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Perspectivas da educação profissional do campo sob as mediações entre a sociedade voltada para o consumo e um projeto cooperativo e solidário

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO SOB AS

MEDIAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE VOLTADA PARA O CONSUMO

E UM PROJETO COOPERATIVO E SOLIDÁRIO

OSMAR LOTTERMANN

Ijuí – RS 2017

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OSMAR LOTTERMANN

PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO SOB AS

MEDIAÇÕES ENTRE A SOCIEDADE VOLTADA PARA O CONSUMO

E UM PROJETO COOPERATIVO E SOLIDÁRIO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor.

Orientador: Prof. Dr. Walter Frantz

Ijuí – RS 2017

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L884p Lottermann, Osmar.

Perspectivas da educação profissional do campo sob as mediações entre a sociedade voltada para o consumo e um projeto cooperativo e solidário. / Osmar Lottermann. – Ijuí, 2017.

138 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientador: Walter Frantz”.

1. Educação do Campo. 2. Educação Popular. 3. Educação Profissional do Campo. 4. Mediações. 5. PRONATEC Campo. I. Frantz, Walter. II. Título.

CDU: 37.018

Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

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Dedico esta tese a todos os educadores que passaram pela minha vida de educando, desde a minha mãe, dona Amália Lottermann, que me alfabetizou, ao professor Walter Frantz, que me orientou nesta tão sonhada etapa acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Somos todos participantes de uma obra coletiva feita a cada dia e, sempre, inacabada. E, como parte dela, também, estamos em constante construção, graças à generosidade daqueles que não desistem de nos acompanhar. Por isso, há muitos agradecimentos a fazer.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Walter Frantz, que, pelos princípios de liberdade que pautam sua vida, deu-me a autonomia necessária para produzir. Pela orientação nos caminhos da tese e pelas palavras de sabedoria que me animaram a ser alguém que produz conhecimento em favor da vida.

Aos professores membros da banca examinadora, Prof. Dr. Enio Waldir da Silva, Prof.ª Dr.ª Hedi Maria Luft, Prof. Dr. Paulo Alfredo Schönardie, Prof.ª Dr.ª Sueli Salva e Prof. Dr. Erneldo Schallenberger, pela disponibilidade de tempo e pelo conhecimento colocado a favor de uma melhor construção deste trabalho.

A minha esposa, Elisângela Siqueira (Lisa), pelo amor demonstrado na compreensão e no incentivo, pela interlocução que nos anima e leitura crítica feita sobre a tese finalizada.

A minha família, pelo reconhecimento e consideração ao meu esforço. À UNIJUÍ, pela acolhida desde o Mestrado.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, pelas interlocuções que possibilitaram ao longo do curso. Às funcionárias Carmen e Lígia, pela disponibilidade e pelo profissionalismo com que sempre encaminharam as atividades acadêmicas.

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, pelo apoio financeiro, mediante o Programa Institucional de Incentivo à Qualificação Profissional dos Servidores do Instituto Federal Farroupilha, que contribuiu para o custeio parcial do curso.

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RESUMO

As discussões e produções acadêmicas acerca da Educação Profissional intensificaram-se na última década, no Brasil. Temáticas novas, como a questão da centralidade ou não do trabalho, misturaram-se a questões estruturais, como a dualidade da educação brasileira. As temáticas: Currículo Integrado, Educação Profissional, Educação do Campo e Rede Federal de Educação deram origem à pesquisa desenvolvida para esta tese, que realizou uma investigação sobre a Educação Profissional dos Trabalhadores do Campo, tendo como espaço empírico o Pronatec Campo. A questão central da pesquisa envolveu as mediações e contradições na relação entre os Movimentos Sociais do Campo e as políticas do Governo Federal, em especial, do Pronatec Campo, considerando as contradições quanto ao processo de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, em que o Currículo Integrado foi considerado uma prioridade. Estão presentes neste trabalho as críticas dos Movimentos Sociais do Campo a essa mudança e sua defesa de que uma Educação Profissional seja coerente com a Educação do Campo. O problema de pesquisa foi sintetizado na seguinte questão: quais são as mediações que devem ser consideradas para que uma Educação Profissional do Campo contemple os interesses dos trabalhadores e tenha caráter transformador? Dado o caráter do problema de pesquisa, o campo de investigação e os objetivos propostos, por se tratar de uma análise que pretendeu identificar contradições e mediações, o método adotado foi o dialético. A pesquisa foi realizada com fontes bibliográficas, documentais e empíricas. O resultado do trabalho permitiu inferir que, para realizar um projeto de Educação Profissional do Campo que seja coerente com os princípios e objetivos da Educação do Campo, há um conjunto de mediações que deve ser considerado.

Palavras-chave: Educação do Campo. Educação Popular. Educação Profissional do Campo.

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ABSTRACT

Academical production and debates about Professional Education have intensified in the last decade in Brazil. New themes, such as the centrality (or not) of work have been added to structural issues, as the duality of Brazilian education. The research conducted for the present thesis, that had at the core of its investigation the Professional Countryside Education, having as it empirical study field the Pronatec Campo program, originated from the author’s interest in issues regarding the Integrated Curriculum, Countryside Education Areas and the Federal Network of Professional Education. The main question of this research involves the mediations and contradictions present in the relationship between Rural Social Movements and the policies of the Federal Government, especially the Pronatec Campo program, considering the contradictions in relation to the process of expanding the federal public professional education network, in which the Integrated Curriculum was made a priority. This work brings the criticism made by the Rural Social Movements about this change and their proposal for a Professional Education consistent with the Countryside Education as it has been built historically. The research problem was formulated in the following terms: which are the mediations that should be considered to allow Professional Countryside Education to comprehend the interests of the workers and to be transformative? Considering the characteristics of the research problem, the investigated field and the objectives proposed for constructing this thesis, the dialectical method was adopted. The research was conducted using documents, bibliographic and empirical sources. The results make possible to infer that in order to create a Professional Countryside Education consistent with the principles and goals of Countryside Education there is a series of mediations that should be taken into account.

Keywords: Countryside Education. Popular Education. Professional Countryside Education.

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LISTA DE SIGLAS

CEB – Câmara da Educação Básica

CEFETs – Centros Federais de Educação Tecnológica CEFFAs – Centros Familiares de Formação por Alternância CESIR – Centro de Estudo Sindical Rural

CIEE – Centros de Integração Empresa Escola CNE – Conselho Nacional de Educação

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CRAS – Centro de Referência e Assistência Social

DPE – Diretoria de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica EFAs – Escolas Familiares Agrícolas

FETAG-RS – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul FIC – Formação Inicial e Continuada

FONEC – Fórum Nacional da Educação do Campo IF – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

IFFar – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha IFs – Institutos Federais

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MEC – Ministério da Educação

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OEPs – Organizações Econômicas Populares

Proeja – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos

Proeja-FIC – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Formação Inicial e Continuada com o Ensino Fundamental

Pronacampo – Programa Nacional de Educação no Campo

Pronatec Campo – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no Campo Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

Pronera – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 TRABALHO E EDUCAÇÃO ... 25

1.1 O PROBLEMA TEÓRICO DE TRABALHO E EDUCAÇÃO ... 27

1.2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: CONTEXTO HISTÓRICO ... 38

1.2.1 Educação e Trabalho na Formação da Sociedade Brasileira ... 38

1.2.2 Trabalho e Educação sob a Lógica da Modernização ... 47

1.3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: POLÍTICAS PÚBLICAS, QUESTÕES POLÊMICAS E CONTRADIÇÕES ... 55

1.3.1 A Expansão da Rede Federal e a Possibilidade de um Novo Ensino Médio ... 55

1.3.2 O Pronatec e o Pronatec Campo ... 59

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ... 65

2.1 EDUCAÇÃO DO CAMPO E EDUCAÇÃO POPULAR ... 65

2.2 EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONQUISTAS E DESAFIOS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO ... 71

2.3 EDUCAÇÃO DO CAMPO, EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E O PRONATEC CAMPO ... 76

3 MEDIAÇÕES ENTRE A LÓGICA DO CAPITAL, O PROJETO DE EDUCAÇÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO E A ALTERNATIVA DA COOPERAÇÃO ... 83

3.1 A CATEGORIA DAS MEDIAÇÕES ... 83

3.2 MEDIAÇÕES ENTRE A LÓGICA DO CAPITAL E AS POSSIBILIDADES DE TRANSFORMAÇÃO ... 87

3.3 A ALTERNATIVA DA COOPERAÇÃO ... 94

4 INSTITUIÇÕES PÚBLICAS, MOVIMENTOS SOCIAIS E AS MEDIAÇÕES DA EXPERIÊNCIA NO PRONATEC CAMPO ... 101

4.1 REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA PESSOAL VIVIDA NOS CURSOS ... 101

4.2 MANIFESTAÇÕES E AÇÕES GOVERNAMENTAIS E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO ... 106

4.3 ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E PROJETO CONTRA-HEGEMÔNICO ... 116

CONCLUSÕES ... 120

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INTRODUÇÃO

A Educação Profissional no Brasil pode ser analisada tomando como aspecto central a história da educação brasileira. E esta apresenta traços típicos de uma sociedade construída sob a ótica de uma elite opressora e excludente. Sua origem está na estrutura de colonização, baseada no trabalho escravo e na divisão entre trabalhadores e aristocratas; grandes proprietários de terras, indígenas e africanos escravizados. Os reflexos dessa sociedade podem ser vistos ainda hoje, apesar da introdução do país no modelo capitalista industrial, a partir da segunda metade do século XX. A continuidade da exclusão, também, está relacionada ao modo de inserção do Brasil no capitalismo mundial, mas não só a isso. O próprio sistema, para que a acumulação possa continuar, acaba por excluir parcelas significativas dos seres humanos.

A essa sociedade excludente e desigual corresponderam relações sociais e culturais marcadas pela dicotomia entre pobres e ricos; espaços rurais e urbanos; trabalho manual e intelectual. E, no tocante à escolarização, por muitos anos, essa foi privilégio das classes sociais mais altas, redundando em que a condição de trabalhador pobre (rural ou urbano) significasse, até há pouco tempo, em ser, este, também, não escolarizado. Tal situação reforçou a grande disparidade entre as classes sociais em um sistema econômico cuja desigualdade é da sua própria natureza.

A dicotomia que marcou o acesso aos bens culturais pela falta de acesso à escola e a outras formas de conhecimento foi acompanhada de um brutal preconceito às alternativas populares de construção e preservação dos saberes. Assim, todo e qualquer conhecimento adquirido na experiência dos trabalhadores passou a ser visto como inferior. No mundo do trabalho foi sedimentada a ideia de que o trabalho manual é tarefa de iletrados e ignorantes, assim, estabelecendo não só uma hierarquia de valores monetários do trabalho, mas, sobretudo, uma separação quase absoluta entre o fazer e o pensar. O trabalho intelectual, ao contrário, tornou-se, desde o Brasil colonial, algo especial, destinado às classes de cima, consideradas superiores à população que vive do trabalho manual.

Nessa mesma lógica, a educação destinada aos trabalhadores do campo e a seus filhos foi, ao longo da história, considerada menos importante, visto que o trabalho manual da roça não demandava formações técnica e cultural mais amplas. Por isso, as escolas no meio rural receberam fragmentos do currículo das escolas urbanas, não obstante o fato de que, em nosso país, mesmo nas escolas urbanas, houvesse, e ainda há, muitas fragilidades.

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O movimento por uma Educação do Campo, em oposição às iniciativas de educação rural, vem constituindo-se em alternativa para alimentar a estruturação didática e pedagógica das chamadas escolas do campo, cujo compromisso é oferecer uma estrutura mais adequada aos interesses dos filhos dos trabalhadores dos assentamentos rurais e da Agricultura Familiar, de modo geral. Os estudos e as pesquisas a respeito desse tema, temos, aqui, de assinalar, acabaram por sensibilizar alguns governos estaduais para a necessidade de organização de escolas do campo.

A característica essencial de uma proposta considerada progressista para a Educação do Campo está no sentido de reconhecer a necessidade de que a população do campo tenha acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade, sem prejuízo ao patrimônio cultural do seu modo de vida. Em âmbito nacional, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), instituído em 1998, tem procurado ser um canal de fomento à formação profissional, em parceria com instituições que se dedicam ao ensino e à pesquisa, em processos de educação da Reforma Agrária.

A Educação Profissional, segundo Vanilda Pereira Paiva (2015), foi inicialmente tratada como uma forma de adequação da população pobre às relações necessárias à vida urbana e ao trabalho disciplinado. Somente a partir das necessidades do próprio sistema econômico é que houve maiores investimentos na formação profissional. Porém a Educação Profissional acompanhou as demais práticas de restrição aos bens culturais na medida em que se tornou um espaço de preparação exclusiva para a execução de tarefas técnicas, sem a preocupação com a formação integral dos trabalhadores. Na mesma linha de conduta, mas com um preconceito e descaso ainda maiores, foi conduzida a educação no meio rural. Conforme Miguel Gonzales Arroyo (2011), na visão da sociedade, tanto na academia quanto no governo, para a população rural, pode-se apresentar uma escolarização ainda mais precária. No entanto, é importante registrar que, na academia, há grupos de pesquisa e extensão que não comungam nesse pensamento.

Com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), a partir da Lei 11.892/2008, foram estabelecidos alguns compromissos. Entre outros, está o de ofertar Educação Profissional de nível técnico, preferencialmente, integrada à Educação Básica, por meio de Currículo Integrado, cuja origem está nos pressupostos teóricos de Karl Marx e, em especial, na Escola Unitária, concebida pelo pensador italiano Antônio Gramsci. Essa preferência representa, em parte, o êxito da luta de diversos intelectuais brasileiros – entre tantos outros, estão Maria Ciavatta, Gaudêncio Frigotto, Acácia Zeneida Kuenzer e Marise Ramos – para que a formação técnica de nível médio seja realizada na forma integrada

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à Educação Básica desse mesmo nível. Significou, também, uma abertura do Estado, mediante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a uma política de educação técnica progressista, pois o Currículo Integrado tem raízes teóricas na educação socialista.

Marx (2003) teve como preocupação central dos seus estudos a sociedade de classes, essa analisada a partir das relações materiais de produção. E seu entendimento sobre o capitalismo apontou para uma tarefa política no sentido de construir as possibilidades de sua superação. Gramsci (1982), cuja militância política e intelectual inscreve-se entre os marxistas1, procurou estabelecer um campo de investigação em que destaca a importância dos arranjos culturais para a manutenção e ou a superação de determinado sistema econômico e político, o que denominou disputa pela hegemonia. Sendo assim, buscou identificar a atuação dos intelectuais na luta de classes, travada no interior da sociedade capitalista, e seus papéis pela manutenção do pensamento hegemônico ou por sua superação. Por isso, teve grande preocupação com a questão da formação intelectual das crianças e dos adolescentes, em especial, com a que ocorre na escolarização. Com sua proposta de Escola Unitária, Gramsci (2001) defendeu a quebra da dualidade entre a educação destinada aos filhos dos trabalhadores e aquela disponibilizada aos grupos sociais dominantes. Em seu entendimento, todos deveriam ter o direito ao conhecimento acumulado pela produção científica, o que chamou, em vários escritos, de “[...] cultura ‘desinteressada’, escola ‘desinteressada’ etc.” (NOSELLA, 2010, p. 170).

Ao abordar a temática da formação para a cidadania e discorrer sobre a dualidade que, sempre, acompanhou a formação escolar brasileira, Ciavatta, Frigotto, Kuenzer e Ramos, com base na concepção de Escola Unitária de Gramsci e de Politecnia de Dermeval Saviani (2007), defendem a tese da integração entre a Educação Profissional e a Educação Básica, o que denominaram Currículo Integrado. Depois de amplo debate nos segmentos educacionais brasileiros, especialmente, com a implantação, em 2003, de um governo de caráter popular e com o compromisso de promover avanços sociais, ocorreu, em 2004, a revogação do Decreto 2.208/97, por meio do Decreto 5.154/2004. O texto deste decreto possibilita a oferta da Educação Profissional articulada com o Ensino Médio, em que uma das formas de articulação é a modalidade integrada. Houve muitas discordâncias, mesmo entre aqueles que desejavam e desejam o Currículo Integrado, mormente, quanto ao processo de revogação de um decreto por outro, mas, também, pela forma tímida como o novo decreto abre a possibilidade desejada

1O uso dos termos marxista ou marxistas relaciona-se a autores e ideias consolidadas em Marx, mesmo que com algumas alterações importantes, como é o caso de Lukács e Gramsci. Quando uso a expressão marxiana ou marxiano, estou me referindo ao emprego das categorias da teoria que vêm sendo construídas a partir de Marx.

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pelos intelectuais, sendo o Currículo Integrado uma das modalidades. Com a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e a criação dos Institutos Federais, o Currículo Integrado figurou como a modalidade preferencial (BRASIL, 2004). Assim, o debate e as pesquisas sobre Currículo Integrado foram ampliados.

Além do Ensino Médio disponibilizado para alunos considerados em idade ideal de estudos, foram, também, instituídos o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Formação Inicial e Continuada com o Ensino Fundamental (Proeja FIC). Se o Currículo Integrado configura uma proposta de ensino do campo progressista a ser implementada na educação formal (LOTTERMANN, 2012), tem o Proeja um vínculo com a Educação Popular, principalmente, com a tradição e o acúmulo da educação de adultos. Isso parece sinalizar, embora com algumas contradições, um projeto coerente com as lutas históricas e progressistas no campo da educação.

Não obstante às tensões e contradições inerentes ao processo que levou a dar-se prioridade ao Currículo Integrado, houve, e há, muitas dificuldades na sua implementação, quer pelo incipiente conhecimento teórico dos educadores, quer pela tradição de ensino fragmentado presente nos sistemas escolares brasileiros. Mas, apesar dessas dificuldades, o governo parecia concordar que os investimentos públicos na Educação Profissional deveriam representar bem mais que uma formação aligeirada, de exclusivo interesse do mercado de trabalho. Ao contrário, a formação técnica de nível médio passou a significar a possibilidade de uma formação comprometida com a emancipação.

No Rio Grande do Sul, a iniciativa do Sistema Estadual de Ensino de implantar o Ensino Médio Politécnico veio, de certa forma, tornar mais visível a proposta de uma Escola Unitária, fundamentada na politecnia. Pode-se afirmar que estavam ganhando espaço duas experiências baseadas na concepção de formação integral dos educandos. Foi nesse contexto que ocorreu minha inserção nos estudos da temática “Trabalho e Educação”. A condição de cidadão comprometido com um projeto de superação do capitalismo e o exercício da docência na Educação Básica e Profissional impuseram-me essa tarefa.

No entanto, o Governo Federal, antes protagonista da iniciativa de um ensino de Currículo Integrado, a partir do mandato da presidente Dilma Rousseff, parece realizar uma mudança de rumo por meio da Lei 12.513, promulgada em 26 de outubro de 2011, que instituiu o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Criado em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),

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o Programa tem entre seus objetivos “[...] contribuir para a melhoria da qualidade do Ensino Médio público [...]” (BRASIL, 2011) e “[...] ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores [...]” (BRASIL, 2011). Com isso, passou-se a ofertar cursos de qualificação profissional e cursos técnicos, a partir da definição de segmentos demandantes e instituições ofertantes, tendo a preocupação quase exclusiva com a formação técnica de trabalhadores e sua inserção no mercado de trabalho.

Apesar de atender a uma demanda social importante, pelo grande número de trabalhadores com necessidade de qualificação e, também, pelo sistema de produção demandar mão de obra qualificada, é preciso chamar atenção para o fato de que o Pronatec não contempla a formação integral dos trabalhadores brasileiros. O Programa restringe-se, em boa medida, a “[...] passar os conhecimentos que possam ser operacionalizados no sentido desejado pelo capital” (SANTOS, 2008, p. 43). Mesmo assim, foi tratado como prioridade pelo MEC, o que torna plausível a afirmação sobre a mudança de rumo na Educação Profissional, pois é uma contradição à prioridade do Currículo Integrado, estabelecida nos Institutos Federais. Além disso, passou a transferir recursos para instituições privadas, especialmente, ao Sistema S2, que também figuram como ofertantes dos cursos do Pronatec.

Além de oportunizar a oferta de cursos pelo Sistema S, o governo, que também apresentou os IFs como ofertantes, não fez qualquer distinção no que se refere ao caráter pedagógico dos cursos, ou seja, do ponto de vista do governo, devem os IFs fazer o mesmo papel do Sistema S, ademais,

há uma preponderância do privado na Educação Profissional que perpassa não somente pela destinação dos fundos públicos para a gestão privada e a serviço dos interesses diretos do capital, mas se estende às formulações conceituais, pedagógicas e normativas (GRABOWISKI, 2010, p. 79).

Todavia o caráter público dos IFs permitiu que se abrisse o debate em torno dessa questão, o que apareceu, inclusive, nas manifestações dos Movimentos Sociais do Campo, que reivindicam a execução dos cursos pelos Institutos Federais, no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no Campo (Pronatec Campo), inserido no Plano Safra

2“Termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares. Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest)” (SENADO FEDERAL, s.d.).

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da Agricultura Familiar3 2012/2013. O Pronatec Campo, que faz parte do Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo), criado a partir de uma parceria entre o MEC e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), objetivou levar a qualificação profissional, também, aos jovens e adultos do campo4.

Durante a realização do Seminário Nacional do Fórum Nacional da Educação do Campo (FONEC), ocorrido em Brasília, em 2012, surgiram importantes críticas quanto ao Pronatec e Pronatec Campo. Essas críticas foram apontadas em um documento denominado “Notas para análise do momento atual da Educação do Campo”, entre as quais estão: houve uma imposição do Programa com a não realização de discussões prévias com os trabalhadores; o Pronatec Campo não contempla a escolarização dos trabalhadores, juntamente com a formação profissional, crítica que se refere aos cursos FIC; e também, houve questionamentos sobre o campo de atuação profissional das pessoas que fazem os cursos de qualificação, pois, mesmo inseridas no trabalho, essa inserção seria de forma subalterna e restrita aos interesses econômicos dominantes. Além dessas críticas, muitos outros aspectos foram levantados, como, por exemplo, a falta de experiência de grande parte dos IFs nos processos da Educação do Campo, além de impedimentos burocráticos e de outras ordens. Em sentido pedagógico, no que diz respeito ao conteúdo dos cursos, o fórum criticou a formação aligeirada proposta pelo Pronatec Campo e reafirmou princípios que deverão fazer parte de uma Educação Profissional do Campo.

Nesse contexto, considerei, neste trabalho, os impasses e as críticas feitas pelos Movimentos Sociais do Campo, particularmente, pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). As críticas relacionam-se ao caráter da formação pretendida pelo Pronatec Campo, indicando a distância que há entre os processos educativos que ocorrem na formação dos quadros dos Movimentos Sociais e os objetivos da formação profissional ofertada pelo Programa. Entretanto, não há como negar o fato de que se faz necessário o debate entre aqueles e as políticas educacionais de governo, pois, como explica Maria da Glória Gohn (2012), os Movimentos Sociais relacionam-se com as políticas educacionais quer pelas instituições educacionais, quer pelo caráter educativo que eles têm.

3O Plano Safra é um conjunto de medidas e ações governamentais para o fortalecimento da Agricultura Familiar, que fazem parte do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf (Sead, Secretaria de Governo da Presidência da República).

4Ao longo do texto, refiro-me aos Movimentos Sociais do Campo, incluindo, na mesma denominação, as organizações sindicais dos trabalhadores do campo, embora existam posicionamentos divergentes acerca das diferenças conceituais entre eles. Para Elísio Estanque (2009), existem correntes que definem o sindicalismo como uma representação mais institucional, que atua na defesa de interesses pontuais e corporativos; e outras que o veem como parte dos Movimentos Sociais, por contribuírem para a defesa dos interesses mais gerais dos trabalhadores.

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É em função dessa distância entre as políticas governamentais e os reais interesses dos trabalhadores do campo que se constitui o problema central desta tese, então, indicado por meio da seguinte questão: quais são as principais mediações entre os valores hegemônicos da sociedade brasileira – em parte, contidos nas políticas governamentais de educação para os trabalhadores do campo – e o projeto contra-hegemônico em construção, pelos Movimentos Sociais do Campo, aqui, refletido na Educação do Campo?

No desenvolvimento da pesquisa, objetivei identificar as mediações e demonstrar que elas devem ocupar centralidade em um projeto de Educação Profissional do Campo, que tenha à sua frente o propósito de contribuir para a superação do sistema econômico e social vigente. Percebo que as circunstâncias históricas conspiram no sentido de que os trabalhadores do campo, mormente, da Agricultura Familiar, sejam tentados a ceder às imposições do sistema controlado pelos interesses do capital. Daí surgem outras questões: quais os limites do Estado na condução de políticas para a Educação do Campo? A ampliação da qualificação técnica e a maior viabilidade econômica da vida no campo estimulam ou retraem os projetos de organização coletiva?

Entre os desafios da pesquisa estava a busca de possíveis respostas a essas questões, considerando a expectativa de que um governo com fortes compromissos com a luta social transformadora daria prioridade a uma educação que estimulasse projetos baseados nos interesses coletivos. Entretanto aponto, por ora, como hipótese provável que, por se tratar de cursos em que atuam profissionais de diferentes visões pedagógicas e pela coalizão de forças do próprio governo (que institui os programas para a Educação Profissional no Campo), as condições de execução dos cursos criaram um ambiente mais propício ao estreitamento das relações com o mercado capitalista e satisfação de interesses individuais. Ao mesmo tempo, uma vez que a Educação Profissional é, hoje, um campo em disputa, acredito que ela, como a formação escolar em geral, é um espaço de tensionamentos entre os diferentes e antagônicos projetos de sociedade.

Entendo que a condição de espaço de tensionamentos deixa em aberto a possibilidade de uma Educação Profissional do Campo, preconizada pelos Movimentos Sociais do Campo, diferenciada da formação técnica (hegemonizada pelo Sistema S) e articulada na forma de concomitância com a Educação Básica, interna ou externa, hoje, assegurada pela legislação da Educação Profissional. Porém defendo a tese de que é necessário identificar e enfrentar as principais mediações que envolvem os processos educativos dos trabalhadores do campo em sua relação contemporânea com o Estado; com os referenciais culturais hegemônicos; e com o sistema econômico controlado pelo grande

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capital. Nesse sentido, que me propus a identificar essas mediações e contribuir com o projeto de Educação Profissional do Campo para além da formação técnica.

Roseli Caldart (2012, p. 390) indica que a escola e o movimento têm “[...] lógicas contraditórias entre si”, sobretudo, pelo caráter de ambiente singular que a escola procura preservar. Por analogia, posso mencionar que a lógica da formação profissional, nos limites do pensamento dominante, é de preparação para o trabalho circunscrito às relações capitalistas de produção e aos objetivos do mercado controlado pelo capital. Porém os Movimentos Sociais do Campo podem fazer pender para o lado oposto à medida que coloquem o acúmulo de identidade que vem se constituindo, conforme afirma Caldart (2012, p. 320), “como sujeito pedagógico”.

Em geral, nos cursos do Pronatec Campo, foi assegurada a oferta de uma disciplina que contemple a reflexão sobre o mundo do trabalho, sua história e suas contradições. Particularmente, em alguns campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFar), instituição com a qual estou vinculado, denominou-se Ética e Relações Humanas no Trabalho. Mais especificamente no Campus Santo Augusto, local de minha lotação como docente, a disciplina foi denominada Integração e Orientação Profissional, e tive a oportunidade de ministrá-la em 2013. Na elaboração das ementas do curso, houve um espaço de crítica extremamente importante. Por meio dele foi possível revelar não apenas as mazelas da economia de mercado controlada pelo capital, mas, também, a necessidade de sonhar com uma sociedade diferente, com respeito ao modo de vida dos camponeses. Porém, quando a disciplina é ministrada por outro professor, a abordagem pode adquirir outras características, com enfoques totalmente diferentes. E disso fica perceptível o espaço de disputa que é possível construir no interior de programas e cursos de formação profissional. Em perspectiva semelhante, Maria Ciavatta (2009, p. 29) ensina que: “A prática educativa escolar, por determinação histórica, realiza-se nas relações de classe e é uma prática contraditória, mediadora de relações antagônicas”. Fora do espaço da disciplina de Integração e Orientação Profissional, em um mesmo curso, em uma mesma turma, ocorrem diferentes abordagens na área técnica. Elas transitam de uma visão que preconiza produzir de forma cooperativa e com respeito ao meio ambiente até a uma visão puramente comprometida com a competitividade e o individualismo do agronegócio.

Primeiramente, parece haver uma contradição de propósitos, exceto se houver uma cooptação dos dirigentes do movimento, o que, neste caso, diminuiria a tensão, mas não afastaria a contradição. A categoria da contradição torna-se importante na construção da análise, pois ela está na própria relação entre o Estado e as parcelas significativas do

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movimento que visam romper com o instituído, tanto no que se refere ao próprio aparelho de Estado como aos interesses do mercado controlado pelo capital. Dessa forma, para que o Pronatec Campo e outros cursos dirigidos aos trabalhadores do campo possam contemplar objetivos mais estratégicos, terão de possibilitar o protagonismo dos próprios trabalhadores participantes da formação, tensionando para que outra forma de conhecer, transformar e produzir torne-se alternativa ao sistema econômico vigente. Outro objetivo que tracei para esta tese foi demonstrar que o enfrentamento desse desafio e a crítica aos limites do Programa podem contribuir para definir uma Educação Profissional do Campo.

A Educação Profissional dos governos Lula e Dilma portava, em si, a contradição inerente à natureza das forças políticas que os compunham. Constituídos por diferentes correntes de pensamento – como é, também, o partido que liderou essa coalizão – buscavam equilibrar-se entre interesses sociais e políticos antagônicos. Da mesma matriz eram sua política e seus programas no campo da educação como um todo e, mais especificamente, na Educação Profissional, pois acena mensagens e ações de mudanças e permanências no que se refere a sua expansão. E, mesmo entre as mudanças, há uma variedade de sentidos, como é típico da nossa época. Até mesmo expressões que outrora causavam arrepios aos conservadores, como o desejo de uma educação transformadora, que ‒ na semântica de Paulo Freire (2005) ‒ tinha um sentido de libertação coletiva, hoje, está no discurso de muitos que pouco ou nada querem mudar, recebendo significados como progresso pessoal, solução para a vida de determinados indivíduos, sem contestação do modelo social vigente.

O que se revela com mais nitidez é o fato de que a expansão da Educação Profissional, seja ela no campo ou na cidade, atende às necessidades imediatas do trabalho e, sobretudo, do capital. Não se pode negar que, em todo o processo de formação humana, seja possível certo nível de disputa de pensamentos e de oposição ao pensamento hegemônico. No entanto, na perspectiva que se pode observar com mais clareza, a cooptação dos movimentos e, sobretudo, o atendimento de necessidades imediatas vão limitando as possibilidades mais concretas de luta contra-hegemônica no espaço da educação formal. A hegemonia é uma categoria gramsciana indispensável na análise que apresento, principalmente, para sustentar a ideia de que a divergência fundamental entre os interesses de pelo menos uma parte dos Movimentos Sociais do Campo, ao Pronatec Campo, é de caráter estratégico.

Mesmo que haja o atendimento de bandeiras históricas do Movimento Social do Campo, como, por exemplo, a criação de escolas do campo, e, especificamente, escolas para uma Educação Profissional do Campo, as relações de ensino e aprendizagem serão mediadas pelos fatores sociais, econômicos e culturais que se apresentam como verdadeiros e únicos na

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sociedade brasileira e ocidental como um todo. Nesse sentido, a categoria das mediações históricas é de fundamental importância na interpretação de relações pedagógicas prováveis e de construção da utopia. Também, as mediações sociais devem ser consideradas como fatores que permeiam os processos educativos da Educação Profissional no campo, desafiando a proposta de educação transformadora pretendida pelos Movimentos Sociais do Campo.

No que tange à categoria das mediações, é importante adiantar um esclarecimento quanto ao seu uso nesta tese. Raymond Williams (2011) empregou-a no sentido de avançar, dentro da teoria marxiana, de uma separação estanque entre infraestrutura e superestrutura para demonstrar as relações dinâmicas que elas estabelecem na construção e manutenção da hegemonia exercida pela classe dominante. Nesta análise, entendo que a luta contra-hegemônica, ou seja, o conjunto de práticas econômicas, políticas e culturais colocado em marcha para enfrentar o poder dominante enfrenta obstáculos de ordem econômica e política, mas, também, cultural. Portanto, a luta política por condições que propiciem uma tomada de consciência dos trabalhadores do campo tem de considerar as condições articuladas (mediações) que o poder hegemônico faz presidir o processo histórico vivido.

O caminho percorrido para a realização da pesquisa que sustenta esta tese teve como motivação as leituras realizadas mediante a temática do Currículo Integrado e do caráter progressista e transformador que o enseja. Esse estudo deu origem a minha dissertação de mestrado desenvolvida por meio de uma pesquisa bibliográfica e uma série de depoimentos de professores da Educação Básica que atuaram no curso Proeja-FIC, desenvolvido pelo IFFar, Campus Santo Augusto.

A criação do Pronatec e do Pronatec Campo fez emergir uma nova preocupação em relação ao caráter da Educação Profissional de nível técnico, cuja prioridade vinha sendo a sua oferta na forma Currículo Integrado, prevista no Decreto 5.154/2004 e tornada prioridade com a Lei 11892/2008, que criou os Institutos Federais. O destaque e os volumosos investimentos no Pronatec sinalizaram uma mudança de prioridade e de enfoque pedagógico. Isso veio a se confirmar a partir da efetivação do Programa e das críticas a ele desferidas pelos Movimentos Sociais do Campo.

Na definição de um problema de pesquisa oriundo dessas observações e da pesquisa já realizada no mestrado, passei a analisar o que se chamou de mudança de rumo e, ao mesmo tempo, atentei às críticas advindas dos Movimentos Sociais do Campo pertinentes ao Pronatec Campo. As leituras iniciais foram possibilitando delinear o problema de pesquisa, na medida em que, a percepção sobre a mudança de prioridade, passando a ser agora o Pronatec, implica mudança nas relações com os Movimentos Sociais do Campo e a sua concepção de Educação

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do Campo. O caráter aligeirado – a serviço do capital – dos cursos do Pronatec e Pronatec Campo torna-se um obstáculo a uma Educação Profissional para os trabalhadores do campo que possa ser coerente à Educação do Campo. Dessa constatação, surge a pergunta central da tese: quais são as principais mediações que devem ser consideradas para que uma Educação Profissional do Campo contemple os interesses dos trabalhadores e tenha caráter transformador?

Para responder a essa e outras questões, no sentido de apontar as principais mediações que devem ser consideradas em um projeto de Educação Profissional do Campo, de caráter transformador e contra-hegemônico, fez-se necessário decidir sobre o método e o tipo de pesquisa a serem adotados. Dado o caráter do problema de pesquisa, o campo de investigação e os objetivos, a opção foi o método dialético, pois, conforme Antonio Carlos Gil, (2012, p. 14) “a dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas e culturais etc.”.

O método dialético, de acordo com essa definição, é apropriado por se tratar de uma análise que pretende identificar contradições e mediações.

Esta pesquisa foi realizada com fontes documentais e bibliográficas. Segundo Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2010, p. 166), a pesquisa documental pode ser feita por documentos escritos ou outros. Já

[...] a pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais.

A pesquisa bibliográfica permite conhecer a produção existente sobre o tema. No caso desta pesquisa, foi necessário selecionar um conjunto de obras e outros materiais escritos que contemplassem o problema, pois a Educação do Campo já conta com uma vasta e rica produção. Ela é a referência a partir da qual é possível estabelecer as mediações que ocorrem entre os valores hegemônicos da sociedade brasileira e os objetivos de transformação que constituem a Educação do Campo, de modo geral, e de uma possível Educação Profissional do Campo.

A produção bibliográfica sobre o tema apresenta-se como ponto de partida, pois, para Marconi e Lakatos (2010, p. 166), “[...] a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que

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já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”. O novo, neste trabalho, é apresentar e analisar as mediações a partir do que se consolidou como Educação do Campo e seu embate com o pensamento e as práticas sociais e econômicas dominantes, para que seja possível indicar como fatores a considerar para Educação Profissional do Campo. Conforme Gil (2012), a pesquisa bibliográfica oportuniza conhecer um campo mais amplo de informações, o que lhe confere vantagem em relação a outros tipos de pesquisa. Entretanto recomenda o autor que é preciso tomar cuidado sobre dados citados, porque pode haver equívocos que passam a ser reproduzidos pelos pesquisadores. Essa modalidade possibilita o conhecimento sobre o conjunto de autores que tratam da temática pesquisada, por conseguinte, tornando-se importante estabelecer critérios de escolha.

Além da escolha cautelosa dos textos a serem considerados, como também na análise dos documentos produzidos pelas organizações dos trabalhadores do campo, Laurence Bardin (2011) recomenda a seleção de categorias e subcategorias que sejam passíveis de validade na determinação dos sentidos dados às diferentes expressões que aparecem nos textos. Tal recomendação é fundamental para que, tanto na pesquisa realizada sobre a produção bibliográfica quanto sobre os documentos, seja possível fazer uma análise de conteúdos a respeito. Como, neste caso, lancei mão tanto da análise da produção bibliográfica acadêmica e não acadêmica como de alguns documentos, é importante não confundir a análise de conteúdo com a análise documental. Enquanto a análise documental ocupa-se de disponibilizar as informações constantes em fontes primárias, a análise de conteúdo é o trabalho sobre as mensagens constantes nas fontes, sejam elas documentais ou bibliográficas (BARDIN, 2011). Adotando o método dialético de análise e com base nessa autora, procurei fazer descrições analíticas para que, a partir da hipótese inicial e das categorias, seja possível identificar as mensagens que os conteúdos dos escritos podem revelar.

As categorias elencadas, a priori, foram: trabalho; educação; contradição5; totalidade6 e mediação, sendo essa última a categoria central para a tese. No decorrer da pesquisa e da escrita, outras categorias e subcategorias (BARDIN, 2011) foram selecionadas

5“Para a ciência, a contradição é uma categoria crítica, uma categoria lógica que implica a ilogicidade ou irracionalidade daquilo a que é aplicada. Mas a prática, do mesmo modo que o pensamento, pode ser mais ou menos irracional. Para uma ciência dialética, sistemas de pensamento contraditórios, incorporando ilusão e mistificação, refletem as irracionalidades estruturais de um sistema de práticas (materiais) que é contraditório, que está em conflito consigo mesmo” (BOTTOMORE, 1988, p. 230).

6Karel Kosik explica que é um equívoco compreender a totalidade como o conjunto de todos os fatos. “Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendidos” (KOSIK, 1976, p. 35).

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para a compreensão dos significados das expressões utilizadas nos escritos das representações dos trabalhadores, com base no contexto que eles foram produzidos.

Sei da necessidade de articular as categorias referidas com os aspectos do caso em tela, visto que a falta de domínio do método tem levado, como adverte Acácia Kuenzer (2012, p. 60), a “[…] insuficientes formas de articulação entre parte e totalidade, concreto, e abstrato, objeto e sujeito, histórico e lógico, conteúdo e forma, pensamento e realidade”. Parece fundamental, portanto, manter a constante reflexão acerca do objeto de estudo, para que, assim, mesmo implicado na questão, o pesquisador possa manter vivo o desejo de conhecer a realidade do que é favorável ou não para um projeto alternativo de Educação Profissional do Campo e de sociedade. Por isso, também, passaram a orientar a leitura e a interpretação dos textos as categorias: Agricultura Familiar7 e Agricultura Camponesa8; Educação Profissional; Sociedade para o Consumo; Cooperação e Movimento Social do Campo.

As categorias Agricultura Familiar e Agricultura Camponesa contemplam o espectro mais amplo dos trabalhadores do campo, porém, apresentam contradições.

A expressão agricultura familiar traz como corolário da sua concepção a ideia de que a possibilidade de crescimento da renda familiar camponesa só poderá ocorrer se houver a integração direta ou indireta da agricultura familiar com as empresas capitalistas, em particular as agroindústrias (CARVALHO; COSTA, 2012, p. 29).

Esta condição aproxima os trabalhadores a ela vinculados aos interesses e modos de vida determinados pelo capital. “Já a expressão agricultura camponesa comporta, na sua concepção, a especificidade camponesa e a construção da sua autonomia relativa em relação aos capitais” (idem). Considerando o fato de que a expressão Agricultura Familiar foi oficializada para efeito de acesso às políticas públicas no país, e que esta tese analisa o posicionamento dos trabalhadores do campo em relação a uma política pública – o Pronatec e o Pronatec Campo – adoto a expressão Agricultura Familiar para designar o conjunto dos

7“Engloba a pressuposta agricultura de subsistência [...] modo de produzir orientado por objetivos e valores construídos pela vida familiar e grupos de localidade, nesses termos historicamente datado porque articulado à presença do Estado, da cidade (suas feiras e mercados, sua correspondente divisão social do trabalho) e da sociabilidade comunitária, mas também produtores mercantis constituídos em consonância com ordenações da especialização da produção – nesses termos, referenciada aos fluxos de oferta e demanda do mercado, de padronização da mercadoria e de inclusão de tecnologia orientada pela interdependência entre agricultura e indústria, fatores que operam na reordenação das condições de incorporação do trabalho familiar” (CALDART et al., 2012, p. 34).

8“[...] é o modo de fazer agricultura e de viver das famílias que, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus problemas reprodutivos por meio da produção rural, desenvolvida de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se apropriam do resultado dessa alocação” (COSTA, 2000, p. 116).

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trabalhadores do campo nas suas relações com o Estado e o capital, sem perder de vista as contradições que a escolha encerra.

Fazem parte da pesquisa: revisão bibliográfica e estudo sobre os referenciais teóricos de Trabalho e Educação, Educação Popular, Educação Profissional e Educação do Campo; as experiências vividas nos cursos ofertados pelo IFFar, a partir de pactuações com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) (instituições demandantes), conforme as necessidades apresentadas pelas federações de trabalhadores ao Campus Santo Augusto; e os documentos que possibilitam caracterizar as ações do governo federal e as manifestações e ações dos Movimentos Sociais do Campo. Pela atuação destacada, considerei no desenvolvimento da pesquisa o protagonismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O primeiro capítulo da tese, construído em três tópicos, apresenta uma descrição analítica do problema teórico entre Trabalho e Educação, com base, especialmente, nas obras de György Lukács, “Prolegômenos para uma ontologia do ser social” (2010), “Para uma ontologia do ser social I” (2012) e “Para uma ontologia do ser social II” (2013). Procurei deixar claro o referencial teórico sobre o qual se dá a inserção de Trabalho e Educação, nesta pesquisa. Nos demais tópicos, recorri ao contexto histórico da Educação Profissional, a partir da formação econômica e social do Brasil, para descrever e analisar a forma como o Estado tem encaminhado as políticas de educação para o trabalho, desde a sua formação. Também, analisei o processo de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, a partir do ano de 2003, e apontei o caráter polêmico e contraditório em que essa expansão se deu no interior da política educacional dos governos de Lula e Dilma.

O segundo capítulo apresenta o caráter histórico com o qual se foi construindo a Educação do Campo a partir dos seguintes tópicos: Educação do Campo e Educação Popular, em que se demonstra a relação entre ambas na constituição dos referenciais pedagógicos da Educação do Campo e, consequentemente, a sua aproximação com a Educação Popular; Educação do Campo: conquistas e desafios dos Movimentos Sociais do Campo, em que individuo os avanços alcançados junto às políticas públicas; e Educação do Campo, Educação Profissional e o Pronatec Campo, em que descrevo e analiso a criação do Pronatec Campo e as contradições tangentes à política de expansão da Educação Profissional pública.

No terceiro capítulo, abordo as mediações entre o projeto contra-hegemônico da Educação do Campo e uma possível Educação Profissional do Campo e os interesses do mercado controlado pelo capital. Essas mediações foram apresentadas pelos seguintes tópicos:

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a categoria das mediações, explicitando a importância desta categoria e de que forma ela é compreendida na tese; mediações entre a lógica do capital e as possibilidades de transformação, em que busco situar os trabalhadores do campo no embate com imposições do poder hegemônico; e a alternativa da cooperação como uma forma de resolver os problemas, seus limites e possibilidades.

O quarto capítulo constitui a parte mais específica e o campo empírico da pesquisa, assim, refere-se à execução do Pronatec Campo. No tópico inicial apresento um relato e uma reflexão sobre a experiência vivenciada no Instituto Federal Farroupilha, Campus Santo Augusto; o segundo tópico é constituído por uma análise das ações e avaliações em relação ao Programa por meio de documentos do governo federal e das entidades representativas dos trabalhadores do campo; no último tópico, apresento as mediações que julgo devam ser consideradas no caminho de uma Educação Profissional para os trabalhadores do campo.

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1 TRABALHO E EDUCAÇÃO

O objetivo deste capítulo é abordar a temática Trabalho e Educação a partir dos referenciais do materialismo dialético. Entendo que essa tarefa se faz necessária para que seja possível articular e definir o campo de visão que me propus a ocupar na construção desta tese. O desenvolvimento da pesquisa, considerando a análise da produção teórica da Educação Profissional, da Educação do Campo e dos documentos que permitem interpretar a crítica feita pelos diferentes Movimentos Sociais do Campo sobre o Pronatec Campo, levou-me a concordar com Marcos Antônio de Oliveira (2008), que afirma o caráter não marxista dos projetos da Educação do Campo no Brasil. O autor refere-se tanto aos documentos dos Movimentos Sociais por ele analisados quanto ao projeto de Educação do Campo dos governos desta última década.

Fazer referência à tese de Oliveira, não significa estar disposto a entrar no debate quanto ao grau de relevância de sua afirmação. Apenas reconhecer a importância dessa pesquisa para que olhemos com mais cuidado para o conteúdo dos projetos que também fazem parte da investigação e das análises que apresento. Adoto os referenciais do método dialético por entender que meu olhar para a realidade da educação brasileira e da Educação Profissional do Campo, em especial, significa um posicionamento na busca de conhecimentos que ajudem a compreender as contradições presentes na educação e no mundo do trabalho. Nesse sentido, concordo com a tradição teórica marxiana, de que isso somente é possível pela superação da própria sociedade capitalista, na qual o trabalho e a educação estão estruturados.

A definição de um campo de pesquisa em educação não indica, necessariamente, uma opção teórica fechada sobre o tema. Parece ser necessário mais do que isso, inevitável, talvez, seja a condição como nos colocamos frente à história. Não se adota uma teoria ou outra como se adota esta ou aquela ferramenta para a execução de uma tarefa. Uma opção teórica e a convicção de que um determinado ponto de vista é capaz de ampliar nossa visão sobre o real, têm relação com a nossa disposição de mudar o mundo. Acreditar que a pesquisa possa contribuir, ainda que de maneira muito modesta, nas definições do futuro, representa uma motivação a partir da qual me posiciono como pesquisador e ator na produção do conhecimento. No entanto, reconhecer que somente uma tradição teórica não dá conta de determinados aspectos que se tornaram relevantes no último século, a meu ver, é um compromisso ético do pesquisador. Na produção deste capítulo, o inventário que fiz sobre os referenciais que inter-relacionam Trabalho e Educação teve amparo no materialismo dialético.

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Esta opção sinaliza o caráter geral da pesquisa, cuja matriz teórica e pressupostos epistemológicos têm forte relação com a tradição marxiana.

Trabalho e Educação constituem-se em uma temática fundamental da pesquisa em educação e há uma produção densa a respeito. Assim, abordá-la, neste primeiro capítulo, é bem mais do que expor um reconhecimento dessa produção, do que pretender dizer algo novo quanto aos conceitos já consolidados pelos grupos de trabalho. Entretanto escolhi dissertar sobre a temática para que, mediante determinadas questões já elencadas neste campo do conhecimento, fosse possível indicar o caminho pretendido aqui, qual seja, o de identificar mediações históricas que influenciam nos processos de formação dos trabalhadores, especificamente, em relação ao pensamento hegemonizado pelos interesses de mercado capitalista.

A tentativa de clarear o entendimento que este campo conceitual tem a respeito da relação Trabalho e Educação possibilita apontar, a partir do método dialético, as contradições presentes na história da Educação Profissional, mormente, da formação para o trabalho na Educação do Campo. Identificadas essas contradições, abre-se, ainda, um caminho mais fecundo para entender em que medida o pensamento hegemônico vem obstaculizando a educação e a construção de formas alternativas de produção e organização dos trabalhadores do campo.

No tópico 1.1, abordo a problemática do referencial teórico e epistemológico que trata de Trabalho e Educação por meio da perspectiva de Marx (2003) e de Lukács (2012, 2013) – que tem no trabalho o ponto de partida da socialidade do homem, em sua obra “Para uma ontologia do ser social”, volumes I e II. Apresento uma revisão dos seus postulados procurando estabelecer relações que corroboram na reflexão e na problemática mais ampla de Trabalho e Educação. Indico, a partir dessas primeiras análises, a origem dos aportes teórico-metodológicos que vêm sendo construídos na tradição marxiana de educação, em especial, com os conceitos de “escola unitária”, cujo legado é do pensador Antônio Gramsci e da politecnia, quem tem sido tratada por Dermeval Saviani e outros autores.

Entendo que para avançar nas indagações sobre de que forma ocorrem as mediações entre os valores e as práticas da sociedade brasileira – em que o pensamento dominante tem como referência a propriedade privada e o mercado controlado pelo capital – e um projeto de sociedade e de educação que tenha como horizonte a superação dessa sociedade, é preciso, em primeiro lugar, compreender o estado da arte das pesquisas sobre o problema teórico de Trabalho e Educação. Esta tarefa torna-se a base a partir da qual poderemos encontrar os limites da produção que prospecta alternativas viáveis de superação da qualificação

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profissional para os objetivos do mercado dominado pelo capital e os referenciais de valor inerentes a ele.

No tópico 1.2, identifico, por meio da contextualização histórica da Educação Profissional, os referenciais que têm orientado as políticas públicas de educação para o trabalho. A análise objetiva identificar aspectos de natureza cultural, econômica e política no tocante à educação e ao trabalho e de que forma eles se apresentam no que se refere ao caráter estratégico da formação dos trabalhadores. Em outras palavras, assinalo questões de fundo relativamente às propostas do poder público, especialmente, no que se converge aos objetivos e ao caráter da Educação Profissional e suas contradições. A análise aponta o lugar que ocupou a educação para o trabalho na história da formação da sociedade e do Estado brasileiro.

No tópico 1.3, dou ênfase às características do projeto de expansão da Educação Profissional ocorrida na última década, procurando, a partir das suas contradições, situar os projetos societários em disputa no interior da política de expansão e os posicionamentos frente a esta política.

No tópico 1.4 deste capítulo, busco refletir sobre a relação entre os pressupostos teóricos de Trabalho e Educação, numa perspectiva marxiana, e o caráter dos projetos de educação que pretendem protagonizar os Movimentos Sociais do Campo, cujas críticas já estão à disposição da sociedade. Procuro identificar as saídas propostas pelo Movimento Social do Campo frente às possibilidades de uma educação transformadora. A partir da construção teórica realizada, sobretudo, com o objetivo de consolidar a Educação do Campo, pretendo individuar possibilidades para uma pedagogia da Educação Profissional do Campo.

1.1 O PROBLEMA TEÓRICO DE TRABALHO E EDUCAÇÃO

Antes de iniciar a abordagem da categoria trabalho, que é fundamental para esta tese, poderia objetar acerca da validade de considerar a centralidade do trabalho em nossos dias. Seria, ainda, o trabalho uma questão fundamental e capaz de protagonizar aspectos educativos? Encontramos, em Marx (2003) e Horkheimer (1990), a importante advertência de que as categorias, mesmo que com suas forças abstratas, precisam ser consideradas no seu contexto histórico, isto é, sob que condições podem ter importância na análise de uma realidade. Por isso, considero a reflexão inicial sobre esse aspecto uma iniciativa prudente.

De acordo com Ricardo Antunes (2010), as novas configurações assumidas pelo mundo do trabalho podem fomentar dúvidas quanto à continuidade da sua condição de

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categoria central. Entretanto, se concordarmos que ainda estamos em uma sociedade que tem a centralidade no trabalho, este pode ser tomado como referencial das condições em que se está produzindo nossa existência material e suas repercussões nas demais esferas da sociedade. O trabalho perde a sua centralidade quando tomado apenas no sentido concreto e específico em um determinado estágio das forças produtivas. Em caráter abstrato, portanto, num aspecto mais amplo que a mera produção de bens para troca, ele permanece constitutivo do homem (ANTUNES, 2010). Por conseguinte, o que pode deixar de ter centralidade é um determinado tipo de trabalho concreto e sua organização técnica. Como humanos, constituídos a partir do trabalho, continuamos seres de Trabalho e Educação, mesmo que não tenhamos clareza sobre os reflexos das suas novas configurações.

Para dizer algo mais sobre a virtual objeção, é preciso recuperar a origem que permite conceituar categoria e a categoria trabalho. Lukács (2010) chama atenção para o sentido dado por Marx à definição de categoria. Para ele, Marx refere-se às categorias não como algo do exercício do intelecto, mas “[...] são determinações do ser objetivas que existem independentes da consciência pensante [...]” (LUKÁCS, 2010, p. 367). E complementa afirmando que “o caráter ontológico das categorias conduz, pois, diretamente, à compreensão das categorias concretas determinadas” (LUKÁCS, 2010, p. 367). Como afirmei em precedência, o trabalho na concepção marxiana é uma categoria fundante do ser social. É pelo trabalho que os seres humanos foram capazes de estabelecer novas relações e criar um novo ser, o ser social. Esta socialidade significa que o trabalho tornou a ação dos seres humanos uma espécie de ato de cumplicidade coletiva, graças à linguagem que lhe deu sentido no plano ideal. É nesse aspecto que o trabalho, desde a sua forma mais simples, fez do homem um ser genérico (MARX, 2003).

Cabe aqui afirmar que, na perspectiva teórica pela qual está orientada esta tese, o trabalho é o fator da humanização do homem e, portanto, mantém-se como categoria central, independentemente das configurações históricas que tenha assumido ou venha a assumir. Marx (2003), ao identificar o homem como um ser genérico, com capacidade para produzir além daquilo que é sua necessidade física, diferencia-o dos outros animais. E afirma: “É exatamente na atuação sobre o mundo objetivo que o homem se manifesta como verdadeiro ser genérico. Esta produção é a sua vida genérica ativa” (MARX, 2003, p. 117). Mais adiante, vai afirmar, também, que, graças a essa condição, “o elemento do trabalho é a objetivação da vida genérica do homem: ao não se reproduzir somente intelectualmente, como na consciência, mas ativamente, ele se duplica de modo real e percebe a sua própria imagem num

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mundo por ele criado” (MARX, 2003, p. 117). Esta percepção lhe faz um ser reflexivo, um ente para além dos demais elementos da natureza, embora ele também o seja.

A condição do homem como ser genérico significa uma nova posição que sua trajetória enquanto espécie passou a ocupar, ao mesmo tempo, junto e separado dos demais seres da natureza. Junto ‒ porque é dotado de atributos da espécie que nenhum processo histórico foi capaz de superar. Separado ‒ por se tornar algo diferente dos demais seres ‒, o que Marx (2003) denominou superação da generidade muda, característica dos demais seres. A questão fundamental dessa transformação do homem, de ser puramente biológico em ser social, tem sua origem nas formas simples do trabalho. Por essa razão, é correto afirmar que o trabalho tem sentido ontológico na história do homem, pois,

[...] o trabalho realiza materialmente a relação radicalmente nova do metabolismo com a natureza, ao passo que as outras formas mais complexas da práxis social, na sua grandíssima maioria, têm como pressuposto insuperável esse metabolismo com a natureza [...] (LUKÁCS, 2013, p. 93).

O autor dá grande destaque a essa condição do trabalho como essencial, embora advirta para as formas complexas que as relações sociais foram assumindo ao longo da história.

Do ponto de vista da epistemologia aqui adotada, para explicitar o que se entende da relação entre Trabalho e Educação, é necessário deixar claro o entendimento a respeito da categoria Trabalho e suas implicações com todos os demais aspectos da história da humanidade. A condição humana, que é esta capacidade de mudar a relação com os demais elementos da natureza e que é, ao mesmo tempo, produto dela, ocorreu pelo trabalho. Logo, a categoria trabalho é fundante do ser humano, que se fez por ela social. Lukács (2013, p. 61) afirma que, com o trabalho, “surge na ontologia do ser social uma categoria qualitativamente nova com relação às precedentes formas do ser, tanto inorgânico como orgânico. Essa novidade consiste na realização do pôr teleológico como resultado adequado, ideado e desejado”.

Pelo trabalho, portanto, o homem realizou uma dissociação parcial com a dinâmica da natureza, conquanto tenham permanecido suas determinações biológicas, instaurando-se como ser capaz de realizar adequações por ele planejadas.

Para Lukács (2010), é nesse processo que se torna possível a separação entre sujeito e objeto e ocorre a diferenciação fundamental do homem, que passa de ser puramente biológico a ser social. Nessa nova condição, vai formando-se como ser genérico,

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