontram novos companheiros. As crianças têm mais pais, mais avós, enfim, mais pessoas na família. Isso interfere na educação das mesmas, pois cada um quer educar à sua maneira, o que pode provocar dificuldades em impor limites, pouca manifestação de afeto e fragilizar os vínculos. Todas estas mudanças repercutiram sobre a família, provocando a fragilização dos vínculos familiares e a vulnerabilidade das famílias. Isso impossibilita a família de cuidar de seus membros. O grupo familiar hoje se apresenta de várias formas, como refere Mioto (1997, p.128):

A família é uma instituição social historicamente condicionada e dialeticamente articulada com a sociedade na qual está inserida. Isto pressupõe compreender as diferentes formas de famílias em diferentes espaços de tempo, em diferentes lugares, além de percebê-las como diferentes dentro de um mesmo espaço social e num mesmo espaço de tempo. Esta percepção leva a pensar as famílias sempre numa perspectiva de mudança, dentro da qual se descarta a idéia de modelos cristalizados para se refletir as possibilidades em relação ao futuro.

A família, que foi sempre uma instância de cuidado e proteção social, pelas mudanças que passou, hoje não consegue cumprir seu papel. Dessa forma, destaca Simões (2010, p. 192-193):

(14)

As transformações ocorreram, também nos valores e representações simbólicas, com o aumento da tolerância da sociedade com as uniões informais, os filhos nascidos fora do casamento, a relativa aceitação moral do divórcio, maior flexibilidade dos papéis dos membros da família, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, sua proteção contra a violência doméstica (Lei Maria da Penha), novos valores na criação dos filhos, a consciência da identidade específica das crianças, adolescentes e idosos e a flexibilização da autoridade do antigo chefe de família. Desenvolveram-se novas referências para a institucionalização das relações familiares, face a desagregação da estrutura familiar tradicional, sobretudo nas famílias em situação de maior vulnerabilidade social, em suas funções básicas de prover a proteção e a socialização de seus membros, especialmente as crianças e adolescentes.

Neste contexto, a questão social em suas mais variadas manifestações é o objeto de trabalho do Assistente Social, como refere Iamamoto (2001, p. 62):

O objeto de trabalho, aqui considerado, é a questão social. È ela, em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto á criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher, a luta pela terra etc.

Essas expressões da questão social são a matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional. Pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o próprio objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de mudanças. Nesta perspectiva, o conhecimento da realidade deixa de ser um mero pano de fundo para o exercício profissional, tornando-se condição do mesmo, do conhecimento do objeto junto ao qual incide a ação transformadora ou esse trabalho.

Desta forma, o trabalho do profissional de Serviço Social na APAE é uma prática de intervenção voltada, prioritariamente, para as famílias e as pessoas com deficiências que sofrem a violação de seus direitos, que estão mais vulneráveis devido às suas limitações impostas pelas deficiências, e por não terem visibilidade na família e na sociedade, por serem vistos como totalmente incapazes.

Para Williams (2003, p. 142),

O indivíduo portador de deficiências de qualquer modalidade - seja visual, auditiva, física ou mental - encontra-se em uma posição de grande vulnerabilidade em relação ao não portador, sendo frequentemente marcante a assimetria das relações de poder na interação entre ambos. Tal “assimetria de relação hierárquica” é multiplicada, conforme a severidade de cada caso, sendo ampliada se o portador de necessidades especiais pertencer a um outro grupo de risco, como por exemplo, se for mulher ou criança.

Seu discurso não tem valor. A pessoa com deficiência é vista diante da sociedade e da família como um indivíduo incapaz, que não pode tomar quaisquer decisões em relação à sua vida, ou seja, não pode exercer sua cidadania.

(15)

A liberdade para fazer suas próprias escolhas é direito seu, conforme dispõe a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 1948). Há situações em que, indiretamente, o grupo familiar contribui com a violação de direitos. Famílias que, com o intuito de proteger o filho com deficiência, o fazem exageradamente, superprotegendo-o, impossibilitando sua autonomia. Diante desta realidade, os profissionais devem estar preparados para não culpabilizar as famílias, que necessitam de intervenções qualificadas e não de críticas, como explica Mioto (2004, p. 6):

Nesse contexto, observamos que a transformação dos processos de intervenção com as famílias implica algo mais que a crítica dos profissionais sobre a realidade e a consciência de que a solução das demandas não está nos limites dos serviços. A persistência da contradição entre conhecimento teórico-metodológico e ações profissionais e das dificuldades de os assistentes sociais realizarem, com competência, as mediações necessárias para desenvolverem processos de atenção ás famílias numa perspectiva crítica pode estar relacionada às formas vigentes de capacitação profissional para intervenção com famílias, à incipiente produção bibliográfica sobre a dimensão técnica operativa do Serviço Social pós-reconceituação, bem como a natureza e complexidade das ações profissionais.

Sabe-se que as relações familiares dos usuários com deficiências não podem ser descontextualizadas de questões sócio-políticas-econômicas e culturais. Essas relações, segundo Faleiros (2006, p. 1),

[...] fazem parte intrínseca das questões sociais, uma vez que nelas estão presentes os diversos processos que caracterizam as novas expressões da questão social. Ali, na particularidade do contexto familiar percebemos a presença de condicionantes universais que, por sua vez, se manifestam de forma singular.

Embora o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Constituição Federal de 1988 garantam uma vida com dignidade, autonomia, cidadania e demais direitos aos indivíduos com deficiências, ainda acontece a violação de seus direitos.

Conforme se observa no Estatuto da Pessoa com Deficiência (2006),

Art. 1º. Fica instituído o Estatuto da pessoa com deficiência, destinado a estabelecer as diretrizes gerais, normas e critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiências, visando sua inclusão social e cidadania participativa plena e efetiva.

(16)

É necessário o conhecimento sobre a legislação que protege os direitos das pessoas com deficiência. A família e a sociedade desconhecem os direitos de seus filhos com deficiências. Há falta de informação e orientação neste sentido. As orientações socioeducativas do Assistente Social são primordiais para que se dê visibilidade aos usuários.

É preciso pensar que mudanças são possíveis. Os sujeitos com deficiências são invisíveis na sociedade, mas devem ser vistos como cidadãos, portadores de direitos, como preconiza o Conselho Regional de Serviço Social (2009, p. 293):

Capítulo 1- A política nacional para a integração da pessoa com deficiência compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência.

O Decreto nº 3298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, e que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras providências.

Artigo 2º. Ao poder público e seus órgãos cabe assegurar ás pessoas portadoras de deficiências o pleno exercício de seus direitos básicos, principalmente no que diz respeito à saúde, educação, ao trabalho, lazer, à previdência social, ao amparo à infância e maternidade e de outros decorrentes da constituição e das leis, propiciem seu bem estar social e econômico

Há legislação vigente que garante os direitos das pessoas com deficiências, porém isto não garante a efetividade destes direitos. Os usuários desconhecem seus direitos, desta forma, não conseguem reivindicá-los. Eles não têm autonomia para lutar por seus direitos, confundem direitos com benefícios, o que demonstra claramente a falta de orientação e informação.

1.1 As relações familiares nas quais se inserem pessoas com deficiências

Quando nasce uma criança com deficiência, intelectual e/ou física, ou com ambas, a família tem suas expectativas rompidas. A estrutura familiar, por mais tranquila que seja, é abalada, pois o bebê que nasce não é o bebê que foi esperado

(17)

e idealizado. Há um grande sentimento de frustração por parte do núcleo familiar. Como refere Glat (2004, p. 2):

A presença de um indivíduo portador de deficiência (ou qualquer outra condição especial grave e/ou permanente) implica, portanto, invariavelmente para sua família, além da decepção inicial, em uma série de situações críticas, geralmente acompanhadas de sentimentos e emoções dolorosas e conflitantes. Nesse processo, as famílias passam por diversas fases cíclicas, incluindo o choque inicial da descoberta, a negação do diagnóstico e busca por “curas milagrosas”, o luto e a depressão, até que possam entrar no estágio de aceitação e adaptação.

Porém, esta fase de luto e aceitação não é um processo linear, segundo salienta Glat (2012, p.115):

Vale a pena ressaltar que a superação desta fase de luto e eventual aceitação da situação por parte da família não é um processo linear, que uma vez ultrapassado o choque inicial a vida continuará sem problemas. Infelizmente não é assim. Este luto, esta sensação de perda, este sofrimento psicológico, sem dúvida alguma voltará a acontecer em momentos chaves da vida da criança: na hora de aprender a falar, a andar, na primeira vez que for a uma festa de aniversário, no momento de entrar para a escola e, posteriormente na adolescência e assim por diante.

Nesta trajetória, não somente o indivíduo com deficiências, mas toda a família precisará enfrentar os sentimentos de frustração, medos, inseguranças e limitações. O grupo familiar terá que se readaptar diante desta nova realidade, que inclui mudanças, tanto internas de caráter afetivo quanto externas, provenientes da sociedade, que se manifestam nas atitudes relacionadas ao preconceito e discriminação da sociedade.

A história evidencia que sempre existiu discriminação contra grupos de pessoas menos favorecidas e vulneráveis. Apesar das lutas sociais em favor dos direitos humanos, as pessoas com deficiências são os indivíduos que mais sofrem algum tipo de preconceito e violação de direitos, por serem consideradas incapazes, devido às limitações que suas deficiências lhes impõe e pela situação de vulnerabilidade que se encontram.

Além da dificuldade de inclusão social, a família fica estigmatizada por ter um filho com algum tipo de deficiência e acaba se isolando. Este isolamento reforça a superproteção ao indivíduo, permitindo que as limitações do sujeito com deficiência se sobreponham ao que possa desenvolver, apesar de suas limitações.

(18)

Quando o grupo familiar superprotege o indivíduo o impossibilita de ter autonomia e independência, e de desenvolver suas capacidades. Os pais superprotegem como uma forma inconsciente de impedir o crescimento do filho, com o intuito de o preservarem “de possíveis fracassos, sofrimentos e frustrações”.

Um dos princípios éticos do Serviço Social é o fortalecimento da autonomia dos usuários. Portanto, entende-se que seja necessário trabalhar com as famílias de indivíduos com deficiência a autonomia, no sentido de inseri-los na vida social e comunitária e no mercado de trabalho, compreendendo que são sujeitos que têm direito ao exercício de sua cidadania, o que inclui o direito a exercer sua sexualidade como qualquer outra pessoa. O indivíduo com deficiência aparentemente pode ser visualizado como assexuado, mas sabe-se que pode ter uma vida afetivo-sexual que deve ser respeitada.

Conforme explica Pan (2003, p. 185-186),

O ensino especial, o aumento da expectativa de vida, a crescente atenção ao portador de deficiência mental como sujeito, [...], a integração à vida da comunidade social, a normatização progressiva em suas condições de existência, a relativa autonomia econômica conquistada em alguns casos graças à realização de uma atividade produtiva etc. - tudo isso contribuiu para modificar profundamente a situação e a perspectiva da qual deve ser abordada a situação existencial das pessoas portadoras de deficiência mental. Hoje muitas delas têm amigos e amigas, tomam café no bar da esquina, divertem-se dançando ou indo ao cinema, participam de excursões ou acampamentos, apaixonam-se, desejam casar-se e ter filhos.

Constituir família, exercer uma atividade laborativa também é desejo de indivíduos que têm algum tipo de deficiência. A família, muitas vezes, não aceita e não está preparada para a independência, mesmo que limitada de seus filhos, pois, para alguns pais, os indivíduos com deficiências são como eternas crianças. Diante desta situação, o papel dos profissionais é essencial no sentido de orientar e esclarecer as famílias sobre as capacidades dos filhos com deficiências. Que esta família possa olhar além da deficiência, para que seu filho possa desenvolver suas potencialidades. Dessa forma, deveria fazer parte das políticas sociais preventivas um trabalho com os pais no momento de dar o diagnóstico à família, conforme refere Glat (2004, p. 4):

Esse momento é crucial, pois, frequentemente, os médicos e demais profissionais da área da saúde, têm uma atitude defensiva ou mesmo pouco cuidadosa ao transmitir o diagnóstico, enfatizando a deficiência como uma doença crônica, não fazendo qualquer referência a

(19)

suportes terapêuticos e educacionais que dêem alguma esperança às famílias e as auxiliem no planejamento da vida de seu filho.

Se os pais forem devidamente orientados, com suporte que lhes propicie um melhor entendimento e compreensão sobre a deficiência de seu filho, se sentirão mais confiantes e preparados para lidar com as dificuldades. Este suporte dado à família ajuda a diminuir a ansiedade diante das limitações do filho e possibilita a busca de novas formas de organização e enfrentamento das dificuldades do dia-a-dia.

As Instituições de referência às pessoas com deficiências, como a APAE, proporcionam ao grupo familiar uma rede de apoio, além da troca de experiências com outras famílias que têm familiares com deficiências.

Como local de referência, a APAE é um serviço de proteção social de média complexidade, regulamentada pela Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa com deficiência, tendo como objetivo principal promover e dar continuidade ao desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual, física e/ou múltipla, possibilitando a construção do conhecimento, elaboração do pensamento, preparando-a para o exercício da cidadania, promovendo uma melhora da qualidade de vida. Desta forma, a abordagem da pessoa com deficiência visa prevenir, promover e reabilitar suas deficiências biopsicossociais com a finalidade de melhorar sua qualidade de vida e possibilitar o processo de inclusão social. Esta intervenção terapêutica será facilitadora do processo de interação social, econômica e familiar. Além do acesso à reabilitação e tratamento adequado à sua condição, a integração do indivíduo com deficiência dependerá, em grande parte, da família, como explica a autora:

Em outras palavras, o nível de integração social que uma pessoa com necessidades especiais pode vir a desenvolver dependerá em grande parte da disponibilidade de sua família em permitir-lhe participar e usufruir dos recursos oferecidos pela comunidade, apesar de todas as barreiras (físicas e sociais) (GLAT, 2004, p. 5).

Quanto maior for a participação das pessoas na sociedade, a pessoa com deficiência será vista com outro olhar pelo núcleo familiar, que não seja o lugar de coitada, totalmente incapaz, dependente, mas sim de um sujeito que, apesar de ter limitações, é capaz de exercer sua autonomia e cidadania. O indivíduo, além de ter

(20)

visibilidade na família, terá visibilidade na sociedade. Deste modo, cada família tem sua forma de enfrentamento da deficiência, de acordo com suas vivências, história de vida, crenças, valores socioculturais, condições objetivas e materiais. Cada grupo familiar apresenta suas especificidades, ficando claro que a influência da família é primordial para a facilitação ou a impossibilidade de inclusão do sujeito com deficiência à sociedade, pois a família realiza a socialização primária, nos primeiros anos de vida do sujeito, que se refere ao processo de formação da identidade social e pessoal da criança na imagem que tem de si mesma.

Torna-se necessária a compreensão da dinâmica das relações familiares, dos profissionais que trabalham com pessoas com deficiências. Sabe-se que para o indivíduo estar incluso na sociedade, primeiramente, deve estar integrado ao núcleo familiar. É importante que o indivíduo tenha visibilidade no âmbito familiar e na sociedade.

1.2 As expressões da questão social de famílias com pessoas com deficiências

Nas famílias de pessoas com deficiências intelectuais e/ou físicas são várias as expressões da questão social, como a violação de direitos que se manifesta dentro da família, e ocorre através de várias situações que evidenciam violência doméstica e intrafamiliar por meio da agressão física, psicológica e/ou sexual. Também ocorre em situações que evidenciam abandono, negligência, maus tratos e cerceamento da liberdade, ou superproteção, não permitindo ao usuário ter autonomia e vida social. Desta forma, as pessoas com algum tipo de deficiência, além de se encontrarem em situação de vulnerabilidade, também estão em situação de invisibilidade para a família e sociedade. Esta violação de direitos também pode ocorrer através da discriminação, da dificuldade de ingressar na escola regular, embora exista uma legislação que lhes garanta este direito, conforme a Constituição de 1988,

[...] como qualquer cidadão, a pessoa com deficiência tem direito a educação pública, assegurada por lei, preferencialmente na rede regular de ensino e, se for o caso á educação adaptada ás suas necessidades em escola especiais, conforme artigos 58 e seguintes da lei federal número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, art. 24 do decreto n. 3.289/99 e art. segundo da Lei 7.853/89.

(21)

A família, que tem como pressuposto o cuidado com seus membros com deficiências, se encontra vulnerabilizada e fragilizada, não conseguindo desempenhar seu papel conforme como argumenta Simões (2010, p.193):

A família, em situação de vulnerabilidade ficou excluída das garantias tradicionais, geralmente de natureza religiosa, que a capacitavam, por fatores intrínsecos e extrínsecos, a desempenhar suas funções básicas, dependendo do modo de sua inserção social.

Além das dificuldades para circular nos espaços públicos, pela não acessibilidade, muitos locais são totalmente inacessíveis (pela falta de rampas) para os cadeirantes. Essa é uma das razões pelas quais as pessoas com deficiências têm pouca convivência social. Suas vidas acabam se restringindo ao âmbito familiar e escolar, impossibilitando a expansão de seu grupo social, tornando-se difícil realizar atividades da vida diária, como ir ao supermercado ou apenas passear com familiares.

As famílias dos usuários com deficiências vivem, em sua maioria, situações de extrema pobreza, vulnerabilizadas econômica e socialmente, excluídas duplamente por viverem em situações de miserabilidade e por terem um ou mais filhos com deficiências, como explica Simões (2010, p. 352): ”A exclusão social abrange, assim, diversas situações sócio-econômicas e culturais de indivíduos ou famílias que induzem à violação de direitos de seus membros, em especial crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiências”. Essa realidade traz como manifestações da questão social a violação de direitos que os usuários sofrem, e o profissional de Serviço Social, além de trabalhar para que estas pessoas tenham seus direitos garantidos e efetivados, trabalha com as várias expressões da questão social.

É neste campo que ocorre o trabalho do Assistente Social, respaldado pelo Projeto Ético Político da Profissão, compreendendo como a questão social é vivenciada pelos cidadãos em suas vidas cotidianas, e propondo ações que viabilizem reflexões e mudanças, através de ações para que sejam possíveis novas relações de convivência sem qualquer forma de violação de direitos.

(22)

De acordo com Iamamoto (2001, p. 94),

Ao se falar em “prática profissional”, usualmente tem-se em mente “o que o assistente social faz”, ou seja, o conjunto de atividades que são desempenhadas pelo profissional. A leitura hoje predominantemente da prática profissional é de que ela não deve ser considerada “isoladamente”, “em si mesma”, mas em seus “condicionantes”, sejam eles “internos” - os que dependem do desempenho profissional - ou “externos” - determinados pelas circunstâncias sociais nas quais se realiza a prática do assistente social. Os primeiros são geralmente referidos a competências do assistente social como, por exemplo, acionar estratégias e técnicas, a capacidade de leitura da realidade conjuntural, a habilidade no trato das relações humanas, a convivência numa equipe interprofissional etc. Os segundos abrangem um conjunto de fatores que não dependem exclusivamente do sujeito profissional [...], desde as relações de poder institucional, os recursos colocados a disposição para o trabalho pela instituição ou empresa que contrata o assistente social.

Estas situações de violações de direitos que se manifestam no âmbito familiar geram a impossibilidade de cuidado dos membros com deficiências e se desdobram em negligências e maus tratos. As famílias assumem o preconceito construído socialmente em relação às pessoas com deficiência e desenvolve atitudes na relação com eles que os privam de tomar decisões a respeito de suas vidas, pois não acreditam na possibilidade de que possam ser autônomos para tomar tais decisões. Esses processos sociais se manifestam nas relações familiares e são expressões da questão social.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,

nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990).

A família e a sociedade não acreditam no discurso dos indivíduos com deficiências, devido às limitações que apresentam. Mesmo aqueles que têm condições de relatar alguma situação de violação de seus direitos, não é dada atenção ao seu discurso, sendo entendido como uma “fantasia”, algo da sua imaginação.

As relações de produção no modo de produção capitalista geram processos sociais, como a falta de acesso à educação, à moradia, à saúde, às condições de ter um cuidador para o familiar com deficiência, a falta de trabalho ou trabalho

(23)

precarizado. Estes processos sociais se manifestam nas relações familiares como particularidades, vulnerabilizando social e economicamente ainda mais as famílias, que não conseguem cumprir seu papel de cuidado e proteção.

Conforme explica Ferreira (2012, p. 46):

Desse modo, os assistentes sociais colocam sua força de trabalho em ação com a intenção de contribuir para a transformação de diversas situações singulares que se expressam de formas distintas. No entanto, visualizam essas situações dentro de uma totalidade em que as relações de produção determinam as relações sociais.

Cada grupo familiar é único, com suas especificidades, singularidades que lhes são próprias. É preciso pensar que mudanças são possíveis. Os sujeitos com deficiências são invisíveis na sociedade, mas devem ser vistos como cidadãos, portadores de direitos, e, para isto, o trabalho com as famílias é essencial.

(24)

2 METODOLOGIA

A metodologia de um projeto não se refere apenas a uma descrição dos métodos e técnicas que serão utilizadas para operacionalizar o referido projeto, como explica Minayo (2010, p. 46):

Mais que uma descrição formal dos métodos e técnicas a serem utilizados, indica as conexões e a leitura operacional que o pesquisador fez do quadro teórico e de seus objetivos de estudo.

Espera-se que para cada objetivo descrito sejam apresentados métodos e técnicas correspondentes e adequados.

Para a pesquisa que foi realizada na APAE de Ijuí-RS com os profissionais que atendem os usuários com deficiências utilizou-se o método dialético crítico de Marx, que considera a historicidade dos fenômenos, conforme refere Minayo (2010, p. 24):

O Marxismo enquanto abordagem que considera a historicidade dos processos e dos conceitos, as condições socioeconômicas de produção dos fenômenos e as contradições sociais é uma outra teoria sociológica importante.

A dialética trabalha com a valorização das quantidades e da qualidade, com as contradições intrínsecas às ações e realizações humanas, e com o movimento perene entre parte e todo e interioridade e exterioridade dos fenômenos.

A pesquisa foi qualitativa, ocupando-se, de acordo com Minayo (2010, p. 63), da “[...] interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados”. Todo o empenho é investido para que “o corpo e o sangue da vida real componham o esqueleto das construções abstratas”, como diz Malinovski (1984, p. 37 apud MINAYO, 2010), criando uma metáfora. Este tipo de pesquisa se ocupa com o que não poderia ser quantificado, trabalha com o universo dos significados, crenças, valores das atitudes e aspirações.

Como instrumento de pesquisa foi utilizada a entrevista semiestruturada, contendo um roteiro de perguntas abertas relacionadas às questões norteadoras. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os profissionais de saúde da equipe da clínica interdisciplinar da APAE em dezembro de 2012. Em relação à entrevista semiestruturada,

(25)

[...] o investigador tem uma lista de questões ou tópicos para serem preenchidos ou respondidos, como se fosse um guia. A entrevista tem relativa flexibilidade. As questões não precisam seguir a ordem prevista no guia e poderão ser formuladas novas questões no decorrer da entrevista (MATTOS; LINCOLN, 2005, p. 2).

O universo abrange todos os profissionais de saúde da APAE de Ijuí-RS. Desse universo foi escolhida uma parcela convenientemente selecionada de sujeitos para participar a pesquisa. O critério para composição da amostra foi a formação específica dos profissionais de saúde. A amostra buscou contemplar a totalidade das especialidades inseridas no processo de trabalho na clínica da APAE, sendo composta por um assistente social, um psicólogo, um terapeuta ocupacional, um fonoaudiólogo e um fisioterapeuta.

Foi realizado um pré-teste, que é muito importante para que o trabalho de pesquisa tenha êxito. Através desta etapa, é possível identificar falhas nas questões, verificar se a ordem e a quantidade de perguntas são adequadas, além de permitir reformular, manter ou ampliar as questões que integram o instrumento de pesquisa.

Como foi realizada uma pesquisa com pessoas, utilizou-se um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (em anexo), que tem por objetivo esclarecer e informar a pessoa pesquisada sobre a pesquisa.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi baseado nos princípios do Código de Ética do Assistente Social (Resolução 273/93) e sobre a Lei de Regulamentação da profissão de Assistente Social (Lei 8662/93).

O tipo de amostra com a qual se trabalhou foi a não probabilística. Este tipo de amostra possibilita ao pesquisador conhecer as opiniões e experiências vividas de um pequeno grupo. Optou-se por este tipo de amostra por ser a mais adequada em pesquisas qualitativas, que tem como objetivo aprofundar o tema escolhido, a partir dos dados.

A análise dos dados foi realizada a partir da técnica de Análise de Conteúdo, que contribui para

[...] o desvelar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes, etc., que á simples vista, não se apresentam com a devida clareza. Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns caos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como, por exemplo, o método dialético. Neste caso, a análise de conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e funde-se nas características do enfoque dialético (TRIVINOS, 1987, p.159-160).

(26)

Esta técnica foi utilizada através da leitura das transcrições das entrevistas, da interpretação dos relatos dos sujeitos entrevistados, o que proporcionou compreender a construção de significados elaborados pelos profissionais da APAE acerca da violação de direitos de pessoas com deficiências. A análise de conteúdo é uma técnica que insere procedimentos sistemáticos do conteúdo manifesto nas comunicações entre os sujeitos, com o objetivo de ter sua interpretação. A Esta técnica apresenta as seguintes fases:

a) fase da Pré-análise: fase da leitura em deve permitir que as impressões do texto prevaleçam em que ocorre a preparação, a organização do material que será analisado, a escolha dos documentos, a elaboração de hipóteses ou questões norteadoras;

b) fase da exploração do material: onde se realiza a codificação dos dados obtidos;

c) fase do tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação é a fase em que ocorre a significação, a interpretação dos dados e informações obtidos, a partir da mediação entre o conteúdo obtido e descrito e a teoria que dá o referido suporte à pesquisa.

As categorias teóricas do estudo foram a família e a questão social. Para entender a questão social adotou-se a concepção de Iamamoto (2001, p. 28) de que

Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc. Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movidos por interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade.

Para entender a categoria família, utilizou-se das palavras de Simões (2010, p.192), que diz:

As dimensões familiares clássicas de procriação, sexualidade e convivência afetiva não têm mais o mesmo grau de imbricamento de outrora, merecendo, por isso, especial proteção do poder público (Resolução n.145/04-PNAS). As famílias de trabalhadores tornaram-se menores (família nuclear), sob maior diversidade de relações (família natural, reconstituída, substituta ou adotiva e monoparental) e submetidas a processos de empobrecimento acelerado e desterritorialização, gerada por movimentos migratórios.

(27)

As transformações que ocorreram nas famílias foram também transformações nos valores e nas representações simbólicas, com o aumento dos divórcios, novos tipos de configurações familiares, como as famílias reconstituídas, as chamadas famílias monoparentais, chefiadas por apenas um dos genitores e ainda a constituição e acritação de famílias formadas por casais homossexuais. Além da inserção da mulher no mercado de trabalho, a proteção contra a violência doméstica, como a Lei Maria da Penha, novas formas de criar os filhos, tudo isto repercutiu nas famílias que passaram por profundas mudanças (SIMÕES, 2010).

(28)

3 ANÁLISE DOS DADOS

Observou-se, durante as entrevistas, que alguns dos profissionais entrevistados sentiram certo desconforto ao responderem a pesquisa.

3.1 Caracterizando os sujeitos

Para responder as questões norteadoras, foram entrevistados, em dezembro de 2012, 5 profissionais que trabalham na APAE de Ijuí, quatro do sexo feminino e um profissional do sexo masculino, caracterizados da seguinte forma:

- Entrevistada A: profissional de Serviço Social; - Entrevistada B: profissional de Fisioterapia;

- Entrevistada C: profissional de Terapia Ocupacional; - Entrevistado D: profissional de Fonoaudiologia; - Entrevistada E: profissional de Psicologia.

Para responder a primeira questão norteadora “Como se expressa a violação de direitos de usuários com deficiências na APAE?” foram realizadas as seguintes perguntas:

a) Com que demandas da pessoa com deficiência você intervém?

b) Você vê relação dessas demandas com as expectativas sociais e culturais atribuídas ás pessoas na contemporaneidade?

c) A partir do seu trabalho, como você observa o lugar da pessoa com deficiência na sociedade?

Ficou evidente na resposta da entrevistada E a dificuldade da família em aceitar o novo membro com deficiência. Há uma frustração muito grande, pois o bebê esperado e desejado não corresponde às expectativas deste grupo familiar.

Os pais esperam que esta criança, este jovem se recupere da sua lesão, eles vem com uma demanda, esperando uma normalidade, que essa criança, esse jovem, esse adulto possa conviver bem no social.

E em Psicologia a gente trabalha muito com a demanda expressa que os pais trazem, que não está aparente, eles trazem que os filhos possam corresponder ao que eles esperavam, ao que eles sonhavam.

(29)

Conforme Glat (2004, p. 1-2),

Quando nasce um filho especial, com características distintas do padrão normal culturalmente reconhecido como ‘normal’, a estrutura de funcionamento familiar básico se rompe, os sentimentos e as representações anteriores se deterioram, e instala-se uma crise de identidade grupal. Por mais harmônica que seja uma família essa crise é inevitável, pois todas as expectativas, planos e sonhos são gerados durante a gestação desse filho são destruídos face essa inesperada e desconcertante realidade.

A família terá que fazer um processo de luto deste filho perfeito, para que possa fazer um novo investimento nesta criança que possui limitações devido à deficiência. É no dia-a-dia com a criança que este investimento será realizado. Neste processo, as famílias passam por diversas fases cíclicas, incluindo o choque inicial da descoberta, a negação do diagnóstico e a busca por “curas milagrosas”, o luto e a depressão, até que possam entrar no estágio de aceitação e adaptação (GLAT, 2004).

Algumas famílias se sentem desmotivadas, desorientadas e fragilizadas pela situação de vulnerabilidade que se encontram, chegam a negligenciar a criança nos cuidados mais básicos até faltar aos atendimentos necessários à sua reabilitação, ou assumem uma atitude de superproteção, impedindo de conviverem socialmente, por medo de sofrerem preconceito e exclusão da sociedade.

Fica evidente no depoimento a seguir a culpabilização destas famílias vulnerabilizadas socialmente, de pessoas com deficiências por não levarem seus filhos aos atendimentos na clínica da APAE, não darem a medicação nos horários corretos e não cuidarem de sua higiene básica.

O que a gente mais intervém com as pessoas com deficiência aqui na APAE, a gente tem que fazer muita visita domiciliar, as famílias não se mostram comprometidas e responsáveis trazendo seus filhos, elas sabem que eles têm que vir na APAE, mas não tem entendimento de porque, eles têm que vir na APAE, sabe que tem um problema ou uma deficiência. (Entrevistada A).

No entendimento de Szymansk (2002), ao se pensar na família hoje, se deve considerar as mudanças que ocorrem na sociedade, se construindo as novas relações humanas e de que forma as pessoas estão cuidando de suas vidas familiares. As mudanças que ocorrem na sociedade afetam a dinâmica familiar como um todo e, de forma particular, cada família conforme sua composição, história e

(30)

pertencimento social. Estas famílias vivem em situação de vulnerabilidade social, sem acesso à educação, à saúde; vivem num contexto marcado por dificuldades em todas as áreas de suas vidas. Muitas vezes, tem um emprego precarizado, quando o tem. Na vida familiar, há situações de uso de drogas, etilismo, abuso sexual etc. Vivenciam também situações de abandono e descaso, além de situações de violência.

Devido às condições precárias que vivem, estes pais precisam satisfazer suas necessidades básicas, como se alimentar, se vestir, conseguir dinheiro para pagar o gás e comprar alimentos, para, após, se preocuparem com os filhos. Neste contexto, pode ocorrer uma reprodução de violência e maus tratos com os indivíduos com limitações, que, por sua condição de vulnerabilidade, não conseguem relatar as situações. Há exceções quando a deficiência não é tão grave. O sujeito consegue falar sobre sua situação, mas seu discurso não tem visibilidade devido à deficiência, podendo ser pensado como um delírio ou fruto de sua imaginação.

A família tem passado por profundas transformações ao longo da história, não conseguindo efetivar o papel de outrora, de cuidado e proteção de seus filhos, como refere Szmanski (2002, p. 20):

Ao mesmo tempo em que ocorrem as mudanças citadas, observa-se uma escalada na violência doméstica, ou, na verdade, maior visibilidade para um fenômeno que se mantinha entre quatro paredes, em nome da privacidade familiar. Este tornar público um fenômeno escondido possibilitará não só seu estudo como o desenvolvimento de procedimentos de intervenção. Além disso, a aplicação de leis, como o ECA, permite que o Estado estenda sua proteção a crianças desprotegidas.

É neste contexto familiar que o indivíduo com deficiência cresce e se desenvolve. Estas pessoas não tiveram acesso à educação, à informação, ao lazer, à saúde e são vulneráveis social, econômica e psicologicamente, desta forma, não conseguem cumprir sua função básica, que é a de cuidar de seus filhos. Diante desta situação, diferenciam-se as famílias que são capazes de cuidar de seus membros e as que fracassam, sendo estigmatizadas como incapazes e necessitando, assim, de intervenções.

[...] a construção histórica dessa relação foi permeada pela ideologia de que as famílias, independentemente de suas condições objetivas de vida e das próprias vicissitudes da convivência familiar, devem ser capazes de proteger e cuidar de seus membros. Essa crença pode ser considerada, juntamente, um dos pilares da construção dos processos de assistência às famílias. Ela

(31)

permitiu se estabelecer uma distinção básica para os processos de assistência ás famílias. A distinção entre famílias capazes e famílias incapazes (MIOTO, 2001, p. 51).

A família ideal nuclear deve amar incondicionalmente seus filhos (tenham ou não uma deficiência). No entanto, a mesma sociedade que criou e legitimou este amor incondicional, não consegue garantir um futuro digno a estas famílias. A sociedade capitalista não é capaz de garantir o futuro de grande parte da população marginalizada, discriminada e expulsa pelo mercado (tenham ou não deficiência) (RIBAS, 1985).

Embora exista legislação que protege e garante os direitos das pessoas com deficiências, como o direito a uma vida social e comunitária, o direito à educação, o direito ao lazer, o direito à vida sem violência, ao trabalho, ainda não se efetiva, conforme depoimento da entrevistada B:

Eu vejo a gente tem vários, o meu maior público são os menores, em idade escolar, que a gente vê por mais que exista uma lei que garante que eles frequentem a escola os profissionais se deparam principalmente com a deficiência física, eles tem negações.

A lei é muito bonita no papel né, mas quando se coloca em prática tem muito a evoluir.

O mercado de trabalho requer uma pessoa com plenas condições de trabalho. Na contemporaneidade, as pessoas têm que ter uma maior qualificação. É exigido mais e os indivíduos com deficiências ficam excluídos. Algumas empresas aceitam o candidato com deficiência apenas por obrigatoriedade da lei.

A Constituição Federal de 1988, art. 208, dispõe que o indivíduo com deficiência tem direito à educação, e que é um dever do Estado a efetivação da mesma: “[...]; III - atendimento educacional, especializado ao portador de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Pode ocorrer situações de preconceito com o indivíduo com deficiência, já que as escolas não estão preparadas para ter pessoas com deficiência, “diferente” dos de mais, ocorrendo a prática do bullyng1 com crianças com deficiências nas

1

“Bullying é um termo da língua inglesa (bully-valentão) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder” (CAMARGO, 2012).

(32)

escolas. Os próprios alunos chamam o colega com deficiência de “louquinho da APAE”, entre outras palavras ofensivas, além de chegar ao extremo com agressões físicas.

Conforme depoimento da entrevistada A:

[...] no meu entendimento a sociedade não está preparada para entender e aceitar esta pessoa com deficiência. Um aluno com deficiência principalmente se for mental, e se for caladinho, parado ele não é problema, mas se for uma pessoa impulsiva, com comportamento agressivo, os profissionais da escola não estão preparados e muitas vezes querem que volte à APAE.

As pessoas com deficiências têm visibilidade quando apresentam alguma dificuldade, considerado um problema a ser resolvido, alguma questão que incomoda as pessoas. Fica nítido que o processo de exclusão ocorre já na sala de aula se o aluno não corresponder às expectativas da professora da escola regular, sendo necessário que volte à APAE.

Nas palavras de Simões (2010, p. 354),

O conceito de inclusão social expressa o combate contra a discriminação. Esta é definida, no citado documento da ONU, como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, por parte das pessoas com deficiências, de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

O preconceito na sociedade é visível. Há dificuldade em integrar estas pessoas à sociedade. A marginalização a ela imposta se estende ao grupo familiar, que fica estigmatizado e acaba se isolando, o que termina por reforçar a superproteção ao indivíduo com deficiência (GLAT, 2004).

Conforme ilustra o depoimento da entrevistada B: “As pessoas olham com preconceito, com um olhar diferente, ainda não estão acostumadas”.

A superproteção dos pais impede que o filho tenha autonomia, mesmo que relativa, devido às suas limitações, porém o limita ainda mais, visto que pode desenvolver suas potencialidades. Os pais impedem que o filho tenha autonomia e é um direito exercer sua autonomia, como qualquer outro cidadão, que se traduz em dispor de seu Benefício de Prestação Continuada (BPC), ter lazer, ter autonomia para resolver questões que digam respeito à sua vida, ter vida amorosa, ingressar no mercado de trabalho, o que se evidencia no depoimento da entrevistada C:

(33)

Tu queria tá dando autonomia para a pessoa com deficiência seja ela adulto, adolescente, já a família pouco interfere nisso. Acredito que falta mais da família, criar sua expectativa do filho poder trabalhar um dia né. Eles limitam bastante isto e a sociedade também.

Buscaglia (2010, p. 89) diz que: “A sociedade tem dificuldade em conviver com diferenças, e deixará isso claro de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmos inconscientes através do modo como isola o deficiente físico e mental”.

Ainda, conforme depoimento da entrevistada A: “Na educação há um processo de exclusão, no mercado de trabalho, muitas vezes as empresas e empregadores aceitam, querem ter uma pessoa pela obrigatoriedade da Lei”. Portanto, fica claro que as empresas aceitam o funcionário com deficiência para cumprir a lei, mas não com o objetivo de incluir o cidadão, apesar de suas limitações. Nesse sentido, Simões (2010, p. 355) explica que: “A Lei Federal nº 8.213, de 24/07/91, impõe às empresas privadas e aos órgãos da administração pública a reserva de empregos ou cargos para pessoas com deficiência proporcionalmente ao seu número de empregados”.

Para responder a segunda questão norteadora, “Como as relações no espaço privado reproduz a violação de direitos?”, foram realizadas as seguintes perguntas:

a) Você entende que as expectativas sociais e culturais impactam nas expectativas dos familiares com as pessoas com deficiências?

b) Como este processo se manifesta no contexto familiar?

c) Você entende que a família contribui para que a pessoa com deficiência acesse direitos? Se a resposta for sim, como, e se for não, por quê?

Nos depoimentos das entrevistadas B e E verifica-se a questão do preconceito com sujeitos com deficiências por não corresponderem aos ideais e expectativas da sociedade. Sabe-se que hoje, na sociedade capitalista que valoriza o consumo, as pessoas têm que ter uma super qualificação para conseguirem ingressar no mercado de trabalho e a aparência física é muito importante. No entanto, a aparência de pessoas que têm alguma deficiência, muitas vezes, não é bela, enfim, os indivíduos com limitações não conseguem corresponder às expectativas da sociedade e da família.

O que mais incomoda os pais de pessoas com deficiências é o olhar do “outro”, que desperta sentimentos de vergonha, raiva, frustração e impotência. Deste modo, os pais, irmãos e toda a família precisam de acompanhamento de

(34)

profissionais qualificados que os ajudem a lidar com a situação quando nasce um filho com deficiência.

Para Buscaglia (2010, p. 39-40), “Os pais devem receber ajuda a fim de compreender que seus próprios sentimentos em relação à deficiência de seus filhos, durante a infância, pode servir de obstáculo às oportunidades da criança de atingir a maturidade”.

É o estereótipo da perfeição e todos têm que seguir, as famílias sabem como a sociedade olha, olhar da sociedade e eles ficam com receio e alguns, os pais tem dificuldade de incluir. Se deparam com a sociedade excluindo (ENTREVISTADA B).

[...] com certeza, o que se pensa na verdade é uma via de mão dupla, o que se pensa na sociedade reflete na família, é uma construção para o social. Os familiares contribuem para este olhar no social, vai de encontro ás expectativas (ENTREVISTADA E).

Os juízos de valores que os indivíduos assimilam são apreendidos na vida cotidiana, nas pequenas experiências do dia-a-dia através da socialização, realizada, primeiramente, pela família, depois pela escola. A partir da socialização, o homem adquire o senso moral relativo aos seus deveres. Este processo ocorre através da convivência familiar, por isso considera-se a família instância básica, primordial para o desenvolvimento psicossocial do sujeito. Este estereótipo de perfeição, de beleza, competitividade exacerbada, são assimilados desde a mais tenra infância, onde a criança entende que, para satisfazer os pais, tem que ser a mais bonita, a mais inteligente, a mais educada etc.

A ética é a teoria que permite que os sujeitos adquiram consciência de si mesmos como seres humanos; possibilita a reflexão crítica sobre a moral. Entende-se que o preconceito com a pessoa com deficiência pode Entende-ser superado por uma reflexão ética sobre a moral dominante reproduzida socialmente através das instituições que compõem a superestrutura (BARROCO, 2001).

Conforme Simões (2010, p. 319),

Sendo a família uma instituição central do sistema, sua matricialidade é garantida à medida que, na assistência social, com base em indicadores das necessidades familiares, se desenvolva uma política de cunho universalista, a qual, para além da transferência de renda, em patamares aceitáveis, se desenvolva prioritariamente, em redes de proteção social, que suportem as tarefas cotidianas e valorizem a convivência familiar e comunitária.

Referências

Documentos relacionados

2. Identifica as personagens do texto.. Indica o tempo da história. Indica o espaço da história. Classifica as palavras quanto ao número de sílabas. Copia do texto três

1- A vida das comunidades recoletoras era muito difícil, devido ao frio intenso e aos animais ferozes, mas também porque era difícil encontrar comida e lugares onde se abrigarem.. 2-

Um senhorio é um território, pertencente a um Senhor (do Clero ou da Nobreza), em que podemos encontrar terras cultivadas pelos camponeses que vivem no senhorio,

Em janeiro, o hemisfério sul recebe a radiação solar com menor inclinação e tem dias maiores que as noites, encontrando-se, assim, mais aquecido do que o hemisfério norte.. Em julho,

O empregador deverá realizar a avaliação ambiental de poeira de asbesto nos locais de trabalho em intervalos não superiores a seis meses.. Os registros das avaliações deverão

Se você vai para o mundo da fantasia e não está consciente de que está lá, você está se alienando da realidade (fugindo da realidade), você não está no aqui e

Local de realização da avaliação: Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE , endereço : SGAS 907 - Brasília/DF. Estamos à disposição

Promovido pelo Sindifisco Nacio- nal em parceria com o Mosap (Mo- vimento Nacional de Aposentados e Pensionistas), o Encontro ocorreu no dia 20 de março, data em que também