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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP BRUNA AMBRÓSIO CHIMENTI

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BRUNA AMBRÓSIO CHIMENTI

O

IDOSO,

A

HIPERVULNERABILIDADE

E

O

DIREITO

À

SAÚDE

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2015

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BRUNA AMBRÓSIO CHIMENTI

O

IDOSO,

A

HIPERVULNERABILIDADE

E

O

DIREITO

À

SAÚDE

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2015

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BANCA EXAMINADORA:

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“Até onde você vai na vida depende de ser terno com os jovens, compadecido com os idosos, simpático com os esforçados e tolerante com os fracos e fortes. Porque em algum momento da vida você vai descobrir que já foi tudo isso.”

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Agradeço aos meus pais por nunca terem poupado esforços a fim de garantir meus estudos. Espero, um dia, poder retribuir todo o investimento feito em mim.

Agradeço aos meus avós, João Dias Ambrósio, Joanna Neuza de Gregório Ambrósio, Armando Chimenti e Hermínia Chimenti, que me mostraram como é doce a velhice depois de uma vida de dedicação à família, amor ao próximo e trabalho duro. A vocês, que já não mais estão entre nós, agradeço por todo o precioso tempo de convivência e pelo carinho com que sempre me trataram.

À Professora Regina Villas Boas, que desde o primeiro dia no campus Monte

Alegra da PUC me recebeu com um sorriso no rosto e com a afetuosidade que é lhe é intrínseca e inconteste por todos que a conhecem. Obrigada pela paciência, pelo conhecimento transmitido, pela indicação bibliográfica maravilhosa e pela orientação em minha dissertação.

Aos Professores Claudio de Cicco, Vidal Serrano, Pedro Serrano, Dinorá Adelaide Musetti Grotti, Georges Abboud e Nelson Nery, pelos ensinamentos e debates nos créditos que cursei, sem os quais não poderia ter feito o presente trabalho. Agradeço, ainda, à Professora Clarissa D’Isep pela ajuda na elaboração do sumário do presente trabalho. Suas ideias metodológicas fizeram com que eu desse o pontapé inicial na minha escrita.

À Professora Nathaly Roque, pela oportunidade de monitoria em suas aulas de Direito Processual Civil na graduação e pelo apoio nos momentos de aflições e incertezas ao longo do último semestre do mestrado.

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O trabalho se constitui em uma análise sobre o tratamento conferido aos idosos pelas sociedades brasileiras e estrangeiras ao longo dos anos, demonstrando a posição de inferioridade e exclusão que sempre foi conferida a essa classe de pessoas.

Apresenta-se um estudo sobre as legislações pátria e internacional que garantem prerrogativas e direitos especiais ao idoso, reconhecido pela Constituição Federal de 1988 como vulnerável.

A Carta Magna, contudo, não tratou da difícil missão de conceituar o idoso, ficando a cargo da legislação infraconstitucional (Estatuto do Idoso) delimitar que idoso no Brasil é a pessoa que conta com idade igual ou maior a 60 anos.

O critério, apesar de objetivo e simples, mostra-se insatisfatório com o aumento da expectativa e com a qualidade de vida que muitas das pessoas com 60 anos contam nos dias atuais. Por isso, o estudo pretende apresentar soluções para essa problemática e analisar a viabilidade de mudança do critério para avaliar se uma pessoa é idosa ou não.

Ademais, versa este trabalho a respeito da vulnerabilidade do idoso e da possibilidade de situações em que ele será tratado como hipervulnerável no sistema.

Por fim, a terceira parte deste estudo trata da questão da saúde do idoso e como o Sistema Único de Saúde e a iniciativa privada (em especial as operadoras de plano de saúde) atuam na proteção dessa classe que, por regra, tem a saúde mais debilitada do que os demais cidadãos/usuários/consumidores.

A atuação do Poder Judiciário em matéria de saúde dos idosos e na concessão de medidas que visam a implementação de políticas públicas também é objeto de estudo no presente trabalho.

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This study analyzes the treatment granted to the elderly by the Brazilian and foreign legislation over the years and the need of special care due to the unprivileged position they occupy in the society.

The study shows the current Brazilian legislation that assures special and privileged rights to the elderly, once they were considered vulnerable by Brazilian Constitution of 1988.

In spite of recognizing the elderly vulnerable compared to other people, the Constitution does not define who is considered elderly. The federal laws (specially the Elderly Statute) determine that elderly is person that is older than sixty year.

The criterion adopted is very objective and simple. However it is not satisfactory since the life expectancy is growing and many people are no longer considered elderly at the age of 60 nowadays. The study presents alternatives to face this problem and analyzes the feasibility of changing the criterion to define whether someone is elderly or not, and therefore entitled to the benefits granted by the Brazilian legislation.

Besides, the study presents an analysis about the vulnerability of the elderly as set forth in the Brazilian Law and the possibility of treating the elderly as hyper vulnerable under certain circumstances.

The third section of the study discusses the healthcare provided to elderly by the Brazilian Unified Health System (SUS) and by the private initiative (especially health plan operators) and how the Brazilian Courts act in this regard.

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INTRODUÇÃO ... 12

PARTE I – O IDOSO TÍTULO I – O IDOSO NA HISTÓRIA CAPÍTULO 1 – O IDOSO NO CONTEXTO MUNDIAL ... 14

CAPÍTULO 2 – O IDOSO NO CENÁRIO NACIONAL ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 25

CAPÍTULO 3 – CONCEITO JURÍDICO DE IDOSO ... 29

CAPÍTULO 4 – O IDOSO EM NÚMEROS E OS IMPACTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS ... 38

TÍTULO II – A TUTELA LEGAL DO IDOSO CAPÍTULO 1 – A TUTELA ATUAL DO IDOSO NO BRASIL ... 44

1.1 O idoso e os princípios, direitos e garantias fundamentais ... 51

1.2 O idoso, a sociedade e a comunidade ... 54

1.3 O idoso e os direitos políticos ... 56

1.4 O idoso e o direito de prioridade ... 59

1.5 O idoso e o transporte gratuito ... 63

1.6 O idoso, o Ministério Público e a defensoria pública ... 64

1.7 A política nacional de direitos do idoso e o Conselho Nacional do Idoso (CNDI) ... 66

1.8 O idoso e o direito tributário ... 68

1.9 O idoso e o direito penal ... 69

1.10 O idoso e o direito do trabalho ... 72

1.11 O idoso e a seguridade social ... 73

1.11.1 Assistência Social ... 74

1.11.2 Previdência Social ... 76

1.12 O idoso e o direito civil ... 78

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CAPÍTULO 1 – PRINCÍPIO DA IGUALDADE, PREVISÃO CONSTITUCIONAL DE

DESEQUIPARAÇÃO DO IDOSO E IDOSO COMO MINORIA ... 87

CAPÍTULO 2 – CONCEITO DE VULNERABILIDADE, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O IDOSO ... 91

CAPÍTULO 3 – ESPÉCIES DE VULNERABILIDADE ... 98

3.1 Vulnerabilidade técnica ... 98

3.2 Vulnerabilidade jurídica ... 99

3.4 Vulnerabilidade econômica ... 100

3.6 Vulnerabilidade fática ... 101

3.7 Outras espécies de vulnerabilidade ... 102

TÍTULO II – HIPERVULNERABILIDADE CAPÍTULO 1 – CONCEITO E RECONHECIMENTO PELA LEI, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA ... 104

CAPÍTULO 2 – O IDOSO COMO HIPERVULNERÁVEL ... 117

PARTE III – A TUTELA DA SAÚDE DOS IDOSOS TÍTULO I – O DIREITO À SAÚDE E O PAPEL DA FAMÍLIA CAPÍTULO 1 – SAÚDE E DIREITO À VIDA DO IDOSO ... 124

CAPÍTULO 2 – A FAMÍLIA E O ABANDONO AFETIVO DO IDOSO ... 130

TÍTULO II – OS MEIOS PARA OBTENÇÃO DA SAÚDE ... 137

CAPÍTULO 1 – O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E O IDOSO ... 137

1.1 A saúde dos idosos e a vigilância sanitária ... 140

1.2 O fornecimento de medicamentos aos idosos ... 140

1.3 O medicare ... 142

1.4 Da carta de direitos dos usuários da saúde e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ... 143

(11)

3.2 O aumento de contribuição em razão da idade ... 169

3.3 Home care e os idosos ... 173

CONCLUSÃO ... 177

(12)

INTRODUÇÃO

A quantidade de idosos no Brasil e no mundo vem aumentando em razão da maior expectativa de vida. Em razão desse aumento, surgiu uma preocupação nas últimas décadas, e que ainda assombra a sociedade, que é justamente como atender a essa classe de pessoas, que é frágil, que precisa de assistência e proteção, fato muitas vezes ignorado pela sociedade e, em alguns casos, pela própria família.

Os idosos, além de carregarem nossa história e serem a razão de nosso presente, contribuíram para a formação do cenário mundial atual e para a garantia de todos os direitos hoje existentes. As lutas dos nossos antecessores nos permitiram chegar aonde estamos, com os direitos, garantias e conteúdo democrático que temos à nossa disposição. Foram duras penas e grandes sacrifícios, citando como exemplo, apenas no último século, as duas grandes guerras.

Os idosos ainda são menosprezados por parcela da sociedade, ante o argumento de que seriam um fardo, pois não mais servem como mão de obra nem como reprodutores. Entretanto, não se pode perder de vista tudo o que já fizeram, todo o legado deixado e todos os esforços envidados muitas vezes para deixar a família em boas condições depois de sua morte.

Além desse fator histórico e do “fator heroico”, os quais já seriam suficientes para justificar a proteção do idoso na sociedade, um fator pessoal pode ser citado: com um pouco de sorte e com os avanços da medicina, todos nós podemos no futuro estar enquadrados nesse grupo de pessoas que demandará proteção especial. Seremos o idoso do amanhã, e isso já torna o tema de interesse de todos. Dificilmente alguém se oporia à proteção do idoso ao olhar a questão por esse prisma.

(13)

O U.S. Census Bureau, entidade norte-americana que realiza pesquisas no país, projetou que em 2050 um a cada cinco americanos terá mais de 65 anos. Outra pesquisa, esta apresentada pela revista National Geographic, aponta que a vida humana

pode chegar a cento e vinte anos em um futuro não muito distante.1

Tudo isso nos mostra que a preocupação com o tema do idoso, ainda que não seja por um fator humanístico, deve estar presente na sociedade, em especial por parte das autoridades que irão garantir a proteção e os mecanismos de cuidado a eles, atentando-se para os custos envolvidos na tutela desse grupo e as formas para garantir acesso ao mínimo vital a todos nessa fase da vida.

O presente trabalho trará um histórico sobre o tratamento concedido ao idoso, desde os primórdios da humanidade, e os mecanismos de proteção do idoso no Brasil e no mundo, bem como a proteção constitucional garantida pela Carta Magna de 1988 e as leis infraconstitucionais que regem o tema.

Ao final da primeira parte do trabalho, pretende-se trazer alternativas ao critério atualmente utilizado na conceituação do idoso, bem como os desafios atrelados à alteração do critério vigente.

Na segunda parte do trabalho, será apresentada a questão da vulnerabilidade do idoso e de determinadas categorias sociais para, depois de desenvolvido o conceito de hipervulnerável, debater o enquadramento do idoso nesse grupo de pessoas em todos ou alguns atos da vida em sociedade, analisando-se, para tanto, o posicionamento dos Tribunais Superiores sobre a matéria.

A última parte cuidará da questão da saúde e como o Poder Judiciário atua na proteção do direito à vida e demais direitos fundamentais do idoso, especificamente nas ações envolvendo o Sistema Único de Saúde (SUS) e a iniciativa privada no que concerne aos contratos de planos de saúde.

1 Disponível em: <http://setorsaude.com.br/expectativa-de-vida-pode-chegar-a-120-anos-em-2050>.

(14)

PARTE I – O IDOSO

TÍTULO I – O

IDOSO

NA

HISTÓRIA

CAPÍTULO 1 – O IDOSO NO CONTEXTO MUNDIAL

As Leis de Manu são tidas como a primeira organização geral da sociedade sobre motivação religiosa e política.2 Criado por Manusrti, considerado o mais antigo

legislador do mundo, esse Código é o livro mais sagrado para o Hinduísmo, e os estudiosos acreditam que sua elaboração ocorreu entre os anos 1300 a 800 a.C.Estudos indicam que originalmente o Código era composto por mais de cem mil dísticos (grupo de dois versos), e que depois de vários cortes e manipulações ao longo dos anos, nas edições hoje conhecidas, constam 2.685 dísticos distribuídos em 12 livros.

A referida norma vedava que um “velho” pudesse servir de testemunha como meio de prova3 e também preconizava que todo contrato feito por um velho era “de

nenhum efeito”.4

Em que pesem os dois dispositivos discriminatórios trazidos supra, via-se na

norma um aspecto solidário no artigo 309 do Código de Manu, segundo o qual “o rei que deseja o bem de sua alma deve perdoar constantemente os queixosos, as crianças, os velhos e os enfermos que atiram contra ele alegações ou calúnias”.

2 Disponível em: <http://www.fdcl.com.br/revista/site/download/fdcl_athenas_ano3_vol2_2014_

artigo6.pdf>. Acesso em: 14 maio 2015.

3 Artigo 51. Não se pode tomar por testemunha nem o rei, nem um artista de baixa classe, como um

cozinheiro, nem um ator, nem um hábil teólogo, nem um estudante, nem um ascético afastado de todas as relações mundanas.

Artigo 52. Nem um homem inteiramente dependente, nem um homem mal afamado, nem o que exerce um ofício cruel, nem o que se entrega a ocupações proibidas, nem um velho, nem uma criança, nem um homem só, nem um homem pertencente a uma classe misturada, nem aquele cujos órgãos estão enfraquecidos.

4 “Todo contrato feito por uma pessoa ébria ou louca ou doente, ou inteiramente dependente, por um

(15)

Não há nessa norma uma definição do que seria idoso, mas pode-se perceber que era alguém dotado de pouca credibilidade perante a sociedade e tido como fraco perante os demais.

Nas sociedades primitivas,5 as pessoas com mais idade possuíam melhores

condições de sobreviver nas sociedades ricas e sedentárias, pois, nas sociedades nômades, aqueles que não conseguiam acompanhar o grupo eram deixados para trás. Além disso, entregar os idosos como sacrifício aos deuses era bem visto pelos filhos, dado que retirava de si um fardo e concedia dádiva aos deuses quando do sacrifício dos mais velhos.6 Observa Zeno Simm7 que nessas sociedades existia um direito

carismático, revelado pelos deuses por meio dos profetas. Não havia normas escritas.

As sociedades da Antiguidade viam a velhice como dignificante; ser velho era sinônimo de ser sábio. Os anciões possuíam um papel de intensa atuação nos destinos políticos dos grupos sociais e na tomada de decisões importantes.

O antropólogo Leo Simmons8 analisou a situação das pessoas de idade

avançada em mais de setenta sociedades indígenas. Considerando o conjunto dos grupos estudados, segundo o autor, todos os idosos visavam prolongar a vida, de forma digna e sem sofrimento, obter ajuda dos demais para sua sobrevivência, conquistar respeito e continuar influindo nas decisões políticas da comunidade. Assinala, ainda, que em todas elas existia a ideia de que os jovens queriam que os anciãos morressem. “Mais que isso, existem rituais por meio dos quais a sociedade adulta os separa radicalmente da convivência nas aldeias, quase sempre os abandonando em cavernas ou outros lugares distantes do convívio de seu povo.”9

5 Exemplificadas por intermédio dos incas, miaos, tivs, zandes etc. (SIMM, Zeno. Os direitos fundamentais e a seguridade social. São Paulo: LTr, 2005).

6 BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 114.

7 SIMM, Zeno. Os direitos fundamentais e a seguridade social. São Paulo: LTr, 2005.

8 SIMMONS, L. W. The Role of the Aged in Primitive Society. New Heaven: Yale University Press,

1945.

9 Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/d2frp/pdf/minayo-9788575413043.pdf>. Acesso

(16)

Relatos egípcios, datados de 2500 a.C., mostram as dificuldades que acompanhavam a idade,10 que era vista como um flagelo e declínio pelos homens.

Alguns hieróglifos encontrados na região demonstram a preocupação em assistir pessoas idosas.11

Na antiga China, todos deviam respeito aos idosos, e o quinquagésimo aniversário de um homem era uma data especial. Para o filósofo Lao-Tzy (604-531 a.C), a velhice é um momento supremo, de alcance espiritual máximo.12 Aos setenta anos, o

homem chinês, segundo a tradição, abandonava suas funções e se dirigia para a morte, tornando-se santo pelo simples fato de ter atingido essa idade (dada a raridade de se chegar a esse patamar).13 Verifica-se um respeito, uma piedade filial, que também era

vista no Japão, pois, segundo a tradição nipônica, a assistência dos filhos aos pais é o primeiro dever do homem.14

O povo judeu respeitava a velhice, e, conforme se extrai dos relatos bíblicos, os ancestrais eram vistos como porta-vozes de Deus.15 A Bíblia traz, ainda, a previsão

de honrar pai e mãe, traduzida como forma de respeito aos mais velhos. Do mesmo

10 “Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua visão cansa, seus ouvidos

tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca se torna silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até recentemente causavam prazer só se realizam com dificuldade, o sentido do paladar desaparece. A velhice é o pior dos infortúnios que pode afligir um homem. O nariz entope e não se pode mais sentir nenhum odor” (BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 114).

11 FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p.

30

12 Disponível em: <http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1051/pdf>.

Acesso em: 8 set. 2015.

13 DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte:

Arraes, 2011. p. 8

Confúcio, filósofo que viveu entre 551 e 479 a.C, acreditava que a autoridade da velhice é justificada pela aquisição da sabedoria, pregando que aos 60 anos o ser humano compreende, sem necessidade de refletir, tudo o que ouve; ao completar 70 anos, pode seguir os desejos do seu coração sem transgredir regra nenhuma, e que a sua maior ambição era que os idosos pudessem viver em paz e, principalmente, que os mais jovens amassem esses seres (Disponível em: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1051/pdf. Acesso em: 8 set. 2015).

14 FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p.

31

(17)

modo, Maomé recomendava a seus seguidores que procedessem bem com seu pai e mãe.16

No que tange à cultura grega, interessante observar a história de Títono, um personagem da mitologia grega que conseguiu a imortalidade, mas se esqueceu de pedir que fosse acompanhada da eterna juventude. Tornou-se velho, solitário, miserável, encarquilhado e seco a tal ponto que os deuses, por misericórdia, transformaram-no em uma cigarra. A eternidade, sem juventude, nada seria.17

Platão e Aristóteles também escreveram sobre a velhice, mas divergiam quanto a algumas questões. Para Platão, deveria ser instituída uma gerontocracia (governo dos velhos), dado que os velhos seriam sagrados. Aristóteles, por seu turno, acreditava que o homem progredia até os 50 anos, e a partir daí o que se verificava era um declínio que prejudicaria o indivíduo. Para ele, a longa vida é um infortúnio, que torna as pessoas desconfiadas de tudo e imprudentes por não considerarem a opinião dos mais jovens. Seriam mesquinhos e geniosos por tudo o que passaram em suas vidas. Os velhos seriam pessoas que já cometeram mais erros que os jovens, o que, portanto, não lhes coloca em situação de superioridade. Aristóteles recriminava o poder dos idosos, contrariando o pensamento platônico.18

Na Lei das XII Tábuas (451-449 a.C.), que por alguns é considerada a mais importante manifestação do direito privado romano antigo, não há qualquer regulação da ordem pública da sociedade.19 O historiador da antiguidade clássica, Tito Lívio,

16 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da família.Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976.

“O Vedas, livro sagrado dos hindus, e o Avestra, dos persas, abrigam igualmente princípios destinados a prestigiar o indivíduo idoso, reconhecendo seu papel de sabedoria e equilíbrio. O Alcorão deixou para o mundo árabe, com reflexos para aqueles que imigraram e seus descendentes, um legado de proteção, carinho e apoio permanente ao pai e mãe que envelhecem” (FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p. 32).

17 Para maiores detalhes sobre os idosos na cultura grega, ver DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2011.

18 Disponível em: <http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1051/pdf>.

Acesso em: 8 set. 2015.

19 MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.

(18)

menciona que antes das Leis da XII Tábuas existia um costume (norma não escrita, portanto) de que aquele que matasse o pai ou a mãe era decapitado.20

Para o Direito Romano, os votos proferidos pelos mais velhos possuíam maior peso que o dos demais. Os idosos ocupavam a posição de conselheiros do governo e de magistrados que resolviam as controvérsias. O Senado romano (em latim Senatus) é a

mais remota assembleia política da Roma antiga, com origem nos Conselhos de Anciãos, daí a origem de seu nome, senex, que significa velho, idoso. A pessoa mais

velha de cada clã, o chamado pater familias, era o representante do povo no Senado e

poderia assumir o cargo a partir dos trinta e cinco anos, quando já era considerado “velho”.21

Já no seio familiar, segundo Fernanda Paula Diniz,

[...] o poder do velho no seio familiar é, praticamente, ilimitado. O pater familias tinha os mesmos direitos sobre as pessoas e as coisas. O filho que batia no pai era considerado um monstro (monstrum)

rejeitado do mundo e condenado à morte.22

A referida autora observa que, com a decadência do sistema oligárquico, o poder dos velhos diminuía e eles perdiam seu posto no governo para os militares, que eram homens jovens.

O Cristianismo, fundado nos conceitos bíblicos e nos Dez Mandamentos, buscou estabelecer o respeito aos mais velhos, principalmente no que constou do “Corpo de Direito Civil”, elaborado após ordem do imperador Flávio Justiniano. Do mesmo modo, o Código de Direito Canônico elaborado pela Igreja contou com tópicos voltados para o respeito ao envelhecimento.

20 É nessa época que Cícero escreveu o que se considera o primeiro tratado sobre a velhice, “De

Senectude” (FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p. 31).

21 Disponível em: <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&

cd=4&ved=0CC4QFjADahUKEwj3pY23hOjHAhVMGJAKHXktDXY&url=http%3A%2F%2Fnova historianet.blogspot.com%2F2009%2F01%2Froma-antiga.html&usg=AFQjCNEcL-opxg_z2L0qBaG _8qOPdiT5tw&bvm=bv.102022582,d.Y2I>. Acesso em: 8 set. 2015.

22 DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte:

(19)

Cleber Francisco Alves assevera a influência do cristianismo na propagação da ideia de que o homem foi criado à semelhança de Deus e que possui valor:

Se inicialmente nem sempre coincidiam os conceitos de ser humano e de pessoa – no sentido jurídico, quanto ente capaz de figurar como sujeito de direitos – a difusão do cristianismo no mundo ocidental, com suas premissas de igualdade e fraternidade entre os homens, baseada na ideia da dignidade própria do ser humano, estabeleceu novos horizontes nessa temática, atribuindo à personalidade a “base

metafísica” que lhe é peculiar”.23

O aumento da participação da Igreja na sociedade trouxe benefícios aos idosos. A obrigação da esmola (dízimo) e a criação de hospitais e asilos pela Igreja beneficiaram diretamente os idosos, apesar do fardo que representavam para o resto da sociedade.

No período em que prevalecia o Jusnaturalismo clássico,24 inaugurando o

direito moderno, o Direito era forma de expressar a “vontade de um poder legiferante soberano que regula as relações sociais com meios jurídicos”. O ser humano passa a ser visto como portador de direitos universais que antecedem a própria criação e existência do Estado (direitos originários, essenciais, fundamentais e absolutos). Diz-se que o precursor foi Hugo Grócio.25

Os direitos fundamentais foram desprezados pelas normas e autoridades da época, pois eram vistos como meio de limitação ao poder estatal. Somente no século

23 ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da

doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 112-113.

24 Importa aqui diferenciar o jusnaturalismo antigo, que nasce nas cidades-estados gregas e usa a

natureza como fonte de lei. Os direitos naturais eram permanentes, imutáveis e estáveis, originários do cosmos, e não da vontade humana. Nesse sentido: “Na visão aristotélica, o direito natural tem duas características: não se baseia nas opiniões humanas e em qualquer lugar tem a mesma força. Junto com o direito natural aparece o justo legal, direito positivo. É próprio desse direito provir da convenção humana, tendo como característica própria ser variável” (Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10785>. Acesso em: 21 maio 2015).

Já o jusnaturalismo clássico, que veio para romper com os paradigmas da filosofia escolástica teocrática medieval, tem como fundamento a existência de uma lei divina e sem falha, perfeita e imutável. Existe um direito natural racional, marcado pelas ideias do século XVI, com o avanço do capitalismo.

25 Disponível em:

(20)

XX foi possível entender que tais direitos protegiam o indivíduo não só do Estado, como também dos particulares e do poder econômico, e que sua expressa consagração era medida de urgência e de proteção da sociedade.

Nas sociedades que antecedem a emergência do Capitalismo é possível observar a importância dada às pessoas mais velhas. Competiam aos idosos as decisões, as lideranças, o aconselhamento mediante a grande experiência de vida. É possível notar, ainda hoje, tal cultura nos povos orientais, nas tribos indígenas e africanas. De acordo com essas culturas, os mais velhos são considerados e reverenciados pelos mais novos, resultado de uma educação milenar que prega o respeito.

O que se observou nos séculos seguintes foi uma enorme expansão econômica por meio do sistema feudal. Diante da ausência de força para o trabalho manual e para defesa do feudo com armas, muitos idosos acabaram sendo abandonados e terminavam a vida em estado de mendicância, situação que perdurou até o fim da Idade Média.

O renascimento da vida urbana é verificado a partir dos séculos XIII e XIV, retomando-se a preocupação com o idoso e com sua preparação para a morte, principalmente por meio da busca de salvação pela Igreja.

Foi na Holanda, no século XV, que surgiram as primeiras instituições para acolher idosos carentes ou enfermos, organizadas por empregadores e paróquias. A Irlanda adotou postura semelhante no século seguinte.26

O Capitalismo se desenvolveu a partir do século XVI, e os idosos, pelo que se observa das obras literárias da época, passam a ser vistos como pessoas repugnantes e objeto de ridicularização. A velhice, assim como a miséria, é um fardo para o capitalismo.27

A partir da Revolução Industrial, um novo modelo econômico foi se desenhando, e a importância da sabedoria do idoso foi sendo cada vez mais deixada de

26 FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p.

33

27 No século seguinte, as doenças, a falta de higiene e o crescimento populacional fizeram com que a

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lado em razão dos avanços tecnológicos e da busca incessante pelo enriquecimento. Ocorre uma inversão de valores, pois, ao invés da sabedoria, passa-se a julgar o homem pela sua capacidade de produção – muito mais próxima do jovem –, e ao idoso resta um lugar de exclusão e marginalização.

Apesar da existência de declarações mais antigas, é a partir da Declaração de Independência dos Estados Unidos e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, que o homem passa a ser o centro das ideias, marcando o início do Estado Moderno (conhecido como mínimo ou liberal), substituindo-se o Estado Absolutista pelo Estado Constitucionalista.

O liberalismo e o laissez-faire garantiam jornadas de trabalho desumanas,

ausência de restrição quanto à idade e condições para o trabalhador, inércia total por parte do Estado no que se refere à remuneração e tutela dos trabalhadores. Os idosos que não conseguiam acompanhar o ritmo de trabalho eram demitidos e ficavam na miséria.28

Os principais ideais do capitalismo industrial, quais sejam a autorregulação do mercado e a autonomia da vontade, regiam a vida em sociedade. Havia gritante antagonismo, dado que a total liberdade de mercado acabava por gerar a total submissão dos economicamente vulneráveis aos detentores do poder econômico:

Essa liberdade era puramente formal, partindo da ideia de plena igualdade entre os homens, enquanto que, na realidade, havia enormes abismos e desequilíbrios entre as classes sociais. A igualdade era também puramente formal, apenas na letra da lei, e não material, o que levou à dominação dos fracos pelos fortes, dos humildes pelos

poderosos, dos pobres pelos ricos.29

O cenário começa a mudar no século XIX, quando ocorre o grande boom

populacional mundial (de 187 milhões em 1790 para 300 milhões em 1870) , o que reflete também um aumento no número de idosos, que ganham relevância nas pautas de

28 “Com o advento da idade da máquina, [...] a jornada de trabalho, ocupando crianças, adultos e velhos

de ambos os sexos, era de quatorze a quinze horas” (FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p. 34).

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discussão. Começam a ser elaboradas leis para a proteção dessa classe, principalmente a partir do surgimento do Estado Social.30

É com o advento do Estado Social que o homem deixou de ser súdito e alcançou a posição de cidadão. O Estado precisava intervir para rebater a cruel realidade da classe operária daquela época, e foi justamente dessa aspiração de justiça da classe dominada, atrelada à intervenção estatal, que surgiram os direitos sociais. Seu berço, a Constituição francesa de 1848, apesar de não conceber o Estado francês como um Estado Social, previu alguns direitos, tais como instituições de previdência e de crédito, associações voluntárias, assistência às crianças abandonadas, doentes, idosos etc. Depois, as Constituições mexicana e alemã previram os primeiros direitos dos trabalhadores.

Percebe-se, portanto, que é com o Estado Social que surge a proteção ao idoso e a outras categorias sociais consideradas fracas e necessitadas de proteção estatal para sobreviverem em meio ao capitalismo e à sociedade moderna.

Antes do advento e da consolidação do Estado Social, o que se observa especificamente sobre o idoso – ressalvada a questão da cultura oriental na qual sempre houve um costume de piedade filial perante os pais, e a cultura indígena, segundo a qual os anciões são os curandeiros e pajés da tribo – é que ele representava um fardo para a sociedade, pois era improdutivo e mais depreciado do que o restante das pessoas.

Com o Estado Social, os idosos serão amparados juridicamente pelo Estado, com intuito de garantir-lhes situação de igualdade perante os demais.

A Inglaterra, no pós-Segunda Guerra Mundial, foi o primeiro país do mundo a formalizar programas de cuidados especiais em função do envelhecimento, garantindo

30 “O Estado Previdência foi uma ideia de lenta aceitação. Com o Chanceler Bismark (1889) se iniciou

na Alemanha o processo de aposentadoria [...]. Nascia uma revolução social, acompanhada pela Áustria (1906), Inglaterra (1908), [...] quando surgiram medidas estabelecendo a consciência prática da seguridade social” (FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira.

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tratamentos e benefícios aos soldados veteranos de guerra, desajustados e com envelhecimento precoce.31

O reconhecimento do Estado como Social, fenômeno visto na promulgação de muitas Constituições no último século,32 trouxe diversos avanços, especialmente no que

tange ao reconhecimento e concretização dos direitos fundamentais. A adoção do princípio da proporcionalidade, ponderação, e de tantos outros sinônimos utilizados nas normas, reforçou ainda mais a busca por justiça33 beneficiando diretamente os idosos e a

manutenção de dignidade a todos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), promulgada em 1948 e pautada na liberdade, igualdade e fraternidade, demonstrou a preocupação de colocar o homem a salvo de necessidades, bem como de garantir progresso social e melhores condições de vida.34 O Pacto Internacional sobre

Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966, foi uma espécie de complementação à Declaração anterior e ratificou a ideia de incindibilidade dos direitos e liberdade e dos direitos sociais.

A viabilidade de um Estado Social e dos direitos sociais em uma economia capitalista que preconiza o mercado, a competição e o lucro é um tema que causa polêmica, agravada pela situação do idoso, que é considerado socialmente improdutivo e sem função econômica.

31 FERNANDES, Flavio da Silva. As pessoas idosas na legislação brasileira. São Paulo: LTr, 1997. p.

35

32 Para citar algumas: França (1946), Espanha (1978), Itália (1947), Alemanha (Lei Fundamental de

Bonn – artigo 20.1).

33 “Os juristas do Estado social, quando interpretam a Constituição, são passionais fervorosos da justiça;

trazem o princípio da proporcionalidade na consciência, o princípio igualitário no coração e o princípio libertário na alma; querem a Constituição viva, a Constituição aberta, a Constituição real. Às avessas, pois, dos juristas do Estado Liberal, cuja preocupação suprema é a norma, a juridicidade, a forma, a pureza do mandamento legal com indiferença aos valores e portanto à legitimidade do ordenamento, do qual, não obstante, são também órgãos interpretativos” (BONAVIDES, Paulo.

Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros: 2009. p. 19).

34 “A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal

comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os

povos dos territórios sob sua jurisdição” (Disponível em:

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No século XX observa-se o envelhecimento da população, verificando-se ainda com frequência o abandono de pessoas idosas. Apesar da adoção de diversos mecanismos de proteção no mundo todo ao que se passou chamar de “minorias”, a discriminação do idoso e seu papel de fardo perante a família é uma realidade até os dias de hoje.

Apesar de a noção de equilíbrio ter surgido desde a Antiguidade e ser vista no conceito de justiça distributiva de Aristóteles e Platão, é somente com o advento do Estado Social que tal conceito terá uma concepção pragmática de justiça. O liberalismo e a autonomia da vontade têm sua força mitigada em prol dos fracos e oprimidos que serão tutelados pelo Estado.

Essa mudança no pensamento, que fez com que o Estado interviesse nas relações privadas desde o final do século XIX, ainda não atingiu o grau necessário (ou esperado) para garantir justiça e igualdade a todas as classes que necessitam de proteção. Apenas como exemplo, citamos os consumidores, que apenas foram amparados legislativamente em 1990, estando até então à mercê dos fornecedores no mercado de consumo e sem mecanismos para se defender dos abusos por eles praticados.

Vivemos um momento do Estado Privado Social (Solidarprivatrecht),

expressão utilizada por Hannes Rosler35 para identificar essa nova tendência de

valorização dos direitos humanos e dos papéis sociais e econômicos das pessoas físicas e jurídicas. O sistema privado se reconstrói para colocar os valores da Modernidade (liberdade, igualdade e fraternidade).

A tutela do idoso se insere nesse novo momento que vive o direito, em que os valores liberais do capitalismo convivem com os valores do Estado Social que busca garantir dignidade, tolerância, respeito e proteção pelo Estado e pelas leis.

35 ROSLER, Hannes. Europaisches Konsumentenvertragsrechet. Munich: Beck, 2004. p. 93 apud

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis.

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CAPÍTULO 2 – O IDOSO NO CENÁRIO NACIONAL ATÉ A

CONSTITUIÇÃO DE 1988

A consolidação da tutela ao idoso no Brasil ocorreu a passos lentos.36

No período colonial, em que a sociedade era dividida entre colonizadores e nativos, estes últimos seguiam sua tradição de respeito aos mais velhos, que geralmente ocupavam posição de comando nas tribos (caciques e pajés).

A partir do século XVI, com o início do tráfico negreiro no Brasil para a produção de cana-de-açúcar, viu-se o começo da escravidão no Brasil.

Não é preciso relembrar as condições precárias às quais eram submetidos os escravos e a dificuldade dos mesmos em chegar à velhice. Os escravos somente foram libertados do trabalho vitalício com a edição da Lei do Sexagenário, de 1885, que previa a libertação dos escravos que atingissem sessenta anos. Referida Lei, como uma forma de tutelar os escravos idosos, previa que eles continuariam na companhia dos seus ex-senhores, “que serão obrigados a alimentá-los, vesti-los e tratá-los em suas moléstias, usufruindo dos serviços compatíveis com as forças deles, salvo se preferirem obter em outra parte os meios de subsistência, e os Juízos de órfãos os julgarem capazes de fazer”.37

Como bem observou Fernanda Paula Diniz,38 a supracitada previsão legal era

risível. A uma, porque era raríssimo um escravo que atingisse essa idade, e a duas, porque os escravos sexagenários, para terem o que comer, eram obrigados a continuar trabalhando ou eram abandonados pelo senhor e acabavam na mendicância.

A garantia de direitos sociais no Brasil começa com a Constituição de 1824, ante a previsão de socorro público, instrução primária gratuita etc., sem, contudo mencionar expressamente o idoso. A Constituição de 1891, que implementou o governo

36 EFING, Antonio Carlos (Org.). Direitos dos idosos: tutela jurídica do idoso no Brasil. São Paulo: LTr,

2014.

37 Artigo 13 da Lei do Sexagenário, de 28.09.1885.

38 DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte:

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republicano e trouxe disposições relacionadas à organização do Estado, reconheceu a igualdade de todos perante a lei (artigo 72, § 2.º).

A Constituição de 1934 trouxe as bases sobre as quais seria criado o Estado Social de Direito no Brasil,39 constando já no preâmbulo da norma que o bem-estar

social e econômico deveria ser objetivo da Nação, disposição que até então não se via nas Constituições anteriores. Os direitos trabalhistas foram os mais contemplados, inclusive com a criação da Justiça do Trabalho. O repouso remunerado, as férias e a previsão de dissídios coletivos são alguns dos exemplos.40

Especificamente na proteção dos idosos, importa observar a criação da Previdência na Constituição de 1934, no capítulo que tratava da Ordem Econômica Nacional e Social. Determinou-se que a legislação do Trabalho deveria melhorar as condições do trabalhador, seguindo, entre os outros preceitos, a “instituição de

39 Artigo 5.º Compete privativamente à União:

[...]

XIX – legislar sobre: [...]

c) normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária e das estatísticas de interesse coletivo.

40 Artigo 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade

e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;

b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador;

c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei;

d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;

e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas;

g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

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previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice”.41

A Constituição de 1937, marcada por traços arbitrários e autoritários, não se preocupou com o idoso, salvo pela instituição de “seguros da velhice”, mencionados no artigo 137, “m”, os quais nunca foram regulamentandos. Já a Constituição de 1946 contemplou mais direitos, entre eles o repouso semanal remunerado, o direito de greve e a ampliação do direito à educação. A questão da Previdência foi modificada e foi removida a previsão de contribuição igualitária entre União, empregado e empregador.

O novel texto mencionava apenas “contribuição da União, do empregador e do empregado”.42

Curioso observar que, no que tange ao capítulo dedicado à família, a Constituição de 1946 nada refere sobre o idoso: “É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa”.

Dispôs a Constituição de 1946 sobre justiça social como princípio da ordem econômica, termo que até então não estava presente. Foi trazida a inovação da aposentadoria compulsória dos magistrados,43 tendo esta sido estendida aos

funcionários públicos em geral na Constituição de 1967.44

41 Artigo 121, § 1.º, h: instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador

e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.

42 Artigo 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos,

além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...]

XVI – previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte;

43 Artigo 95, § 1.º A aposentadoria será compulsória aos setenta anos de idade ou por invalidez

comprovada, e facultativa após trinta anos de serviço público, em todos esses casos com os vencimentos integrais.

§ 2.º Atendendo à natureza especial do serviço, a lei federal poderá reduzir os limites de idade e de tempo de serviço, nunca inferiores a sessenta e cinco e vinte e cinco anos, respectivamente, para a aposentadoria compulsória e a facultativa, com as vantagens do item I do art. 101.

44 Artigo 101. Os proventos da aposentadoria serão:

I – integrais, quando o funcionário:

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Em 1974, foi aprovada a Lei 6.179, a qual garantiu o amparo previdenciário para os maiores de 70 anos, delimitando para fins dessa Lei quem seria idoso, mas sem estabelecer uma regra geral para as demais situações da vida em sociedade.

Havia, portanto, uma omissão constitucional e infraconstitucional, salvo no que tange à previdência, sobre o idoso e sua tutela,45 o que somente foi sanado a partir

da Carta de 1988, garantindo-se a proteção ao idoso e afirmando seus direitos que há muito deveriam ter sido consagrados.

Conforme bem observou Paulo Roberto Barbosa Ramos,

[...] até antes da Constituição de 1988, as normas atinentes aos direitos fundamentais do homem eram meramente retóricas, na medida em que as próprias agências do Estado agiam no sentido de sua violação. O Estado valia mais do que o homem. Com a Constituição de 1988, o Estado é colocado no seu correto lugar, o de responsável pela criação das condições para que os homens possam desenvolver com dignidade as suas potencialidades. O Estado é o devedor e o homem o seu credor.46

Conforme será demonstrado no capítulo seguinte, apesar de a Constituição de 1988 reconhecer a necessidade de proteção ao idoso e lhe garantir alguns direitos específicos, não definiu o conceito de idoso, deixando-o a cargo da legislação infraconstitucional.

b) invalidar-se por acidente ocorrido em serviço, por moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei;

II – proporcionais ao tempo de serviço, quando o funcionário contar menos de trinta e cinco anos de serviço.

45 Artigo 1.º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para

o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2.º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que:

I – tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou

II – tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda

III – tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares.

46 RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Direito à velhice: a proteção constitucional do idoso. In:

WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os novos direitos no Brasil. São

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CAPÍTULO 3 – CONCEITO JURÍDICO DE IDOSO

Afinal, quem é o “idoso”?

À luz do Dicionário Michaelis,47 idoso é quem tem muitos anos. A origem do

vocábulo é do latim aetas, aetatis, substantivo feminino que corresponde à idade ou

espaço de tempo humano.48

Wladimir Novaes Martinez49 traz a necessidade de se analisar o conceito de

idoso sob cinco diferentes óticas: cronológica, psicobiótica, econômico-financeira, social e legal.

A definição feita segundo o critério cronológico é aquela que leva em conta a quantidade de anos vividos para a conceituação do idoso. Sem dúvida, trata-se de critério seguro e objetivo para delimitação do conceito.

De acordo com o critério psicobiótico (médico), idoso é aquele que atinge determinado déficit nas aptidões físicas e intelectuais. Como o conceito é amplamente subjetivo, sua utilização no mundo jurídico causaria insegurança jurídica e, eventualmente, desigualdade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1984, no relatório do Grupo de Especialistas sobre Epidemiologia e Envelhecimento considerou dois critérios para definir o idoso – o etário e o socioeconômico –, e a conclusão atingida foi de que é considerada idosa em países desenvolvidos a pessoa com mais de 65 anos; em países em desenvolvimento, idosas seriam as pessoas com mais de 60 anos.50

Pelo critério econômico-financeiro, de acordo com o autor supracitado, seriam idosos aqueles hipossuficientes financeiramente e com dependência da família ou do

47 Dicionário Michaelis. UOL, 2002.

48 VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do idoso comentado. Rio de Janeiro, Forense, 2011. p. 63.

49 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários ao Estatuto do Idoso. São Paulo: LTr, 2004. p. 18.

50 Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/viewFile/20802/pdf>.

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Estado para sobrevivência. Tal critério soa desarrazoado, uma vez que idoso não é um

status que se aufere pela condição financeira.

A conceituação de idoso segundo o critério social consideraria o ambiente em que vive a pessoa, se em casa de repouso, asilo ou ambiente familiar. A distinção seria a partir da necessidade e do desamparo de cada um.

O legislador pátrio, a partir de critérios tão vagos e genéricos, precisou definir o conceito jurídico de idoso. Importa observar, desde já, que o legislador constitucional não entrou nessa seara.

A Constituição Federal nada mencionou sobre o conceito de idoso, pois este é mutável com o tempo e, com acerto, não deve ser definido em uma Constituição.51

Em 1994, durante o período em que vinham sendo consagrados os chamados “novos direitos” (consumidor, criança e adolescente, meio ambiente, etc), foi promulgada a Lei 8.842/1994, que “dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI), cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências”.

O objetivo da PNI, conforme consta do artigo 1.º da norma, é garantir os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Para fins dessa lei, é idoso aquele que possui mais de 60 anos de idade.

O Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, manteve, para fins de conceito legal, o critério cronológico (etário) para definir quem é idoso, sedimentado já no artigo 1.º da referida norma: “Art. 1.ºÉ instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”.

Considera-se, portanto, no ordenamento jurídico pátrio idoso aquele que possui idade maior ou igual a 60 anos, em consonância com o disposto no Estatuto do Idoso (artigo 1.º) e na Política Nacional do Idoso (artigo 2.º).

51 “Em 1930 definiam-se como pessoas idosas aquelas que possuíam mais de 50 anos. Em 1945, o

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Damásio de Jesus observa que o legislador foi descuidado na redação do Estatuto, pois em alguns dispositivos penais (constantes no próprio Estatuto) consta que idoso é aquele com mais de 60 anos, ao passo que no artigo 1.º, menciona que idoso é aquele com “idade igual ou superior a 60 anos”. Isso traz um problema, dado que o termo inicial da “terceira idade” seria distinto nas situações penais e não penais e restaria uma contradição sobre se a pessoa já seria idosa no dia de seu aniversário.52

Adotar o critério cronológico traz o risco de serem colocadas na mesma vala pessoas com situações extremamente distintas. O envelhecimento é um processo biológico, psicológico, sociológico e cultural, e não está relacionado, na prática, exclusivamente, com a quantidade de anos vividos.

Assim, apesar de o critério adotado pelo legislador nacional ser objetivo53 e

trazer segurança jurídica à sociedade e principalmente ao idoso (que estará seguro de que, ao menos no dia seguinte ao do seu sexagenário aniversário, estará amparado pela legislação especial), resta certa desigualdade ao se colocarem na mesma vala todos os idosos, pois a velhice hoje pode representar um período de 40 anos e, em alguns casos, até mais.

Por isso, faz-se necessária uma análise do conceito estático e objetivo tal como adotado atualmente em face da realidade subjetiva e mutável. Explica-se.

O termo idoso está inevitavelmente associado ao conceito de envelhecer. Enquanto o conceito de idoso é estático, conforme supraexposto, o conceito de “envelhecer” é multidimensional e dinâmico.

52 Complementa o autor: “Se o sexagenário vier a ser vítima de homicídio doloso no dia seguinte ao de

seu aniversário, incidirá a causa de aumento de penado artigo 121, § 4.º, segunda parte, do Código Penal. Se, contudo, for ferido na data em que completa 60 anos, morrendo no dia posterior, quando já era maior de 60 anos, o autor não sofrerá a agravação da pena, uma vez que aplicada a teoria da atividade na questão do tempo do crime, não era maior de 60 anos no momento da agressão”. O que se observa é que o tema é relevante na esfera penal, já que dele depende a existência de crime ou agravação da pena.

53 Exceto no que tange à questão do dia do aniversário, justamente pelo conflito gerado pelo Estatuto no

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O Estatuto do Idoso dispõe que envelhecer é um direito personalíssimo, corolário do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.54

Envelhecer não significa apenas aumentar o número de anos vividos, mas também analisar os fenômenos biopsicossociais que são fundamentais para a percepção da idade.

Para Simone de Beauvoir, envelhecimento “tem uma dimensão existencial, como todas as situações humanas: modifica a relação do homem com o tempo, seu relacionamento com o mundo e com sua própria história”. Dessa forma deve-se interpretar o efeito biológico (psicológico) com o efeito sociocultural.55

O envelhecimento seria, então, multifacetado:

Envelhecimento biológico – o tempo de vida humana que o organismo sofre consideráveis mutações de declínio na sua força, disposição e aparência, as quais não incapacitam ou comprometem o processo vital. É o envelhecimento considerado natural, onde o organismo apresenta alterações funcionais, atribuídas ao envelhecimento, que são próprias do avançar dos anos. Já o envelhecimento patológico, a senescência, caracteriza-se por ser incapacitante, afetando diretamente a qualidade de vida do indivíduo. Envelhecimento psicológico – diz respeito aos aspectos cognitivos e às emoções, que estão diretamente relacionadas com as questões sociais, com o contexto socioambiental em que o indivíduo está inserido.

Envelhecimento social – é a dimensão construída pela sociedade. Nas sociedades antigas, em geral, ser velho conferia uma posição dignificante e todos que atingiam essa etapa eram acatados como sábios. Nas sociedades contemporâneas, na sua maioria, ser velho significa estar excluído de vários lugares sociais. Um desses lugares é aquele relativo ao mundo do trabalho. A velhice está diretamente relacionada ao alijamento do mundo produtivo nas sociedades capitalistas contemporâneas, onde os aspectos negativos de improdutividade, decadência, devido à valorização da força de produção, criam barreiras para a participação do velho em diversas dimensões da vida social. A inadaptação do idoso aos padrões ideais estabelecidos pela sociedade, como a perda do papel profissional com a aposentadoria e a perda do papel na família como chefe de família e provedor, conduz ao isolamento, onde o idoso vai diminuindo seus

54 Não é conveniente nem apropriado atualmente falar em velho referindo-se aos idosos. “O Parabrisa,

jornal de São João da Boa Vista, poeticamente apresenta uma visão otimista, laudatória e interessante sobre as diferenças entre velho e idoso: o velho dorme, o idoso sonha; o velho já não ensina e o idoso aprende; o idoso exercita-se e o velho descansa; o idoso tem planos para o futuro, o velho, apenas saudade do passado” (MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários ao Estatuto do Idoso. São Paulo:

LTr, 2004. p. 18).

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contatos com o mundo em que vive, surgindo sentimentos de inutilidade e solidão, levando à depressão e muitas vezes à morte. Para exemplificar sobre o envelhecimento social, destacamos a reflexão de Mercadante (2002, p.64): “[...] o homem não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade, seu estatuto lhe é

imposto pela sociedade à qual pertence”.56

Envelhecer é algo cotidiano, implícito na vida de cada ser e coisa existente no mundo. As crianças envelhecem, os animais envelhecem, os objetos envelhecem. Não são idosos por envelhecerem, e essa é uma óbvia e importante observação para entender o conceito de idoso e a distinção com o conceito de envelhecer.

Nota-se, desde já, que existe uma diferença entre envelhecer e ser idoso. E questiona-se: quanto envelhecida tem de ser uma pessoa para que seja idosa? Apesar de a resposta pelo Estatuto do Idoso ser objetiva (60 anos), a realidade mostra que o envelhecimento pode ser mais rápido em algumas pessoas e mais devagar em outras, existindo “velhos” com menos de sessenta anos e “jovens” com mais sessenta anos.

Norberto Bobbio, em sua obra O tempo da memória, menciona a existência de

três tipos de velhice: a cronológica (levando em conta um patamar estabelecido, independentemente das condições pessoais de cada um), a burocrática (que trata do acesso e garantia aos benefícios concedidos em decorrência da velhice) e a subjetiva (de depende do âmago, do sentire de cada um).57

Bobbio propõe que o conceito de idoso deve englobar mais de um requisito, já que o critério cronológico é insatisfatório e muitas vezes injusto. Tal critério, isoladamente, não será suficiente para atender a classe dos idosos, que vem crescendo e que em um futuro não distante representará 20% da população mundial.58

Nos dias atuais, com o grande desenvolvimento das ciências em geral, pode-se definir de maneira mais técnica a velhice, que tem como maior característica a acentuada perda da capacidade de adaptação, diminuindo assim a vitalidade, contrapondo-se à maior vulnerabilidade de todas as funções do sujeito. Com tantos

56 Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410376_07_cap_02.pdf>.

Acesso em: 14 maio 2015.

57 BOBBIO, Norberto. O tempo da memória: da senectude e outros escritos autobiográficos. Rio de

Janeiro: Campos, 1997, p. 18.

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avanços na ciência e na medicina, a qualificação de uma pessoa como idosa dependeria, segundo Bobbio, de fatores mais complexos e completos do que o mero alcance de uma quantidade de anos.

Apesar de parecer correta, na teoria, a conceituação proposta por Bobbio, urge tratar do tema visando a realidade pátria. Importa demonstrar que o termo inicial para que uma pessoa seja considerada idosa em nosso país, que se dá aos sessenta anos, deve ser mantido, ao menos até que atinjamos melhores patamares de igualdade entre as pessoas.

Dada a dificuldade de analisar cada caso concreto, sustenta-se que, ao menos por agora, o critério etário e a idade escolhida pelo legislador infraconstitucional devem ser mantidos, até pelas condições tão discrepantes em nosso país de dimensão continental. Quando todos conseguirem chegar aos sexagenário com aspectos psicobiológicos que lhes retirem as características da velhice tal como lançadas supra,

poder-se-á rever o termo inicial do conceito de idoso.

Por enquanto, atingir 60 anos deve ser mantido como termo inicial da chamada “terceira idade” e com os benefícios e garantias (aquilo que Bobbio chamou de critério burocrático) concedidos a todos os que atingirem 60 anos, sendo incompatível com o ordenamento jurídico qualquer tentativa de alteração do termo inicial em detrimento do idoso.59

Isso porque, respeitado entendimento em contrário,60 entende-se que o Brasil

ainda não atingiu um patamar mínimo de segurança e saúde à população que permita a majoração do termo inicial da velhice para 65 anos, e muito menos para 70 anos, tal como propõem alguns doutrinadores do ramo da sociologia.

59 Os dados recentes do IBGE ainda mostram a gritante diferença de expectativa de vida por região em

nosso país, de modo que a lei não pode fechar os olhos para a parcela mais fraca e mais necessitada de

proteção da sociedade. (Disponível em:

<ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2014/SIS_2014.pdf>. Acesso em: 21 maio 2015).

60 Fernanda Paula Diniz coloca que, “No Brasil, essa mudança é medida de urgência, em razão do

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Indubitáveis o avanço na qualidade de vida e o aumento da expectativa de vida em nosso país, tema que será abordado em capítulo específico. Entretanto, enquanto essa não for uma realidade inconteste e vista em todo o País, a regra que prevê que idoso é aquele que atingir 60 anos de idade deve ser mantida em prol das pessoas, ainda que minorias, que em razão de fatores sociais, biológicos, psicológicos, econômicos e culturais não conseguiram chegar aos 60 anos como se espera na atual perspectiva mundial.

O Brasil deve acompanhar os avanços mundiais, mas ciente de sua posição e de seu atraso, ocasionado por fatores políticos, sociais e dimensionais, sem prejudicar a população como um todo, inclusive a parcela que ainda luta para chegar com vida aos 60 anos.61

Com o aumento da expectativa de vida, poder-se-á pensar em incluir na ciência jurídica o termo “quarta idade”, o qual já não é estranho aos sociólogos. Conforme já referido, colocar na mesma vala pessoas com 60 e com 100 anos não é razoável, e a lei haverá de tratar dessa distinção na medida em que a expectativa de vida aumentar.62

Faz-se necessária a adoção de critérios para separar as pessoas idosas, e, quando atingirmos uma maturidade social ainda não vislumbrada em nosso país (principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste), poder-se-á pensar em separação de direitos conforme a idade (critério burocrático mencionado por Bobbio).

A Organização Mundial da Saúde, em 1963, elaborou uma divisão etária segundo a qual as pessoas entre 60 e 74 anos seriam idosas; seriam anciãos aqueles entre 75 e 90 anos; a velhice extrema seria a partir dos 90 anos.

61 Não nos esqueçamos da situação de algumas cidades do Brasil, como no Estado do Amapá, em que

somente a capital possui saneamento básico, sendo que em todas as outras comarcas do Estado o esgoto corre a céu aberto, trazendo doenças e reduzindo a expectativa de vida de um Estado inteiro.

62 Alguns autores modernos defenderam, após estudos biológicos e gerontológicos, que a idade máxima

que o ser humano poderia viver seria em torno dos 115 anos. Entretanto, já se tem registro de uma mulher e um homem que viveram 122 e 115 anos respectivamente. Pessoas com 110 anos são uma realidade (ainda que rara) – são os chamados supercentenários (OTTONI, Maximo Alessandro Mendes. A trajetória das políticas de amparo ao idoso no Brasil. 2012. Dissertação (Mestrado em

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Não há dúvida de que a humanidade caminhará para o reconhecimento de uma quarta idade, ou ao menos da subdivisão dessa faixa etária que antes era vizinha da morte e hoje pode durar mais de 40 anos.

Entretanto, conforme já exposto, é necessário garantir que, antes de “elevarmos a barra”, tenhamos garantido que os sexagenários de nosso país estão atingindo essa idade em condições aptas a continuar trabalhando, a viver sem o benefício da aposentadoria e sem outras as prioridades que lhes são garantidas pela condição de idoso, tema que será abordado oportunamente.

Acredita-se que o primeiro passo para a mudança na concepção de idoso deveria ocorrer por meio do que Bobbio chamou de critério subjetivo. Antes de ser “elevada a barra etária” que marca o início da “terceira idade”, seria necessário que a pessoa com sessenta anos ou mais, que se sentisse idosa (daí o critério subjetivo), procurasse um órgão competente e se habilitasse para recebimento das garantias e benefícios que são devidos aos idosos (segundo o critério burocrático de Bobbio). A partir desse cadastro, a pessoa passa a fazer jus aos benefícios concedidos pela Lei àquele tratado por idoso.

Com a evolução, espera-se que cada vez menos os “jovens da terceira idade” requeressem tal benefício e, com isso, poder-se-ia pensar em “elevar a barra etária” ou alterar os benefícios e garantias baseados na faixa etária.

Repise-se que isso é medida que depende da evolução e melhoria da qualidade de vida em nosso país, e que, para podermos falar em novos benefícios a uma chamada “quarta idade” é necessário que a terceira idade esteja bem amparada e que os sexagenários em nosso país sejam, como maioria absoluta, aptos a deixarem a condição de idosos e dos benefícios previdenciários, trabalhistas e cívicos implícitos.

Envelhecer com qualidade e “elevar a barra” daqueles que serão tratados como idosos dependerá de outro conceito, o envelhecimento ativo, que, como bem observa Regina Vera Villas Bôas,

O conceito contemporâneo de “envelhecimento ativo”, que foi introduzido, em 2002, pela Organização Mundial da Saúde como

sendo um “processo de otimização das oportunidades para a saúde,

Referências

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