Relatório Final de Estágio
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
BEM-ESTAR DE SUÍNOS E AVES EM CONTEXTO DE ABATE
Sofia de Abreu Loureiro
Orientador:
Professora Doutora Eduarda Gomes Neves
Coorientador:
Dr.ª Ana Rute Santos
Relatório Final de Estágio
Mestrado Integrado em Medicina Veterinária
BEM-ESTAR DE SUÍNOS E AVES EM CONTEXTO DE ABATE
Sofia de Abreu Loureiro
Orientador:
Professora Doutora Eduarda Gomes Neves
Coorientador:
Dr.ª Ana Rute Santos
AGRADECIMENTOS
Pretendo agradecer, por todo o empenho e carinho em me orientar na preparação e no decorrer do estágio, à Professora Doutora Eduarda Gomes Neves e à Doutora Ana Rute Santos. Reforçarei ainda o meu reconhecimento à Doutora Ana Rute por me incluir na sua rotina diária e pelas agradáveis viagens que partilhámos.
RESUMO
O presente relatório de estágio procura apresentar de forma integrada, a temática do Bem-estar Animal em contexto de matadouro e as atividades realizadas no âmbito da Inspeção Sanitária, durante o estágio curricular que decorreu no período de 16 de Janeiro a 8 de Maio de 2017, sob coorientação da Doutora Ana Rute Santos, Médica Veterinária Oficial da Divisão de Alimentação e Veterinária do Porto e orientação da Professora Doutora Eduarda Gomes Neves, docente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Pretende-se numa primeira etapa (Revisão Bibliográfica), abordar princípios e legislação de Bem-estar Animal e sua integração na estrutura e dinâmica operacional das unidades de abate de suínos e aves, seguindo-se uma apresentação geral das funções e tarefas do Médico Veterinário Oficial, nas quais também a temática se integra.
Numa segunda etapa (Componente Prática), são dispostos os resultados cumulativos de inspeção sanitária e os do Sistema de Avaliação de Bem-Estar de Frangos em matadouro, dando relevo ao mérito da troca de informação entre o Médico Veterinário Oficial e as explorações avícolas - incorporada na Informação Relativa à Cadeia Alimentar das aves - e ponderar a vantagem de implementar um sistema semelhante em suínos. Será ainda apresentada informação colhida sobre a monitorização de BEA em três Unidades de Abate, visando exemplificar as diferentes formas de conceções de planos instituídos.
LISTA DE ABREVIATURAS
BEA – Bem-Estar Animal
DAV – Divisão de Alimentação e Veterinária DDO – Doença de Declaração Obrigatória
DGAV – Direção Geral de Alimentação e Veterinária EET – Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis
EFSA – Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos EU – União Europeia
FAO – Food and Agriculture Organization
HACCP - Hazard Analysis and Critical Control Point IRCA – Informação Relativa à Cadeia Alimentar MRE – Matéria de Risco Especificado
MVO – Médico Veterinário Oficial
OIE – Organização Mundial da Saúde Animal PNPR – Plano Nacional de Pesquisa de Resíduos PON - Procedimentos Operacionais Normalizados RBEA - Responsável de Bem-estar Animal
SIPACE – Sistema de Informação do Plano de Aprovação e Controlo de Estabelecimentos TRACES – Trade Control and Expert System
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO ... 1
I – Revisão Bibliográfica ... 2
1. O Bem-Estar Animal como critério de aplicação em matadouro ... 2
1.1. Descarga, encaminhamento e maneio dos animais ... 2
1.2. Métodos de atordoamento ... 3
1.3. Sangria ... 6
1.4. Monitorização de condições de BEA ... 6
2. A atividade do Médico Veterinário Oficial em unidades de abate ... 9
2.1. Informação Relativa à Cadeia Alimentar ... 10
2.2. Inspeção ante mortem ... 11
2.3. Inspeção post mortem ... 11
2.4. Controlo do Bem-Estar Animal... 13
II - Componente Prática ... 16
APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS ... 16
1. Informação Relativa à Cadeia Alimentar ... 16
2. Inspeção ante mortem ... 18
3. Inspeção post mortem ... 18
4. Bem-estar Animal ... 19
Enquadramento de Resultados ... 24
CONCLUSÃO ... 26
BIBLIOGRAFIA ... 27
ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Modelo Welfare Quality® para avaliar BEA de suínos em UA ... 8
Tabela 2 Parâmetros de eficácia de atordoamento em métodos elétricos ou de exposição a CO2 ... 9
Tabela 3 Plano de avaliação de BEA de frangos em matadouro ... 15
Tabela 4 Casuística de Rejeição Total em suínos e frangos... 18
Tabela 5 Critérios de avaliação dos lotes suínos na abegoaria... 20
Tabela 6 Número de lotes que excederam limite para um ou mais parâmetros ... 24
ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 Campo referente à caracterização do bando - IRCA aves ... 16
1 INTRODUÇÃO
O presente relatório representa as atividades desenvolvidas nas diferentes vertentes da Inspeção Sanitária em unidades de abate. O estágio foi realizado no período de 16 de Janeiro a 8 de Maio de 2017, permitindo-me acompanhar a Dr.ª Ana Rute Santos na sua atividade como Médica Veterinária Oficial no domínio da DAV do Porto.
A duração do estágio foi partilhada entre vários estabelecimentos de abate, uns por períodos aproximados de um mês, como o Matadouro Central de Entre Douro e Minho, a unidade de abate da Savinor e o matadouro Carnes Carneiro, e outros apenas em alocações esporádicas como sendo os casos dos matadouros Seara, Uniagri, Euroabate, e Salpicarnes. Esta rotatividade cobriu variadas espécies e cadências, permitindo-me conhecer as particularidades do exercício das tarefas de inspeção em diferentes contextos.
A temática do Bem-Estar Animal desenvolvida neste relatório é reflexo da observação, por um lado de aspetos das operações de abate, do maneio dos animais e da conceção das infraestruturas e por outro, de indicadores das condições dos locais de criação, com potencial impacto no Bem-estar dos animais abatidos diariamente.
O Bem-estar Animal é atualmente considerado como um importante ponto de apoio de uma produção animal sustentável e visto pelo consumidor como um pré-requisito de qualidade alimentar. Devendo ser um atributo intrínseco da produção animal, a qualidade do ‘bem-estar’ deve ser monitorizada e melhorada nas suas diferentes etapas, respondendo assim às preocupações éticas relativas à forma como os animais são criados e abatidos.
Este relatório pretende contextualizar o Bem-estar animal nas várias operações de rotina, em matadouro, desde a descarga dos animais até ao abate. São várias as responsabilidades do Operador e do Médico Veterinário Oficial (MVO) que supervisiona o cumprimento dos requisitos no escopo do Bem-estar Animal em matadouro. Para monitorizar a salvaguarda de um bom nível de Bem-estar, recorre-se a indicadores medidos principalmente no animal, que podem não só refletir as condições no matadouro mas também nas explorações de origem. O matadouro é assim um ponto de convergência, podendo gerar informação de apoio à implementação de planos de Bem-estar nas explorações.
Sendo reflexo da experiência adquirida durante o estágio, o desenvolvimento do tema irá ser reservado às espécies com que tive mais contacto – suínos e aves – e às técnicas e operações de mais comum implementação em unidades de abate.
2 I – Revisão Bibliográfica
1. O Bem-Estar Animal como critério de aplicação em matadouro
Os animais de produção são classificados pelo Tratado de Amsterdão (1997) e Tratado de Lisboa (2009), pelo menos a nível da União Europeia, como seres sencientes (Webster, 2011), sendocapazes de processar e integrar com alguma complexidade a informação que recolhem do ambiente e como resultado, de expressar estados como prazer ou aversão (Broom, 2008). Broom (2008)descreve Bem-estar Animal (BEA) como sendo “uma qualidade potencialmente mensurável (…) sendo assim um conceito científico” pelo que, de entre as várias definições, a comunidade científica e legisladores abordam o bem-estar de um animal como o seu estado perante a tentativa de lidar com o que o envolve, num dado momento.
O BEA nas diferentes etapas que decorrem em matadouro e que culminam no abate do animal é alvo de preocupação ética dos consumidores, público e autoridades. Como tal há um permanente impulso de aprimorar e de monitorizar o nível de bem-estar dos animais para abate (Brandt & Aaslyng, 2015).
A permanência dos animais em matadouro envolve várias etapas, descritas nos tópicos seguintes, durante as quais os animais se encontram sob diferentes tipos de condicionantes passíveis de afetar o seu nível de Bem-estar.
1.1. Descarga, encaminhamento e maneio dos animais
A base legal da União Europeia e as recomendações da OIE preconizam para qualquer etapa que antecede a morte dos animais, que os meios de transporte, equipamentos, locais de carga e descarga e parques devem ser concebidos e mantidos de forma a salvaguardar a segurança e comportamento normal dos animais e que os operadores envolvidos nestas tarefas deverão ter competências para as executar sem recorrer à violência e sem causar medo ou sofrimento aos animais (Conselho da União Europeia, 2005; OIE,2016).
Ao operador responsável do matadouro é atribuído o papel de verificar, à chegada dos lotes, a identificação, estado geral de saúde, condições de higiene e de BEA, detetando e respondendo a situações prioritárias e comunicando-as ao MVO (Parlamento e Conselho Europeus, 2004a; Direção Geral de Alimentação e Veterinária, 2014).
3
Os critérios técnicos de infraestruturas e equipamento e as diretrizes operacionais, são desenvolvidas respetivamente nos Anexos II e III do Regulamento nº (CE) 1099/2009, relativo à proteção dos animais no momento da ocisão.
1.2. Métodos de atordoamento
A legislação europeia define que os animais sejam atordoados antes da sangria para os proteger da angústia e dor aquando da secção dos grandes vasos, ao induzir um estado de inconsciência e insensibilidade que se deve prolongar até à morte do animal (Conselho da União Europeia, 2009; Herrera et al., 2009; Velarde et al., 2015). No entanto um atordoamento mal aplicado ou um maneio incorreto podem causar sofrimento, medo e dor acrescidos (Brandt & Aaslyng, 2015), pelo que se apresenta como uma etapa crítica para o BEA nas Unidade de Abate (UA).
Assim, a par da manutenção do equipamento principal e presença de um suplente, a eficácia do atordoamento deve ser sistematicamente monitorizada em contexto dos Procedimentos Operacionais Normalizados (PON) com base em indicadores de inconsciência – o animal perde a posição em estação natural, não está desperto e não mostra sinais de emoção como medo ou excitação – e em indicadores de sensibilidade – o animal não responde a estímulos sensoriais (Conselho da União Europeia, 2009).
A imobilização prévia dos animais no procedimento do atordoamento é suportada pelo Regulamento nº (CE) 1099/2009, que considera que, apesar de poder criar aflição aos animais permite uma adequada aplicação da técnica com segurança para o operador.
A mesma fonte legal e o Decreto-Lei 28/96 estabelecem limites ao proibir a imobilização por suspensão de animais conscientes (exceto aves de capoeira), a fixação pelas patas, a secção medular e o recurso a equipamento de atordoamento elétrico para conter os animais (República Portuguesa, 1996; Conselho da União Europeia, 2009). O Código Terrestre acrescenta que, de modo a reduzir a vocalização, a agitação e a resistência dos animais ao serem imobilizados, este procedimento deve antecipar no menor tempo possível o atordoamento (OIE, 2016).
O Regulamento 1099/2009/CE relativo à proteção dos animais no momento da ocisão, expõe os diferentes métodos de atordoamento autorizados, suas especificações e requisitos técnicos a cumprir. Estas formas de atordoamento podem ser de natureza mecânica, elétrica ou de exposição a gases (Velarde et al., 2000; Brandt & Aaslyng, 2015; OIE, 2016).
4
Para o propósito deste relatório de estágio desenvolverei apenas os métodos de atordoamento mais comuns aplicados a suínos e frangos industriais.
Métodos de atordoamento - SUÍNOS
No que respeita a suínos, os métodos de atordoamento mais utilizados são o atordoamento elétrico e a exposição a CO2 (Velarde et al., 2000; Brandt & Aaslyng, 2015). Segundo a
European Food Safety Authority (EFSA), o atordoamento elétrico é o mais comum na Europa mas o volume de suínos abatidos é semelhante para ambos os métodos (European Food Safety Authority, 2004). Esse facto é explicado pela dominância do método de exposição ao CO2 nas UA dos principais países exportadores de carne de suíno, com maior volume de abate,
do norte da Europa, enquanto a sul o método elétrico é praticado num maior número de UA. Atordoamento Elétrico
Método que induz a perda instantânea de consciência, ao fazer atravessar uma corrente elétrica aplicada 1) na cabeça e/ou 2) na cabeça e peito, sendo que esta última modalidade pode induzir também paragem cardíaca. O seu efeito depende da intensidade da corrente e do tempo de exposição. A corrente aplicada pode ser de baixa voltagem, entre 70 a 90V, no entanto é necessário um maior tempo de aplicação para alcançar uma intensidade de corrente eficaz, o que nem sempre acontece, pelo que estes valores não são aceitáveis do ponto de vista do BEA (Devine & Dikeman, 2014). Para um efeito de insensibilização eficaz e imediato, uma corrente com voltagens na ordem dos 200V deverá ser aplicadas durante entre um a três segundos, para alcançar uma corrente de 1,3A (Grandin, 2007; Devine & Dikeman, 2014), que é exigida para um eficaz atordoamento de suínos pelo Regulamento nº (CE) 1099/2009.
Exposição ao CO2 – Câmara de CO2
Consiste na exposição de pequenos grupos a concentrações crescentes de CO2, para suínos ≥
80% de teor de CO2. O efeito desta exposição é de uma gradual depressão da atividade
cerebral que culmina na perda de consciência, devida a acidificação do líquido cefalorraquidiano, pela rápida passagem do CO2 através da barreira hematoencefálica.
A rapidez com que se instala o estado de inconsciência e o tempo de recuperação dependem da concentração utilizada, da velocidade a que os animais são expostos à concentração máxima e do tempo de exposição.
A agitação, aversão e alterações respiratórias perante a inalação do gás e o tempo necessário para a perda de consciência, constituem desvantagens no campo do BEA (Herrera et al., 2009; Verhoeven, 2016), apesar de pontos positivos como o de permitir movimentação em grupo e
5
um menor grau de contenção (European Food Safety Authority, 2004). Além do BEA, vários autores apontam o benefício da menor incidência de carnes PSE (“Pale, Soft, Exsudative”) e de petéquias ou equimoses musculares, em comparação com a electronarcose.
Métodos de atordoamento - AVES
De entre os vários métodos autorizados no Regulamento nº (CE) 1099/2009, os que se aplicam com maior frequência em UA na União Europeia (EU) são os métodos de atordoamento em tanque de imersão (cerca de 80%) e o atordoamento em Atmosfera Controlada – CAS (20%) (Comissão da União Europeia, 2013; Berg & Raj, 2015). O deslocamento cervical apenas poderá ser um método suplente na operação de atordoamento (Conselho da União Europeia, 2009).
O atordoamento em tanque de imersão apresenta segundo Berg & Raj (2015), limitações nomeadamente a exposição variável à corrente em lotes não uniformes, podendo haver aves a receber corrente não suficiente para induzir o traçado epileptiforme, passível de as expor a dor e sofrimento acrescidos e às quais o Panel on Animal Health and Welfare (2014) acrescenta a possibilidade de o período de inconsciência não ser suficiente para o estado de inconsciência ser mantido até à sangria.
A adesão ao método de atordoamento em Atmosfera Controlada (CAS) tem crescido por razões de BEA e por uma melhor qualidade do produto final. Tem como principal vantagem não se proceder a pendura de aves conscientes e ser menos sensível à variação de tamanho e peso das aves. No âmbito do abate, o método CAS pode apresentar várias modalidades (Berg & Raj, 2015):
Exposição a CO2 em duas fases, com inalação de CO2 ≤40% até à inconsciência,
seguido de concentrações superiores, que pretende minimizar o desconforto do contacto com o gás aversivo
Associação de CO2 a gases inertes (por exemplo Árgon ou Azoto), é um método
reversível se a exposição a uma mistura de pelo menos 30% de CO2 for inferior a 3
minutos; no entanto, o contacto com gases inertes induz vigoroso bater de asas e convulsões até à perda de consciência
Exposição a gases inertes, é um método reversível se contacto for inferior a 3 minutos mas induz vigoroso bater de asas e convulsões até à perda de consciência
6 1.3. Sangria
O processo de abate consta de duas fases, a do atordoamento e a sangria. A sangria é executada por secção de grandes vasos, que garante uma rápida perda de sangue e antecede a morte do animal por hipoxia cerebral (Chambers et al., 2001; European Food Safety Authority, 2004). A sequência rápida das duas etapas do abate tem que ser garantida individualmente para cada animal, mesmo quando um só operador acumula as funções de atordoamento e sangria, para assegurar a ausência de sinais de vida antes de o animal prosseguir na linha (Conselho da União Europeia, 2009).
Nos sistemas de atordoamento de carácter reversível, o tempo que medeia o atordoamento e a sangria são determinantes para garantir o BEA (Herrera et al., 2009), estando definido um período máximo de 20 segundos se aplicado o atordoamento elétrico e de 60 segundos na exposição a CO2 (República Portuguesa, 1996).
1.4. Monitorização de condições de BEA
O Bem-estar é um atributo do animal de carácter multidimensional pelo que a sua correta avaliação implica recolher dados da função biológica, das emoções e do comportamento, não havendo critérios que isoladamente o consigam avaliar (Velarde et al., 2000; Botreau et al., 2007).
A transposição para o contexto real do conhecimento científico sobre o BEA tem motivado uma crescente necessidade de métodos e indicadores viáveis para monitorizar e avaliar as condições de BEA. No entanto a seleção dos melhores parâmetros ou indicadores e seus pesos relativos na avaliação das condições de BEA não é consensual entre especialistas da área (Johnsen et al., 2010).
Segundo Manteca (2016), os indicadores de BEA podem ser agrupados em duas categorias: Indicadores do animal, que refletem diretamente a qualidade do bem-estar. São
exemplos a condição corporal, o comportamento, sinais de doença e dados epidemiológicos;
Indicadores de ambiente, limitam-se ao efeito sobre o estado do animal, das estruturas e maneio. São exemplos a conceção dos parques, o acesso a água, o tipo de pavimento, o desnível de rampas.
7
Apesar de a maioria dos modelos de monitorização de BEA, em âmbito das operações de matadouro, segundo Brandt & Aaslyng (2015), serem baseados em indicadores de ambiente, vários outros autores referem que os modelos de monitorização de BEA devem apoiar-se sempre que possível em indicadores do animal, e que estes expressem as dimensões biológica, afetiva e comportamental do conceito de BEA (Blokhuis, 2008; Grandin, 2010; Brenninkmeyer & Winckler, 2012; Manteca, 2016).
Seguem-se dois modelos exemplificativos com aplicação ao contexto das unidades de abate. O modelo apresentado por Grandin (2010) assenta em cinco parâmetros que o autor considera serem pontos críticos nas operações de matadouro para várias espécies, sendo eles:
Percentagem de animais atordoados eficazmente à primeira tentativa, Percentagem dos que se mantêm insensibilizados até à sangria,
Percentagem dos que caem durante a deslocação até ao ponto de atordoamento, Percentagem dos que vocalizam durante a deslocação e atordoamento,
Percentagem dos movidos com recurso a equipamento elétrico.
Este autor recomenda a utilização de modelos cujos indicadores são medidos no animal e de sistema numérico, pela facilidade de implementar na rotina das UA e pelo menor viés de observação. Propõe ainda indicadores de BEA que refletem as condições do transporte e dos locais de criação, tais como percentagens de animais que claudicam, que estão emaciados, que estão sujos, que apresentam lesões e feridas, a mortalidade, as Dermatites de Almofadas Plantares (DAP) nas aves ou percentagem de fraturas de pata e asas (frangos).
O modelo Welfare Quality® é um sistema de avaliação do BEA baseado na atribuição de pontuação com forte componente científica, de aplicação tanto nas explorações como nas unidades de abate. Tem protocolos desenvolvidos para as diferentes espécies e grupos de animais de produção, abarcando um vasto catálogo de indicadores validados do animal e também do ambiente (Velarde et al., 2015).
A Tabela 1 descreve um modelo Welfare Quality® para suínos em matadouro, apresentado em Dalmau et al. (2016).
8
Critério BEA Indicador Local de medição
Boa alimentação Ausência de sede prolongada Número de pontos de água por animal Abegoaria
Bom alojamento
Conforto no descanso Densidade animal do parque Abegoaria
Conforto térmico Animais que tremem ou arfam (%) Zona descarga Abegoaria Facilidade de movimento Animais que escorregam e/ou caem (%) Zona descarga
Boa saúde
Ausência de lesão
Lesões de pele Após abate
Score Claudicação Da descarga ao parque
Ausência de doença
Doentes + Mortos à chegada Zona descarga Animais mortos Abegoaria Rejeições – pneumonia, pleurisia,
pericardite, fígado parasitado Após inspeção Ausência de dor nos
procedimentos de maneio Eficácia do atordoamento
Zona da insensibilização
Comportamento adequado
Boa relação animal-homem Vocalizações Da abegoaria à zona de insensibilização
Ausência de medo Animais relutantes ao movimento ou que se
voltam Zona de descarga
Tabela 1 Modelo Welfare Quality® para avaliar BEA de suínos em UA, adaptado de Dalmau et al. (2016)
A monitorização do atordoamento
O Regulamento nº (CE) 1099/2009, a par dos princípios mínimos de proteção do BEA no transporte e abate promovidos pela OIE (OIE, 2016), obriga o operador da UA a definir, a monitorizar e a cumprir Procedimentos Operacionais Normalizados (PON) de BEA. Cada um dos PON deve descrever a tarefa e definir objetivos, os critérios de aceitabilidade e medidas de correção para pontos ou etapas de risco em matéria de BEA.
A EFSA desenvolveu pareceres científicos, a pedido da Comissão da União Europeia, que se centram na avaliação da eficácia do atordoamento e que propõem indicadores fiáveis em detetar sinais de consciência ou inconsciência em suínos e galinhas, e que são adaptados aos métodos de electronarcose, tanque de imersão e câmara de exposição ao CO2 (Panel on
Animal Health and Welfare EFSA, 2013a,2013b).
A Tabela 2 nomeia os parâmetros de avaliação da eficácia do atordoamento para os principais métodos, em suínos e aves. Estes estudos foram requisitados pela Comissão
9
Europeia, que pretende estabelecer um guia de procedimentos operacionais normalizados coerentes, nomeadamente para pontos críticos como a insensibilização, para apoio no aperfeiçoamento dos planos das UA e para suporte aos Médicos Veterinários Oficiais (MVO) e autoridades competentes. S u ín o s
Atordoamento elétrico Câmara CO2
Contrações Tónico-clónicas Respiração
Reflexo Corneal e Palpebral Postura
Piscar voluntário Vocalização
Tónus muscular Respiração
Reflexo corneal e palpebral Vocalização
Resposta ao pinçar nariz/ orelha
Ave
s
Tanque de imersão Câmara de CO2
Contrações Tónicas Respiração
Reflexo corneal e palpebral Piscar voluntário
Vocalização
Agitação das asas Tónus muscular Respiração
Reflexo corneal e palpebral Piscar voluntário
Vocalização
Tabela 2 - Parâmetros de eficácia de atordoamento em métodos elétricos ou de exposição a CO2
2. A atividade do Médico Veterinário Oficial em unidades de abate
A Saúde e o BEA têm posição central na qualidade e segurança dos géneros alimentícios e como tal, na Saúde Pública, a qual constituiu o epítome da legislação alimentar na União Europeia (EU). Neste âmbito define o operador do sector alimentar como responsável pela sua aplicação e como tal, pela segurança e rastreabilidade do produto que coloca no mercado (Parlamento Europeu, 2002).
Os Controlos Oficiais surgem da necessidade de avaliar o cumprimento da legislação aplicável, de normas relativas à Saúde e BEA e de requisit os estruturais, operacionais e de higiene. A sua estrutura é definida no Regulamento nº (CE) 854/2004 e nele são ainda nomeadas as competências do MVO. A intervenção do MVO nos estabelecimentos de abate engloba, à parte das Auditorias de Boas Práticas de Higiene, HACCP e gestão de subprodutos, as tarefas de Inspeção Sanitária ante e post mortem.
10
Este domínio apoia-se em 1) o controlo documental, 2) a garantia do cumprimento dos requisitos de BEA, 3) os atos de Inspeção sanitária em vida e post mortem (Parlamento e Conselho Europeus, 2004b), 4) o assegurar da separação e marcação de Matérias de Risco Especificado (MRE) e gestão de subprodutos, 5) a recolha de amostras para testes laboratoriais para pesquisa de perigos biológicos (p. ex. Trichinella spiralis e Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis - EETs) e químicos (p. ex. no contexto do Plano Nacional de Pesquisa de Resíduos - PNPR - ou suspeita de administração ilícita de substâncias) e 6) a fiscalização da aposição da marca de salubridade.
2.1. Informação Relativa à Cadeia Alimentar
A Informação Relativa à Cadeia Alimentar (IRCA) é um documento a ser preenchido pelo operador da exploração de origem do animal, descriminando dados de identificação dos intervenientes e dos animais e ainda referindo dados de sanidade (estatuto sanitário, ocorrência de doenças, exames efetuados e relatórios anteriores relevantes de inspeção sanitária) e que tem que acompanhar o animal até ao estabelecimento de abate. Huneau-Salaun et al. (2015) referem a possibilidade de se questionar a credibilidade da IRCA mas citam o trabalho em broilers de Lupo et al. (2013), que acentua a utilidade do modelo na deteção de bandos com risco sanitário elevado.
No modelo de IRCA das aves, para além destes critérios, são ainda inseridos dados de caracterização do bando: o modo de produção, a densidade máxima praticada, a Taxa de Mortalidade Acumulada (TMA) ou Diária Acumulada (TMDA) e a idade ao abate. Estes dados contribuem, a par dos achados post mortem, para avaliar em contexto de matadouro as condições de BEA dos frangos de carne nas explorações, como estipulado no Decreto-Lei 79/2010 (DGV, 2010; República Portuguesa, 2010).
No particular caso dos suínos, este documento tem uma importância acrescida com a introdução pelo Regulamento nº (CE) 219/2009, de uma nova abordagem à inspeção post mortem, baseada na inspeção visual e sustentada pela sistemática avaliação de risco sanitário, sendo esta dependente da integração de informação sobre a sanidade na exploração e que consta na IRCA.
11 2.2. Inspeção ante mortem
A inspeção ante mortem deve ser realizada entre as 24 horas após chegada e as 24horas anteriores ao abate, de todos os animais apresentados e sempre que o MVO considere necessário. À parte de um controlo de identificação, são observados indicadores de estado de BEA (p. ex. em suínos, a distribuição no parque, agitação, animais a dormir, agressões, lesões de pele) e sinais de condições que ponham em causa a saúde humana ou animal. Um exame mais detalhado deve ser prestado a animais que tenham sido segregados pelo abegão ou auxiliar de inspeção (Parlamento e Conselho Europeus, 2004b). A hora em que é realizada a inspeção ante mortem de cada lote e respetiva decisão devem ser registados no mapa de registo de receção dos animais.
As condições para tomada de decisão relativamente a animais vivos são descritas nos capítulos II e III - Secção II do Anexo 1 do Regulamento nº (CE) 854/2004.
2.3. Inspeção post mortem
Consta do Anexo I do Regulamento nº (CE) 854/2004, a descrição das tarefas do MVO e as diretrizes para tomada de decisões sanitárias e de BEA.
Relativamente a suínos, o Regulamento nº (CE) 219/2014 vem impor a inspeção visual das carcaças e vísceras, no intuito de reduzir a contaminação cruzada de agentes microbiológicos de interesse na Saúde Pública, deixando as operações de palpação ou incisão de ter carácter de rotina (Harley et al., 2012; Comissão da União Europeia, 2014).
Vários dados recolhidos durante a inspeção post mortem de suínos e aves poderão indicar um maior ou menor grau de correlação entre as lesões e patologias observadas, com problemas de BEA a montante do ponto de inspeção. Destacam-se de seguida exemplos de lesões ou patologias correlacionadas com qualidade de BEA nas explorações e que são avaliados pelo MVO na inspeção post mortem.
Suínos
Lesões de pele: constituem um bom indicador da qualidade de BEA na exploração, no transporte e nos parques. Refletem o impacto que o maneio e condições ambientais têm no comportamento social – de hierarquia, agressividade e competição por recursos (água, espaço) – do qual é exemplo a mistura de animais de diferentes parques da exploração no agrupamento para o transporte (Dalmau et al., 2016).
12
Mordeduras de cauda: surgem quando em contexto de estabulação, os suínos se vêm limitados nos seus comportamentos exploratórios e forrageiros, naturais na espécie (Tuyttens, 2005). D'Eath et al. (2016), citando vários autores estabelecem uma relação entre estes eventos dolorosos e, por um lado, osteomielites da vértebra coccígea e abcessos locais, e por outro com quadros de disseminação hematogena bacteriana – osteomielites, abcessos pulmonares e viscerais, septicémia e piemia. O corte de cauda é implementado para reduzir este comportamento, apesar da limitação pelo Regulamento nº (CE) 1099/2009, mas não o elimina. Lahrmann et al. (2017) referem autores, como Zonderland et al. (2011), que apontam uma incidência de entre 1 a 2%, ou até 3,1% como relata D'Eath et al. (2016).
Osteomielite: principal causa de rejeição total segundo Garcia-Diez & Coelho (2014), desenvolve-se pela disseminação hematogena de microrganismos, favorecida por mordeduras de cauda ou por uma higiene deficitária durante a retração do cordão umbilical, na castração dos leitões e nos cortes de cauda.
Rejeições parciais: os achados de pneumonias, pleurisias, pericardites e parasitose hepática são passíveis de refletir a relação próxima entre a Saúde e o BEA nas explorações de origem (Dalmau et al., 2009; Welfare Quality, 2009; Harley et al., 2012; Teixeira et al., 2016).
Aves
Existem quadros lesionais e patológicos que são sugestivos, mas não exclusivos de vulnerabilidades de BEA na exploração. A sua deteção durante a inspeção, ao ser integrada com dados disponibilizados de mortalidade na exploração ou com o grau Dermatites das Almofadas Plantares (DAP) do lote, pode indicar um maior envolvimento da componente de BEA na sua ocorrência no bando (Direção Geral de Veterinária, 2010).
Dermatites de contacto: As dermatites de contacto revelam-se como lesões de hiperqueratose e necrose cutâneas (Balog, 2003) nas regiões de contacto com a superfície, como o peito, o tarso e as patas das aves. Por ser porta de entrada para agentes microbianos, pode ao proliferar, promover celulites ou artrites (Direção Geral de Veterinária, 2010). Estas lesões são muito representativas das condições ambientais no pavilhão, refletindo fatores de recursos / infraestruturas (tipo de material e espessura das camas, tipo de pavimento, tipo de bebedouros, ambiente) e de maneio (densidade dos pavilhões, estado de saúde, maneio da cama). De entre este tipo de lesões, as DAP são definidas como um parâmetro relevante, fiável e de fácil medição, na monitorização do BEA em frangos a nível das UA (Direção Geral de Veterinária, 2010).
13
Ascite: Patologia com grande impacto na avicultura intensiva de carne, deriva de uma grande necessidade de consumo de O2 de animais de crescimento e metabolismo rápidos, que
ultrapassa o limiar de adaptação cardiovascular, resultando em hipertensão pulmonar. Fatores que reforcem este processo fisiológico, quer os de ordem ambiental como o stress térmico ou qualidade do ar e ventilação dos pavilhões, quer fatores de maneio que visem acelerar o metabolismo das aves (nutrição, estímulo luminoso), expressam a relação da patologia com o BEA (Balog, 2003). Esta condição resulta em condenação pela não aptidão comercial, segundo DGV (2010).
Celulite: a também designada dermatite profunda, segundo Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare (2000), afeta o tecido subcutâneo e desenvolve-se com maior frequência a nível peri-cloacal, região caudal do dorso e nas coxas de frangos mais pesados. A pele apresenta-se nas áreas afetadas, geralmente sem lesões mas mais laxa e clara e no espaço subcutâneo apresentam-se placas fibrino-caseosas ou material gelatinoso amarelado difuso. O quadro desenvolve-se quando, por arranhões da pele ou aparas de cama, se dá penetração de agentes como E.coli, pelo que está relacionada com fatores de densidade animal, higiene, condição das camas, ventilação e qualidade do ar dos pavilhões (Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare, 2000). Constitui causa de rejeição total da carcaça por risco sanitário.
Traumatismos: A percentagem de traumatismos é indicador do cuidado com que a apanha das aves nos pavilhões ou as condições do transporte. Várias tipologias de apanha estão disponíveis mas a manual continua a ser a mais comum. Esta aporta risco de maior incidência de traumas, quando mal realizada. Más práticas na apanha e no transporte incorrem 1) na reprovação total no caso de traumatismo extenso ou 2) de rejeições parciais das áreas afetadas; as quais, à parte de prejuízo de BEA, constituem perdas económicas significativas.
2.4. Controlo do Bem-Estar Animal
O Regulamento nº (CE) 854/2004 reserva, no Capítulo IV do Anexo I, linhas gerais para a tomada de decisão relativa ao Bem-estar dos animais nas unidades de abate. Aquando do não cumprimento dos critérios legais deste âmbito, o mesmo documento determina que o MVO deverá assegurar que o operador tome de imediato medidas de natureza corretiva e preventiva e que as medidas de execução “devem ser tomadas de forma proporcionada e progressiva, (…) em função da natureza e gravidade do problema” (Parlamento e Conselho Europeus, 2004b).
14
O Regulamento 1099/2009/CE estabelece as seguintes diretrizes estratégicas para promover o BEA no abate (Conselho da União Europeia, 2009):
Os operadores das UA têm a responsabilidade de poupar os animais à dor, aflição ou sofrimento evitáveis durante a occisão e as operações complementares.
O processo de abate deve ser programado no sentido de acautelar o ponto anterior. O requisito da definição, monitorização e cumprimento de Procedimentos Operacionais
Normalizados (PON) de BEA. Cada um dos PON define a tarefa, os objetivos, os critérios de aceitabilidade e medidas de correção para os pontos ou etapas de risco em matéria de BEA.
A necessidade da nomeação pela UA de um Responsável de Bem-estar Animal (RBEA), nas UA a que se aplique, para reforçar o cumprimento dos critérios legais e monitorização do abate.
O Plano Anual de Proteção Animal de 2017 da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) pede especial atenção à verificação de cumprimento das diretrizes listadas acima, para além da especificação da capacidade máxima de cada parque da abegoaria, da certificação de aptidão profissional (obrigatória para operadores envolvidos no abate e RBEA) e de manutenção do equipamento das operações de abate (DBEA-DGAV, 2017).
A par destes, os controlos debruçam-se sobre requisitos estruturais e operacionais, que constam dos Relatórios de Controlo (Partes I e II) e que refletem os requisitos técnicos para as etapas de encaminhamento, estabulação, imobilização, atordoamento, suspensão ou içamento e sangria de animais criados e mantidos para a produção de carne.
A frequência destes controlos dos requisitos operacionais é definida com base em volume de abate (suínos de bimensal a trimestral, aves de bimensal a bimestral), incumprimentos anteriores, animais que chegam de viagens de longa duração e matadouros sem RBEA. Do ponto de vista estrutural, todas as UA são controladas uma vez ao ano. (Anexo II e III do Plano de Proteção Animal 2017 – DGAV)
O Sistema de Avaliação de Bem-estar em frangos no matadouro
É contemplado no Anexo V do Decreto-Lei 79/2010 da República Portuguesa, relativo à proteção de frangos de carne para consumo humano, a monitorização de BEA em matadouro. Esta monitorização é de carácter obrigatório em núcleos de produção intensiva de carne – com ou sem núcleo de reprodução anexa – com mais de 500 frangos. Este sistema de monitorização assenta numa troca de informação entre as explorações, o MVO e a respetiva Direção se Serviços de Alimentação e Veterinária Regional (DSAVR – DGAV).
15
O detentor deverá enviar a identificação do lote, a raça ou híbrido de frango e descriminar o(s) pavilhões de origem das aves desse lote, e consoante as densidades animal praticadas, as respetivas Taxas de Mortalidade Acumulada ou de Mortalidade Acumulada Diária (TMA/TMDA).
Esses lotes serão sujeitos à inspeção em matadouro, onde se avaliam critérios de Taxa de mortalidade no transporte, o Grau de Dermatites das Almofadas Plantares (DAP), a Taxa de Rejeições Totais e a Percentagem de aves com traumatismos. O MVO, após análise do lote, deve comunicar os resultados à exploração de origem.
Se forem ultrapassados os limites de aceitabilidade para qualquer um dos critérios, o MVO deve adicionalmente comunicá-lo à DSAVR. Face a resultados não satisfatórios o detentor deverá apresentar justificações, tomar medidas e em caso de recorrência, delinear um plano de ação, sendo a partir daí acompanhado pela DSAVR (DSSPA-DGAV). Os limites para cada critério constam da Tabela 3 que se segue (Direção Geral de Veterinária, 2010).
Critério BEA D M Limites Reflete possíveis problemas de/em
TMA se densidade pavilhão <33 Kg/m2
TMDA se densidade pavilhão >33 Kg/m2 6%
Patologias Ambiente Maneio Refugo
Mortalidade no Transporte
(à abertura das caixas) 0,5%
Saúde
Condições da apanha Transporte
Condições descarga e cais de espera
Grau DAP – amostra de 100 patas por
cada lote DAP grau final 0 * Qualidade cama Espessura cama Ventilação Método de beberagem Patologias intestinais
Taxa de Rejeição Total (apenas post
mortem) 4%
Patologias Tecnopatias
Traumatismos extensos Sem aceitação comercial
Percentagem de aves com traumatismos (refere-se a trauma
extenso, alvo de rejeição)
2%
Apanha
Colocação nas caixas Manuseamento das caixas Transporte
Descarga
Tabela 3 Plano de avaliação de BEA de frangos em matadouro; D (detentor); M (matadouro)
16 II - Componente Prática
APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
1. Informação Relativa à Cadeia Alimentar
Durante o período de estágio foram colhidos dados do preenchimento dos modelos de Informação Relativa à Cadeia Alimentar (IRCA) de suínos e de aves.
O âmbito deste levantamento é, para suínos o seguinte:
A IRCA das aves difere, na inclusão de um ponto referente à Caracterização do Bando e que inclui os critérios que constam da Figura 1, e no desdobramento do campo dos exames executados para introdução de resultados de pesquisa no âmbito no Programa Nacional de Controlo de Salmonela, de carácter obrigatório, como consta da Figura 2.
Figura 1 Campo referente à caracterização do bando - IRCA aves
Figura 2 Campo que inclui resultados no âmbito do PNCS
Ponto 6. Estatuto Sanitário dos animais, da exploração e/ou estatuto sanitário regional
Ponto 7. Medicamentos e outros produtos de uso veterinário administrados aos animais nos últimos seis
meses (Identificar os produtos, modo de administração, data de administração e intervalos de segurança)
Ponto 8. Ocorrência de doenças que possam afetar a segurança da carne
Ponto 9. Exames executados para diagnóstico de doenças ou no âmbito de vigilância e controlo de
zoonoses e resíduos
Ponto 10. Informação sobre relatórios relevantes de inspeção ante mortem e post mortem em animais
17
Recolha de dados de 98 modelos de IRCA, referentes a 17.095 suínos
No campo relativo ao Estatuto Sanitário, 39 modelos (40%) referem “Sem Doença de Declaração Obrigatória (DDO)”, 1 responde não ter nada a declarar e os restantes 58 (59%) apresentam ou o código do estatuto, como “A3” ou “A4”, ou declaram “isento de Aujesky”, incluindo ou não referência à doença vesicular, peste suína clássica e peste suína africana.
No campo respeitante a Medicamentos administrados nos últimos 6 meses, 20/98 (20%) descrevem o que foi administrado – todos de origem espanhola - e 65/98 (66%) remetem para o plano profilático, com ou sem referir o livro de registo de medicamentos.
No campo relativo a Doenças, nenhum referiu patologia (0/98), sendo que 30/98 (31%) declaram não ter havido Doença de Declaração Obrigatória (DDO) ou doença de interesse em saúde pública.
No campo de Exames efetuados, 52/98 (53%) responderam não ter nada a declarar, 7/98 (7%) não responderam e 39/98 (40%) apresentam resultados de serologia – todos de origem espanhola.
Recolha de dados de 60 modelos de IRCA de frangos, referente a 290.319 frangos
Em todas estão preenchidos todos os campos da Caracterização do Bando (60/60)
Em relação aos Medicamentos administrados, 35/60 descriminam os tratamentos efetuados, e os restantes respondem que não têm nada a assinalar.
Com respeito ao campo de Doenças que afetaram o bando, 39/60 declararam a ocorrência de enterites (12), colibacilose (11), ambas (14) e de doenças respiratórias (2)
Em todas foi preenchido o campo nos resultados de pesquisa de Salmonela (60/60) mas em nenhuma foi assinalada resposta para o campo “outros exames” (0/60) – ponto 10.2.
18 2. Inspeção ante mortem
Durante o período de estágio, dos 72.561 suínos recebidos nos diferentes matadouros, 60 foram rejeitados nesta etapa por morte durante o transporte (n=43) e por morte na abegoaria (n=17). No mês passado no matadouro de aves, 532 frangos foram rejeitados por morte em jaula de um total de 387.066 de abatidos.
3. Inspeção post mortem
Durante o estágio foi-me dado a conhecer não só as abordagens tradicional e de inspeção visual de suínos, como também o regime de inspeção das restantes espécies com que contactei (regidas ainda pelo Regulamento nº (CE) 854/2004), além de me ter sido possível colocar estes conhecimentos em prática, em linhas e cadências variadas.
As causas de rejeição post mortem de carcaças de suínos e de frangos industriais, relativas ao total de animais observados durante o período de estágio consta da Tabela 4. Em suínos as três principais causas de rejeição total são as osteomielites, osteítes purulentas e broncopneumonias purulentas, ao passo que nos frangos industriais são a caquexia, estado febril e ascite.
SUÍNOS Nº % AVES Nº %
Osteíte purulenta 16 12% Ascite 491 11,7%
Osteomielite 61 46% Celulite 290 6,9%
Pneumonia Purulenta 5 3,8% Caquexia 2320 55,2%
Broncopneumonia purulenta 12 9% Febris 627 15%
Pleuropneumonia Fibrino-purulenta 6 4,5% Sangria 137 3,3%
Artrite aguda 8 6% Poliartrite 25 0,6%
Poliartrite 1 0,8% Traumatismo extenso 4 0,1%
Peritonite difusa 3 2,3% Artrite 14 0,3%
Carnes repugnantes 2 1,5% Caídos nas máquinas 291 6,9%
R. orgânica generalizada 12 9%
Abcessos múltiplos 3 2,3%
Abcessos pulmonares múltiplos 3 2,3%
Total de rejeições post mortem 132 Total de rejeições post mortem 4199 Total de suínos abatidos 72.561 Total de aves abatidas 387.066 Mortos transporte (T) 43
Mortos em caixa (T+A) 485
Mortos abegoaria (A) 17
19 4. Bem-estar Animal
Planos de monitorização de Bem-Estar
Neste ponto pretendo apresentar modelos diferentes de monitorização de Bem -estar Animal (BEA), implementados em três das unidades de abate (duas de suínos e uma de aves) em que estagiei.
A cada exemplo aponho as minhas observações do campo do BEA nesses três cenários e a informação dada em curta entrevista com os responsáveis de BEA.
EXEMPLO 1
Unidade de abate industrial de suínos, de elevada cadência, com sala de desmancha e produção de produtos à base de carne anexa, com foco na exportação, pelo que a instituição de princípios de HACCP e vistorias de qualidade internas, em todas as etapas e operações, têm um carácter muito marcado.
Apresentam um formulário anexo às etapas de descarga e maneio na abegoaria, com vários parâmetros formulados para respostas Sim/Não ou de introdução de dados numéricos ou classificações.
Os formulários que pude verificar estavam preenchidos e assinados pelo responsável da suinicultura, pelo motorista do transporte e pelo operador de descarga do matadouro. Para os critérios de estado de limpeza dos animais e classificação das lesões de pele existe um suporte com base em fotografias para orientar a sua avaliação pelo operador (Tabela 5).
Ao analisar a forma como eram preenchidos os formulários, transparece cuidado e realismo nas respostas aos diferentes critérios.
20 Dados na origem
Fornecedor
Data e hora expedição Marca da exploração Nº suínos
Respostas descritivas Preenchido pelo suinicultor
Jejum
Tempo jejum na exploração Tempo de viagem previsto Tempo de espera abegoaria Tempo total estimado
Respostas descritivas
Preenchido pelo suinicultor e pelo abegão Descarga Hora de chegada Empresa transportadora Nome motorista Nº suínos apresentados Nº suínos mortos no transporte Nº suínos feridos
Nº suínos com fratura de patas Nº suínos prostrados
Nº suínos que claudicam
Respostas descritivas Preenchido pelo matadouro
Densidade no transporte respeitada? Motorista tem formação em BEA?
Uso adequado do choque elétrico na descarga? Uso utensílios adequados na descarga? Ausência de suínos agitados?
Ausência de suínos que escorregam /caiem? Ausência vocalização?
Ausência de suínos a girar sobre si? Ausência de lesões de marcação? Ausência de hematomas?
Existem vestígios de cama (serrim, areia)? Há lesões na pele? Lesões 1, 2,3
Respostas S/N
Preenchido pelo matadouro Existe guia fotográfico para orientar classificação das lesões de pele
Estado de limpeza
Limpos
Sujos/muito sujos/conspurcados
Riscar o que não interessa
Existe guia fotográfico de orientação Tabela 5 Critérios de avaliação dos lotes suínos na abegoaria
Relativamente à etapa de insensibilização, a informação sobre a sua monitorização foi colhida apenas em contexto de curta entrevista/conversa com o RBEA. De apontar que a UA transitou recentemente de um método elétrico para a câmara de CO2. Perante a questão do porquê da
mudança, foi apontada a razão técnica de reduzir a incidência de carne PSE.
Quanto à monitorização do BEA no atordoamento, são feitos duas vezes por semana o registo de concentração de CO2, tal como o controlo do tempo entre saída da câmara e a sangria. A
carga animal por tabuleiro na câmara de CO2 é de 4 a 5 animais.
Nas visitas à abegoaria aquando da inspeção ante mortem, foi possível constatar a visibilidade e correta identificação dos parques (Parque 1, 2…) e respetivos números máximos de animais. Ainda foi possível constatar a presença de sinalética bem visível e com recurso a imagens, para descrever práticas aconselhadas, obrigatórias ou proibidas no âmbito de BEA. Exemplos
21
dessa informação explícita são: a proibição de atingir a cabeça dos suínos no encaminhamento e a verificação obrigatória do nível de água disponível nos parques.
EXEMPLO 2
UA de frango industrial com estação de tratamento de subprodutos anexa. É feito o controlo de BEA e registo de resultados em folhas de controlo de processo para 1) cais de espera e pendura e 2) sala de abate. Presenciei a implementação regular desse controlos por um operador específico que circulava com frequência ao longo de toda a linha e que prestava assistência técnica, nomeadamente no ajuste da altura do equipamento de sangria.
O controlo no cais de frango vivo e pendura é feito para todos os lotes presentes, enquanto o controlo na sala de abate é feito para amostra de cem frangos de cada bando diferente. Os resultados para os critérios avaliados implicam registo de valores numéricos ou a classificação como concordante/ não concordante.
A. Critérios aplicados ao Cais de Frango vivo e pendura Temperatura do Cais
Nº aves/ jaula
Aves mortas em jaula
Ganchos molhados na pendura ≥99% Aves penduradas pelas 2 patas ≥99%
Diretrizes:
Em caso de paragem de linha retirar as aves antes do insensibilizador Tempo entre a pendura e insensibilização deve ser inferior a 60 segundos
B. Critérios Aplicados à Sala de abate – Atordoamento Hora (de entrada do lote em linha)
Peso médio do bando Intensidade da corrente (A) Tensão (V)
Frequência (Hz)
Indicadores de inconsciência: pescoço frouxo, asas pendentes, olhos abertos, sem reação (Conforme/ Não conforme)
Tempo entre atordoamento e sangria Velocidade da linha
Nível da água (Conforme/Não conforme) Altura do sangrador (Conforme/ Não conforme) Lâmina do corte (Conforme / Não conforme) Temperatura escaldão (51,3° a 53,5°C) Incisão manual em 100 frangos Diretrizes:
Em caso de paragem de linha desligar o insensibilizador e sangrar manualmente o frango entre o insensibilizador e a lâmina de sangria
22
No período de alocação a esta UA fiz várias visitas ao cais de frango para apreciar as tarefas e condições do parque, como o cuidado com que as caixas eram transpostas do elevador mecânico para a calha rolante e forma com que os frangos eram retirados das caixas e pendurados pelos diferentes operadores do cais. Na sala de abate pude apreciar o ponto de sangria, ao qual era alocado um operador em rotatividade. A par da execução, pela MVO, do Relatório de Controlo de requisitos de BEA – parte II (regras operacionais), que estava agendado para o tempo da nossa permanência nesta UA, recorri à mesma check-list para simular a execução do controlo de todos os parâmetros que dele constam.
EXEMPLO 3
Apresenta-se como uma UA de suínos com sala de desmancha anexa, cujo método de atordoamento implementado é a electronarcose. Em curta entrevista com o RBEA foi referido que o controlo de BEA é efetuado três vezes por semana, resultando na apresentação de um formulário que era anexo à documentação do abate desses dias. Nesse formulário os critérios são classificados quanto a conformidade ou não conformidade e apresentando espaço para observações. Os parâmetros descritos são:
Descarga Estabulação Encaminhamento Sinais de inconsciência Aplicação da corrente Corrente (2,0 a 2,1 A) Voltagem (160 a 180 V) Frequência máxima (50Hz)
Tempo Insensibilização-Sangria (15-30 segundos) Tempo de exposição (10-15 segundos)
Frequência de calibração (anual)
Das observações que fiz das instalações pude constatar a prática de aplicação no atordoamento de corrente elétrica cabeça-peito posterior à aplicação das pinças na cabeça. Os argumentos para justificar essa prática, apresentados pelo RBEA foram:
A estrutura curta da linha nesse ponto e o declive acentuado com separação física (parede) na transição do parque de insensibilização para a sangria
A falta de espaço para voltar a aplicar insensibilização, em caso de falha
Foram-me também apresentados as características técnicas do equipamento de electronarcose e o plano de formação dos operadores para o ano de 2017, onde está estipulada formação de BEA mas ainda sem data prevista.
23
Das visitas que fiz às instalações pude observar o decorrer das diferentes operações, constatando nomeadamente que o encaminhamento dos animais era feito de forma calma e a aplicação das pinças de electronarcose era feita de forma muito eficiente e certeira pelo operador, sem provocar a agitação dos animais no parque de insensibilização. Um operador auxiliar içava o animal insensibilizado, que percorria um curto espaço até ao ponto de sangria que era prontamente executada de forma cuidada e higiénica.
Sistema de Avaliação de Bem-estar de frangos em matadouro
Dermatite de Almofada Plantar
A amostra referia-se a 100 aves de cada lote, observando-se a presença ou ausência de lesões nas almofadas plantares. A classificação das lesões e passos para determinar o Grau do lote, seguiram os critérios seguintes, que constam do Guia Interpretativo da Direção Geral de Veterinária (2010).
De 78 avaliações, 46 lotes apresentavam DAP de Grau 0 (59%), 20 de Grau 1 (26%) e 12 de Grau 2 (15%).
DAP individual 100 frangos por
lote
Cálculo
Pontuação de patas = (grau 1+grau2) * tamanho lote / 100
Grau DAP geral do lote
Se 0-50 - Grau 0 Se >50 a 80 - Grau 1
Se >80 -Grau 2
Grau 0 – Inexistência de lesões ou presença de pequenas lesões nas patas (1 cm), minimamente
invasivas, únicas ou múltiplas, acompanhadas pela presença de papilas negras e hiperqueratose média, sem presença de ulceração.
Grau 1 – Pequenas lesões superficiais (> 1 cm), minimamente invasivas, únicas ou múltiplas,
acompanhadas pela presença de papilas negras e hiperqueratose média, sem presença de ulceração
Grau 2 – Graves lesões nas patas (> 2cm), com evidente espessamento e hiperqueratose, podendo
24
Restantes parâmetros do Sistema de Avaliação de Bem-estar em frangos
Os parâmetros foram calculados e comparados com os limites de aceitabilidade descritos na Tabela 3 com base em DGV (2010), para TMA/TMDA (fornecido pela avicultura), Taxa de rejeição total (RT), Taxa de mortalidade no transporte (MT) e percentagem de aves com trauma extenso.
Segue-se a exposição dos resultados, em 78 amostras, do número de lotes que ultrapassaram o limite de aceitabilidade para um ou mais critérios (Tabela 6), o que resultou na emissão de relatórios pelo MVO às explorações de origem.
DAP TMA RT MT Trauma Total
DAP 33 2 (DAP1) 2 (DAP1)
TMA 1
RT 2 (DAP1) 3
MT 2 (DAP1) 2
Trauma 0
Total 78
Tabela 6 Número de lotes que excederam limite para um ou mais parâmetros
Enquadramento de Resultados
O modelo IRCA é uma ferramenta com potencial na reunião de dados para a avaliação de risco sanitário e subsequente tomada de decisão.
No entanto, o grau de preenchimento e de detalhe das respostas dados nas IRCA de aves e suínos foi contrastante. As maiores diferenças referem-se principalmente ao preenchimento dos campos relativos à nomeação dos medicamentos ou dos produtos de uso veterinário usados, no próprio modelo – 20% suínos vs. 58% frangos - e descriminação no campo de doenças que afetaram o lote ou bando – 0% suínos vs. 65% aves. Este contraste é ainda reforçado considerando que os 20% de descriminação no modelo, dos medicamentos administrados apenas têm o contributo de modelos de lotes espanhóis, remetendo todos os lotes portugueses para planos profiláticos (com referência ou não aos livros de registo de medicamentos).
Sendo um modelo desenvolvido para compilação e consulta rápida, de informação pertinente para análise de risco sanitário - de importância reforçada com a implementação do
25
Regulamento nº (CE). 219/2009/CE, que preconiza a inspeção visual em suínos – os campos a preencher devem sê-lo no modelo, sem remeterem para outra documentação anexa (muitas vezes pré-formatada).
O preenchimento compulsivo e mecanizado faz-se notar nas expressões repetidas mais frequentemente, como “segundo plano profilático e livro de registo de medicamentos” ou “ausência de DDO” e/ou “sem doença relevante para a Saúde Pública”. Em muitos casos, o próprio modelo pareceu-nos estar previamente preenchido. Poderia ser de interesse sondar os produtores sobre a importância que dão ao modelo e sobre como interpretam o que lhes é pedido, alertando-os para a sua relevância.
Conceptualmente, poderia considerar-se a possibilidade de definir alguns critérios de BEA a incluir no modelo IRCA para que a análise de risco não se reflita apenas numa decisão sanitária mas também do domínio do BEA. A aplicação do modelo poderia ser uma ferramenta de aproximação à realidade das explorações, como é no caso do sistema de avaliação do frango em matadouro.
O levantamento de dados de ambas as tipologias de IRCA foi de grande interesse para entender o porquê das diferentes opiniões acerca da sua utilidade e viabilidade. Ao longo da componente prática que descrevi, coloquei-me várias hipóteses, nomeadamente em relação aos motivos da tendência de um melhor preenchimento dos campos do modelo IRCA de aves, questionando-me se poderia estar ligada à incorporação de dados numéricos de produtividade do bando ou dos boletins de análise de pesquisa de Salmonela, que acabariam por requerer uma maior atenção do detentor para o modelo e incutir-lhe a sua importância.
A casuística de rejeições totais revela como principais causas de rejeição, as osteomielites em suínos e as ascites em aves, ambas patologias passíveis de estar relacionadas com questões de BEA no domínio do maneio e condições ambientais na exploração. O número de mortos no transporte foi cerca de 2,5 vezes superior ao número de mortos na abegoaria e teve um terço do peso das rejeições da inspeção post mortem, o que revela o aspeto sensível desta etapa em questões de BEA.
No sistema de avaliação do bem-estar de frangos no matadouro em 78 lotes, desencadeou comunicação à exploração relativa a 39 lotes, quatro dos quais com mais de um critério acima do limite. Seria de interesse conhecer o real impacto deste sistema nas melhorias das condições na exploração e o acompanhamento da implementação planos de ação desenvolvidos quando há recorrência de não concordâncias.
26
Ao assistir nas tarefas do âmbito deste sistema e após iniciar a revisão bibliográfica sobre o tema de BEA, interrogo-me sobre uma possível aplicabilidade de sistema semelhante a suínos, com troca de informação entre as explorações e os MVO e autoridades competentes, para promover melhores práticas nos locais de criação (p. ex. cortes de cauda vs. enriquecimento ambiental) e reforçar um melhor preenchimento e valorização do modelo da IRCA.
Os planos de monitorização de BEA a que acedi variam na sua estrutura e refletem condicionalismos quer de logística (mão-de-obra), quer por exemplo de certificação (ex. exportação países terceiros). No Exemplo 1 dos Planos de monitorização apresentados, são incluídos vários indicadores medidos no animal (p.ex. classificação das lesões de pele, animais com patas partidas) e a validação por vários intervenientes, da ficha de registo. A tipologia das respostas confere-lhe um carácter prático. Já no Exemplo 3, o formulário é prático e os critérios estipulados caem no domínio do cumprimento legal, de requisitos técnicos para o atordoamento, classificando as etapas anteriores quanto à concordância, mas sem definir critérios. A inclusão de indicadores de BEA medidos no animal e de critérios que transponham os dos requisitos técnicos, são de interesse na estipulação de um plano de monitorização representativo das dimensões do BEA.
CONCLUSÃO
A experiência que o estágio me reservou e sua aposição ao estudo e reflexão sobre o tema do Bem-estar Animal, permitiu-me constatar que sendo uma expressão do animal como ser senciente, a temática prima pela transversalidade a todos os domínios da ciência e indústria de produção animal.
A crescente preocupação do consumidor em relação ao Bem-estar Animal, em particular das espécies pecuárias, tem exigido uma recolocação do mercado, com o surgimento por exemplo de rotulagens de produtos e campanhas publicitárias sobre condições de Bem-estar na produção, pressionando a indústria a concentrar-se em estratégias de monitorização e de promoção de práticas com impacto positivo no Bem-estar Animal ao longo de toda a cadeia de produção. Neste universo em mudança posiciona-se o Médico Veterinário que, quer ao analisar os indicadores que convergem nas Unidades de Abate, quer promovendo boas práticas a nível das explorações pecuárias e exercendo uma medicina de carácter preventivo, tem especiais competências para reforçar o respeito pela vida e bem-estar do animal de produção.
27 BIBLIOGRAFIA
Balog, J. M. (2003). "Ascites Syndrome (Pulmonary Hypertension Syndrome) in Broiler Chickens: Are We Seeing the Light at the End of the Tunnel?" Avian and Poultry Biology Reviews 14(3): 99-126. Berg, C. & Mohan, R. (2015). "A Review of Different Stunning Methods for Poultry—Animal Welfare
Aspects (Stunning Methods for Poultry)." Animals : an Open Access Journal from MDPI 5(4): 1207-1219.
Blokhuis, Harry J. (2008). "International cooperation in animal welfare: the Welfare Quality® project."
Acta Veterinaria Scandinavica 50(1): S10.
Botreau, R. , Bonde,M. , Butterworth, A. et al. (2007). "Aggregation of measures to produce an overall assessment of animal welfare. Part 1: a review of existing methods." animal 1(8): 1179-1187.
Brandt, P. & Aaslyng, M. (2015). "Welfare measurements of finishing pigs on the day of slaughter: A review." Meat Science 103: 13-23.
Brenninkmeyer, C. & Winckler, C. (2012). "Relationships between animal welfare hazards and animal-based welfare indicators." EFSA Supporting Publications 9(3): 253E-n/a.
Broom, M.(2008). Welfare concepts. Welfare of pigs : from birth to slaughter. L. Faucitano and A.
L. Schaefer. Wageningen, Wageningen Academic Publishers.
Chambers, P.G., Grandin. T. et al. (2001). "Guidelines for humane handling, transport and slaughter of livestock - FAO."
Comissão Europeia (2013). "Report From The Commission To The European Parliament And The Council on the various stunning methods for poultry ".
Comissão Europeia (2014). Regulamento (UE) N.o 219/2014 da Comissão de 7 de março de 2014 que altera o anexo I do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos requisitos específicos relativos aos procedimentos de inspeção post mortem de suínos domésticos. C. Europeia.
Conselho da União Europeia (2005). Regulamento (CE) N.o 1/2005 do Conselho de 22 de Dezembro de 2004, relativo à protecção dos animais durante o transporte e operações afins e que altera as Directivas 64/432/CEE e 93/119/CE e o Regulamento (CE) n.o 1255/97.
Conselho da União Europeia (2009). "Regulamento (CE) N.o 1099/2009 do Conselho de 24 de Setembro de 2009 relativo à protecção dos animais no momento da occisão."
D'Eath, R. B. , Niemi, J. K. , Ahmadi, B. V. et al. (2016). "Why are most EU pigs tail docked? Economic and ethical analysis of four pig housing and management scenarios in the light of EU legislation and animal welfare outcomes." Animal 10(4): 687-699.
Dalmau, A. , Temple, D., Rodriguez, P., et al. (2009). "Application of the Welfare Quality® protocol at pig slaughterhouses." Animal Welfare 18(4): 497-505.
Dalmau, A., Nande, A., Vieira-Pinto, M. et al. (2016). "Application of the Welfare Quality® protocol in pig slaughterhouses of five countries." Livestock Science 193: 78-87.
Direção Geral de Alimentação e Veterinária - DBEA (2017). "Plano de Proteção Animal 2017: Animais de Interesse pecuário, Transporte, Abate."
Devine, C. & Dikeman, M. (2014). Encyclopedia of meat sciences, Elsevier.
Direção Geral de Alimentação e Veterinária (2014). Esclarecimento 5/2014, Controlos a efetuar pelos operadores responsáveis por matadouros na receção no matadouro de animais vivos para abate Aplicação dos Regulamentos (CE) n.º 852/2004 e 853/2004 de 29 de Abril