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A eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

DANIELLE TABACH

A eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

DANIELLE TABACH

A eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde

Trabalho de conclusão de curso sob orientação do professor José Guilherme Vasi Werner apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

A eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde

Elaborado por DANIELLE TABACH

Trabalho de conclusão de curso apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Comissão Examinadora:

Nome do orientador: José Guilherme Vasi Werner Nome do Examinador 1: Luiz Roberto Ayoub

Nome do Examinador 2: Carlos Roberto de Castro Jatahy

Assinaturas:

___________________________________________ José Guilherme Vasi Werner

___________________________________________ Luiz Roberto Ayoub

___________________________________________ Carlos Roberto de Castro Jatahy

Nota Final: ____________________________

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Dedico mais essa etapa cumprida a Deus, aos meus queridos pais e maiores incentivadores, Sheila e Josué, aos meus irmãos, Lili e Jacques, meu cunhado e sobrinhos, que sempre me ajudaram e apoiaram durante todos estes anos da minha caminhada acadêmica. São exemplos de força e dedicação, que me fizeram chegar até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, fonte de esperança e inspiração nos momentos mais difíceis.

À Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, por ter me proporcionado esses anos de aprendizado.

Aos meus amados pais e irmãos, que confiaram em mim e não mediram esforços para que esse dia chegasse. Aos meus avôs e avós, e todos que me apoiaram e estiveram presentes em todos os momentos, sempre com carinho.

Ao meu Mestre e Professor José Guilherme Vasi Werner pela sua dedicação e atenção ao longo da construção desta monografia, sempre com muita paciência. Aos meus amigos e companheiros que me auxiliaram de algum modo para a realização deste, o meu verdadeiro, muito obrigada!

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RESUMO

O objetivo deste trabalho de conclusão de curso é medir a eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de plano de saúde em comparação com as ações individuais. Este estudo trata da evolução do direito à saúde como um direito social prestacional, elevado à categoria de direito fundamental na Constituição Federal de 1988 para demonstrar o surgimento dos planos privados de saúde. Os contratos celebrados nesse ramo são, na maioria das vezes, de adesão e, por conseguinte, podem conter cláusulas abusivas. Com a finalidade de promover os direitos dos segurados, considerados consumidores na ordem jurídica brasileira, admite-se o controle judicial de cláusula abusiva por meio da tutela coletiva. Muitos acreditam que a ação civil pública, principal instrumento da tutela coletiva, é mais eficiente, na medida em que proporciona mais vantagens aos legitimados e à própria sociedade. Assim, após a delimitação do conceito de eficácia, esse estudo busca, através da doutrina e jurisprudência, verificar se de fato esse tipo de ação é mais eficaz que uma ação individual.

Palavras-chave: Direito à saúde. Planos privados de saúde. Cláusula abusiva. Ação Civil Pública. Eficácia.

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ABSTRACT

The aim of this work is to measure the efficiency of the civil public action in comparison to the individual action in order to combat the unfair clauses of a healthcare contract. This research presents the evolution of the right to health as a fundamental social right, in accordance with the Brazilian Constitution of 1988 to demonstrate the emergence of private health plans. Such contracts are, in most cases, standard contracts which contain unfair terms. With the purpose of promoting the rights of the insured persons, which are considered consumers under brazilian legal order, it is accepted a judicial control through collective action. There are many who believe that the Civil Public Action is more efficient as it offers more benefits to the customers and the society itself. Thus, after defining the concept of “efficient”, this study seeks, through legal doctrine and jurisprudence, to verify that if this action is in fact more effective than an individual one.

Keywords: Right to health. Healthcare contract. Unfair clauses. Civil Public Action. Efficiency.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

CAPÍTULO 1: A EVOLUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE...13

1.1 Aspectos históricos: gerações ou dimensões de direitos...13

1.2 A saúde como direito constitucionalmente protegido...14

1.3 O surgimento dos planos de saúde...17

1.4 Os planos de saúde e a aplicação do direito do consumidor...20

CAPÍTULO 2: CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE...23

2.1 Contratos de adesão à luz da boa fé no Código de Defesa do Consumidor...23

2.2 Conceito de cláusula abusiva e suas características...24

2.3 Principais cláusulas abusivas nos contratos de plano de saúde...26

2.4 O controle judicial das cláusulas abusivas...31

CAPÍTULO 3: A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS CLÁUSULAS ABUSIVAS...34

3.1 A tutela coletiva e o surgimento da ação civil pública...34

3.2 Eficácia da ação civil pública e suas vantagens...36

3.3 A medida da efetividade das ações individuais e ações civis públicas no combate às cláusulas abusivas...38

3.3.1 Recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça...39

3.3.2 Súmulas do Superior Tribunal de Justiça...40

3.3.3 Ações civis públicas no Superior Tribunal de Justiça...44

CONCLUSÃO...49

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

ACP – Ação Civil Pública

STJ – Superior Tribunal de Justiça

SUS – Sistema Único de Saúde

ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar

CDC - Código de Defesa do Consumidor

IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

FDD - Fundo de Defesa de Direitos Difusos

REsp – Recurso Especial

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INTRODUÇÃO

O direito à saúde evoluiu ao longo das décadas, e consagrou-se como um dos direitos fundamentais de cunho social, conhecidos como direitos de segunda geração. Segundo Bonavides, essa geração de direitos representa “os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social”1. Esta geração desempenha, portanto, um papel de destaque na superação do individualismo, tendo em vista que busca a valorização do coletivo, por meio de uma atuação positiva do Estado. No Brasil, o direito à saúde também foi elevado à categoria de direito fundamental, especialmente com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao ser incluído no rol de direitos sociais do art. 6º, por sua vez localizado no capítulo II do Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Para garantir o aspecto de coletividade do direito à saúde, a CRFB/88 ainda acrescentou “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Com isso, evidencia-se o caráter social prestacional2 deste direito, exigindo uma postura ativa por parte do ente estatal para o seu fiel cumprimento.

Ocorre que o Estado, por muitas vezes, não consegue atender todas as demandas da sociedade, e por isso, o acesso integral e efetivo de parte da população brasileira fica prejudicado. Diante das dificuldades encontradas, muitas pessoas optam pelo atendimento privado, como aquele prestado pelos planos de saúde, regulados pela Lei nº 9.656 de 3 de junho de 1998 (Lei nº 9.656/98).

O plano de saúde tem como objetivo assegurar a cobertura de riscos relativos à saúde mediante o pagamento de uma contraprestação do segurado3, oferecendo todo o tratamento que for necessário na hipótese de surgimento de doenças, de acordo com o plano contratado. No Brasil, como será observado ao longo deste

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 517.

2 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 837.

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trabalho, os segurados são considerados consumidores, e, portanto, desfrutam das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Os contratos de planos de saúde são normalmente celebrados por meio de adesão, no qual inexiste a liberdade de convenção, sendo excluída “a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro4”. Portanto, o consumidor muitas vezes se vê compelido a aceitar os termos do contrato caso não queira ficar sem a cobertura do plano. Nesta relação, a parte hipossuficiente pode ter seus direitos afetados, pois, não é raro que esses contratos contenham cláusulas abusivas, que garantam vantagens unilaterais ao fornecedor que as elaborou5, com a justificativa de manter o “equilíbrio contratual”, quando são, na verdade, reflexo do simples interesse de ganho financeiro. Surge daí a necessidade de proteção do consumidor de planos de saúde, por meio da garantia do controle judicial sobre esses contratos e cláusulas.

Desta forma, fez-se fundamental garantir o controle judicial das cláusulas abusivas, garantindo ao legitimado a possibilidade de ingressar com qualquer tipo de ação judicial, inclusive de maneira coletiva, a fim de evitar abusos e injustiças. Portanto, com o propósito de facilitar a promoção dos direitos dos consumidores, a ordem jurídica admitiu que o acesso individual à Justiça fosse substituído por um processo único com a participação de todos os interessados.

Um dos principais mecanismos de tutela coletiva é a ação civil pública, que se destina a proteger os direitos de segunda e terceira geração. Por isso, este tipo de ação muitas vezes serve de garantia para proteção de direitos de cunho social, inclusive a saúde, bem como o equilíbrio nos contratos de planos de saúde. Muitos afirmam que a ACP dispõe de inúmeras vantagens frente à ação individual, tais como economia processual e de recursos financeiros, bem como uma jurisprudência mais pacificada sobre os temas abordados.

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

extracontratuais. 3º Volume. 10. ed. aumentada e atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 69.

5 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das

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Nesse contexto, torna-se relevante verificar se de fato a ação civil pública representa um meio verdadeiramente mais eficaz em comparação com a ação individual para conter a abusividade de algumas cláusulas contratuais dos planos de saúde, já que teoricamente possui maiores vantagens. Foi preciso determinar qual sentido de eficácia e em quais situações ela seria considerada, para que pudesse haver uma análise jurisprudencial com esse enfoque. Para tanto, a efetividade foi verificada no sentido da possibilidade de atingir um maior número de indivíduos, como é o caso de repetitivos e súmulas, bem como verificar a quantidade de vezes que as ações civis públicas obtiveram sucesso no STJ.

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CAPÍTULO I: EVOLUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

Antes de realizar uma análise comparativa entre as ações individuais e as ações civis públicas, no que diz respeito ao combate de cláusulas abusivas nos contratos de plano de saúde, é fundamental expor a evolução do direito à saúde no decorrer de sua história no Brasil, mostrando como efetivamente se constituiu um direito social consagrado. Para tanto, é necessário explorar as gerações ou dimensões de direitos, bem como observar as inovações que a CFRB/88 trouxe.

1.1 Aspectos históricos: gerações ou dimensões de direitos

Uma das nomenclaturas mais utilizadas para os direitos fundamentais é aquela que os divide em três gerações ou dimensões. O filósofo italiano Norberto Bobbio, em seu livro “A Era dos Direitos” foi um dos autores que consagraram essa nomenclatura, ao afirmar que o “desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases”6.

A primeira geração de direitos é marcada pela evidenciação do indivíduo, característica marcante no Estado Liberal, representada pela não intervenção estatal ou uma intervenção mínima. Assim, essa primeira dimensão, de acordo com o autor mencionado, se consagra com os direitos negativos, tais como as liberdades públicas, civis e políticas.

Em um segundo momento, historicamente marcado pela Revolução Industrial e surgimento de novas necessidades sociais, nasce o Estado do Bem-Estar Social, e consequentemente a ideia de grupo se fortalece. O Estado ganhou um papel essencial nessa geração de direitos, exigindo dele uma atuação ativa, com o advento de direitos sociais, culturais e econômicos. Pode-se aferir, a partir disso, que o agente estatal, figura que busca a efetivação dos direitos humanos, está preocupado com a igualdade mais real e concreta, ou seja, igualdade material. Isto é, os direitos de segunda geração impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem prestadas pelo Estado, no

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intuito de possibilitar aos seres humanos melhores qualidade de vida e um nível de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade7.

Finalmente, a terceira geração de direitos fundamentais é representada pelos direitos sociais decorrentes da titularidade coletiva. Com o advento do Estado Pós-Social, tornou-se propícia a revelação de interesses transindividuais ou metaindividuais, principalmente no que diz respeito aos direitos difusos, como por exemplo, o direito à paz, ao desenvolvimento e à comunicação. O direito ao meio ambiente saudável, bem como a proteção dos direitos do consumidor também marcam essa terceira geração. Percebe-se que os referidos direitos ultrapassam a figura individual, e o ser humano, a partir de então, passa a ter direitos de solidariedade. A partir da consagração da sociedade industrial de interesses difusos, tornou-se natural que além dos conflitos individuais, existam conflitos de massas, e como apontou Cappelletti, as violações de massa tornaram-se mais comuns8.

Com o delineamento das principais características das gerações de direitos, pode-se concluir que a saúde pertence à segunda dimensão de direitos, tendo em vista que representa um direito social prestacional. Isso significa que para a concreta efetividade e acesso à saúde, a sociedade depende de uma atuação concreta do Estado, principalmente através de políticas públicas.

1.2 A saúde como direito constitucionalmente protegido

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos sociais ganharam um papel de destaque na ótica brasileira, isto, pois, os mesmos foram positivados no seu Capítulo II. Além de serem considerados sociais, tais direitos também foram elevados à categoria de direitos fundamentais, uma vez que estão inseridos no Título II da CRFB/88, intitulado de “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Os referidos direitos sociais foram estabelecidos pelo constituinte de 1988 da seguinte forma, in verbis: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a

7 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2008. p. 50.

8 CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça Civil. Revista de

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alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Percebe-se que dentre eles, está situado o direito à saúde, e sendo assim, pode-se afirmar que este representa um direito social fundamental de acordo com a Carta Magna. Cabe registrar que os direitos de caráter fundamental são “essencialmente os direitos do homem transformados em direito positivo9”, e segundo Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem [...].10

A saúde, como um direito social fundamental, foi inserida no texto constitucional de duas formas: implicitamente e explicitamente. A primeira forma está relacionada a uma existência digna de todo ser humano, daí a estreita relação entre saúde e o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República inaugurado no art. 1º, III, da CRFB/88. Pode-se afirmar que o direito à saúde é um dos corolários do referido princípio11, em razão de não existir vida digna sem um acesso à saúde de qualidade. Além disso, a promoção do bem estar das pessoas também está dentre os objetivos elencados pela Carta12, baseando-se no princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, ambos servindo de base para o direito à saúde.

De maneira explícita, além do art. 6º já mencionado, a saúde ganhou um lugar próprio dentro do Título VIII, Capítulo II, Seção II, nos artigos 196 a 200. Ali, mais especificamente no art. 196, encontra-se a concretização deste direito social pelo

9 ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de

direito democrático. Revista de direito administrativo n. 217, jul-set.1999. ed. Renovar e Fundação Getúlio Vargas. p. 55.

10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado

Ed., 2011. 10. ed. rev., atual. e ampl. p. 36.

11 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2.Ed. São

Paulo: Atlas, 2003. p.1926.

12 BRASIL. Constituição (1988), art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos. (...) III - a dignidade da pessoa humana. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 30.07.2017.

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aspecto prestacional: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A partir de então, o Estado passou a exercer o papel de garantidor, tendo o dever de formular e executar a prestação apropriada para a garantia universal desse direito, fazendo-o por meio do Sistema Único de Saúde, cujo objetivo é gerir uma política una e integrada de saúde13.

Torna-se claro que o atual campo jurídico-constitucional reconheceu, de uma maneira nunca antes reconhecida, a importância e necessidade de garantir a saúde a todos os cidadãos, devendo o Estado garantir a sua efetividade por meio de uma atuação positiva.

Contudo, os custos da concretização das prestações reclamadas são muito elevados, de modo que o Estado fica dependente de uma conjuntura econômica saudável14. Como nem sempre a situação da economia brasileira se encontra favorável, o agente estatal dispõe de recursos limitados, levando a falar-se em uma “reserva do possível”. Essa expressão identifica a limitação dos recursos diante das necessidades quase sempre infinitas15. Em outras palavras, como a realização dos direitos fundamentais depende dos cofres públicos e estes são limitados, os governantes precisam eleger as políticas públicas que serão implementadas, deixando outras de lado, por falta de possibilidade financeira.

Atualmente, essa restrição gera mais um obstáculo, uma vez que a reserva do possível passou a ser uma justificativa recorrente para a ausência estatal, no que diz respeito ao oferecimento de direitos, principalmente os sociais. Diante desta falta de

13 VIEIRA, Marcelo Milano Falcão; VILARINHO, Paulo Ferreira. O campo da Saúde Suplementar no

Brasil. Revista Ciências da Administração - RCA, v.6, n. 11, p.09-34, jan./jul. 2004. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina – Centro Socioeconômico/Departamento de Ciências da

Administração. Disponível em: <

http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/Artigo_O_Cam po_da_saude_suplementar_no_Brasil.pdf> Acesso em: 01.09.2017, pgs. 4-5.

14 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo:

Celso Bastos. 1998, pgs. 43-44.

15 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da

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atuação do Estado, o acesso universal à saúde fica prejudicado e a coletividade sofre com a ausência de serviços públicos de qualidade.

Face ao “fracasso” do SUS em garantir um sistema de qualidade, boa parte dos brasileiros recorre ao sistema privado, ingressando nos planos de assistência médica particular, que surgiram para preencher as lacunas do Poder Público, como se verá a seguir.

1.3 O surgimento dos planos de saúde

A Constituição Federal de 1988, como dito, torna a saúde um direito social fundamental de relevante interesse público, devendo ser disponibilizada pelo Estado. De forma subsidiária, a CRFB/88 também assegurou a iniciativa privada, através dos planos privados de assistência à saúde, conforme art. 199. No parágrafo primeiro do referido artigo, fica claro que a iniciativa privada atuará de maneira complementar ao sistema único de saúde, devendo seguir as suas diretrizes16.

Contudo, foi só em 1998 que o setor privado de saúde foi regulamentado e fiscalizado, ano em que foi editada a Lei n.º 9.656 de 3 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), que por sua vez trouxe diversos avanços para o mercado, fortalecido também pela edição da Lei º 9.961 de 28 de janeiro de 2000, no qual ocorreu a institucionalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em 12 de fevereiro de 2001, com o advento da Lei nº 10.185, as sociedades seguradoras especializadas em planos privados de assistência à saúde tornaram-se subordinadas às normas e à fiscalização da ANS, conforme preceitua seu art.1º, §2º.

A Lei dos Planos de Saúde descreve esta espécie de contrato ao dispor que “Art. 1º, I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de

16 BRASIL. Constituição (1988), art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada (...) § 1º - As

instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 02.09.2017.

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saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor”.

Nesse momento é importante salientar a diferença entre seguro e plano de saúde, já que ambos possuem características semelhantes. A diferença se encontra na forma de reembolso das despesas médico-hospitalares, que no contrato de seguro, o reembolso é a regra, e o segurado possui liberdade de escolher médicos e hospitais. Já o plano de saúde é um contrato por meio do qual as operadoras prestam seus serviços através do pré-pagamento, efetuado mensalmente. Como contraprestação, o segurado recebe assistência médica quando necessária, conforme as coberturas do contrato firmado. Claudia Lima Marques conclui que:

Apesar de a Lei 9.656/98 nominar os antigos contratos de seguro-saúde como planos privados de assistência à seguro-saúde, indiscutível que tanto os antigos contratos de seguro-saúde, os atuais planos de saúde, como os – também comuns – contratos de assistência médica possuem características e sobretudo uma finalidade em comum: o tratamento e a segurança contra os riscos envolvendo a saúde do consumidor e de sua família ou dependentes17.

Dentre as diversas características que compõem um contrato de plano de saúde, o que deve ser destacado para o presente trabalho é o fato de o referido contrato ser normalmente celebrado por meio de adesão, com o objetivo de evitar custos excessivos de prévias deliberações.

No contrato de adesão não há possibilidade de discussão das cláusulas contratuais, sendo estas estabelecidas de forma unilateral pelo fornecedor ou autoridade competente18. Nessa linha, Diniz corrobora que:

17 MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., p. 475.

18 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 1990. art. 54. Contrato de adesão é

aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm. Acesso em: 05.09.2017.

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Os contratos por adesão se caracterizam por inexistir a liberdade de convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamente redigidas e impressas pelo outro19.

Claudia Lima Marques também define os contratos de adesão:

Aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne variatur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. [...]. Oferecido ao público em modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidorcontratante, do objeto e do preço. [...] Limita-se o consumidor a aceitar em bloco as cláusulas [...] O fenômeno dos

contratos de adesão é cada vez mais comum na experiência contemporânea, produzindo-se em múltiplos domínios como, por exemplo, o dos seguros, o dos planos de saúde20.(grifo meu)

A Autora ainda diferencia o contrato de adesão das cláusulas contratuais gerais, as chamadas condições gerais dos contratos, definidas como:

Contratos, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, expressa ou tacitamente, que cláusulas, pré-elaboradas pelo fornecedor unilateral e uniformemente para um número indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico”. Trata-se de “técnica de pré-elaboração do conteúdo de futuros contratos21.

Buscando manter o equilíbrio das partes nesses contratos de adesão, a lei considera os adeptos aos planos de saúde como consumidores, concedendo-lhes algumas vantagens frente aos fornecedores, como será explicado em seguida.

19 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

extracontratuais. 3º Volume. 10. ed. aumentada e atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 69.

20 MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., pgs. 71-72 21 Ibid, p.79.

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1.4 Os direitos do consumidor nos planos de saúde

A Carta de 1988 foi essencial para a consagração do consumidor como sujeito de direitos e garantias, pois exigiu que o Estado promovesse a defesa do consumidor, na forma da lei22, bem como incluiu a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica23. O legislador pátrio, por sua vez, instituiu o CDC, através da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, que entrou em vigor em 11 de março de 1991.

Deve-se acrescentar que os direitos do consumidor pertencem à terceira geração de direitos, em que “o ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade24”. Deste modo, a proteção dada à categoria social dos

consumidores foi marcada pelo advento do CDC, que de acordo com a Claudia Lima Marques:

[...] É uma lei de função social, traz normas de direito privado, mas de ordem pública (direito privado indisponível), e normas de direito público. É uma lei de ordem pública econômica (ordem pública de coordenação, de direção e proibição) e lei de interesse social (a permitir a proteção coletiva dos interesses dos consumidores presentes no caso), como claramente especifica seu art, 1º, tendo em vista a origem constitucional da lei25.

22 BRASIL. Constituição (1988), art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 06.09.2017.

23 BRASIL. Constituição (1988), art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 10.09.2017.

24 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, Ed. Método, São Paulo. 2005. p. 451.

25 BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Manual de

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A referida lei reconhece a hipossuficiência, não só econômica, mas também técnica do consumidor, já que a situação do fornecedor é de vantagem evidente, uma vez que somente ele tem conhecimento pleno do processo utilizado na fabricação de um produto, e por isso está em condições melhores de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação26.

Diante disso, a lei busca compensar o desequilíbrio desta relação através de regras e princípios que devem nortear o contrato de consumo, interpretado de forma a proteger o mais hipossuficiente e em conformidade com a Constituição27, como por exemplo, a inversão do ônus da prova, reconhecida no art. 6º, VIII do CDC.

No que se refere aos contratos de planos de saúde não há dúvidas de que a relação de consumo também está presente, já que de um lado existe a operadora de serviços de assistência à saúde, que possui o papel de fornecedor, e o usuário deste, que é o destinatário final do serviço, que consiste na cobertura de um evento futuro e incerto relacionado à saúde28.

Este entendimento de aplicação do Código de Defesa do Consumidor neste tipo de contrato está expressamente previsto na Lei dos Planos de Saúde, ao assegurar que “Art. 35-G. Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei 8.078, de 1990”.

Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de afirmar que a relação estabelecida entre os planos de saúde e o assistido é uma relação jurídica de consumo, isto é, de um lado há o fornecedor e de outro o consumidor, que tem como objetivo utilizar um serviço ou adquirir um produto. Confirmando desse entendimento ocorreu a aprovação da súmula nº 469 pela sua Segunda Seção, que preceitua: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

26 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos

autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, pgs. 916-923.

27 MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., pgs. 260-261. 28 RIZZARDO, Arnaldo. Op. Cit., p. 906.

(22)

Essa classificação é essencial para garantir a proteção dos usuários dos planos de saúde, como, por exemplo, a vedação às cláusulas abusivas e interpretação mais favorável ao consumidor. Sobre esse tema, Cláudia Lima Marques, expõe o seguinte:

Note-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça, para lá das discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, [...], tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguros e outros) o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. Esta exigência de boa-fé qualificada, em face da massificação deste contrato que atinge mais de 46 milhões de consumidores, reflete-se em uma interpretação conforme a boa-fé e sempre a favor do consumidor, ex vi art. 47 do CDC [...]29.

Essa linha de entendimento prevalece dentre a doutrina e jurisprudência, tendo em vista que a necessidade de frear a possível existência de cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde torna-se cada vez mais relevante.

(23)

CAPÍTULO II: CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE

PLANO DE SAÚDE

Neste capítulo, o conceito de cláusula abusiva será aprofundado e as suas principais características serão descritas. Após, será realizada uma análise de como essa cláusula pode ser controlada na via judicial.

2.1 Contratos de adesão à luz da boa fé no Código de Defesa do Consumidor

Como já mencionado, os contratos de plano de saúde pactuados entre as partes são celebrados “geralmente mediante métodos de contratação de massa, contratos de adesão e condições gerais dos contratos30”, na medida em que a liberdade de discussão das suas cláusulas é bastante reduzida. Desta maneira, apenas uma das partes fica responsável pelos termos do contrato, enquanto a outra parte adere às condições impostas unilateralmente pelo outro.

Nas palavras do jurista Orlando Gomes, essa forma de contratação se caracteriza da seguinte forma:

Contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas.31

Embora ocorra uma mitigação na autonomia da vontade da parte aderente, o contrato é regulado por normas de ordem pública, em que se destaca o princípio da boa-fé objetiva. Esse princípio “deve nortear todo o ordenamento jurídico e condicionar o comportamento das pessoas em suas relações jurídicas de forma honesta, proba e leal, prestigiando a confiança nas relações sociais”32.

30 Ibid, p. 474.

31 GOMES, Orlando. Contratos. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 110.

32 MARTELLI, Ana Laura Teixeira. A Boa Fé Objetiva e os Limites da Rescisão Unilateral dos Contratos

(24)

O CDC introduz o referido princípio em seus artigos 4º, III e 51, IV, existindo a “obrigatoriedade da adoção pelas partes de uma cláusula geral de boa-fé, que se reputa existente em todo e qualquer contrato que verse sobre relação de consumo, mesmo que não inserida expressamente nos instrumentos contratuais respectivos”33.

Resta claro que a boa-fé objetiva exige uma atuação pautada pela lealdade, reduzindo a prática de certos atos que podem se apresentar abusivos e desvantajosos à parte hipossuficiente da relação.

A relação contratual, portanto, deve der baseada na ética, exigindo um comportamento digno, levando em consideração a confiança recíproca das partes. O entendimento de que deve haver um tratamento especial à parte mais fraca da relação foi recepcionado pela legislação brasileira, ao prever o contrato de adesão nos artigos 423 e 424 do Código Civil, que tentou ao máximo resguardar a vontade do consumidor. Cabe destacar que o art. 423 em harmonia com o art. 47 do CDC asseverou que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Já o art. 424, em consonância com o art. 46 do CDC, prevê que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.

Parece claro que essa tentativa de minimizar o desequilíbrio da relação contratual pela lei não tem sido muito bem sucedida. Prova disso é o fato da inserção de cláusulas abusivas nos contratos de adesão ser uma realidade34 que acaba gerando danos aos consumidores, impedindo-os de usufruir de suas prerrogativas reconhecidas legalmente. Diante dessa situação, faz-se mister ressaltar a definição de cláusulas abusivas e suas características básicas.

2.2 O conceito de cláusula abusiva e suas características

33 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Op. Cit., p. 556 34 MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit., p. 474.

(25)

A cláusula abusiva pode ser definida como “aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca da relação contratual35”, que é o consumidor.

Nesse sentido, Antônio Herman V. Benjamim alega que:

As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las36.

Deve ser mencionado que a caracterização de uma cláusula abusiva não depende de uma análise subjetiva da conduta do fornecedor, isto é, se houve o intuito de obter vantagem indevida ou exagerada. O CDC, em nenhum momento, exige o dolo do fornecedor para a caracterização da abusividade da cláusula37.

O CDC se preocupou, ainda, em trazer um rol exemplificativo de cláusulas abusivas no seu art. 51, considerado não taxativo, uma vez que o caput do referido artigo traz a expressão “entre outras”, significando que sempre que houver uma contradição à ordem pública de proteção ao consumidor, poderá ser reconhecida como abusiva determinada cláusula, em qualquer tempo e grau de jurisdição. No inciso IV deste dispositivo, essas cláusulas são caracterizadas como as que “Art. 51, IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Noutro giro, o CDC define de forma bastante clara a sanção aplicada para as cláusulas abusivas, indicada no seu art. 51, atribuindo-lhes o regime de nulidade de pleno direito. Aliás, o referido artigo expressa que “Art., 51, § 2°. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência,

35 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Op. Cit., p. 569.

36 BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., p.

216.

(26)

apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Essa nulidade deve ser reconhecida judicialmente, através de uma ação direta ou ainda por ato ex officio do juiz, restando acrescentar que a sentença que declara a nulidade possui força constitutiva negativa38.

Ainda quanto à característica da nulidade de cláusula abusiva, destaca-se que:

[...] o efeito da sentença judicial que reconhece a nulidade da cláusula abusiva é ex tunc, pois desde a conclusão do negócio jurídico de consumo já preexistia essa situação de invalidade, de sorte que o magistrado somente faz reconhecer essa circunstância fática anterior à propositura da ação. Sendo matéria de ordem pública (art. 1º CDC), a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição [...]. O Código não fixou nenhum prazo para o exercimento do direito de pleitear em juízo a nulidade da cláusula abusiva. Consequentemente, na ausência de norma nesse sentido, a ação é perpétua (imprescritível)39.

Nesse contexto, em que os fornecedores cada vez mais inserem cláusulas abusivas nos contratos de consumo, sem que o consumidor possa ter escolhas, é necessário atentar-se aos principais temas que podem ser considerados desleais, no âmbito de um contrato de adesão de plano de saúde, e que possam eventualmente prejudicar os segurados.

2.3 Principais cláusulas abusivas nos contratos de plano de saúde

Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) apoiada pelo Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), publicada na Revista

38 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Op. Cit., p. 571. 39 Ibid. p. 572.

(27)

do IDEC edição nº 173 em fevereiro de 201340 foi realizada uma análise dos contratos das operadoras de planos de saúde com o propósito de fazer um levantamento da existência de cláusulas abusivas. Para tal, segundo a matéria, foram avaliadas “dez operadoras que atuam em São Paulo e comercializam planos individuais para pessoas físicas: Amil, Ameplan, Bio Vida, Dix, Ecole, Golden Cross, Trasmontano, Santamália, São Cristóvão e Universal”.

Nesta pesquisa, foi constatado que 100% (cem por cento) destas operadoras praticam condutas abusivas em algumas modalidades de exclusão ou limitação de cobertura, como no caso de atendimento de urgência, cobertura de transplantes e tratamento de doenças psiquiátricas, como pode ser observado na ilustração abaixo:

Quadro 1 – Exclusão ou limitação de cobertura

Fonte: Revista do IDEC

Diante desse quadro problemático, torna-se essencial destacar algumas cláusulas abusivas mais comuns que os consumidores de planos de saúde podem enfrentar no dia-a-dia.

40 IDEC. Planos Excludentes. Revista do IDEC, São Paulo: IDEC, nº 173, fev. 2013, pp. 22-25.

Disponível em http://www.idec.org.br/uploads/revistas_materias/pdfs/173-pesquisa-planos-saude1.pdf. Acesso em: 15.09.2017.

(28)

A primeira delas é a limitação de prazo de internação. Esta prática era muito comum nos contratos de plano de saúde e representa verdadeira afronta ao princípio da boa-fé objetiva e equilíbrio contratual, pois o consumidor deve poder permanecer internado o tempo necessário até sua convalidação, uma vez que não pode prever o prazo de sua recuperação, que na realidade depende de muitos fatores. O entendimento da impossibilidade da previsão do tempo de cura do paciente aliada à irrazoabilidade da suspensão do tratamento vital ao enfermo prevaleceu dentre os julgados, tendo o STJ, inclusive editado a Súmula nº 302, nos seguintes termos: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Outra prática considerada abusiva é a exclusão de cobertura de próteses, órteses, e materiais diretamente relacionados ao procedimento cirúrgico a que o consumidor é submetido. Quando se trata de um procedimento essencial para o êxito de um tratamento clínico ou cirúrgico coberto, e não com fins meramente estéticos, é proibido haver negativa quanto a esses materiais. Assim, é abusiva a cláusula que exclui a colocação de próteses, órteses e outros materiais, em procedimento coberto pelo plano de saúde, quando decorrente de ato cirúrgico indispensável ao reestabelecimento da saúde do segurado. Cabe trazer julgados do STJ que coadunam com esse entendimento:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. EXCLUSÃO DE COBERTURA RELATIVA A STENT. ABUSIVIDADE. DANO MORAL.

- É nula a cláusula contratual que exclua da cobertura órteses, próteses e

materiais diretamente ligados ao procedimento cirúrgico a que se submete o consumidor.

- Embora o mero inadimplemento contratual não seja causa para ocorrência de danos morais, é reconhecido o direito à compensação dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.

- Recurso especial provido41.

(grifo meu)

(DJe 28.06.2013)

41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi – REsp nº

1364775/MG. Data de Julgamento 20.06.2013. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em: 15.09.2017.

(29)

RECURSO ESPECIAL - PLANO DE SAÚDE - EXCLUSÃO DA COBERTURA O CUSTEIO OU O RESSARCIMENTO DE IMPLANTAÇÃO DE PRÓTESE IMPORTADA IMPRESCINDÍVEL PARA O ÊXITO DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA COBERTA PELO PLANO - INADMISSILIDADE - ABUSIVIDADE MANIFESTA DA CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITOS - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I - Ainda que se admita a possibilidade do contrato de plano de saúde conter cláusulas que limitem direitos do consumidor, desde que estas estejam redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, nos termos do § 4º do artigo 54 do CDC,

mostra-se abusiva a cláusula restritiva de direito que prevê o não custeio de prótese, imprescindível para o êxito do procedimento cirúrgico coberto pelo plano, sendo indiferente, para tanto, se referido material é ou não importado;

II - Recurso provido42.

(grifo meu)

(DJe 05.08.2008)

Em harmonia com a atual jurisprudência do STJ, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro editou a Súmula nº 112: “É nula, por abusiva, a cláusula que exclui de cobertura a órtese que integre, necessariamente, cirurgia ou procedimento coberto por plano ou seguro de saúde, tais como ‘stent’ e marcapasso".

A suspensão de atendimento por atraso de pagamento de parcela é outra conduta abusiva que deve ser comentada. Quando o consumidor se torna inadimplente de apenas uma única parcela, não pode o fornecedor puni-lo com a suspensão do atendimento, pois isso estaria violando a boa-fé e a razoabilidade. É nítida a desproporcionalidade da cláusula que suspende os efeitos do contrato de plano de saúde por não pagamento de uma única prestação mensal, como ficou demonstrado nos julgados abaixo:

CIVIL. SEGURO-SAÚDE. ATRASO NO PAGAMENTO DA PRESTAÇÃO MENSAL. A cláusula que suspende os efeitos do contrato de seguro-saúde pelo só atraso no pagamento de uma prestação mensal é abusiva. Recurso especial conhecido e provido43.

(DJe 24.03.2003)

PLANO DE SAÚDE. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA. SUSPENSÃO DE ATENDIMENTO. ATRASO DE ÚNICA PARCELA. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO.

I - É abusiva a cláusula prevista em contrato de plano-de-saúde que suspende o

atendimento em razão do atraso de pagamento de uma única parcela. Precedente da Terceira Turma. Na hipótese, a própria empresa seguradora

42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda– REsp nº

1046355/RJ. Data de Julgamento 15.05.2008. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em: 18.09.2017.

43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – REsp

nº 343698. Data de Julgamento: 05.12.2002. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em: 20.09.2017.

(30)

contribuiu para a mora pois, em razão de problemas internos, não enviou ao segurado o boleto para pagamento.

II - É ilegal, também, a estipulação que prevê a submissão do segurado a novo

período de carência, de duração equivalente ao prazo pelo qual perdurou a mora, após o adimplemento do débito em atraso.

III - Recusado atendimento pela seguradora de saúde em decorrência de cláusulas abusivas, quando o segurado encontrava-se em situação de urgência e extrema necessidade de cuidados médicos, é nítida a caracterização do dano moral. Recurso provido44.

(grifo meu)

(DJe 20.02.2006)

No julgado acima, é possível observar a menção de outra cláusula igualmente abusiva, a qual prevê no caso de mora do consumidor no pagamento de parcela, a necessidade de um novo prazo de carência. Nas palavras do Ministro Relator do caso, Castro Filho: “Igualmente, foge à proporcionalidade e fere a boa-fé, que devem nortear os contratos, a inclusão de cláusula que determina o cumprimento de novo período de carência, para restabelecimento do atendimento médico, em prazo equivalente ao número de dias em que perdurou a situação de mora. É inegável que estipulação de tal natureza gera vantagem exagerada à seguradora, em detrimento do segurado, e vai contra o objetivo dessa espécie de contrato e de seu princípio fundamental, que é a proteção contra eventuais moléstias45”.

Outra cláusula que merece destaque é a que prevê aumento de preço da mensalidade do plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do usuário, principalmente após os 60 (sessenta anos), que pode ser considerada como uma prática abusiva, já que o Estatuto do Idoso veda qualquer tipo de discriminação aos idosos. Sobre o tema, a Segunda Seção do STJ julgou o REsp 1.568.244/RJ e decidiu pela legitimidade dos reajustes de mensalidade dos planos apenas em algumas hipóteses específicas, isto é, desde que haja previsão contratual e que os percentuais sejam razoáveis, sob a justificativa de manter o equilíbrio financeiro-atuarial do contrato. Diante da pluralidade de recursos com fundamento em tese idêntica, o referido REsp foi submetido à sistemática de repetitivo, dando origem ao Tema 952,

44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, Rel. Min. Castro Filho – REsp nº 259263. Data

de Julgamento: 02.08.2005. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em: 25.09.2017.

45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, Voto do Rel. Min. Castro Filho – REsp nº

259263. Data de Julgamento: 02.08.2005. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em: 25.09.2017.

(31)

que será explorado mais adiante. Segundo o Ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso em questão deve haver um ponto de equilíbrio, conforme explicado em seu voto: “Para a manutenção da higidez da saúde suplementar, deve-se sempre buscar um ponto de equilíbrio, sem onerar, por um lado, injustificadamente, os jovens e, por outro, os idosos, de forma a adequar, com equidade, a relação havida entre os riscos assistenciais e as mensalidades cobradas.”46

Outros exemplos de cláusulas abusivas podem ser destacados, tais como restrição ao custeio de procedimento de transplante, vedação de utilização de material importado quando inexistente similar nacional, rescisão unilateral do contrato pela seguradora, exclusão de tratamento de doenças infectocontagiosa, entre outras.

Essa série de cláusulas abusivas que podem ser encontradas em contratos de plano de saúde demonstra a necessidade de se realizar um tipo de controle sobre as mesmas, e neste trabalho optou-se por abordar o controle judicial.

2.4 O controle judicial das cláusulas abusivas

O Título III do Código de Defesa do Consumidor, denominado “Da defesa do Consumidor em Juízo” coaduna-se com um dos objetivos deste diploma legal: a efetividade do processo destinado à proteção do consumidor, com a facilitação de seu acesso à justiça47. Para isso, o Código atua em duas vertentes: nas ações individuais e ações coletivas. No que diz respeito ao primeiro grupo, o CDC opera por meio de diversas normas:

[...] como as que contemplam a possibilidade de determinação da competência pelo domicílio do consumidor autor (art. 101, I); a vedação da denunciação da lide e um novo tipo de chamamento ao processo, em determinadas hipóteses (arts. 88 e 101,II); a previsão de adequada e efetiva tutela jurisdicional por intermédio de toda e qualquer ação (art. 83); [...] a extensão subjetiva da coisa julgada apenas para beneficiar as pretensões individuais (art. 103) etc. Outras regras, situadas fora do Título, complementam esse reforço de tutela,

46 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – Resp

nº 1.568.244. Data de Julgamento 14.12.2016. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/> Acesso em 10.10.2017.

(32)

como ocorre, por exemplo, com a inversão, ope judicis, do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII) [...]48.

Já no que toca às ações coletivas, a Lei ampliou e especificou a tutela aos bens dos consumidores, indivisivelmente considerados, com a introdução dos interesses difusos, como conceituado no art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC, sendo estes os interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”, dos interesses coletivos, no inciso II, “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”. A legitimidade para agir não ensejou somente as demandas essencialmente coletivas, mas incluiu também a tutela coletiva dos interesses individuais ligados pela homogeneidade, isto é, pela origem comum, disposto no inciso III do mesmo artigo.

O dito diploma legal incluiu no rol de legitimados para agir em defesa da tutela coletiva entidades e órgãos da Administração Pública direta e indireta49. Dentre os legitimados, o Ministério Público é certamente o órgão mais bem aparelhado para promover a defesa do consumidor, em nível judicial50.

Insta salientar que o controle judicial realizado pelo Ministério Público pode ser abstrato, em que o parquet propõe ação requerendo a nulidade, de forma indiscriminada, da cláusula considerada abusiva, independentemente da existência de uma relação contratual concreta que se regule por essa cláusula. Pode-se dizer que a principal maneira de frear de forma abstrata o abuso das cláusulas elencadas pelo fornecedor é através da ação civil pública para a defesa dos direitos difusos ou coletivos, e também na defesa de direitos individuais homogêneos, descrita nos art. 91 a 100 do CDC. A decisão judicial, nesse caso, terá eficácia erga omnes, segundo

48 Ibid, p. 788.

49 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são

legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm Acesso: 15.10.2017.

50 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção jurídica do consumidor. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.

(33)

disposto no art. 103, inciso I, do Manual do Consumidor, pois tem como propósito uma tutela contratual coletiva.

Outro modo de controle judicial é o controle concreto, que conforme o CDC: “Art. 51, § 4º. É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”. Essa ação tem o objetivo de nulificar a cláusula considerada abusiva quando a relação contratual já tiver sido instaurada, sendo a decisão eficaz somente para as partes envolvidas.

Nota-se, portanto, que o Ministério Público tem uma atribuição importante diante de casos que envolvem direitos metaindividuais. É reflexo disso o lançamento, pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do site “Consumidor Vencedor”51, em que são reunidas as diversas vitórias obtidas na justiça estadual sobre ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta. Na página eletrônica, o consumidor pode filtrar a busca por Estado e por assunto, dentre os quais se destaca o tema abordado neste trabalho “Saúde – Plano de Saúde”, facilitando o acesso por muitos consumidores.

Conclui-se que as cláusulas abusivas podem ser combatidas através de ações individuais ou ações coletivas, que representam por sua vez um meio importante de defesa, merecendo destaque a ação civil pública. Diante da massificação das relações de consumo e da necessidade de promover o interesse dos direitos dos consumidores, a ordem jurídica admitiu que o acesso individual à Justiça fosse substituído por um processo único, um pleito de forma coletiva.

51 Consumidor Vencedor Ministério Público. Disponível em <https://consumidorvencedor.mp.br/>

(34)

CAPÍTULO III: AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS CLÁUSULAS

ABUSIVAS

O presente capítulo fornece uma descrição da evolução da tutela coletiva e das principais vantagens que este tipo de tutela pode trazer aos consumidores. Tal descrição é de extrema importância para a realização da análise da eficácia da ação civil pública no combate às cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde, através da delimitação do sentido de eficácia utilizada neste estudo e em quais circunstâncias ela será apreciada. Será comparado, ainda, a eficácia em relação às ações individuais.

3.1 Tutela Coletiva e o surgimento da ação civil pública

Deve ser dito que o direito processual coletivo nasceu em uma fase instrumentalista do processo, como designado por Cândido Rangel Dinamarco52, em que este representa um instrumento-meio para a concretização de justiça através da jurisdição. No Brasil, o acesso à justiça, elencado no art. 5º, XXXV da CRFB/88 está estritamente relacionado à defesa coletiva, esta a serviço daquele. A tutela coletiva de direitos busca promover os interesses de seus titulares, trazendo diversas vantagens para estes e para a própria administração da Justiça.

Historicamente falando, a tutela coletiva brasileira se inspirou em duas grandes correntes: a ação popular e a class action53. A primeira inspiração mencionada, a

chamada ação popular, existe desde Império Romano e possui o objetivo de proteger o interesse público, sendo os próprios cidadãos os legitimados ativos para promovê-la. A Lei nº 4717/65, que instituiu a referida ação no Brasil, hoje já está constitucionalmente garantida no art. 5º, LXXIII da Constituição da República.

52 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 5. Ed. São Paulo: Editora

Malheiros. 1996, p 23.

53 SCARTEZZINI, Ana Maria. Ação Civil Pública. In Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública, coord.

(35)

A segunda inspiração, a chamada class action de origem no direito anglo saxão, permite a uma coletividade se legitimar para oferecer uma ação em nome de seus membros. De acordo com Ada Pellegrini Grinover:

Adaptando os esquemas do Direito norte-americano a um sistema de civil law, sem olvidar – é claro – a realidade de nosso País, o legislador brasileiro inspirou-se nas class actions americanadas para criar, primeiro, as ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível. E o fez por intermédio da denominada Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985)54.

O Brasil, além de se inspirar nos dois institutos acima destacados, ainda instituiu outros mecanismos de tutela coletiva, inaugurados pela Carta Magna, como o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção.

A verdadeira revolução no sistema processual coletivo brasileiro, portanto, ocorreu com o advento da Lei 7347/85, conhecida como lei da ação civil pública, que recebeu status de ação constitucional, após a promulgação da CRFB/8855.

Sob o aspecto legal, entende-se que a ação civil pública é o instrumento processual que tem por escopo tutelar interesses não penais, trazendo como objeto de seu pedido a tutela jurisdicional de interesses coletivos lato sensu, ou seja, difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos56. Insta salientar, que sob o aspecto

doutrinário, a ação civil pública é a ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público57, diferente da ação coletiva que pode ser ajuizada por outros legitimados, como, por exemplo, as associações civis. Dessarte, a denominação ação civil pública, objeto do nosso estudo, serve para caracterizar uma ação que versa sobre a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos movida pelo parquet.

Por conseguinte, as espécies dos direitos metaindividuais devem ser analisadas para um melhor entendimento do assunto. Conforme a classificação do art. 81 do CDC, os direitos difusos são de natureza indivisível, comuns a toda uma

54 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al]. Op. Cit., p. 882.

55 BRASIL. Constituição (1988), art. 129. São funções institucionais do Ministério Público (...) III -

promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

56 LOUREIRO, Caio Márcio. Ação Civil Pública e o Acesso à Justiça. São Paulo: Editora Método, 2004,

p. 110.

57 MAZZILLI, Hugro Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor,

(36)

categoria de pessoas não determináveis que se encontram diante de uma mesma situação de fato. Já os direitos coletivos, também são de natureza indivisível, mas pertencem a um grupo determinável de pessoas, que se ligam entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Por fim, os individuais homogêneos, são aqueles direitos que por excelência são individuais, mas por uma origem comum são conectados58.

Logo, é notória a necessidade de criação de canais de tutelas dos direitos massificados, que tem como causa a massificação dos conflitos sociais59. A tutela coletiva de direitos ganha uma importância maior na configuração atual da sociedade, principalmente pela percepção de que existem direitos que fazem parte de toda comunidade, e pela inevitabilidade de instituir instrumentos processuais capazes de reparar lesões coletivas de direitos, evitando repetição de processos iguais e decisões contraditórias60.

3.2 Eficácia da ação civil pública e suas vantagens

O art. 1º da Lei 7.347/85 elenca diversos temas que podem ser veiculados mediante uma ação civil pública. Dentre eles, destaca-se o inciso II, que diz respeito ao consumidor, o que nos faz perceber que as cláusulas abusivas de contratos podem ser combatidas através desta ação.

Primeiramente, cabe comentar que a ação civil pública e a caracterização dos interesses transindividuais são de suma importância no contexto atual do sistema brasileiro, pois além de otimizar a quantidade de processos que entram no Judiciário, esta ação constitucional facilita a pacificação de jurisprudência, já que a tutela dos

58 BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., pgs.

385-389.

59 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito

processual (princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação). São Paulo: Editora Saraiva. 2003. p. 44.

60 BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Cláudia Lima. Op. Cit., p.

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