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Impressões em ceramica : convite ao esncontro caotico entre a ceramica, a gravura e o fogo

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Academic year: 2021

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Ficha catalográfi ca elaborada pela Biblioteca do Instituto de Artes da Unicamp

Título em inglês: “Ceramic Prints The unpredictible meeting of ceramics, printmaking and fi re.” Palavras-chave em inglês (Keywords): Ceramics ; Printmaking ; Imprints ; Landscape. Titulação: Doutor em Artes.

Banca examinadora: Profa. Drª. Lygia Arcuri Eluf Prof. Dr. Marco Francesco Buti Profa. Drª. Luise Weiss

Profa. Drª. Maria Geralda Mendes Ferreira da Silva Dalglish Profa. Drª. Cláudia Valladão de Mattos

Prof. Dr. Ivanir Cozeniosque Profa. Drª. Helena Freddi Data da defesa:13-02-2008 Programa de Pós-Graduação: Artes.

Miranda, Zandra Coelho de.

M672i Impressões em cerâmica Convite ao encontro caótico entre a cerâmica, a gravura e o fogo. / Zandra Coelho de Miranda. – Campinas, SP: [s.n.], 2008.

Orientador: Lygia Arcuri Eluf.

Tese(doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Cerâmica. 2. Gravura. 3. Impressões. 4. Paisagem.

I. Eluf, Lygia Arcuri. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

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Instituto de Artes

Comissão de Pós-Graduação

Defesa de Tese de Doutorado em Artes, apresentada pela Doutoranda Zandra Coelho de Miranda – RA 891214, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Artes, apresentada perante a Comissão Julgadora:

Profa. Dra. Lygia Arcuri Eluf – DAP/IA – Unicamp Presidente/Orientador

Prof. Dr. Marco Francesco Buti – ECA – USP Membro Titular

Profa. Dra. Maria GeralLalada Dalglish – Unesp Membro Titular

Profa. Dra. Cláudia Valladão de Mattos – DAP/IA – Unicamp Membro Titular

Profa. Dra. Luise Weiss – DAP/IA – Unicamp Membro Titular

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Resumo

Este trabalho de pesquisa em Arte surge a partir da experiência da gravura, seu pensamento construtivo e seus processos; somando-se a este fazer o repertório visual, material e técnico da cerâmica. A moldagem através da impressão de placas de argila e do despejo de barbotina, permite a criação de séries de módulos múltiplos que uma vez entintados revelam a imagem impressa em relevo. A submissão da terra à multiplos processos de queima aponta para uma dimensão ritualística e intrínsecamente metafísica, a qual, tradicionalmente, acompanha a transfi guração do barro em matéria cerâmica. A temática de todas as séries apresentadas é a paisagem local, tendo o ateliê como ponto de partida – e através de fragmentos vegetais e minerais esta paisagem é poéticamente reconstruída.

Abstract

This Art research work has roots in the experience of printmaking, its processes and constructive thinking, adding to it ceramics’ visual references, techniques and materials. Molding through slip casting and imprints in clay slabs allows to create series of multiple modular shapes that once tinted with pigments reveal the image in relief. Clay’s submission to multiple processes of fi ring points towards an intrinsec, ritualistic and metaphysical dimension wich traditionally follows the transformation of clay matter into ceramics. The subject of all series presented is the local landscape, having the art studio as starting point – and trough vegetal and mineral fragments this landscape is poetically reconstructed.

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Sumário

13 Introdução

17 Ciclos

63 Ritmos e Fluxos

87 Linhas e pontos – A natureza do desenho 114 Bibliografi a

117 Anexo I – Gravura em metal 121 Anexo II – Antecedentes

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Dedicatória

Ao Glauco e à Tereza

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Agradecimentos

Aos parceiros preciosos e amigos queridos Flávia Fábio, Fabiana Grassano,

João André Garboggini, Cláudio Garcia,

Joana Mostafa, Priscila Rufi noni, Ana Lúcia Calzavara, Cristina Rocha, Jean Jackes Vidal, Geni Phillips, Fábio de Bittencourt, Carusto Camargo,

Ynaiá Barros, Walkyria Pompermayer, Luciana Mourão, Vani Burg, Helena Freddi, Sálua Guimarães e Raquell Catharino.

À Lygia Eluf, pelo comprometimento e pelos valiosos insights. À Silmara Watari, pela fagulha.

À Dulce Diniz, pelo revezamento. À minha família, pelo apoio, sempre.

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o sentido do meu fazer e o signifi cado que construo para a paisagem em si. Vinhetas fotográfi cas registram frestas das paisagens geradoras das matrizes.

No desenvolvimento destes relevos gravados a paisagem é reconstruída como um registro matérico. A matéria é testemunha da paisagem, reduto da memória local e o acúmulo de substâncias das coisas vivas e inertes, em sucessivas camadas, testemunha os ciclos naturais. O olhar artístico captura estes fragmentos matéricos, de origem vegetal, animal e mineral e os transforma através de diversos processos de apropriação, transferência e fi nalmente de transmutação nos processos de queima. Esta prática é regida por uma lógica intrínseca que combina o pensamento racional e o intuitivo – duas formas complementares de saber. Este conhecimento é marcado por um experimentalismo muitas vezes tateante e errático, mas que não falha em reconhecer os resultados desejados quando os alcança.

É sabido que o fazer artístico dentro da Universidade vê-se confrontado com demandas que podem comprometer sua natureza, buscando traduzir a linguagem visual e sensível para a linguagem escrita, com critérios ciêntífi cos e um pretenso rigor metodológico. Este trabalho inicia-se com a prática artística e por isso A pesquisa plástica abordada neste trabalho

de doutoramento engloba um período de dez anos, documentados a partir do trabalho atual: índices da paisagem registrados em painéis modulares de cerâmica. A apropriação direta das formas naturais marca um momento de transição em minha investigação artística e representa o início da produção que compõe a exposição realizada para a obtenção do título de doutor. Este projeto poético está em constante desenvolvimento e não se esgota no recorte aqui apresentado, por isso registros do processo criativo buscam explicitar o caráter de continuidade do trabalho. Documentadas nos anexos estão duas fases anteriores diretamente relacionadas às gravações em cerâmica, um dos anexos registra a gravura em metal e as monotipias desenvolvidas no mestrado e o segundo anexo expõe uma parte dos relevos em cerãmica, séries de relevos modelados em argila e as primeiras experiências com a moldagem. O trabalho que proponho como processo e resultado da pesquisa realizada é apresentado em três capítulos; a documentação fotográfi ca é justaposta ao texto do memorial descritivo, onde a origem dos moldes e os processos são descritos. As matrizes originadas, a partir de fragmentos vegetais, terâo sua espécie de origem identifi cada. Em um texto paralelo, apresento questionamentos, refl exões e referências que pontuam

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minha resposta a estas demandas acadêmicas parte da práxis e só pode ser poética: as referências são outros artistas, outros universos criativos, outras construções visuais movidas por pulsões semelhantes às que me movem. Este mapeamento inclui ainda as referências que norteiam a parte refl exiva – que se expressa através da linguagem escrita – referências oriundas da literatura e mais específi camente da crítica de arte, da fi losofi a, da história, da poesia, da antropologia e dos escritos deixados por outros artistas. A parte dissertativa do trabalho é necessáriamente uma outra criação, em muitos aspectos independente da prática.

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Sobre a paisagem

Nossa paisagem materna é um elemento fundamental de nossa identidade. A idéia de que somos formados pelo que nos cerca, por nossa paisagem, busca raízes na defi nição grega de destino resgatada por Fayga Ostrower, em seu livro Acasos e Criação Artística1. A autora

apresenta-nos a palavra grega MOIRA, que se refere ao destino humano, como tendo originalmente um sentido espacial. Esta palavra refere-se ao espaço que uma pessoa ocupa durante a sua encarnação: sua origem, a trajetória de sua vida, as fronteiras conquistadas, sua inserção em um panorama mais amplo. O tipo de apropriação que faz e a percepção que tem do espaço defi nem o destino desta pessoa.

As séries de gravuras em cerâmica que apresento partem da forma encontrada na paisagem, de origem mineral , vegetal e animal, e da terra que é a própria carne do lugar, portanto, são completamente determinadas pela geografi a local. Parece-me uma decorrência natural assumir a paisagem como campo de pesquisa. O ateliê representa o epicentro das atividades plásticas como o 1 OSTROWER, F. Acasos e criação Artística. Rio de Janeiro, Ed. Campus. 1990.

Ciranda de Sementes

Flamboaiã [do francês fl amboyant]

Árvore Cesalpinoídea (Poinciana Regia), ornamental, originária da África tropical e de Madagascar, da família das leguminosas – cesalpináceas, de porte superior a 10 m, com ramagem alta e engalhada. Folhas grandes com dez a vinte pares de pinas e estas com numerosos folíolos ovais, pequenos. Flores em corimbos racemosos e grande vagem escura e pendente. Perde as folhas na frutifi cação.

Nestes conjuntos, quatro módulos semicirculares compõem uma mandala em que relevos alongados alinham-se em um movimento espiral. Estes quatro módulos não são regulares, seus encaixes não são precisos, mas seu movimento é incisivo. O redemoinho formado pelos relevos, entrecortado por fragmentos de linhas transversais nos direciona o olhar em círculos e nos embala nesta ciranda de fragmentos da paisagem. As longas vagens pontuam meu caminho quando estou chegando no ateliê em algumas épocas do ano; em outras, um tapete vermelho estende-se com fl ores derrubadas pela chuva, em determinadas épocas a árvore se despe das folhas, e se iluminam as poderosas raízes. A cada ano, este ciclo se reinventa inexorável, mas sempre com suas próprias particularidades.

As sementes dos Flamboaiâs dançam em uma ciranda de fragmentos minerais e biológicos recolhidos diretamente do solo embaixo das árvores.

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umbigo desta geografi a. Esta delimitação espacial está relacionada a uma escolha metodológica.

Uma ação de deslocamento na paisagem como o ato de caminhar pode assumir o duplo sentido de reconhecimento do espaço: externo e interno. A presença humana e a ocupação de um espaço mudam seu caráter, e o que era apenas espaço passa a ser considerado lugar, cenário da experiência (YUAN, 1983). A forma como as pessoas percebem e caracterizam o espaço as individualiza. O mapeamento do lugar, através do que posso apreender pelos sentidos, ajuda-me a entender minha própria posição no mundo e minha postura em relação a ele. O fascínio exercido pelo lugar e sua posição central na existência humana é iluminado por Lucy Lippard no seguinte trecho:

“The lure of the local is the pull of the place that operates on each of us, exposing our politics and our spiritual legacies.

It is the geographical component of the psychological need to belong somewhere, one antidote to a prevailing alienation.”

(LIPPARD, 1997)

A elaboração interna das informações sobre o espaço local constrói e reconstrói minhas paisagens e minha própria natureza. O meu corpo, inserido no espaço e compartilhando com ele a materialidade, Percebemos na superfície das cópias a impressão

deixada por folhas vivas em primeiro plano e folhas mortas nas camadas de baixo. Percebemos também o relevo de pedras, além da imponente presença da grande semente, impregnada de seu poder de fecundidade, remetendo-nos aos grandes ciclos naturais de renovação. O movimento das vagens suga nosso o olhar em direção a algum ponto em seu centro, que tem a leitura visual de um orifício que traga este redemoinho.

O registro deste momento no ciclo desta alameda de Flamboaiâs em meu caminho é fornecido pela matéria acumulada no chão sob seus galhos. A partir do momento em que me aproprio da superfície deste recorte da paisagem posso começar a observar sua impressão, ou seja, a superfície negativada no molde revela-se novamente nas impressões com a visualidade que lhe foi capturada. Esta matriz foi pensada para ser impressa com grandes placas de argila, que captam sua ampla superfície em arco (cerca de 60 cm). O processo de impressão iniciou-se com várias cópias perdidas, pois no processo de secagem as placas sofrem uma retração signifi cativa e trincam próximo aos relevos mais retentivos. Algum estudo me revelou o ponto de secagem ideal para a desmoldagem das placas e adaptações na matriz viabilizaram as primeiras tiragens.

A primeira seqüência de cópias desta matriz está identifi cada como conjunto no1, em

que experimento meus primeiros procedimentos de entintagem, realizada aqui com óxidos de ferro e manganês. Nesta seqüência, resolvo também os

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problemas de articulação entre os módulos, que eram inicialmente amarrados entre si e ganharam com a experiência uma montagem como módulos independentes, compondo o conjunto diretamente na parede.1

No conjunto no2 experimento um

procedimento que passa a ser recorrente a partir deste ponto: a terceira queima. Queimados em baixa temperatura os módulos são alinhados e submetidos à queima primitiva em fogueira. A superfície da argila ganha manchas irregulares de fuligem e os esmaltes de baixa temperatura, à base de chumbo, volatilizam-se produzindo fantasmas brancos nos contornos que favorecem a leitura das formas. Um dos módulos é entintado com a inversão das cores, o que gera um deslocamento visual deste quarto do círculo. Este procedimento de inversão foi realizado também no conjunto no3, que mesmo estando queimado em alta

temperatura, foi submetido à queima de fogueira. Sua superfície densa guardou menos marcas da queima do que no conjunto no2. Experimento um esmalte

transparente no arco identifi cado como conjunto no4, para obter um registro mais claro do movimento

do fogo, mas considero que meu melhor resultado está no contraste obtido pelo conjunto no 5. Neste,

a queima de fogueira fi ca fortemente marcada na superfície porosa e os relevos entintados com um esmalte transparente fi cam impermeabilizados, mantendo-se brancos.

1 Este primeiro conjunto foi agraciado com o prêmio aquisição

no 38 Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba em 2006, e hoje integra o acervo da Pinacoteca Municipal Miguel Dutra.

fornece a mediação e as medidas: peso, volume, pés, palmos, passos e até mesmo o crânio – a escala humana relaciona-se diretamente com o tamanho e o formato dos módulos. Para compreender seu lugar, o homem sempre foi produtor de medidas e mapas tanto de espaços externos quanto internos. O corpo humano tem papel determinante para estabelecer parâmetros e medidas para o tempo e o espaço. Lucy Lippard sintetiza bem esta percepção.

“Time may be fi nally inseparable from place, even when it´s symbolyzed as an abstraction or independence from place/body, but the historical conjunction of the two has come to mean possession or domination of nature. Time as a line and space as a circle have been interpreted as male and female.”

(LIPPARD, 1983. pg121)

O ato de caminhar representa o ato fundador neste trabalho: da percepção direta da paisagem surgem elaborações mentais e formais que buscam conhecê-la em todas as suas camadas de profundidade. O mergulho no caos do mundo, através da experiência de uma deriva,

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Ciranda de Sementes

Pg.17 Conjunto 3. Cerâmica de baixa temperatura, entintagem com esmaltes alcalinos em queima primitiva. Pg.18 Conjunto 5. Cerâmica de baixa temperatura, entintagem com esmaltes alcalinos em queima primitiva. Pg. 20 Conjunto 1 . Cerâmica de baixa temperatura, entintagem com óxidos metálicos. Pg. 22 Conjunto 4, com duas peças. Cerâmica

de baixa temperatura, entintagem com esmaltes alcalinos em queima primitiva. Pg. 23 Registro fotográfi co de uma alameda

de Flamboiâs. Pg. 24 Conjunto 3 (acima): Cerâmica de baixa

temperatura, entintagem com esmaltes alcalinos em queima primitiva; conjunto 2 (abaixo): Cerâmica de alta temperatura, esmaltes e óxidos. Pg. 25 Detalhes das superfícies das impressões em três tiragens com entintagens e queimas diferentes. Módulos de aprox. 60 cm de largura. 2006

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como uma caminhada ou um trajeto realizado em um automóvel, gera um estado de consciência particular. A atenção difusa neste deslocamento favorece insights e o olhar é direcionado de modo especial em momentos que são registrados e passam a integrar a obra artística. Como explicar estes raros e preciosos momentos de epifania? De que forma poderíamos descrever a inesperada atração exercida por um broto de caeté que se ergue da lama ou a delicada construção de um casulo de lagarta sobre nossa sensibilidade? Estes encontros fortuitos com lugares, com objetos, plantas e outros recortes da natureza parecem algo que acontece ao acaso, mas são na verdade o que Fayga Ostrower chama de acasos signifi cativos. Aquilo que percebemos visualmente é a resposta súbita para um potencial latente específi co, que engloba todo um repertório de perguntas e questões que já carregávamos e que de repente entram em perspectiva. Nossa necessidade interna de poesia encontra eco nestas estruturas exteriores.

A paisagem que percebo e registro é um laboratório que potencialmente contém respostas para muitas de minhas perguntas e meu dever é investigar com o maior grau de profundidade possível todos os seus elementos – vegetais, minerais e animais, incluindo-se a nossa própria espécie e o impacto que exerce em

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Impressões da fertilidade

Jacarandá Árvore leguminosa

(Machaerium Villosum) comum no Brasil, de folhas penadas, fl ores pequeninas, violáceas, legume alado e lenhoso e que fornece mui apreciada madeira de lei, de cor escura e desenhos variados.

Esta gravura em cerâmica foi desenvolvida a partir da impressão direta dos cachos de sementes do jacarandá arranjados no chão, à sombra destas árvores. O formato da matriz é pensado como um eco da forma da vagem, inclusive pela ondulação que a superfície desenvolve em seu centro, que se assemelha à da superfície das sementes. As formas e texturas captadas na superfície da matriz de gesso reconstroem o local de onde foram capturadas. O solo local, resíduos orgânicos e restos de folhas são pontuados pelos planos ondulantes das sementes arredondadas, gerando uma leitura do trabalho que independe de sua posição, uma leitura “all

over”, como a da superfície de um “action painting”.

As peças foram executadas em argila branca e queimadas em alta temperatura, com um esmalte transparente fi xando a entintagem realizada com óxidos de manganês e de cobre.

O formato sintético do módulo mostrou-se fácil de copiar e apropriado para diversos tipos de montagens – e me possibilitou perceber que a fi nalização dos módulos, sua queima e esmaltação, não representam o fi nal do processo. É o início de uma outra etapa da pesquisa: aquela que investiga as

seu habitat. Um de meus mais valiosos instrumentos de pesquisa é a representação, suas possibilidades e repertório histórico, assim como os diferentes instrumentos de registro – em particular o desenho, a fotografi a, a modelagem e a moldagem direta. A reconstrução da paisagem através de suas formas e sua materialidade identifi ca e analiza os fragmentos signifi cativos e a atuação que exercem um sobre o outro, além de sua relação com o todo. As características cíclicas e de interdependência destes componentes é explicitada em muitos momentos do trabalho e a mão do homem na natureza transparece implacável.

Fragmentos da Paisagem

Desde as primeiras gravuras em metal, até as peças em cerâmica, as formas e elementos naturais são a inspiração para a construção de imagens bidimensionais e objetos tridimensionais. Na série Ouriços e Cactos ( vide anexo II) temos um conjunto de peças com inspiração vegetal, em que já estavam incorporados elementos da paisagem que precedem em muito o atual viés de trabalho. Uma outra tentativa de traduzir a visualidade de uma área de mananciais com fl uxos de água para o vocabulário da cerâmica está representada na série Fio D’água, uma seqüência de módulos cerâmicos com

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À esquerda: Semente do Jacarandá mimoso encontrado nas

imediações do ateliê. À direita: Friso I Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura. Série com 23 peças. Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

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possibilidades de combinação das peças modulares. Desenhos circulares, vários tipos de mandalas e frisos com ritmos ondulantes são indícios desta riqueza de variações combinatórias. As primeiras investigações de montagem privilegiavam a leitura de frisos horizontais. Investigo e registro também algumas montagens compondo mandalas, que tem uma afi nidade intrínseca com as características cíclicas evocadas por estes fragmentos. As possibilidades de combinações desta forma curva em mandalas são bastante amplas e quanto mais as manipulo mais desdobramentos encontro.

vidro fundido. Em ambos os casos, um elemento da paisagem é isolado e retrabalhado, em uma pesquisa muito experimental do ponto de vista dos materiais. Provoco os processos naturais: oxidações, queimas e fusões, para recolher no fi nal um objeto que incorpora o acaso e o caos. Estes são processos inicialmente induzidos, mas fi nalmente autoconduzidos, regidos somente pelas suas leis dinâmicas internas.

O ato de isolar aspectos da paisagem ganha um sentido particular na série de gravuras em cerâmica que compõem o corpo mais recente de trabalhos. Nesta série a representação da paisagem é produzida através da moldagem direta de elementos naturais e depois reproduzidas em módulos cerâmicos que podem compor grandes painéis, os quais reinventam a paisagem. O processo de elaboração é longo e muitas vezes o resultado fi nal distancia-se bastante em termos formais do fragmento da paisagem que o gerou. A seleção do que irá fazer parte do trabalho é o momento crucial da criação. Dentro do universo espacial em que o ateliê está inserido o meu olhar procura indícios materiais onde os elementos da paisagem aparecem em sua essência, de modo que o fragmento selecionado possa manter uma relação estreita com o todo, representando-o com propriedade. O ato de se isolar partes de um todo mais

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amplo guarda uma relação intrínseca com um momento peculiar na História da Arte associado com o nascimento do que hoje chamamos de paisagem.

A paisagem como gênero artístico está defi nida da seguinte forma no dicionário de termos artísticos organizado por Marcondes:

Quadro em que o tema principal é uma representação de formas naturais, de lugares campestres, seja parque ou fl oresta, freqüentemente abarcando uma grande área e distâncias, podem incluir fi guras, para dar uma sensação de escala, mas é inteiramente subordinada à vista como um todo. A data da mais antiga paisagem é discutível, embora reproduzi-la artísticamente como pano de fundo seja do tempo da civilização grega. Através da Idade Média a paisagem permaneceu como pano de fundo para outros temas ainda que Leonardo tenha dado grande importância ao estudo dos aspectos naturais e à perspectiva aérea, não foi antes dos paisagistas holandeses do séc. XVII que ela realmente emergiu como tema independente.” (MARCONDES, 2003)

A questão do recorte compositivo pode ser associada a um momento específi co da paisagem fl amenga em que o gênero paisagem está ganhando autonomia. Nesta sociedade e neste momento histórico particular surgiu uma classe burguesa forte e cada vez mais laica e, com isto, uma demanda por temas que não

Mandala I Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças. Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005.

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Mandala II e III

Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças.

Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

fossem sacros. Enquanto na Idade Média o ambiente natural e a representação do lugar não oferecia interesse, esta conjunção especial de fatores na Holanda no séc. XVI acaba por catalizar o nascimento da paisagem ocidental. O ambiente doméstico e o contexto do interior burguês favorecem um tipo muito específi co de olhar, diretamente ligado à janela como elemento determinante do recorte compositivo, do interior para o exterior. No primeiro Colóquio Internacional de História da Arte2 o texto La Naissance du Paysage en Ocident, de Alain Roger aponta para o fato de que a janela é um dos fatores decisivos para o nascimento da paisagem ocidental:

“Mais l’ èvénement décisif ést certainment l’ aparition de la fênetre, cette veduta intérieure au tableau, mais qui l’ouvre sur l’exterieur. Cette trouvaille fl amande est, tout simplement, l’invention du paysage occidental. Une telle soustraction – extraire le monde profane de la scéne sacrée – est, en realité, une addition: le age sájoutant au pays; et il est vraisemblable que la premiére occurrence occidentale du mot “paysage – a désigné cette portion déspace, délimitée par la fenêtre picturale”

(SALGUEIRO, 2000. p. 35)

2 Este colóquio teve seus textos reunidos na seguinte publicação: SALGUEIRO, H. A. (org.) Paisagem e Arte – A Invenção da Natureza, a Evolução do Olhar. São Paulo: Ed. Fapesp , 2000.

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A fragmentação da visão panorâmica e a seleção de recortes é central em minha proposta, já que trabalho muitas vezes com indícios bastante pequenos deste universo. Quando faço a seleção do recorte compositivo em meus estudos, o que eu busco dentro do contexto natural-geográfi co em que estou inserida são os fragmentos matéricos que guardam, em seus ritmos formais, os fl uxos e os ciclos naturais e até as alteraçõs causadas pela interferência humana. Muros que contém e limitam a exuberância da paisagem, a geometria do traçado das ruas, os volumes construídos de casas, lajes e portais oferecem um certo padrão da atuação da vontade humana com impacto irreversível na paisagem. A presença humana também acaba coletada pelo gesso das matrizes. Quero registrar os instantes que expressem a vitalidade visceral da paisagem: busco, preferencialmente, as áreas de mananciais, brejos e as sementes e fragmentos de espécies nativas

Mandala IV Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças. Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

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(representativas da história local), busco o ritmo vertical de matas e bambuzais, as marcas do tempo nas superfícies, a riqueza e a precisão do desenho natural dos seres, seus percursos, seu crescimento, suas cicatrizes.

O grau de fragmentação da paisagem do que seleciono difere bastante da aproximação tradicional da paisagem, principalmente daquela paisagem panorãmica ou documental que pretende apreender grandes espaços. Descrente na capacidade da percepção humana de apreender a essência do espaço natural em que está inserido, busco com meus fragmentos uma aproximação maior, em um esforço por maior profundidade. Para ilustrar e explicar melhor minha postura seleciono uma das pranchas do livro Iconografi a e Paisagem3: “Floresta

virgem perto de Mangaratiba” , pintura produzida por Rugendas, entre 1826 e 1835.

“A seção de iconografi a reúne aquelas obras cujas características estéticas pronunciadamente referem-se à reprereferem-sentação fi el e detalhada de elementos topográfi cos, urbanísticos, da fl ora ou da fauna, dos costumes e de todos os aspectos, enfi m, que tiveram como origem o comentário da natureza, do povo, e da sociedade do país.” (PEIXOTO, 2003. pg.13)

3 PEIXOTO, M. E. S.(org) Iconografi a e Paisagem. Rio de Janeiro: Edições Pinacothéke, 1994.

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Observamos nesta imagem um panorama em que à representação dos aspectos geográfi cos somam-se verdadeiros tratados de botânica e minuciosas descrições das espécies vegetais locais e dos exemplares típicos da fauna. A riqueza de detalhes almeja o rigor científi co e de fato pode ser vista como uma espécie de enciclopédia da geografi a e da botânica local. Esta postura positivista e generalista, na comparação que proponho, representa o oposto plástico da fragmentação que procuro em meus procedimentos. Meu ponto de vista é assumidamente parcial e pessoal e através deste caleidoscópio de detalhes e resíduos matéricos construo um panorama rizomático e fragmentário de meu objeto de estudo.

Meu projeto poético identifi ca-se com fragmentos que têm signifi cado latente há muitos séculos. A valorização da terra, de sementes e todos os ciclos naturais que são evocados pela sua simples presença fazem reverberar ecos de cultos primitivos à Deusa-mãe. Meu objeto é tratado com um sentido de reverência pelo espaço em si, e por sua própria substância.

À direita: Friso III Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças. Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

Abaixo: Friso II Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças. Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

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Mircea Eliade, em seu “Tratado de história das religiões”4

aborda este tipo de aproximação à paisagem, que é movida por uma certa intuição do sagrado. Este mesmo movimento gerou uma multiplicidade de ritos e cultos à terra em povos ditos primitivos.

“A terra, para uma consciência religiosa primitiva é um dado imediato: a sua extensão, a sua solidez, a variedade de seu relevo e da vegetação que nela cresce constituem uma unidade cósmica viva e ativa. A primeira valorização religiosa da terra foi “indistinta”ou seja, ela não localizava o sagrado numa camada telúrica propriamente dita, mas confundia numa única unidade todas as hierofanias que se tinham realizado num meio cósmico envolvente – terra, pedras, árvores, águas, sombras, etc. A intuição primária da terra como forma religiosa pode ser reduzida à fórmula: cosmos – receptáculo das forças sagradas difusas.”

(ELIADE, 1993, pg.196.)

Em vários módulos que compõem o capítulo Ciclos, as matrizes foram realizadas diretamente sobre a terra, captando-se todos os seus ruídos visuais e aspectos de contaminação. Sobre a terra encontro um símbolo poderoso de regeneração e fertilidade – a semente. Esta incrível estrutura que se desprende das formas vivas de uma árvore tem contornos sintéticos e formatos reduzidos. Parece morta em seu invólucro

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lenhoso, mas sua forma é provisória e traz latente e concentrada em seu interior uma nova vida e imensas árvores. A árvore e suas sementes são elementos da paisagem com um potencial simbólico festejado através dos tempos. Ao lançar mão de signos vegetais como estas sementes, as árvores, que estão latentes em sua estrutura, folhas, galhos e outros resíduos vegetais, sintonizo meu trabalho com uma postura identifi cada por Mircea Eliade nos cultos à vegetação de diversas etnias:

“Através da vegetação, é a vida inteira, é a natureza que se regenera por múltiplos ritmos, que é honrada, promovida, solicitada. As formas vegetativas são uma epifania da vida cósmica. Na medida em que o homem está integrado à natureza e crê poder manipular essa vida para os seus próprios fi ns, ele manipula os sinais vegetais, ou venera-os.”

(ELIADE, 1993, pg.196.)

As tendências compositivas e escolhas que vão sendo feitas no percurso de um processo criativo estabelecem uma tendência na obra e no projeto poético de um artista. As opções apontadas e as afi nidades esboçadas sinalizam na direção de minhas tendências, mas não podemos ignorar o fato de que o trabalho está em mutação e maturação constantes, e conta o tempo todo com a infl uência do imponderável.

Ao lado:

Vista aproximada de um módulo. da série Impressões da

fertilidade.

Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura Série com 23 peças.

Entintagem com óxidos metálicos. 30 X 23 cm cada módulo. 2005

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Ritmo de Sementes

Caesalpinea Paraguairiensis. Árvore conhecida popularmente como pau-ferro, com ocorrência farta no Mato-Grosso do Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia. Produz infl orescências amareladas e fruto legume, lenhoso, achatado, preto e brilhante com grande número de sementes viáveis. Produz uma madeira densa, de textura fi na e homogênea e de grande durabilidade natural, muito apreciada comercialmente e comparada ao ébano.

Série elaborada a partir de um arranjo das sementes de um exemplar do pau-ferro que está defronte ao ateliê. Os legumes lenhosos são organizados de forma a dividir a matriz ao meio com uma faixa de relevos mais altos e outra área em que as marcas do chão produzem uma textura regular. Esta matriz, que foi a primeira a trabalhar a apropriação direta dos vestígios do chão, carrega em sua seqüência de impressões as marcas de sua origem na gravura. O seu formato retangular seria o primeiro indício de um pensamento construtivo e compositivo comprometido com o formato do papel, além das tendências compositivas ortogonais observadas em gravuras como Noite Fria I e II ( vide anexo I) O fato de uma placa de argila , que é aberta em formas arredondadas e irregulares, ostentar margens retangulares que limitam seus contornos vincula-se à tradição de impressão de gravuras e às margens do registro. Foram executadas séries em argila branca com aproximadamente 50 módulos, os quais, combinados horizontalmente em minha

Sobre a impressão

Tendo os processos construtivos da gravura como marcos muito fortes em minha formação percebo que o desenvolvimento do trabalho em cerâmica que proponho tem aí seu ponto de partida. Ao voltar o olhar para a paisagem e seu repertório de imagens e lançar mão de um processo que me permite imprimí-la na matéria argilosa gerando um múltiplo, tenho que reconhecer que meu procedimento busca raízes em linguagens diferentes, cada uma com suas especifi cidades: a gravura e a cerâmica. Percebo, em comum, nestas linguagens a importância da dimensão histórica de ambas através de sua ancestralidade, já que são técnicas ou linguagens muito tradicionais e que têm seu desenvolvimento, seu repertório de formas e seu papel junto à sociedade bem documentados na história da arte. Ambas compartilham uma certa vocação para o atendimento de necessidades utilitárias – de transmissão do conhecimento pela multiplicação da imagem no caso da gravura, e o suprimento de objetos de uso cotidiano no caso da cerâmica. Sendo o barro tão dócil e preciso na captação de marcas, a impressão de imagens e relevos em sua superfície torna-se viável e surge aqui a oportunidade de uma ponte entre os dois universos processuais – o da gravura e o da cerâmica. Acrescento minha proposta de

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Ao lado: Ritmo de Sementes Tiragem em terracota sem molduras. Gravura em cerâmica de alta temperatura. Entintagem com óxidos metálicos. Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005

Pg. 38 Ritmo de Sementes Gravura em cerâmica de alta temperatura. Entintagem com óxidos metálicos. Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005

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montagem inicial, formavam um grande painel alongado em que a horizontalidade dos ritmos de texturas e relevos e de tonalidades contrastantes expande-se como um amplo panorama.2 Nas

diferentes montagens, a justaposição das cópias salienta as pequenas diferenças que individualizam cada uma delas: ondulações na placa de argila causadas pelas tensões da retração no processo de secagem, trincas, acúmulos de óxidos, variações da massa. O procedimento da gravura, que almeja gerar múltiplos idênticos, combina-se com procedimentos da cerâmica, que tem na própria matéria e no encontro com o fogo momentos de total imprevisibilidade. Além disto os processos de entintagem não foram uniformes – as áreas de contraste alternavam-se, sempre na horizontal. Foram utilizados óxidos de manganês e cobre, entintando-se a cópia úmida e fazendo-se depois uma limpeza dos relevos (veja a descrição do processo de entintagem no anexo III).

Com o tempo de convívio com a matriz e as cópias produzidas, começo a questionar a necessidade das margens. Na ùltima tiragem, realizada em argila vermelha ou terracota, sem a presença da margem de argila que se espelhava nas margens do papel. O corte da placa em que é impressa a cópia é feito rente ao molde, o que deu independência à superfície e uma presença do elemento material mais forte. Esta tiragem foi

pesquisa às investigações plásticas das duas áreas, em toda sua riqueza de possibilidades em termos de forma, função e signifi cado.

Com o intuito de esclarecer a origem da pesquisa atual, retrocedo cerca de dez anos para rever as gravuras e monotipias realizadas durante o período de desenvolvimento do mestrado. Estas gravuras estão compiladas no anexo I deste volume e representam o ponto de origem do trabalho atual. Nestas paisagens eu dirigia meu olhar a recantos prosaicos – cantos de espaços internos, prédios de dormitórios, galerias de escoamento de água, trilhas de pedestres através dos parques – sempre com um olhar geometrizante. Esta escolha compositiva era interpretada por mim, na época, como uma busca do que é humano na natureza ou seja, da ação humana sobre ela, cercando, construindo estruturas, impondo sua lógica ortogonal.

Em imagens como as do díptico “Noite Fria”(vide anexo I), a representação de recortes da paisagem do campus da Universidade de Illinois é associada a um trabalho em camadas com o verniz mole, que raspado em diferentes áreas e associado a banhos sucessivos em ácido tornam a atmosfera daquela paisagem noturna densa e enevoada e já confi guram uma resposta a uma

2 No Salão Paulista, realizado no Mac-Usp do pavilhão da Bienal

foi executada uma montagem vertical, que se acomodou no espaço exíguo que lhe cabia, espremido como um edifício.

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À direita: Ritmo de Sementes Gravura em cerâmica de alta temperatura. Entintagem com óxidos metálicos. Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005 queimada em alta, com esmaltes bem fundentes à base de cinzas, para obter uma acumulação nas texturas e nos pontos baixos do relevo. Nas sementes que se projetam na superfície o esmalte escorre e mostra o corpo da argila.

Esta foi a primeira matriz que copiei até o limite de exaustão do molde de gesso, que já com sua defi nição comprometida, acabou por quebrar-se ao meio, determinando o fi m da série. Esta série, porém, aponta caminhos poéticos e eu voltaria mais tarde a investigar as sementes do pau ferro em uma nova formulação do ritmo das sementes. Busco, nesta nova abordagem, o formato circular em diferentes diâmetros e o alinhamento das vagens é espiral. Não deixo, como na série original, espaços vazios, para criar este ritmo, mas nas formas pontuais estes intervalos são dados pela superfície de apoio. Fica claro neste movimento de pesquisa que a investigação artística não se esgota em cada uma das séries, mas que estas têm a capacidade de gerar novas formas e agregar novas idéias.

À esquerda: Matriz da série Ritmo de Sementes, perdida devido ao

processo contínuo de tiragem das impressões. Acima: Local de onde foram captados os registros e fragmentos

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certa necessidade de adensar camadas e trazer para a representação uma qualidade de superfície que evoque a materialidade. A sucessão de quadrados e retângulos dos últimos planos contrasta com o emaranhado vegetal no primeiro plano e reforça a dialética de confl ito entre o “caos natural e a racionalidade humana”.

Uma sensibilidade especial à luz e aos efeitos dramáticos produzidos por ela na leitura de uma imagem também permanecem uma constante nesta pesquisa. Certos matizes psicológicos vêm à tona quando lançamos mão de determinadas situações de iluminação, como nas gravuras “Rasgo de luz” e “Herança”. Em “Rasgo de Luz”, o observador é posicionado em um espaço interno e vê a paisagem através do recorte limitador de uma moldura de porta – de novo a exuberância vegetal fi ca contida dentro de um enquadramento rígido. A luz que chega a este ambiente fechado lança suas diagonais pelo chão, criando uma atmosfera carregada de suspense. Na gravura “Herança”, a antiga prensa surge como uma aparição fantasmagórica na penumbra do ateliê, com sua geometria peculiar dividindo o espaço gráfi co em cinco vetores. Só o primeiro plano recebe um facho de luz, conduzindo nosso olhar para a profundidade. Esta preocupação com a luz assumirá novos desdobramentos quando começo a trabalhar com relevos em cerâmica.

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À esquerda:

Montagem provisória de uma derivação da série Ritmo de

Sementes

Módulos medindoentre 10 e 25 cm de diâmetro, 2007

Abaixo:

Impressões em diferentes pontos de secagem. Derivação da série Ritmo de Sementes.

Módulos medindoentre 10 e 25 cm de diâmetro, 2007

Nos primeiros trabalhos em gravura a paisagem já era uma grande preocupação: a elucidação do espaço, seus planos em profundidade, seus elementos constitutivos e sua organização em relação aos limites do suporte. Nas últimas gravuras em metal trabalhadas neste momento, a necessidade de incluir na imagem os elementos materiais que constituem o que é representado me conduz ao próximo passo. Com o desenvolvimento da exploração artística, os elementos materiais da paisagem, como folhas e gravetos começaram a se insinuar nas gravuras através do uso do verniz mole, e hoje tenho clareza de que este foi o embrião das séries de relevos gravados em cerâmica que apresento neste volume.

A seqüência de monotipias que inicio neste momento permite-me representar a paisagem mais rapidamente, explorando a densidade da tinta de gravura de uma forma que hoje me parece muito próxima ao modelado empregado nos primeiros relevos em argila. A imediatez desta técnica me permitiu explorar a observação imediata da paisagem, que era então elaborada diretamente na chapa de cobre, sem passar por esboços iniciais. É desta época ainda a exploração de temas oníricos, que se insinuavam no ateliê nas

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Unidade Tripartida

Costus Spiralis. Conhecida popularmente como cana branca ou cana de macaco, herbácea rizomatoza, entouceirada, nativa da América do Sul e do Brasil, possui hastes semelhantes à cana, folhagem e fl orescimentos ornamentais.

Este conjunto explora relações de simetria em um módulo repartido em três pelas infl orescências da cana-branca. Folhas e hastes compõem o restante das informações impressas na superfície ogival do módulo. O nome do trabalho invoca Max Bill, e sua forma faz referência às inúmeras estruturas trinas encontradas na natureza.

O pensamento formal, que partiu da gravura, neste módulo, ganha um desprendimento em relação as suas origens que o afasta da leitura bidimensional de uma matriz como ritmo de sementes. Os módulos elevam-se da superfície projetando-se até 25 cm de altura e adquirem um status que os aproximam mais da escultura e da instalação do que da gravura tradicional. Esta matriz foi composta a partir de um relevo ogival elaborado no torno mecânico que serve de suporte para os fragmentos recolhidos da espécie vegetal, no processo de moldagem. As infl orescências do pendão são pressionadas nesta base tensionando a superfície que ondula túrgida debaixo dos fragmentos selecionados. As pontas dos pendões quase se tocam ao centro do relevo, gerando um ponto de concentração ou foco que reúne as

primeiras horas de trabalho do dia, benefi ciando-se ainda do frescor das impressões da noite. Uma variação de cores e particularmente os tons terrosos também se insinuam nas sequências de paisagens representadas. A verticalidade dos formatos passa a predominar e a associação com o sagrado na leitura da paisagem fi ca evidente.

O Ciclo da gravura

Volta à gravura através da cerâmica.

Qualquer proposta ou projeto artístico tem obrigatoriamente como cerne o entendimento do meio ou da linguagem através da qual operam. O projeto de pesquisa que apresento parte de uma prática fronteiriça entre linguagens, onde procedimentos de gravação e entintagem, que têm suas raízes na gravura são usados sobre os materiais próprios da cerâmica. Assim se faz presente a necessidade de voltar minha atenção para as características destas linguagens em suas relações materiais e simbólicas.

Documento no anexo II alguns exemplos desta etapa fundamental da investigação – a elaboração de relevos em peças únicas, geralmente compondo séries

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de aproximadamente dez peças com o mesmo formato. Estas séries me propiciaram um excelente laboratório de pesquisa de possibilidades para a modulação da superfície e seu comportamento em diferentes queimas. Investigo então a reprodutibilidade destes relevos e verifi co que vários processos de moldagem me permitem copiar estes contornos e ganhar escala com a repetição da imagem. Ao justapor os resultados das impressões explicito a semelhança das reproduções, mas exponho também as diferenças e as particularidades de cada cópia da tiragem. A série é então entintada de uma forma muito semelhante à entintagem da gravura em metal, só que com óxidos e esmaltes, que ao serem limpos revelam o relevo impresso na superfície e geram contraste gráfi co e modulações de cor, sugerindo variações de iluminação na paisagem descrita pela superfície. A repetição do módulo gera uma leitura em que a reiteração da imagem torna o conjunto coeso. Apesar de cada cópia da tiragem ser diferente das outras, permanece em quem a vê, a presença da escala industrial.

Percebo, na análise destes conjunto, o fato de que a multiplicidade demonstra o quanto o fogo interfere na qualidade da superfície e da matéria. A multiplicidade de imagens que se repetem demonstra que o encontro partes pressionadas. Este ponto da extremidade

do módulo assume o perfi l de um mamilo túrgido de leite, pressionado por três grandes dedos. Devo observar, também, que os conjuntos têm o perfi l de montanhas, com diferentes alturas e a sensual superfície ondulante dos morros.

A reprodução pelo método de despejo (veja anexo III) permite variações na altura do módulo, e a instalação de conjuntos, nos quais os módulos parecem sair da parede e afundar novamente em sua superfície. A relação destas peças com a superfície da parede ou do chão sugere, para quem as observa, uma relação de penetração – a parede parece absorver parte desta peça gerando uma leitura ritmada das alturas projetadas no espaço. Os conjuntos são montados em arranjos circulares na parede ou no chão, com os módulos mais altos ao centro e os módulos mais baixos nos limites da composição. Os módulos, como grandes infl orescências brancas, parecem brotar como colônias de cogumelos da superfície de suporte. O alinhamento das divisões e relevos também determina a leitura fi nal do trabalho, propondo relações de continuidade e simetria entre estes elementos, como ilustro nas imagens ao lado.

Nas primeiras tiragens experimentei uma entintagem com óxidos metálicos e esmaltes de cinzas. Estas cópias foram submetidas a uma queima de alta temperatura, a 1240°C, e em seguida submetidas a uma queima primitiva, ou queima de fogueira – com a intenção de tensionar a matéria ao máximo, e a porcelana que utilizo provou ser

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Gravura em cerâmica de alta temperatura. Módulos medindo aproximadamente

18 cm de altura por 15 de diâmetro. Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes de cinzas.

Gravura em cerâmica de alta temperatura. Módulos medindo aproximadamente

18 cm de altura por 15 de diâmetro. Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes de cinzas.

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com o elemento que representa o caos por excelência – o fogo- tornou cada peça singular, e o processo de transmutação revela uma nova materialidade, esta perene. As superfícies cerâmicas adquirem trincas, os esmaltes escorrem e formam acúmulos que distinguem e particularizam certas áreas, manchas e torções de retração acontecem durante a queima e tornam cada cópia única, mesmo em sua multiplicidade serial. O molde de gesso é o que se mostrou mais adequado para os processos que desenvolvi, e as tiragens são feitas em placas de argila e com barbotina, ou argila líquida. É interessante perceber que o molde de gesso tem durabilidade limitada, assim como as matrizes da gravura tradicional, porém, são ainda mais frágeis que estas, o que torna as séries fi nitas e não muito numerosas.

A interface entre a cerâmica e a gravura

Por mais específi cas que possam parecer, encontro nas duas áreas muitas afi nidades e o favorecimento deste encontro, na minha investigação artística, tem produzido formas e imagens gravadas que questionam as diferenças e multiplicam os repertórios simbólicos intrínsecos destas duas linguagens. Meu interesse é a fronteira entre a gravura e a cerâmica e busco compreender o que cada meio oferece à poética

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Gravura em cerâmica de alta temperatura. Módulos medindo aproximadamente 18 cm de altura por 15 de diâmetro. Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes de cinzas.

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da forma resultante. Para isto combino o desenho através da leitura gráfi ca da linha e dos contornos dos volumes com a superfície do barro. Sobre este, a ação do fogo: o barro e o fogo são as contribuições da poética que caracteriza a cerâmica. De ambas as tradições – tanto da gravura quanto da cerâmica herdo a possibilidade de geração do múltiplo.

O repertório de imagens gravadas remonta à pré-história, assim como o extenso repertório de formas da cerâmica, portanto é inegável que compartilhem a ancestralidade. A gravura tem suas raízes na necessidade do homem de documentar e de transmitir saber. É uma linguagem exigente em termos técnicos, assim como a cerâmica, e que tem em seu procedimento técnico a própria defi nição. Estas características reúnem um conjunto de leituras que torna estas gravuras em cerâmica um conjunto de obras com uma presença poética muito peculiar.

Não se pode exaurir o conceito de gravura como um enunciado que considera somente o ato técnico, mas sim o entender como um processo dotado de uma importante dimensão histórica e antropológica. Sendo um procedimento técnico, fruto da engenhosidade que nos distingue enquanto espécie humana, a gravura resistente mesmo ostentando trincas. A montagem

que proponho para a exposição de Doutoramento terá seus módulos executados com esta mistura de porcelana, e será queimado apenas até o ponto de biscoito, ou seja, a 900°C, e não será submetido a nenhum processo de queima posterior. Estes módulos serão expostos ao tempo pelo período de três meses, colocados diretamente sobre o chão. O que gostaria de observar, nesta devolução do trabalho à natureza, é como ele se reintegra a ela. Minha expectativa é a de observar o nascimento de musgo, fungos e outras formas de vida na superfície do módulo, concentrando-se na base e nas reentrâncias das cópias, e de que a peça vá adquirir uma pátina orgânica, geralmente bastante interessante.

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solicita em quem a vê uma empatia imediata. Isto porque a própria técnica nos identifi ca e nos une em sua humanidade.

“Faire une empreinte: produire une marque par la pression dún corps sur une surface. On emploie lê verbe empeidre pour dire que lón obtient une forme par pression sur ou dans qualque chose. On dite aussi “ empeidre de qualque chose” (par example – une visage empreint de gravite. Une connotation freqüente de lémpreinte – par diff erence avec la trace, peut être, mais il faudra y revenir plus em detail – est que sont resultat perdure, que son geste donne lieu a une marque durable.”

( HUBERMAN, 1997)

O princípio da impressão de uma marca em uma superfície que a aceite e passe a exibir os registros que lhe foram imputados é central em meu procedimento. A superfície da matéria captada em gesso é transferida por contato para a argila, que transmutada em cerâmica pode então ser submetida ao processo de entintagem.

Através destas marcas chegam até nós as impressões pré históricas do contorno de mãos humanas na parede das cavernas. A gravura cumpre seu papel de registro e permanência no decorrer da história da arte onde é possível verifi car que ela segue cumprindo esta função. A vontade de deixar um legado

Abaixo: Investigar as relações de simetria encontradas nas formas naturais é uma ambição deste módulo. Justaponho, nesta imagem, o primeiro módulo queimado de Unidade Tripartida a uma semente de Tingui, árvore encontrada no Pará. A intimidade entre as formas destes objetos motivou-me a moldar a semente de Tingui, e, possivelmente agregar este segundo módulo na montagem do conjunto.

À direita: Tingui Cópias da semente executadas em

porcelana e queimadas em alta temperatura com esmaltes à base de cinzas. Módulos medindo 5 cm de diâmetro aproximadamente.

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Manto tupinambá

Caesalpinea Paraguairiensis. Árvore conhecida popularmente como pau-ferro, com ocorrência farta no Mato-Grosso do Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia. Produz infl orescências amareladas e fruto legume, lenhoso, achatado, preto e brilhante com grande número de sementes viáveis. Produz uma madeira densa, de textura fi na e homogênea e de grande durabilidade natural, muito apreciada comercialmente e comparada ao ébano.

Neste conjunto composto por quatro módulos diferentes retorno aos exemplares do pau-ferro que circundam o ateliê. As sementes, as quais já me emprestaram sua forma, não são o alvo de meu olhar neste momento, e sim as curiosas raízes, que sob sua forma lenhosa, parecem possuir uma pele acinzentada, túrgida e que ostenta as marcas do tempo em sua superfície – marcas de crescimento e de desgaste. A história contada pela superfície destas raízes é a de sobrevivência e a de violência. Sob as árvores recolho diretamente das raízes as cicatrizes deixadas pelo tráfego do gado sobre as projeções radiculares.

As cópias impressas são entintadas com óxidos de cobre, manganês e cobalto em base reagente e gotas de esmalte vermelho são depositadas sobre as cicatrizes, exacerbando a percepção das cicatrizes e sugerindo um sangramento. A associação com o Manto Tupinambá original, que está no Museu Nacional da Dinamarca,

duradouro de imagens e formas motiva, entre outros exemplos, a moldagem das máscaras mortuárias, leva os imperadores a imprimirem seus rostos cunhados em moedas metálicas e culmina na invenção da prensa de Gutemberg, com impacto revolucionário na sociedade, seus sistemas e técnicas de registro. Marcas impressas da vida cotidiana, da dimensão espiritual, política e da sensibilidade artística manifestam-se de formas diferentes, mas constantes em todas as épocas. A gravura é, como o desenho e a escrita, um impulso ancestral movido pela vontade de permanência. Este ato simples – a transferência da forma de um substrato para outro, está na origem dos painéis que apresento.

Quando este impulso de registro encontra uma substância que aceita suas marcas, e que depois de queimada tem uma estrutura molecular absolutamente estável, uma substãncia praticamente eterna, que nos conta a história dos primeiros homens, sinto que tenho em minhas mãos uma chave do tempo. Uma relação com a materialidade que é de se transformar o fugaz, o cíclico e o transitório em registro perene. A associação entre as superfícies que produzo e a superfície de fósseis é inevitável – uma relação de contigüidade com a forma orgânica que se vê suspensa no tempo, incrustada na lentidão da existência mineral.

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parece-me pertinente pelo fato de que esta tribo antropófaga, a um tempo, tornou-se um elemento de identifi cação ou identidade das novas terras e ao mesmo tempo foi alvo dos conquistadores, que passam a restringir a população a reservas e, por fi m, praticamente levam a tribo à extinção. O Pau-ferro também se tornou uma das espécies que identifi cou a região, e sua madeira de lei, muito apreciada, o tornou alvo da extração que acabou por praticamente extinguir sua ocorrência natural. Alvo dos conquistadores de diferentes formas, os Tupinambá e os exemplares do Pau-ferro, carregam em sua história as marcas da violência. O uso do vermelho reforça esta leitura da superfície como contendo feridas. Os módulos são montados sobre uma superfície horizontal e assumem um contorno circular com aproximadamente 1, 20 metros de diãmetro.

Devo acrescentar que estes fragmentos moldados a partir das formas vegetais, têm uma relação tão estreita e orgânica com a paisagem que as imagens de sua superfície ampliada podem ser associadas a mapas e vistas aéreas de cordilheiras e vales – em alguns destes módulos a cor esverdeada sugere uma cobertura de vegetação, em outros, o acinzentado denota uma superfície rochosa, e os pontos avermelhados parecem crateras incandescentes de vulcões.

O tempo e a matéria

Reconstituir a história local através da apropriação de seus resíduos matéricos é um procedimento que tem precedentes na história da Arte. Ricardo Fabbrini, em sua publicação “A Arte depois das Vanguardas” reúne alguns exemplos no capítulo intitulado “O signo matérico”:

“Artistas de vários quadrantes, o americano Julian Schnabel, o alemão Anselm Kiefer ou o brasileiro Nuno Ramos investigam se é possível retirar da acumulação de materiais novas soluções formais. Buscam extrair da matéria acumulada um campo de possibilidades para a arte atual.A matéria é considerada por eles o reduto da memória, uma usina de imagens acumulada a ser pacientemente escavada.”

(FABBRINI, 2002, pg. 105.)

Esta forma de se perceber a matéria já se manifestava em alguns de meus primeiros contatos com a obra de Dubuff et e o pensamento do movimento que se convencionou denominar de Art Brüt. Autor de uma série de monotipias em que a superfície entintada recolhia resíduos do chão de seu ateliê, o artista abre uma nova forma de pensar o registro do espaço e abre caminho para a idéia de um registro matérico do lugar. Para o artista, o problema da matéria havia surgido no exato momento em que a forma artística deixa de ser

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Quando as necessidades impostas pela seqüencia do trabalho começam a fi car sem resposta dentro do âmbito da gravura, passo a explorar, então, outras linguagens e técnicas que me permitem trabalhar melhor com a matéria e pesquisar uma variedade de substâncias.

uma representação da realidade5 para representar-se como realidade autônoma em si. A matéria, para Dubuff et, é feita de humanidade vivida como certos aglomerados rochosos são feitos de conchas. Para ele é a matéria que deve contar a verdadeira história dos homens.

Este trabalho leva-me a percorrer duas linhas de pesquisa: a representação da paisagem e investigações sobre a natureza mais profunda da matéria. Revendo meus antigos cadernos de desenho encontro desenhos feitos com terra de formigueiro, pesquisas com fi bras variadas na confecção do papel artesanal, pinturas executadas com massas e emulsões naturais, pedras, etc. Percebo que a atração exercida pela materialidade das coisas sempre foi constante. Nas séries anteriores a matéria também esteve presente, tanto nas pinturas executadas com toda sorte de materiais não convencionais, quanto na cerâmica e nas gravuras onde o verniz mole me permitia imprimir folhas e tramas.

Pg. 58

Manto Tupinambá.

Montagem circular. Gravura em cerâmica de baixa temperatura. Módulos produzidos a partir de quatro matrizes em formatos irregulares,

medindo entre 10 e 25 cm de largura. Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes à base de chumbo, queima

em forno elétrico e terceira queima realizada em fogueira. 5 CHALUMEAU, J. L. Dubuff et : Lárt doit naitre du materiau. Paris, Cercle

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Abaixo:

Vista aproximada dos módulos do conjunto Manto Tupinambá. Gravura em cerâmica de baixa temperatura.

Módulos produzidos a partir de quatro matrizes em formatos irregulares, medindo entre 10 e 25 cm de largura.

Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes à base de chumbo, queima em forno elétrico e terceira queima realizada em fogueira.

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Manancial Negro

Bambu. Gramínea (Bambusa Vulgaris e Bambusa Arudinácea) cujo colmo alcança

muitos metros.

O friso Manancial Negro recria o ritmo vertical das matas de bambu que envolvem as nascentes. A matriz de gesso foi desenvolvida a partir da apropriação direta de taquaras de bambu seccionadas em composição montada sobre blocos de argila – as interferências horizontais sugerem o fl uxo de água por trás da trama de bambus.

O friso composto por módulos independentes tem a leitura gráfi ca de uma linha preta quando visto a distancia, e se revela em uma variedade de mutações inesperadas quando nos aproximamos para observar. Vejo esta montagem como um desdobramento ou uma expansão de minha percepção do desenho, em que a linha negra, traçando sua trajetória horizontal no espaço é um desenho que contêm em si uma multiplicidade de outros desenhos internos, com um ritmo vertical que se contrapõe ao primiro movimento da linha. Além destes movimentos opostos das linhas percebemos também as marcas do embate da superfície com o

Sobre a argila

A matéria mineral se impõe neste trabalho como entidade autônoma exigindo ser reconhecida como algo que carrega signifi cado em si. As argilas se originam a partir da decomposição de rochas ígneas ou metamórfi cas, com ocorrência em toda a crosta terrestre (GABBAI, 90)1. Grandes blocos de rocha formados a partir do resfriamento do magma líquido que alcança a superfície sofrem a ação dos elementos decompondo-se em partículas pequenas, que tendem a formar depósitos próximo a rios e lagos, pela ação das chuvas. As melhores argilas são as que sofrem mais tempo a ação dos elementos erosivos, as mais antigas. Este material abundante e comum em todos os locais da terra parece ter uma história de aliança com a existência humana. Crianças do mundo inteiro se deixam seduzir pela sua plasticidade e pela doçura de seu toque. A argila nos deu abrigo em construções de taipa, já nos deu comida em recipientes cálidos, transportou nossa água, azeite e vinho. É receptiva e aceita como nenhuma outra superfície a impressão das marcas que recolho.

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fogo. O fl uxo do ar e do fogo determinam as manchas de redução deixadas na composição do óxido de cobre, que registra em minúcias e na profundidade do corpo da argila este encontro caótico. A linha descrita pelo friso pode percorrer uma trajetória reta ou se adequar aos planos propostos pela arquitetura, dobrando o ângulo de paredes, traçando o contorno de colunas e desenvolvendo no espaço suas possibilidades gráfi cas. Em uma exposição de professores realizada na galeria Vicente DiGrado e no

39 Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba o friso Manancial Negro foi mostrado de uma outra forma.

Foi executado um suporte para exibí-lo em uma superfície horizontal, o que reforçou a leitura dos módulos como objetos tridimensionais, uma linha portadora de uma materialidade tátil que fi cou mais explícita do que em montagens de parede.

A matriz é obtida a partir tanto da modelagem manual quanto da apropriação direta dos elementos naturais. As cópias, impressões obtidas em argila, passam por uma primeira queima a 960 graus e depois são entintadas com óxido de cobre em bases reagentes e estão prontas para serem submetidas à ancestral queima de Raku. Raku é um termo que já nomeou uma dinastia de

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Manancial Negro

Pg. 64 Montagem horizontal

Pg. 66-67 Vista aproximada da superfície obtida pela queima de Raku em duas peças da série.

Pg. 68 Arranjo das peças em bloco Gravura em Cerâmica Raku – 2006

Entintagem com esmaltes alcalinos e óxido de cobre 28 X 17cm cada módulo

A escolha do barro, substância por excelência do próprio chão para ser a carne do trabalho é carregada de ancestralidade: os exemplares que testemunham o fazer humano desde a pré história nos alcançam devido às qualidades deste material. Há referências a este fazer em praticamente todas as culturas e, na China, estes exemplos remontam a 5000 anos a.c. As qualidades do barro e suas possibilidades plásticas são abordadas no texto Bíblico do Gênesis, que descreve o ato divino de modelar o homem a partir do barro, e esta associação entre a argila e a carne humana permanece, sendo uma das imagens mais poderosas do repertório da cerâmica. Antigas hierofanias de diversas ascendências consideram a matéria mineral viva e em constante desenvolvimento (ELIADE, 99)2.Sobre a natureza da matéria mineral que constitui o cerne da atividade do ceramista, Bachelard devaneia:

“Como então não se encontrariam nessa indústria permeável às lendas os antigos devaneios da vida mineral, vida mais lenta que todas, vida que quer a lentidão, vida que não devemos apressar, se quisermos recolher-lhe toda a sua fecundidade? Em sua jazida o Caulim trabalha, o Caulim vive um sonho de brancura e homogeneidade, leva o tempo que for preciso para inserir tão grande sonho em sua realidade material. A matéria pura vive, sonha, pensa e se esforça como um bom operário. O sonho da amassadura eleva-se assim ao nível cósmico: o

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sonho do ceramista é uma imensa masseira onde as terras diversas se amalgamam e se misturam aos fermentos.”

(BACHELARD, 2001.pg 72)

De posse desta substancia natural, a matéria terrestre, o ceramista pode conformar sua vontade forçando a matéria a se moldar ao seu sonho. Sob seus dedos e artifícios a massa impregnada de sua longevidade mineral mobiliza-se para satisfazer o trabalhador. Diligentemente a argila recolhe as marcas que lhe imponho e passam a exibir os fragmentos e resíduos da paisagem que recolho. Os relevos somam à representação do lugar a própria matéria que o compõem. Esta vertente de incorporação da matéria na representação, iniciada com as pinturas feitas com terra da série ‘Caminhos da terra’ (veja anexo 2), deriva da busca de identidade: da identidade do lugar. Nestas pinturas a imagem mostra-se impregnada da matéria presente no espaço que a originou e a sua substância representa e corporifi ca o lugar. No trabalho atual, a matéria lama transfi gurada em matéria cerâmica domina a leitura fi nal da obra, impregnada da imponente sabedoria que paira sobre algo que sobreviveu à provação do fogo.

Os artesãos que trabalham com o fogo são herdeiros de um repertório secular de tradições e ceramistas Japoneses, com herdeiros que carregam

a tradição até hoje. O procedimento tradicional envolvia a abertura do forno de carvão quando os esmaltes atingiam a fusão completa e o resfriamento súbito da peça. Os ceramistas ocidentais adaptaram a técnica introduzindo a câmera de redução, onde são colocados materiais como serragem, folhas secas e palha para conferir ao corpo da argila a coloração enegrecida que acabou por caracterizar a técnica. Nesta queima, as peças são retiradas do forno ainda incandescentes, assim que atingem 1000 graus e os esmaltes atingem uma fusão perfeita. Com o auxílio de pinças são colocadas em uma câmara de redução cobertas por serragem e fi cam impregnadas de fumaça e fuligem, adquirindo a cor negra característica deste procedimento. As manchas e a forma como os óxidos reagem aos processos de redução geram variações de cor surpreendentes, que vão do azul claro ao vermelho intenso, e registram a marca do caos em suas superfícies.

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Referências

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