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A função do cuidador no processo de subjetivação dos bebês que frequentam escolas de educação infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

FABIANE ANGELITA STEINMETZ

A FUNÇÃO DO CUIDADOR NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DOS BEBÊS QUE FREQUENTAM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

SANTA ROSA 2018

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FABIANE ANGELITA STEINMETZ

A FUNÇÃO DO CUIDADOR NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DOS BEBÊS QUE FREQUENTAM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ - como registro parcial à obtenção do título de psicólogo.

Orientadora: Profa. Dra. Solange Castro Schorn

Santa Rosa 2018

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A FUNÇÃO DO CUIDADOR NO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO DOS BEBÊS QUE FREQUENTAM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

FABIANE ANGELITA STEINMETZ

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profa. Dra. Solange Castro Schorn.

__________________________________________________ Profa. Me. Simoni Antunes Fernandes.

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Dedico este trabalho aos que se propõem a escutar e aprender com os bebês.

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AGRADECIMENTOS

Aos que tem coragem de gostar de mim, apesar de mim.

À Professora Dra. Solange Castro Schorn, por acreditar na viabilidade desta escrita.

À Mestre Flávia Flach, por inaugurar minha curiosidade pelos bebês. À Mestre Janete Goulart Aquino, por tocar profundamente minha alma. À Simoni Antunes Fernandes, por acolher minhas inquietações.

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Nós que não obtivemos ainda a paz, nós que somos ainda testemunhas de genocídios escandalosos, nós temos o dever de nos questionar sobre a maneira

como acolhemos nossas crianças e preparamos para o futuro. Miriam Szejer.

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RESUMO

A função do cuidador no processo de subjetivação dos bebês que frequentam escolas de educação infantil. 2018. Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia, Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, Santa Rosa, 2018. Neste estudo descreve-se a particularidade e especificidade do trabalho das Creches ou Escolas de Educação Infantil, direcionadas às crianças desde os primeiros meses de vida, interroga a atuação do profissional que acolhe os bebês. Sabe-se, através dos escritos de Freud, que os primeiros meses de vida são decisivos no processo de humanização da criança e, portanto, mostra-se imprescindível a pesquisa e reflexão sobre a função dos profissionais que acolhem crianças pequenas. A experiência de estágio, realizada em uma Escola de Educação Infantil, durante o percurso acadêmico em 2016, instigou a escrita desta pesquisa. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa, do tipo descritiva e exploratória. A teoria norteadora consiste na psicanalise freudiana, a partir do estudo dos textos freudianos relacionados à constituição psíquica e textos que tratam da relação entre psicanálise e educação. Na pesquisa foram consultados livros de autores que fazem a releitura dos textos freudianos no campo da psicanálise infantil, tendo como principais interlocutoras as psicanalistas francesas Marie Christine Laznik, Graciela Crespin e brasileiras Rosa Maria Marini Mariotto, Inês Catão e Vera Zimmermann.

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ABSTRACT

The role of the caregiver in the process of subjectivation of babies who attend schools of early childhood education. 2018. Work of completion of the course of psychology, the Northwest Regional University of Rio Grande do Sul, Santa Rosa, 2018. This study describes the particularity and specificity of work of Kindergartens or schools of early childhood education, directed to children since the first months of life, questioning the actions of the professional who welcomes babies. It is known, through the writings of Freud, that the first few months of life are crucial in the process of humanization of the child and, therefore, is essential to research and reflection about the role of the professionals who welcome young children. The experience of training course, held in a school of early childhood education, during academic course in 2016, instigated the writing of this research. It is a bibliographical research, qualitative, descriptive and exploratory type. The guiding theory consists of freudian psychoanalysis, from the study of freudian psychic Constitution and texts that deal with the relationship between psychoanalysis and education. In the research were consulted books from authors who do the rereading of freudian texts in the field of child psychoanalysis, having as main speakers the french psychoanalysts Marie Christine Laznik, Graciela Crespin and Brazilian Rosa Maria Marini Mariotto, Inês Catão and Vera Zimmermann.

Keywords: baby; daycare; educator; psychoanalysis.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CEB/CNE: Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas

DNEI: Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

IAPI – RJ: Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro LBA: Legião Brasileira de Assistência

LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC: Ministério de Educação e Cultura

RCN: Referencial Curricular Nacional

RCNEI: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10 1. CONTEXTO HISTÓRICO DAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL ... 13 1.1. Primeiras propostas de pré-escolas no Brasil ... 16 1.2. Aspectos legais da educação infantil e a modificação conceitual educador/cuidador ... 25 1.3. As funções de educar e cuidar ... 27

2. O PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO E CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DA

CRIANÇA ... 30 2.1. Os três tempos do circuito pulsional ... 39 2.2. A voz, o olhar e o colo no processo de subjetivação ... 43

3. A FUNÇÃO DOS PROFISSIONAIS QUE CUIDAM DOS BEBÊS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL ... 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 66

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INTRODUÇÃO

As modificações que surgiram no atendimento e acolhimento da primeira infância no Brasil, são relevantes para a produção deste trabalho. O interesse pelo tema partiu da experiência de estágios curriculares, básico e social, realizados em uma instituição de educação infantil no ano de 2016 e em um abrigo que acolhe crianças em situação de vulnerabilidade social no ano de 2018, respectivamente. Essa experiência e atribuições conduziram à reflexão sobre a função do cuidador para além do que a legislação propõe. Na experiência de estágio, foi possível compreender que nas instituições que acolhem crianças, em especial bebês, acontece, em muitos casos, o ensaio das primeiras experiências subjetivas: o balbucio, os primeiros passos, o desfralde, as primeiras palavras, a primeira refeição. Tais vivências necessitam um olhar, uma sintonia dos cuidadores e atenção constante para prover uma subjetivação salutar.

Participar da rotina das instituições, possibilitou a percepção de hábitos e preferências de cada criança, pois cada uma tem sua característica e mostra a seu modo, impõe vontades mesmo antes de adquirir a fala, desde os primeiros meses, incluindo o jeito de dormir, o choro para reivindicar algo, o olhar, o riso. Encontra, então, uma forma de se expressar, de chamar a atenção de quem dela cuida. Tal percepção foi, aos poucos, despertando interesse pelo tema, dando início às primeiras leituras sobre o assunto. Leituras que levaram a conhecer as instituições de educação infantil em seu contexto histórico e as principais contribuições teóricas sobre o papel do cuidador nessa modalidade de educação, no que diz respeito ao processo de subjetivação dos bebês acolhidos nessas instituições. Considerando que, atualmente, a criança, desde muito cedo, passa a maior parte do seu dia na instituição, os cuidadores são convocados a assumir um papel de suplência nos cuidados dessa criança.

A psicanálise, com sua teoria sobre o desenvolvimento psicossexual da criança, o funcionamento do aparelho psíquico, agregando conhecimento aos processos psicoafetivos e de pensamento, oferece contribuições significativas ao campo da educação. Sigmund Freud foi um dos estudiosos que possibilitou a entrada da psicologia no campo da educação, escrevendo textos relacionados ao campo pedagógico. Ao referenciar a psicanálise no campo educativo,

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pode-se pensar que há possibilidades de o educador/cuidador pensar sobre si e como vivencia sua prática nas instituições em que trabalha. Trata-se de abrir a discussão a respeito do processo de constituição psíquica, especialmente quando acontece no ambiente da educação infantil, junto com os cuidadores. A suplência convida o cuidador a exercer uma tripla função: cuidar, educar e subjetivar, trocando, assim, saberes com os bebês. Ao longo deste trabalho essas três funções serão clarificadas de forma que se possa perceber que o enlaçamento dessas funções faz parte da humanização da criança.

Para desenvolver este estudo, foi realizado um percurso na obra de Freud, especialmente no trabalho sobre o “Projeto para uma psicologia científica” (1895) cujo texto anuncia os principais conceitos desenvolvidos no decorrer de sua obra. Além do texto do Projeto, serão percorridos os escritos “Os três ensaios da teoria sexual”, “A pulsão e suas vicissitudes” e textos freudianos relacionados à pedagogia. O texto do “Projeto”, escrito para neurólogos, como o próprio Freud revela, consiste em uma leitura importante para a compreensão da organização psíquica da criança, viabilizada pela ajuda do próximo auxiliar.

Considerando a especificidade dos textos, psicanalistas que atuam na clínica infantil releem as obras freudianas para explicar a organização psíquica pelos três tempos do circuito pulsional, a saber, Marie Christine Laznik, Inês Catão, Vera Zimmermann e Jacques Lacan. A escolha dos autores teve por base o estabelecimento da referência direta que fazem aos textos freudianos.

Ancorado pelas ideias desses autores, o trabalho foi desenvolvido tendo por finalidade esclarecer a função dos profissionais que se ocupam de bebês nas escolas de educação infantil, compreendendo as relações educativa e de cuidado como uma relação de amor, pautada pelo respeito à subjetividade de cada bebê, aos seus mais arcaicos desejos, entendendo que o educador/cuidador pode entrar em sintonia com as experiências subjetivas que os bebês ensaiam na educação infantil.

Sendo assim, para dar conta das intenções propostas neste trabalho, o mesmo foi estruturado em três capítulos. O primeiro apresenta as instituições infantis em seu contexto histórico desde a França até o Brasil. O resgate do percurso histórico no que tange ao surgimento e evolução das instituições de educação infantil possibilita a percepção de mudanças na legislação, colocando

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a Creche como um lugar de educação e cuidado. Essas funções são clarificadas ao longo do trabalho sob a perspectiva da legislação e da teoria psicanalítica.

Partindo da contextualização histórica das instituições de educação infantil e das funções educar e cuidar, o segundo capítulo clarifica o processo de constituição psíquica do bebê, partindo das ideias psicanalíticas sobre a condição de desamparo do ser humano ao nascer. Destaca-se nesse capítulo que os primeiros anos de vida são importantes na constituição psíquica e, ressalta-se a necessidade de que haja alguém para amparar o bebê no início da vida. Esse amparo realizado pelo próximo auxiliar, destacado por Freud, humaniza a criança e está relacionado de forma direta com as funções de educar e cuidar. O processo de subjetivação psíquica será delineado a partir do circuito pulsional, inaugurado por Freud, definido em três tempos. Serão utilizados textos de Marie Christine Laznik, Inês Catão, Vera Zimmermann, Hervé Bentata, que fazem uma releitura da obra freudiana e abordam a implicância da voz, do olhar e do colo para o fechamento do circuito pulsional.

Seguindo o entendimento do significado do cuidado e da educação e compreendendo seu entrelaçamento na constituição da subjetividade, o terceiro capítulo discorre sobre a função do cuidador na educação infantil e sua contribuição para a continuidade da subjetivação da criança iniciada no ambiente familiar. Explica-se então, como as profissionais da educação infantil podem cuidar e educar um bebê do qual não são mães, fazer a função de próximo auxiliar, como podem exercer essa suplência sem tomar a criança como sua.

O entrelaçamento dos três capítulos delineia a função dos cuidadores ao acolher bebês na educação infantil, que será abordada nas considerações finais. No que diz respeito à especificidade metodológica, importa mencionar que se trata de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa, do tipo descritiva e exploratória, tendo como norte os aportes teóricos da psicanálise. Os textos freudianos utilizados como fontes dessa pesquisa compõem a obra da editora Amorrortu, Buenos Aires, Argentina, escrita em língua espanhola. A escolha por esta edição é relevante na medida em que a tradução para o espanhol foi realizada direto da obra original de Freud em alemão, o que proporciona fidedignidade à tradução. Portanto, no decorrer deste trabalho, utiliza-se nas referências e citações o ano da escrita dos textos e o ano da edição consultada sequencialmente.

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1. CONTEXTO HISTÓRICO DAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A educação infantil vem sendo pesquisada por autores (MARIOTTO, 2009; KUHLMANN, 2015; CRESPIN, 2016; RIZZO, 2012; OLIVEIRA, 2011) que estudam as transformações sociais e políticas das escolas de educação infantil, anteriormente, denominadas creches, e abordam o vínculo que se estabelece entre os cuidadores e as crianças. Etimologicamente, “creche” é uma palavra francesa – crèche - que significa “manjedoura”, denominação dada aos abrigos para bebês necessitados na França, durante o século XVIII, de caráter basicamente custódio – assistencial, uma vez que guardava lactentes para que as mães pudessem trabalhar (MARIOTTO, 2009, p. 28).

Rizzo (2012), ao referenciar a “creche”, situa como um ambiente específico, criado para oferecer com excelência condições que propiciem e estimulem um desenvolvimento íntegro e harmonioso da criança sadia nos três primeiros anos de vida. Segundo a autora, a creche tem como principal objetivo responder pelos cuidados integrais da criança na ausência da família, sendo um lugar para crianças sadias, visto que, a criança doente nessa instituição não recebe a devida atenção, pois a instituição não tem profissionais habilitados para tal situação e sequer um ambiente específico para atender crianças doentes, o que poderia colocar outras crianças em risco.

Crespin (2016) escreve que o século XIX foi marcado por uma época em que os cuidados com a primeira infância eram considerados repugnantes. Nesse tempo, surgiram as creches para substituir as mães pobres das classes operárias, tendo em vista o aumento significativo do grupo familiar e, também, seu desmembramento devido ao processo de industrialização. Nas primeiras creches, o índice de mortalidade era alto sendo esse fator um entrave na implantação de mais instituições, motivo pelo qual, até o início do século XX, poucas creches foram criadas. Críticas quanto às normas de higiene e a incapacidade em melhorar o estado de saúde das crianças agravaram a possibilidade de criação de outras creches.

Após a Primeira Guerra Mundial, com a transformação do mercado de trabalho, a lei da jornada de oito horas entra em vigor e com ela chega a nova geração de médicos, o que permite progresso nos campos da nutrição e da higiene, acompanhados, a partir dos anos 30, pelo controle de epidemias através

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da vacina BCG (CRESPIN, 2016). Esse período, chamado higienista, estende-se até o pós Segunda Guerra Mundial, momento em que são criados os dispensários1. Percebe-se, então, a multiplicação das creches, tendo como

principal exigência garantir a sobrevivência e o desenvolvimento físico dos bebês. Estes, até meados do século XX, desde o nascimento e durante os primeiros meses de vida, não eram considerados mais do que seres vegetativos, sem pensamento ou atividade. De acordo com Crespin (2016), essa foi a razão pela qual as creches precisavam desempenhar o papel de garantir sobrevivência e desenvolvimento.

Segundo Haddad (1993), a origem da creche no século XIX acompanha a organização da família em torno da criança pequena ampliando suas responsabilidades. Sobre isso, afirma que a constituição da família moderna reorganizou os papéis e relações entre seus membros, caracterizando um estreitamento dos laços afetivos nos quais a criança ocupou lugar privilegiado. De acordo com a autora, as creches surgiram no Brasil no início do século XX, acompanhando a presença evolutiva do capitalismo, a urbanização e a necessidade de mão de obra. Durante muito tempo a creche tinha como função combater a pobreza e a mortalidade infantil, os padrões de funcionamento variavam conforme o que acreditava ser determinante para esse combate.

A história da infância, escreve Kuhlmann Jr. (2015), anuncia um aprofundamento nas pesquisas sobre a história da educação infantil, tendo em vista a necessidade de um olhar mais amplo, além daquele que descreve as origens sociais da criança que frequenta essa modalidade de educação e de como isso repercute no funcionamento das instituições. De acordo com o autor, essas instituições de educação têm um entrelaçamento com questões que dizem respeito à história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho e das relações de produção. Sendo assim, a história da educação, de modo geral, precisa levar em conta todo o período da infância, que é condição

1 Os primeiros dispensários tinham uma função essencialmente preventiva e surgiram com a

finalidade de impedir a propagação de doenças que facilmente ganhavam contornos de autênticos flagelos sociais. Em Portugal, foram criados para combater a elevada incidência de tuberculose, sobretudo nas classes mais desfavorecidas, e dar assistência às crianças pobres. Além da prevenção e tratamento de doenças infecciosas, os dispensários investiam também na educação, cumprindo, assim, uma tripla função: prevenir, cuidar e educar (ESTEVES, A.P. Gênese e institucionalização do Dispensário de Higiene Social de Viana do Castelo - 1934-1960).

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da criança, com limites etários amplos, divididos em fases de idade, para as quais foram criadas instituições educacionais específicas (KUHLMANN JR.,2015).

Segundo Rizzo (2012), percorrer o período histórico das creches é relevante para que possamos compreender a mudança de conceito que levou a ampliação dos objetivos e responsabilidades destas instituições junto à criança. A autora observa que houve a época em que o carinho, interesse e respeito pelos filhos não existiam. Essa época, historicamente prolongada, retrata uma infância ignorada e rejeitada, desprezada por toda a sociedade, no que concerne ao respeito às suas crenças, valores e costumes, incluindo a Igreja e o Estado, que por um longo tempo teceram seus poderes, como um só, sem definir limites de função e poder social.

A infância é considerada um período do desenvolvimento humano que vai do nascimento à puberdade. Conforme os escritos de Ariès (1978), na sociedade medieval o sentimento de infância não existia, porém, isso não significa que havia negligência, abandono ou desprezo. O autor esclarece que o sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças, e sim corresponde à consciência da particularidade infantil, que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Em virtude disso, quando a criança estava em condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais deles (ARIÈS, 1978).

O primeiro sentimento de infância, caracterizado pelo paparico surgiu no meio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, foi proveniente de uma fonte exterior, os eclesiásticos ou homens da lei, que eram uma raridade até o século XVI, e de um maior número de moralistas no século XVII, que se preocupavam com a disciplina e a racionalidade dos costumes. É entre os moralistas e os educadores que vemos a formação do paparico, que inspirou toda a educação até o século XX no campo, na burguesia e no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais pela distração e brincadeira, mas por meio do interesse psicológico e da preocupação moral. De acordo com Ariès (1978), no século XVIII, inicia-se a preocupação com a higiene e a saúde física. Tudo o que dizia respeito à criança e à família era assunto relevante não apenas para o futuro da criança, mas, também, por sua presença

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e existência. Nesse contexto, a criança ocupa um lugar central dentro da família e, a partir disso, evidencia-se o movimento de preocupação com a educação que fora esquecido pela civilização medieval, que não tinha ideia de educação, e de que a sociedade depende do sucesso do sistema educacional (ARIÈS,1978).

1.1. Primeiras propostas de pré-escolas no Brasil

A constituição das instituições pré-escolares (creches, escolas maternais e jardins de infância), em diferentes contextos e lugares, é marcada pela história da sociedade estando atrelada ao desenvolvimento da vida urbana e industrial, assim como considera as mudanças que ocorrem na organização familiar. Kuhlmann Jr. (2015) observa que, no Brasil, a história das instituições infantis, resulta da articulação de interesses jurídicos, empresariais, políticos, médicos, pedagógicos e religiosos. Esses interesses circulam em torno de três influências básicas: a jurídico-policial, a médico-higienista e a religiosa. Além disso, ressalta que a infância, a maternidade e o trabalho feminino são relevantes para avaliar o contexto histórico das instituições de educação infantil que decorre de uma interação de tempos, influências e temas, sendo a elaboração de uma proposta educacional assistencialista parte integrante da história da humanidade.

No seu percurso histórico, Kuhlmann Jr. (2015), afirma que as instituições pré-escolares iniciaram sua difusão internacional a partir da segunda metade do século XIX, partindo de um conjunto de medidas em conformidade com a assistência científica, englobando aspectos alimentares e habitacionais dos trabalhadores e dos pobres. O marco inaugural dessas instituições foi sua postulação como proposta moderna e científica, palavras utilizadas de forma expressiva para exaltar o progresso e a indústria. A partir disso, a creche foi apresentada como substituição ou oposição à Casa da Roda, Casa dos Enjeitados ou Casa dos Expostos2, para que as mães não abandonassem seus

2Entre os séculos XVII e XIX, a sociedade ocidental católica desenvolveu uma forma de

assistência infantil chamada Casa da Roda dos Expostos, que deveria garantir a sobrevivência do enjeitado e preservar oculta a identidade da pessoa que abandonasse ou encontrasse abandonado um bebê. De forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse dispositivo era fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da parte externa, o expositor colocava a criança que enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilante – ou rodeira – que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido (TORRES, L. H. A casa da roda dos expostos do Rio Grande).

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filhos. Além disso, não se pode considerar a creche como uma iniciativa independente das escolas maternais ou jardins de infância, pois as propostas de atendimento educacional à infância de zero a seis anos tratam das duas iniciativas, mesmo que as instituições sejam apresentadas por idades e classes sociais diferentes (KUHLMANN JR., 2015).

Em seus estudos teóricos, Kuhlmann Jr. (2015) menciona o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI-RJ), fundado em 1899, como instituição pioneira e de grande influência, com filiais por todo o país. Nesse mesmo ano, também foi inaugurada a creche da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado (RJ), sendo a primeira creche brasileira para filhos de operários de que se tem registro. Porém, é possível identificar que em momentos anteriores ocorreram manifestações importantes em relação às instituições pré-escolares.

Em janeiro de 1879, foi lançado no Rio de Janeiro o jornal A Mãi de

Família3 voltado para as mães burguesas. Como primeiro artigo, em destaque,

apareceu uma das primeiras referências à creche no país, escrito pelo Doutor K. Vinelli, médico dos Expostos da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Esse artigo tinha como título A creche, compreendida como asilo para a infância, foi a primeira menção à creche ocorrida no Brasil. O Doutor K. Vinelli apresentou a creche de modo muito particular, diferente da França e dos países europeus que a apresentavam em nome da ampliação do trabalho industrial feminino. Cabe mencionar que no Brasil, não havia, ainda, uma demanda nesse setor e, sendo assim, a chamada creche popular foi criada mais para atender as mães trabalhadoras domésticas do que as operárias industriais (KUHLMANN JR., 2015).

No ano de 1883, houve a tentativa de realizar o Congresso da Instrução, que resultou na Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro e publicados textos que haviam sido elaborados para apresentar no referido Congresso. A Exposição Pedagógica tratava da questão da educação pré-escolar e anunciava interesses privados. Ainda que houvesse referência à implantação de jardins de infância para crianças pobres, não havia movimento que concretizasse essa implantação. As pessoas vinculadas às pré-escolas privadas brasileiras

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preocupavam-se em garantir o desenvolvimento de suas próprias escolas. A partir disso, o termo “pedagógico” passou a ser utilizado como estratégia de propaganda para atrair as famílias de alto poder aquisitivo, como uma atribuição do jardim de infância para os ricos e que não poderia estar relacionado com os asilos e creches para os pobres. O Kindergarten (jardim de infância), padrão de educação pré-escolar dos países da Europa, foi apresentado para servir de modelo, porque era utilizado pela elite europeia (KUHLMANN JR., 2015, p.81).

O setor privado da educação escolar, voltado para as elites, adotou Jardins de Infância de orientação Froebeliana, tendo como principais instituições o Colégio Menezes Vieira (1875) no Rio de Janeiro e a Escola Americana (1877) em São Paulo. No setor público, em 1896, o jardim de infância anexado à Escola Normal Caetano de Campos, atendia os filhos da burguesia paulistana (KUHLMANN JR., 2015).

Kuhlmann Jr. (2015) escreve que a influência médico-higienista marcou a década de 1870 nas questões educacionais. Segundo o autor, nessa época, ocorreu a consolidação e avanço do conhecimento relativo às relações entre micro-organismos e doenças. Médicos cientistas ocuparam-se do campo da epidemiologia e dotaram a Medicina e a Higiene de uma autoridade social incontestável. A partir das suas pesquisas ocorreram avanços importantes no combate à mortalidade infantil, houve a pasteurização do leite de vaca, difundindo o uso da mamadeira, um aumento significativo nas chamadas consultas de lactentes, as ligas contra a mortalidade infantil e as Gotas de Leite, instituições que distribuíam o leite às mães diariamente. A partir disso, os médicos passaram a ter papel preponderante nas discussões sobre a criança.

Na educação, a influência médico-higienista foi relevante em muitos aspectos. Houve discussões quanto aos projetos para a construção das escolas, implantação dos serviços de inspeção médico-escolar e sugestões apresentadas para todos os ramos do ensino, de forma especial, à educação primária e infantil. A mortalidade infantil era o grande tema associado à influência médico-higienista. As propostas eram integradas ao projeto direcionado ao saneamento para atingir a civilidade e a modernidade (KUHLMANN JR., 2015).

Rosen (1994) comenta que as creches poderiam ter funcionado como laboratórios para os médicos, assim como a creche anexa à Escola Doméstica de Natal (RN), criada em 1914, por Doutor Henrique Castriciano. Essa creche

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recebia, anualmente, seis crianças internas para observação diária das alunas, além daquelas que o professor julgava conveniente trazer ao estabelecimento para aprofundar estudos sobre diversas moléstias, principalmente as tropicais (ROSEN, 1994).

Os pediatras encontravam na Puericultura uma maneira de divulgar os cuidados com a infância. Magalhães (1992, p.19) descreve a Puericultura como “a ciência que tem por fim pesquisar os conhecimentos relativos à reprodução e à conservação da espécie humana”. Kuhlmann Jr. (2015) conclui que essa área da medicina tinha desdobramentos de controle racial, adotando princípios de eugenia, concepção racista que ganhava espaço nesse período.

Grandes avanços na medicina e outras áreas do conhecimento contribuíram para que a infância fosse mais valorizada. Crespin (2016) escreve que o progresso da pediatria afastou o terror da mortalidade infantil, ideias da pedagogia e psicologia revolucionaram a concepção de recém-nascido e de criança dando vida ao bebê. Este, deixa de ser visto como um mero corpo, cuidado com gestos especializados e impessoais, para tornar-se sujeito. Assim, salienta a autora, o cuidado, considerado uma tarefa degradante, tornou-se função valorizada.

Os objetivos do o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro (IPAI-RJ) anunciavam uma preocupação com a questão jurídica e, também, com a educação. Eram inspecionadas condições de vida das crianças pobres, regulamentação da lactação, o zelo pelas vacinas, difusão de meios de combate à tuberculose e outras doenças da primeira infância, regulamentar a indústria das amas de leite, criar escolas e propagar ideias de caridade em prol da infância (KUHLMANN JR., 2015).

De acordo com Kuhlmann Jr. (2015), a influência jurídico-policial traz o tema da infância moralmente abandonada. Em 1906, no Distrito Federal, foi fundado por juristas brasileiros o Patronato de Menores. Essa instituição, inaugurou a Creche Central e recebeu esse nome com a finalidade de ser a matriz de outros institutos semelhantes a serem abertos nos bairros afastados do centro da cidade. Os objetivos do Patronato de Menores, estabelecidos nos estatutos de 1909, visavam a fundação de creches e jardins de infância, proporcionar às crianças pobres recursos para aproveitarem o ensino público primário, infundir nas famílias pobres os bons resultados da instrução, auxiliar os

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magistrados no amparo e proteção aos menores abandonados, promover a proibição das vendas por menores “na escola perniciosa das ruas”, promover a assistência de detentos menores e esforçar-se para que fosse feita a fiscalização de todas as instituições de assistência pública e privada. Em 1895, o Congresso Penitenciário Internacional contribuiu para a adoção de algumas orientações, tais como ajudar os pais ou parentes honestos, criando creches, salas de asilo, escolas maternais e asilos temporários para adolescentes (KUHLMANN JR., 2015, p. 93-94).

No que concerne à influência religiosa, a Igreja Católica, considerada a única instituição capaz de salvar a ordem social e fazer a felicidade dos povos, dava notícias de sua contribuição para controlar as classes trabalhadoras. Em 1891, o Papa Leão XIII anuncia a encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas) que seria norteadora da ordem social. Nesta encíclica o Papa anuncia ser contra os sindicatos e o socialismo, vistos como irreligiosos e aproveitadores das condições do proletariado. Os religiosos afirmavam que a igreja era quem sustentava a sociedade capitalista, enfatizando a experiência da igreja na caridade no passar dos séculos (KUHLMANN JR.,2015, p.95).

Ao discorrer sobre as influências religiosas, jurídicas e médicas, Kuhlmann Jr. (2015) ressalta que os médicos e os juristas não prescindiram da orientação religiosa nos seus estabelecimentos, o que não quer dizer que tenham rompido com a igreja, havia uma acomodação de interesses. As instituições dirigidas por médicos e juristas mantinham capelas nas creches e asilos para o exercício do oficio religioso.

A partir da década de 1960, houve a ampliação do reconhecimento das instituições de Educação Infantil como uma possibilidade de fornecer uma boa educação às crianças ali inseridas. No final dessa década, os setores médios da sociedade demandavam por creches sendo assim, ampliada no interior das classes populares que vislumbravam alternativas para educar os filhos pequenos. Essas alternativas teriam que ser compatíveis com as exigências apresentadas pelo mercado de trabalho e pela vida nas cidades. A demanda desses setores promoveu uma recaracterização das instituições que passaram a ser vistas como apropriadas a crianças de todas as classes sociais (KUHLMANN JR.,2015).

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No período dos governos militares pós 1964, as políticas adotadas a nível federal, continuaram divulgando a ideia de creche e, também, de pré-escola como formas de assistência à criança carente. Em 1967, surge o Plano de Assistência ao Pré-Escolar, proposto pelo Departamento Nacional da Criança sob influência do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (UNICEF). A autora ressalta que a ideia de compensar carências de origem orgânica foi ampliada para compensar carências de origem cultural. Essa compensação visava garantir a diminuição do fracasso escolar no ensino obrigatório. Em 1967, as mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) trataram o atendimento aos filhos das trabalhadoras somente como uma questão de organização de berçários pelas empresas. O poder público não cumpriu o papel de fiscalizar a oferta desses berçários pelas empresas e, como consequência, poucas creches e berçários ali foram organizadas (OLIVEIRA, 2011).

Oliveira (2011) afirma que na década de 1970 muitos debates foram abertos sobre os problemas das crianças provenientes de classes desfavorecidas e necessitavam um olhar que remediasse esses problemas. O atendimento a essas crianças em instituições como creches, parques infantis e pré-escolas poderia possibilitar a superação das condições sociais a que estas crianças estavam sujeitas, mesmo que as estruturas sociais geradoras dos problemas não sofressem alteração. Essas creches e pré-escolas foram elaboradas visando uma educação compensatória, cujo foco era o estímulo precoce e o preparo para a alfabetização, porém sempre com práticas educativas assistencialistas, pois atendiam a população de baixa renda. Oliveira (2011) afirma, ainda, que as novas instituições, criadas para atender os filhos de mulheres trabalhadoras de classe média, buscaram aprimorar intelectualmente as crianças daquelas camadas sociais e traziam a defesa de um padrão educativo voltado para os aspectos cognitivos, econômicos e sociais da criança pequena.

Rizzo (2012), ao falar sobre a entrada das mulheres de classe média no mercado de trabalho, observa que esta nova classe social, mais exigente com os cuidados de seus filhos, acabou conseguindo que fossem incluídas as responsabilidades de abrigo, higiene e alimentação, antes oferecidos pelas creches às crianças pobres. A diminuição dos espaços e das moradias urbanas,

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somado à ausência de avós e tias, que no início do século moravam na casa grande da família e tinham participação ativa nos afazeres domésticos, na guarda e na educação das crianças, foi um fator relevante pela procura das creches (RIZZO, 2012).

A entrada significativa das mulheres no mercado de trabalho proporcionou uma ampliação no reconhecimento da necessidade das creches. Kuhlmann Jr. (2015), enfatiza que foi somente com a expansão da força de trabalho feminina aos setores médios da sociedade em todo o mundo ocidental, a partir da década de 1960, que ocorreu uma extensão significativa do reconhecimento das Instituições de Educação Infantil como ambiente capaz de fornecer uma boa educação para as crianças que as frequentassem.

A partir da entrada da mulher no mercado de trabalho, o atendimento educacional, influenciado por estudos médicos e psicológicos, destacava a criatividade e a sociabilidade. Oliveira (2011) aponta que essas inovações, primeiramente voltadas à educação pré-escolar, acabaram provocando o aparecimento de condições favoráveis à creche por parte de alguns grupos sociais. Segundo Haddad (1996), no Brasil, a década de 1970 foi caracterizada por movimentos sociais e, em alguns lugares, a creche passou a ter um enfoque diferenciado, aparecendo como um direito das mulheres trabalhadoras.

Esses grupos buscavam a creche como um lugar complementar a educação dos filhos, liberando a mãe para trabalhar fora de casa. A partir do movimento desses grupos, ocorreu um aumento de instituições que atendiam as crianças pequenas e a representação da educação infantil acabou sendo modificada, valorizando o atendimento das crianças fora da família. Os discursos assistencialistas e compensatórios perpetuavam nos parques que atendiam filhos de operários e nas creches que atendiam crianças de baixa renda, enquanto nos jardins de infância que atendiam crianças de classe média, as propostas de desenvolvimento afetivo e cognitivo ganhavam ênfase (OLIVEIRA, 2011).

A década de 1970 foi marcada pelo aumento da demanda por instituições que acolhiam as crianças pequenas, ocorrendo, então, o incentivo à municipalização da educação pré-escolar pública. Na segunda metade dos anos 70, a pressão da demanda por pré-escola e os polêmicos debates sobre a natureza assistencial versus educativa movimentou as decisões na área. A

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diminuição das vagas em instituições estaduais e a ampliação nas redes municipais foi intensificada por meio da aprovação da Emenda Calmom à Constituição Nacional (1982), que vinculava um percentual mínimo de 25% das receitas municipais a gastos com o ensino em geral. Em 1974, o Ministério de Educação e Cultura (MEC) criou o Serviço de Educação Pré-Escolar e, em 1975, foi criada a Coordenadoria de Ensino Pré-Escolar (OLIVEIRA, 2011).

Em 1977, surgiu o Projeto Casulo que visava liberar as mães para o trabalho para que pudessem aumentar a renda da família. O projeto foi criado pela Legião Brasileira de Assistência (LBA)4 e não tinha vínculo com o MEC. O

foco do projeto era orientar as monitoras5 com formação no ensino médio para

que pudessem coordenar as atividades educacionais que conviviam com medidas de combate à desnutrição. Esse projeto foi ramificado para vários municípios de todo o país, atingindo um número significativo de crianças (OLIVEIRA, 2011).

O governo federal fez uso da Fundação Mobral6 para competir com a LBA

pela mesma clientela infantil. As iniciativas da Fundação Mobral serviram para amenizar desigualdades e prover necessidades básicas e não promoveram aprendizagem. Nas décadas de 1970 e 1980, surgiram movimentos operários e feministas na luta pela democratização do país e no combate às desigualdades, que eram fruto do contexto econômico e político. Com o final do regime militar, ocorreu a abertura política e foram adotadas medidas que pudessem ampliar o acesso das classes de baixa renda à escola. Os movimentos feministas e operários criaram novos canais de pressão sobre o poder público resultando na elevação do número de creches mantidas e geridas pela administração pública havendo, ainda, a expansão de creches particulares conveniadas com o governo municipal, estadual e federal (OLIVEIRA, 2011).

4 Criada em 1942 por iniciativa privada do Governo e de uma primeira dama preocupada com a

sorte dos necessitados. Apenas em 1974 a LBA foi consolidada como instituição responsável pela assistência no país (FLACH, 2006).

5 Termo usado pela autora para fazer referência ao profissional que atuava na atividade

educacional do projeto.

6 O Mobral foi criado em 1970 com objetivo de erradicar o analfabetismo no Brasil em dez anos.

Propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando “conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida”. O programa foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar. (MENEZES, Ebenezer Takuno; SANTOS, Thais Helena, 2001).

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Oliveira (2011) afirma que os movimentos dos grupos sociais contribuíram na elevação do número de creches, porém, o atendimento ainda era insuficiente. Ocorreram outras iniciativas para acolher os filhos das mães trabalhadoras, tais como a criação dos programas de assistência de baixo custo, que foram estruturados através de recursos comunitários.

Mesmo com esses programas, muitas crianças não eram beneficiadas e apresentava-se um quadro de discriminação e marginalização mais precoce. As políticas pedagógicas ainda definiam as crianças pelas carências e dificuldades e as pré-escolas adotavam práticas de recreação e assistencialismo devido à falta de oportunidades para os professores das instituições absorverem as programações propostas (OLIVEIRA, 2011).

Findado o governo militar, observa-se uma crescente evolução no que toca às políticas e legislação das Instituições de Educação Infantil. Em 1986 foi elaborado o Plano Nacional de Desenvolvimento e começava a admissão da ideia de que a creche dizia respeito às empresas e ao Estado, não somente à mulher e à família. Os educadores apresentavam questionamentos políticos sobre a possibilidade de a creche e as pré-escolas fundamentarem a luta contra as desigualdades sociais. A partir dos questionamentos foram pensadas novas programações pedagógicas que procuravam romper o círculo do assistencialismo e da educação compensatória. As propostas enfatizavam o desenvolvimento linguístico e cognitivo das crianças (OLIVEIRA, 2011).

Kuhlmann Jr. (2015) aponta as creches como resultado das lutas dos movimentos populares e das reivindicações feministas. A creche foi vista como uma conquista e tinha que ser diferente de toda a tradição anterior que a enlaçava às entidades assistencialistas. A partir desse momento, a pretensão era denunciar as precárias condições do atendimento educacional das creches e pré-escolas. O autor ressalta que a expansão da pré-escola levou os educadores a criticarem o assistencialismo contido nas propostas da chamada educação compensatória. Nesse sentido, a educação foi vista como oposto de assistência e percebeu-se a necessidade de quebrar o rótulo dado às creches como sendo um depósito de crianças.

Os avanços na educação infantil proporcionaram mudanças significativas no trabalho dos profissionais da área. Tais mudanças anunciam uma participação ativa dos cuidadores na tarefa de educar e cuidar, não mais como

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guardadores na condição de suprir as necessidades básicas. As instituições que acolhem as crianças pequenas passaram a ser vistas pela sociedade e famílias como responsáveis pelas crianças no período em que as atendem.

1.2. Aspectos legais da educação infantil e a modificação conceitual – educador/cuidador

A expressão educação infantil, segundo Kuhlmann Jr. (2015), foi adotada recentemente no Brasil, consagrada nas disposições expressas na Constituição Federal de 1988, assim como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), lei 9394 de 1996, para caracterizar as instituições pré-escolares, abarcando o atendimento de zero a seis anos de idade. Assim, de acordo com essa legislação, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica, sendo desvinculada da assistência social, integrando a política nacional de educação.

Rizzo (2012) abre um questionamento referente à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional na descrição que prevê o atendimento à criança de zero a três anos de idade. A autora ressalta a importância da contraindicação a qualquer serviço que possa estimular o afastamento prematuro do bebê de sua mãe, de maneira especial, nos três primeiros meses de vida. A autora assegura que pediatras, psiquiatras infantis e psicólogos do mundo todo têm se mostrado contrários a medidas que permitam ou admitam esse tipo de procedimento.

A década de 1990 anunciou políticas de proteção à infância, sendo criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que concretizou os direitos das crianças promulgados pela Constituição (1988). Oliveira (2011) destaca que a LDBEN 9394/96 propõe a reorganização da educação brasileira e amplia o conceito de educação básica que passa a abranger a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio expandindo o conceito de educação. A lei 9394/96 dispõe princípios de valorização dos profissionais da educação, estabelece critérios para o uso das verbas voltadas à educação e atribui flexibilidade ao funcionamento da creche e da pré-escola, permitindo formas distintas de organização e prática pedagógica (OLIVEIRA,2011).

Após a promulgação dessa Lei, houve uma diminuição nas taxas de natalidade e inclusão de alunos de seis anos no ensino fundamental. As novas

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ideias sobre desenvolvimento mudaram a forma de pensar as propostas pedagógicas. Assim, o MEC criou um Referencial Curricular Nacional e foram definidas as Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (OLIVEIRA, 2011).

Montenegro (2005), ao falar sobre a evolução histórica das creches ressalta que a partir das leis e políticas de proteção à criança, a creche passa de instituição excluída do sistema educacional, de prestadora de serviço informal não regulamentada e muitas vezes clandestina a uma instituição formalizada. A autora afirma que foi a partir desse contexto de políticas, leis e diretrizes que surgiram as discussões sobre a atividade assistencial e pedagógica da creche, situada no binômio educar e cuidar7 da criança pequena, e ressalta que pela

primeira vez, em um documento oficial sobre a educação da criança pequena, havia referência sobre as dimensões de cuidado e educação. As propostas atuais de políticas de atenção à criança pequena almejam que os profissionais que se ocupam das crianças possam desempenhar essa dupla função de cuidar e educar (Ibid. p. 81-82).

Oliveira (2011) destaca que a Resolução CNE/CEB nﹾ. 05/09 anuncia a importância do função sócio-política das escolas de educação infantil, no que concerne à dupla função de educar e cuidar. As Diretrizes da Resolução apontaram essas funções como aspectos que não se dissociam e defenderam a criança como sujeito ativo, capaz de interagir com o mundo através do brincar e, fundamentalmente, como alguém com direito de viver sua infância.

O artigo 7º. da Resolução CNE/CEB nﹾ05/09 estabelece um ponto relevante no que diz respeito à função sociopolítica e pedagógica da Educação Infantil. De acordo com Callegari (2009), a proposta pedagógica nas instituições de Educação Infantil deve garantir o cumprimento pleno das funções sociopolíticas e pedagógicas,

I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias; III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade

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comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa (CALLEGARI, 2009, p.2, grifo nosso).

Rezende e Sá (2018) atentam que o reconhecimento legal não é o suficiente para que se possa ter uma compreensão do que significa e implica cuidar e educar, ainda, necessita ser incorporada nas práticas escolares.

Mariotto (2009) afirma que o reconhecimento da creche como lugar de cuidado, antecipação e educação introduz a questão da prevenção e, de forma precisa, a articulação entre psicanálise e educação infantil. A autora ressalta que entender o ato educativo é anunciar que pensemos em um bebê integrado em uma creche que assume cada vez mais o caráter educacional. O risco é que desde pequenino seja exigido a renunciar àquilo que nem bem se estabeleceu. Desta forma, acrescenta que aproximar o cuidar e o educar é reconhecer a diversidade presente em cada ofício já que, ao cuidar de um corpo, educa-se um sujeito.

A educação infantil potencializa o fator emocional, pois envolve relações interpessoais entre profissionais e crianças bem pequenas, possibilitando a reflexão e discussão da função educativa e educacional.

1.3. As funções de educar e cuidar

Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), educar significa possibilitar que a criança esteja inserida em um ambiente que ofereça situações de cuidado, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada. O RCNEI estabelece que educar implica ações que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relacionamento interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude de aceitação, respeito e confiança. Assim, possibilitar à criança o acesso aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural, onde possa desenvolver suas capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades relacionadas ao corpo, afeto, emoção, estética e ética é contribuir para sua felicidade e saúde (BRASIL,1998).

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Quanto ao cuidar, o RCNEI (1998) contempla o cuidado como parte integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica. Cuidar de uma criança em um contexto educativo exige a integração de vários campos de conhecimento e a cooperação de profissionais de diferentes áreas. Desta forma, o cuidado está relacionado com a valorização e auxílio no desenvolvimento de capacidades, é um ato em relação ao outro e a si próprio, com dimensão expressiva que implica em procedimentos específicos (BRASIL, 1998).

Rezende e Sá (2018) consideram que é um equívoco pensar que se pode educar sem cuidar ou cuidar sem educar e que é fundamental a análise dessa afirmação para que possa ser traduzida à prática. As autoras ressaltam que o cuidado está além da atenção e controle do corpo apresentando-se como uma relação humana, enquanto cuidar envolve olhar o outro, escutá-lo em suas vontades e interesses, acompanhando suas descobertas e amparando-o no momento em que aparece uma frustração.

De acordo com Mariotto (2009, p.16), “a noção de cuidado refere-se ao trabalho dispensado ao corpo e às suas funções fisiológicas e instrumentais, tais como alimentar, limpar, exercitar”, que são funções desempenhadas pelo cuidador. Segundo a autora, a função educativa, também desempenhada pelos profissionais da instituição de educação infantil, versa sobre o processo de humanização e firma que o educador é aquele que toma para si a responsabilidade pela tarefa de ensinar à criança as primeiras experiências de uma aprendizagem formal. A autora escreve que o ato educativo está referido ao processo de humanização, pois aquele que educa inaugura o educante em uma ordem simbólica na medida em que o inscreve em uma rede discursiva, dando-lhe o estatuto de significante.

Pensando o cuidado e a educação, Montagna (2011) escreve que são atenções completamente dispensadas à criança e comenta que não há como pensá-las separadamente ou de forma hierarquizada, como se uma das funções fosse mais importante que a outra. Cuidar remonta a proteger, zelar, vigiar, tomar conta com toda a atenção.

Sobre o cuidado, Cuppermann (2011) afirma que nos primeiros tempos de vida, além de cuidar do bebê, o educador exerce a função de sustentar - lhe uma imagem de si, como se fosse um espelho, revelando suas reações e os

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efeitos de suas ações no mundo ao redor. A autora afirma que, a partir disso, o educador confere ao bebê o caráter de sujeito singular que age e convoca o outro para junto de si (CUPPERMANN, 2011).

De acordo com Crespin (2016), cuidar de um bebê não se resume na realização de tarefas, por mais valorizadas e bem realizadas que sejam. A autora relembra os escritos de John Bowlby sobre a teoria do apego, ressaltando que “a necessidade do apego é inata e primária no homem pequeno” (Ibid., p.16).

Rosa (2011) afirma que a educação sistemática ou assistemática produz efeitos de inscrição nas crianças pequenas. Ao pensar no cuidado e na educação destas, a autora comenta que essas funções estão diariamente no discurso dos educadores das creches e escolas de educação infantil. Nesse sentido, afirma que os educadores, em sua relação com as crianças, têm a possibilidade de propor um ordenamento simbólico, porque encaram as insígnias da escola ou da creche e, ainda, precisam ser autorizados pelos pais ou seus substitutos a exercerem tais funções junto aos pequeninos. Assim, segundo Rosa (2011), o que está em jogo na educação infantil, é a possibilidade de intervir no processo de subjetivação.

A partir da construção teórica sobre a função de educar e cuidar, observa-se que a criança necessita observa-ser percebida como sujeito de deobserva-sejo e não como observa-ser de necessidades que precisam ser satisfeitas. No que diz respeito aos bebês, o desejo de comida se apresenta desde as primeiras mamadas, carregado de sentidos extras relacionados ao toque, olhar e voz, visto que o bebê não se alimenta só do leite, mas de tudo que lhe chega quando mama. Portanto, dirigir a palavra ao bebê é conferir-lhe o estatuto de sujeito, o que está posto nos escritos de Crespin (2016) ao afirmar que “é preciso falar com as crianças”. Para essa autora aquele que cuida de um bebê deve, nos momentos de cuidado, dirigir-se à criança constantemente, explicando tudo o que irá fazer. Assegura, então, que é possível falar com o bebê desde o início de sua vida e alerta ser imprescindível prestar atenção no que “se deve dizer às crianças” (CRESPIN, 2016, p.107).

Os profissionais que cuidam dos bebês na educação infantil ocupam um lugar de suplência nos cuidados que antes eram desempenhados no âmbito familiar. Nesse cuidar, contribuem para o desenvolvimento das capacidades da criança de se relacionar interpessoalmente, auxiliam no processo de

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mapeamento do corpo da criança, no que diz respeito aos aspectos fisiológicos e psíquicos, intervindo na constituição da sua subjetividade.

2. O PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO E CONSTITUIÇÃO PSÍQUICA DA CRIANÇA

Os primeiros anos de vida são importantes na constituição. Um bebê está em processo maturativo das estruturas anatômicas e fisiológicas, do crescimento do corpo, das aquisições instrumentais que dizem respeito à linguagem, psicomotricidade e aprendizagem. O bebê também está no tempo em que se operam as primeiras inscrições psíquicas e que em nenhum outro momento da vida passam por modificações tão radicais quanto nos três primeiros anos (JERUSALINSKY, 2002).

Os estudos psicanalíticos apontam que o sujeito se constitui a partir do Outro primordial representado pela pessoa que desempenha a função materna. Para a constituição do sujeito é necessário que aconteça uma relação dual e alienante entre mãe e filho para que, posteriormente, com a entrada de um terceiro que representa a figura paterna, seja permitida a inscrição do sujeito no mundo simbólico a fim de estabelecer novas relações e apropriação da linguagem. Esse é um processo complexo e primordial que determina a formação e o futuro psíquico do sujeito (BATISTA, 2016).

Kupfer et al (2009) escrevem que o desenvolvimento humano é concebido como produto de uma dupla incidência. De um lado incide o processo maturativo que diz respeito à ordem neurológica e genética e, de outro, o processo de constituição do sujeito psíquico. Sobre isso, Jerusalinsky (2002) afirma que no momento do nascimento, as estruturas anátomo-fisiológicas de um bebê estão incompletas e dependem, para sua construção, das vicissitudes de seu funcionamento. Para que o desenvolvimento ocorra é necessário a presença de um outro que faça um investimento subjetivo no bebê (JERUSALINSKY, 2002).

Jerusalinsky (2002) esclarece que a posição ativa do bebê é, inicialmente, sustentada pela mãe que atribui a ele a autoria de certas produções, mesmo nos primeiros dias de vida, em que o que está em jogo na sua produção são reações neurológicas involuntárias. A mãe supõe o bebê como sujeito e, em muitos

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momentos, fala como se fosse ele quem estivesse a falar, traduzindo em palavras suas ações. Quando dialoga com o bebê, a mãe produz uma alternância na sua fala e na fala do filho. Ao colocar palavras na boca daquele que ainda não fala, ela antecipa a capacidade do bebê, abrindo a brecha em que a fala e a produção possam advir e, consequentemente, advir um sujeito.

Freud (1895/2007), no texto Projeto para uma Psicologia Científica, postula que o organismo humano é no começo incapaz de realizar uma ação

específica8. Esta ação diz respeito ao apaziguamento das necessidades do bebê

(de fome, de sede, de sono) e acontece mediante uma ajuda externa, auxilio

ajeno9. Se o indivíduo auxiliador operou o trabalho da ação específica no mundo

exterior no lugar do indivíduo desvalido, este é capaz de terminar no interior de seu corpo a operação necessária para cancelar o estímulo originado no interior do organismo. Essa ajuda constitui, então, uma vivencia de satisfacción10 que

tem as mais fundas consequências para o desenvolvimento das funções do indivíduo. Freud (1895/2007) esclarece que a ação específica opera uma descarga duradoura e termina o esforço que produziu desprazer; gera um manto de investimento de um neurônio ou vários que correspondem à percepção de um objeto; e aos outros lugares do manto chegam notícias da descarga do movimento reflexo desencadeado. Inerente à ação específica acontece, então, uma facilitação entre o investimento e os neurônios do núcleo.

A condição inicial de desamparo do todo ser humano ao nascer implica na necessidade de um encontro com um outro ser humano que seja capaz de amparar e atender suas necessidades psíquicas e fisiológicas. Sobre isso, Jerusalinsky (2018, p. 11) esclarece que “o sujeito psíquico não nasce dado, não nasce inscrito. Irá se produzir com e na relação com o Outro”. A autora afirma que esse Outro11 encarnado exerce os cuidados primordiais bordando e

produzindo marcas no corpo do bebê.

8 Grifo nosso.

9 Grifo extraído do texto original em espanhol. (Ajuda estrangeira - tradução nossa). 10 Grifo extraído do texto original (vivência de satisfação- tradução nossa).

11 Este adulto – nomeado Outro com “o” maiúsculo, para demarcar a função simbólica na

constituição do sujeito humano -, em se tratando de bebê, é a pessoa auxiliar, o nebenmensch, descrito por Freud (1895/2007). De acordo com os escritos de Lacan, esse Outro, é aquele que se ocupa dos cuidados do bebê, pode ser qualquer pessoa, pois se trata de um lugar, de uma posição (LUCERO e VORCARO, 2018).

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Freud (1895/2007) esclarece ainda, que o indivíduo auxiliador, além de exercer a função de um primeiro objeto que satisfaz as necessidades do bebê, aparece, também, como aquele que provoca uma ruptura. Logo,

Um objeto como este é simultaneamente o primeiro objeto de satisfação e o primeiro objeto hostil, assim como o único poder auxiliador. Sobre o próximo, então, aprende o ser humano a reconhecer. Então, os complexos de percepção que vem deste próximo, por exemplo, o domínio visual de seus traços, serão em parte novos e incomparáveis; mas, outras percepções visuais, por exemplo a de seus movimentos de mão, coincidirão, no sujeito, com a lembrança de suas próprias impressões visuais, muito semelhantes, provenientes, de seu próprio corpo e com as quais estão associadas as recordações de movimentos vividos por ela. E outras percepções do objeto, por exemplo quando chora, despertarão a lembrança de seu próprio gritar e, ao mesmo tempo, dos acontecimentos de dor que lhe são próprios (FREUD, 1895/2007, p. 376-377, tradução nossa)12.

Santo Agostinho (1984), ao falar de si, do alvorecer de sua vida, remete ao que Freud (1895/2007) afirma sobre a hostilidade desse primeiro objeto de satisfação. Esse autor, ao delinear seu tempo de infans, seus desejos e a forma como conclamava quem dele cuidava, relata:

Queria exprimir os meus desejos às pessoas que os deviam satisfazer e não podia, porque os desejos estavam dentro e elas fora, sem poderem penetrar-me na alma com nenhum dos sentidos. Estendia os braços, soltava vagidos, fazia sinais semelhantes aos meus desejos, os poucos que me era possível esboçar, e que eu exprimia como podia. Mas eram inexpressivos. Como ninguém me obedecia, ou porque não entendiam ou porque receavam fazer-me mal, indignava-me com essas pessoas grandes e insubmissas, que, sendo livres, recusavam servir-me. Vingava-me delas chorando. Reconheci que assim eram as crianças, como depois pude observar. Elas me informaram melhor, inconscientemente, daquilo que eu tinha sido então, do que as amas, com a sua experiência (SANTO AGOSTINHO, 1984, p. 13).

Escrevendo sobre a satisfação do prazer, Spitz (1979, p.120) afirma que “o bebê obtém prazer a partir do processo de liberação de seus impulsos

12 Un objeto como este es simultáneamente el primer objeto satisfacción y el primer objeto hostil,

así como el único poder auxiliador. Sobre el prójimo, entonces, aprende el ser humano a discernir. Es que los complejos de percepción que parten de este prójimo serán en parte nuevos e incomparables – p.ej., sus rasgos en el ámbito visual -; en cambio, otras percepciones visuales – p.ej., los movimientos de sus manos – coincidirán dentro del sujeto con el recuerdo de impresiones visuales propias, en un todo semejante, de su cuerpo propio, con las que se encuentran en asociación los recuerdos de movimientos por él mismo vivenciados. Otras percepciones del objeto, además – p.ej., si grita – despertarán el recuerdo del gritar propio y, con ello, de vivencias propias de dolor (FREUD, (1895/2007), p. 376-377).

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instintivos sob a forma de ações”. Quem observa um bebê percebe que há uma demonstração de prazer quando é liberado dos cueiros e o prazer aumenta quando um parceiro, a mãe, participa de sua alegria. Evidencia–se que o bebê busca a comunicação com o parceiro e com o passar do tempo a busca fica cada vez mais dirigida. Ao perceber que obtém êxito, o bebê repete e domina o comportamento específico de sucesso, porém, desiste da ação que conduz ao fracasso (SPITZ,1979).

Ao pensar o processo de apaziguamento das necessidades, Klautau e Faissol (2016) esclarecem que a totalidade da experiência de satisfação imprime uma marca psíquica que reúne o bebê desamparado e o próximo assegurador que o auxilia. A experiência de desconforto traz agarrada a si a agonia e o vazio que são causados pela sensação de fome e podem ser transformados em experiência de satisfação quando o outro materno realiza a ação específica, oferecendo leite que suaviza a agitação e o choro.

Sobre a processo de constituição do psiquismo, Jerusalinsky (2002), assegura que está alicerçado em quatro eixos principais: a suposição de um sujeito, o estabelecimento da demanda, a alternância presença - ausência e a alterização. Ao longo do desenvolvimento, esses eixos comparecem entrelaçados nos cuidados da mãe com seu bebê, as produções que o bebê realiza e testemunham os efeitos de inscrição das marcas impressas no corpo do bebê pelo Outro cuidador. A autora afirma que “a produção do bebê ocorre como resposta a seu Outro familiar, escolar e cultural e que, portanto, só pode ter seu sentido decifrado nesse contexto” (JERUSALINSKY, 2018, p.15).

No eixo suposição de um sujeito, a mãe vê no corpo do bebê o que ainda não se faz presente, trata-se de uma suposição, visto que o bebê ainda não está constituído de fato. A constituição depende de uma suposição ou antecipação por parte de quem desempenha o lugar de Outro cuidador. Essa interpretação se dá por um saber, consciente e inconsciente, do que a mãe supõe como uma demanda para o bebê e ressitua, a partir das produções deste, supondo que ele sabe o que quer. No eixo estabelecimento da demanda, ocorre a tradução da mãe, por meio de palavras, das ações da criança. Logo, traduz em ações suas próprias palavras fazendo retornar para a criança a mensagem vinda do Outro cuidador.

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No que concerne ao eixo alternância presença – ausência, a mãe, ao direcionar cuidados ao filho, responde alternando presença e ausência, tanto física quanto simbólica, pois entre a demanda do bebê e a experiência de satisfação trazida por uma ação específica deve ser deixado um intervalo para a resposta da criança. No eixo que trata da alterização (função paterna), a mãe deve ter a criança em uma posição de referência a um terceiro, não a seu próprio corpo, mas a uma ordem simbólica. O bebê não fica situado somente no campo da satisfação, e sim em uma satisfação na qual o circuito passa pelo Outro e, para poder operar, parte de certas condições que dependem da introdução da arbitrariedade do Outro (JERUSALINSKY, 2002).

Estabelece-se, então, a importância de dar sentido às produções do bebê e a relevância da presença do Outro primordial. No que concerne à presença desse Outro, Laznik (2013), ao discorrer sobre o texto freudiano, Projeto para uma psicologia científica (1895), esclarece que o conceito deapoio13 possibilita

a Freud o estabelecimento de uma representação teórica do aparelho psíquico, supondo uma historicidade e um laço com um Outro primordial. A autora compreende que Freud pensava que no polo alucinatório de satisfação há a inscrição dos traços mnêmicos e os atributos desse próximo assegurador -

nebenmensch14, que está atento às necessidades do recém-nascido, este Outro primordial. A queda da tensão interna para o bebê, depois da ajuda do

nebenmensch, é vivida como experiência de satisfação, que irá inscrever-se no

polo alucinatório de satisfação. Laznik (2013) reconhece que o que poderia ser registrado no polo alucinatório da satisfação tinha a ver com as necessidades de fome e satisfação.

Sobre os traços mnêmicos inscritos no corpo do bebê pelo próximo auxiliar, Catão (2009) explica que possibilitam a gravação permanente dos acontecimentos psíquicos na memória e podem ser reativados como efeito de investimento. A autora lembra que o bebê humano nasce inacabado, tanto do ponto de vista biológico quanto psíquico, por isso precisa de um próximo

13 De acordo com Laznik (2013, p.75), o apoio é um laço com um Outro primordial, que Freud

chama de próximo assegurador, quem dá a resposta específica, que apazigue as necessidades do bebê.

14 Grifo extraído do texto original – a autora extrai o termo Nebenmensch da publicação em

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