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Implantação de um projeto de recuperação ambiental em propriedades rurais com áreas de proteção permanente : uma complexa trajetória rumo à sustentabilidade

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Academic year: 2021

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VALDIR REINOLDO BÜNDCHEN

IMPLANTAÇÃO DE UM PROJETO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL EM PROPRIEDADES RURAIS COM ÁREAS DE PROTEÇÃO PERMANENTE

UMA COMPLEXA TRAJETÓRIA RUMO À SUSTENTABILIDADE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Desenvolvimento – nível Mestrado – da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, linha de pesquisa Desenvolvimento Local Sustentável, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento.

Orientadora: Profa Dra Sandra Beatriz Vicenci Fernandes

Ijuí 2011

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“Precisamos criar um novo pensamento, com uma nova visão, e com ele desenvolver uma nova cultura, o desenho de um novo homem preocupado com a natureza, com a justiça social e com a sustentabilidade; com noções claras do que seja cidadania”.

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AGRADECIMENTO

Preciso neste momento agradecer a Deus por me mostrar o caminho e ter me mantido na direção correta.

Agradecer à minha família, minha esposa Vania, as filhas Raquel, Graziela, Gisele, Patricia, Gabriela e Rafaela, que sempre acreditaram que a ideia deste projeto era importante e me deram a força para poder pô-lo em prática.

O meu muito obrigado à equipe que colaborou na elaboração dos dados e organização do trabalho, Eliane, Susana, Marcelo; as professoras da Fahor, Vonia e Patricia pela ajuda com o biograma; à família de Humberto Falcão, na pesquisa do solo; a Claudia, que colaborou na correção deste trabalho. Enfim, a todos que, de uma ou outra forma, precisam saber que somos gratos. A todos que nos ajudaram, meu muito obrigado. Sem vocês não teria sido possível.

De forma muito especial agradecer esta grande figura humana que é a minha orientadora, Sandra Vicenci Fernandes, que sempre me incentivou e orientou com sabedoria.

Embora “citar seja injusto. Enumerar é esquecer. Não quero esquecer ninguém de quem não me lembre” (Fernando Pessoa). Sei que ao nominar vou cometer uma heresia ao deixar de citar alguém, preciso pedir perdão por isso, mas em nenhum momento poderia deixar de ser grato.

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RESUMO

A questão da preservação ambiental e do uso consciente dos recursos naturais é, sem dúvida, o grande desafio da sociedade pós-contemporânea. A integração da sociedade civil, da iniciativa privada e do poder público, é a questão central para a geração de políticas sustentáveis. Nesse sentido, este trabalho se propõe a investigar, analisar e tentar compreender as ações do “Projeto Água Limpa”, e o comportamento dos diversos atores do capital social participantes na recuperação da água potável da bacia do Rio Pratos, desde sua nascente até a barragem que capta a água que abastece a cidade de Horizontina/RS. Para atingir esse objetivo, realizou-se uma investigação da história e da cultura dessa sociedade, desde a sua colonização, no sentido de compreender hábitos, valores e crenças. A partir disso, foi possível observar o conflito existente entre o proprietário que antes recebia a posse, a “Escritura Pública” de sua terra e usufruía do legítimo direito de uso de sua propriedade, e aquele que hoje, por força da legislação que regulamenta as Áreas de Preservação Permanente – APP’s, vê-se obrigado a isolar parte de sua área de terra. Para compreender o comportamento humano diante dessa nova e conflituosa realidade, foi necessário analisar a posição de cada um dos envolvidos diretamente na questão; os agricultores, cujas áreas fazem divisa com as APP’s, e o Ministério Público, o “guardião” das leis e dos interesses de toda sociedade. Assim, o grande desafio do presente trabalho foi conhecer a realidade dos diferentes atores do capital social, dialogar com as contradições constatadas e propor um conjunto de indicativos para cada um dos segmentos implicados no desafio em relação ao acesso, preservação e qualidade da água, um bem finito, e um direito de todos.

Palavras chaves:

Educação ambiental - recuperação ambiental - Áreas de Preservação Permanente - sustentabilidade socioambiental – qualidade dosrecursos hídricos

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ABSTRACT

Environment preservation and the conscious use of natural resources are, behind a doubt, the great challenge for the post-contemporary society. The integration of civil society, private sector and public power for sustainable policies is the main issue for the development of sustainable policies. In this sense, this research aims to investigate, analyze, and try to understand the “Clean Water Project” actions, and the behavior of all social capital actors participating on drinkable water recovery coming from the Pratos River, from its spring to the dam, that catches the water to supply the city of Horizontina/RS. In order to reach that goal, we developed an investigation of history and culture of this society since its pioneers to understand habits, values, and beliefs. It was possible to observe the existing conflict between the owner that, before, used to get his possession, “The Public Deed” of his land, and then enjoyed the legitimate right to use his property, and the owner that, today, under the law that regulates the Permanent Preservation Areas - APP, is forced to isolate part of its land area. In order to understand the human behavior before this new and conflicting reality, it was necessary to analyze the position of everyone of the actors directly involved in the issue; the farmers whose lands are sited next to the APP, and the State Public Prosecutor, the "guardian" of the laws and interests of all society. Therefore, the great challenge of this work was to know the reality of the different actors of the social capital, to dialog with the contradictions that were found and to propose a set of indicators for each of the sectors involved in the challenge regarding access, preservation and water quality, a finite resource and a right for everyone.

Keywords:

Environmental education – environmental remediation - Areas of permanent preservation – socioenvironmental sustainability – quality of water resources.

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LISTA DE ABREVIATURAS

APP’s – Áreas de Preservação Permanente CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica COMUDE – Conselho Municipal de Desenvolvimento CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente CORSAN - Companhia Rio-grandense de Abastecimento CQ – Controle de Qualidade

DEFAP – Departamento de Florestas e Áreas Protegidas DRH - Departamento de Recursos Hídricos

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing

FAHOR – Faculdade de Horizontina

FEMASUL – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental

FZB-RS - Fundação Zoobotânica do RS

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA – Instituto de Políticas Econômicas e Aplicadas MP – Ministério Público

PIB – Produto Interno Bruto PNB – Produto Nacional Bruto

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SEMA - Secretaria Estadual do Meio Ambiente

SISEPRA - Sistema Estadual de Proteção ao Meio Ambiente TAC – Termo de Ajustamento e Conduta

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 – Dimensão social - Indicador S1 – Idade ... 46 Figura 2: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador S2 - Grau de instrução ... 47 Figura 3: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador S3- Tempo de atividade na agricultura ... 47 Figura 4: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador S4 - Problemas de saúde ... 48 Figura 5: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador S5 - Tipo de imóvel e estado de conservação ... 49 Figura 6: Estado de conservação de uma das propriedades integrantes do projeto. Horizontina/RS, 2011. ... 49 Figura 7: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador S6 – Se pretende permanecer na propriedade ... 50 Figura 8: Biograma da dimensão social de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, integrantes de um projeto de recuperação ambiental, 2011. ... 51 Figura 9: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E1- Tipo de atividade ... 52 Figura 10: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E2 - Se utiliza mecanização ... 53 Figura 11: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E3 - Tipo de renda (aposentadoria ou propriedade) ... 54 Figura 12: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E4 - Renda ... 54 Figura 13: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E5 - Distribuição de terra ... 55 Figura 14: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador E6- Utilização de Crédito Rural... 56 Figura 15: Biograma da dimensão econômica de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, integrantes de um projeto de recuperação ambiental, 2011. ... 57 Figura 16: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A1- Área de preservação... 58 Figura 17: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A2- Instalação Sanitária ... 59

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Figura 18: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A3- Destino do lixo ... 60 Figura 19: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A4- Abastecimento de água ... 60 Figura 20: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A5- Prática de conservação do solo ... 61 Figura 21: Indicadores de sustentabilidade de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, 2011 - Indicador A6- Tipo de Adubação ... 62 Figura 22: Biograma da dimensão ambiental de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, integrantes de um projeto de recuperação ambiental, 2011. ... 63 Figura 23: Índice de desenvolvimento sustentável de propriedades agropecuárias do município de Horizontina/RS, integrantes do Projeto Água Limpa, 2011. ... 64 Figura 24: Fatores que concorrem para a redução da qualidade dos recursos hídricos do município de Horizontina/RS. 2011. ... 66 Figura 25: Imagem do Lajeado Pratos registrada no dia 20/08/2007. ... 68 Figura 26: Distribuição da radiação solar no território brasileiro. ... 69 Figura 27: Fatores que concorrem para a redução da qualidade da água nos Lajeados Prato e Guilherme. Horizontina, 2011. ... 71 Figura 28: Destino dos efluentes das empresas de Horizontina. Horizontina/RS, 2011. ... 77

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ... 16

1.1 DESENVOLVIMENTO E SUAS ABORDAGENS ... 17

1.2 SUSTENTABILIDADE: DIMENSÕES, ABORDAGENS E CONFLITOS ... 21

1.3 CAPITAL SOCIAL, CULTURA E DESENVOLVIMENTO ... 24

1.4 TEORIA DA COMPLEXIDADE ... 26

2 PROJETO ÁGUA LIMPA: CONTEXTUALIZAÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS ... 29

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA ... 29

2.2 O PROJETO ÁGUA LIMPA E SEUS PARCEIROS ... 34

2.3 INTERFACES ENTRE A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E AS AÇÕES DE UM PROJETO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL ... 36

2.4 ASPECTOS METODOLÓGICOS ... 41

3 DIAGNÓSTICO DA REALIDADE RURAL DOS AGRICULTORES AFETOS AO PROJETO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL – ÁGUA LIMPA ... 45

3.1 DIMENSÃO SOCIAL ... 45

3.2 DIMENSÃO ECONÔMICA ... 51

3.3 DIMENSÃO AMBIENTAL ... 57

3.4 SÍNTESE DA SITUAÇÃO DOS AGRICULTORES AFETOS AO PROJETO ÁGUA LIMPA ... 63

4 ASPECTOS AMBIENTAIS E QUALIDADE DA ÁGUA DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA ... 65

4.1 DIAGNÓSTICO DA QUALIDADE DA ÁGUA EM HORIZONTINA ... 70

4.2 PILARES DO PROJETO ÁGUA LIMPA ... 72

4.2.1 Pilar I: preservação das nascentes ... 72

4.2.2 Pilar II: conservação do solo... 74

4.2.3 Pilar III: combate à poluição ... 76

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 81 REFERÊNCIAS ... 87 ANEXOS ... 93

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INTRODUÇÃO

A água é uma necessidade básica para a sobrevivência da humanidade. Sem água com qualidade não há saúde, desenvolvimento sustentável e não existe vida. A realidade existente, de crenças, valores e cultura, embasados numa filosofia de exploração das riquezas naturais, somente poderia ser praticada por longo tempo, sem prejuízos à água, mantendo-se uma baixa densidade demográfica. Porém, o aumento populacional e a migração de pessoas do campo para as cidades, geraram o crescimento desordenado destas e uma enorme pressão sobre os serviços públicos quanto ao fornecimento de água potável, tratamento de esgoto e disposição adequada do lixo (que ocasiona poluição ambiental). Essa associação de fatores, bem como o desmatamento das margens dos rios e a erosão do solo, foram produzindo um assoreamento acelerado, comprometendo os mananciais de água, o que se configura um dos grandes desafios para a sustentabilidade.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010), dos 5.565 municípios brasileiros, 55% poderão ter abastecimento deficitário, em quantidade e/ou qualidade, ainda neste ano de 2011, em decorrência de problemas com a oferta de água do manancial (superficial e/ou subterrâneo).

Ainda segundo dados do IBGE Cidades (Censo 2010), de um total de 496 municípios que compõem o Estado do Rio Grande do Sul, 91% possuem menos de 50 mil habitantes e utilizam mananciais subterrâneos em proporções superiores à de mananciais superficiais. Destes, 59% são abastecidos exclusivamente por águas subterrâneas, 13% de forma mista (mananciais superficiais e subterrâneos) e o restante (28%), onde se inclui o município de Horizontina, são abastecidos por águas de superfície.

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A micro bacia do Lajeado Pratos localiza-se no município de Horizontina/RS e corresponde a uma extensão aproximada de 18,5 km da nascente, passando pela barragem da Corsan1, até a ponte que liga os municípios de Horizontina/RS e Tucunduva/RS. Nesse contexto, os principais problemas observados na micro bacia do Lajeado Pratos foram a ausência de mata ciliar nas margens do Lajeado, o que produz assoreamento do leito, além de ocasionar uma maior evapotranspiração da água em decorrência da ação direta do sol; descarte de efluentes, lixos domésticos e industriais nos leitos; e falta de proteção nas nascentes diminuindo a vazão do rio.

Sendo a água um bem comum, o Ministério Público tem buscado, com base na Lei 4.771/652, recuperar e garantir a qualidade dos mananciais de água potável do Lajeado Pratos para a cidade de Horizontina, com 14.569 habitantes na área urbana, segundo IBGE (Censo 2010), exigindo dos proprietários rurais o isolamento do uso de áreas localizadas a 30 metros das margens dos rios. Tal restrição, associada à necessidade de proteção das nascentes, caracteriza uma redução da área útil da propriedade e exige uma mudança na gestão, principalmente nas propriedades de menor tamanho, onde a redução da área pode implicar diminuição da renda.

Abordar um tema de tamanha complexidade e tentar observar o comportamento dos diversos atores do capital social3 em um projeto de recuperação ambiental em áreas de preservação permanente (APP’s) é algo desafiador, face aos interesses pessoais e coletivos envolvidos. De um lado, o Ministério Público, defensor dos bens e direitos da sociedade e, de outro, os agricultores, legítimos proprietários na defesa dos seus direitos e interesses pessoais. Como um terceiro elemento nesse contexto, tem-se o “Projeto Água Limpa”, da família Bündchen, que tem o propósito de integrar a sociedade civil, entidades públicas e privadas na organização de políticas públicas sustentáveis tendo como foco a solução do conflito e a preservação da água potável do Lajeado Pratos, desde sua nascente até a captação da água da cidade de Horizontina.

1 Companhia Rio-grandense de Saneamento.

2 Lei 4771/65, de 15 de setembro de 1965, que regulamenta o Código Florestal Brasileiro.

3 Capital social: É o processo e o instrumento de empoderamento do cidadão e que pode mudar as relações

pessoais e intercâmbios sociais que gerem mais redes de cooperação e solidariedade. Assim a elevação dos índices de capital social pode ter efeitos positivos pelo seu impacto na democracia e no desenvolvimento socioeconômico. As dimensões do conceito envolvem o plano individual, social e institucional: no plano individual desencadeia sentimento de confiança, reciprocidade, identidade cívica e previsibilidade; no plano social fortalece a cooperação sistêmica, coesão social, atitudes virtuosas e padrões valorativos e éticos no espaço público; e no plano institucional leva ao engajamento em associações voluntárias e na vida cívica, participação política e horizontalidade nas relações sociais e institucionais. (BAQUERO, 2001).

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Dessa forma, o presente estudo quer compreender, através de indicadores, a dinâmica do comportamento dos diversos atores do capital social na recuperação das APP’s, etapa de um projeto de recuperação ambiental que visa avançar na construção da dimensão socioambiental do desenvolvimento local.

A estrutura da presente dissertação compreende, além da introdução, um capítulo abordando os principais fundamentos teóricos que dão suporte a abordagem de um projeto de recuperação ambiental.

O segundo capítulo tem por objetivo historiar e contextualizar a emergência e trajetória do Projeto Água Limpa, enquanto o terceiro capítulo traça o perfil dos agricultores, principais atores, sobre os quais recai a necessidade de regularização da situação ambiental, nas áreas de preservação permanente e considera as dimensões social, ambiental e econômica.

A qualidade da água, um dos principais alvos do projeto, é abordada no quarto capítulo, a partir de um conjunto de dados do meio físico e considera também a proposição de de práticas que visam melhorar a qualidade dos recursos hídricos do município de Horizontina.

As considerações finais retomam e sintetizam os principais aspectos abordados ao longo da narrativa, justificando a necessidade de um olhar particular para situações de natureza tão complexa, como a que presente trabalho se propõe a analisar.

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1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

Fundamentar desenvolvimento e sustentabilidade, fazendo uma passagem de modelo, uma mudança na forma de pensar o desenvolvimento e a sustentabilidade, superando a ideia do extrativismo para uma política com foco no equilíbrio entre o usar e o preservar, constitui o objetivo a ser abordado.

Para entender a situação atual da economia no mundo é preciso fazer uma retrospectiva histórica sobre os fundamentos do desenvolvimento, onde as principais ideias nascem com o positivismo de Comte e o marxismo de Marx.

Para Comte (1798 /1857), filósofo francês fundador da sociologia e do positivismo, o positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises sociais e morais do final da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial, processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical.

O positivismo, segundo Comte, consiste na observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo, por meio da promoção do primado da experiência sensível, única capaz de produzir a partir dos dados concretos (positivos) a verdadeira ciência (na concepção positivista), sem qualquer atributo teológico ou metafísico, subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas o mundo físico ou material. Em sua obra Apelo aos

Conservadores (1855), Comte definiu a palavra “positivo” com sete acepções: real, útil,

certo, preciso, relativo, orgânico e simpático.

O positivismo defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro, nos remetendo a teoria da evolução de Darwin, ideia da qual faz parte a meritocracia.

Para Marx (1818/1883), intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, qualquer governo, sob qualquer forma, democrático ou ditatorial, estaria sempre voltado a cumprir os interesses gerais das classes dominantes. Por isso, há uma permanente contradição entre Estado e trabalho. Na visão de Marx, era preciso fazer a inversão da pirâmide social, isto é, concentrando o poder na maioria, os proletários, que seriam a única forma e força capaz de destruir a hegemonia da sociedade capitalista e construir uma nova sociedade sem classes, a comunista.

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Karl Marx foi o primeiro pensador econômico que criticou a dinâmica do modelo capitalista. Na sua obra O Capital, produção mais importante do autor, afirmou que o sistema capitalista representa a própria exploração do trabalhador por parte do dono dos meios de produção. Na disputa desigual entre capital e proletário, sempre o primeiro sai vencedor. Desse modo, o ordenado pago representa um pequeno percentual do resultado final do trabalho (mercadoria ou produto), então, a disparidade configura concretamente a chamada mais-valia, dando origem a uma lucratividade maior para o capitalista. Para o comunismo não há propriedade privada, não há patrão e empregado e não há Estado, o poder é exercido pelos trabalhadores.

Inicialmente é importante entender separadamente cada uma das ideias para depois tentar uni-las em um único conceito.

1.1 DESENVOLVIMENTO E SUAS ABORDAGENS

Entende-se por desenvolvimento um processo de mudança, inovação de novas forças produtivas e de instauração de novas relações de produção, de modo a promover um processo sustentável de crescimento econômico, que preserve a natureza (meio ambiente) e redistribua os frutos do crescimento a favor dos que se encontram marginalizados da produção social e da ação dos resultados da mesma.

Dentre as múltiplas concepções de desenvolvimento, Sen (2000) se notabilizou ao propor o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza, tirania e carência de oportunidade econômica.

Dentre as abordagens clássicas, uma primeira corrente de economistas de inspiração mais teórica (neoclássicos), que tem como um dos principais economistas Alfred Marshall, considera crescimento como sinônimo de desenvolvimento. O estado não deveria intervir nos assuntos de mercado e sim, deixar que ele fluísse livremente, praticando o chamado liberalismo econômico, apenas dando condições para que o mercado seguisse seu curso de forma natural.

Já uma segunda corrente clássica, voltada para realidade empírica, faz crítica aos capitalistas, e entende que o crescimento é condição indispensável para o desenvolvimento, mas não é condição suficiente. Os mercados tendem a encontrar um equilíbrio econômico a longo prazo, ajustando-se à determinada mudança no cenário econômico.

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O rigor de desenvolvimento econômico resume-se a uma conjuração de crescimento (expresso através do incremento de Produto Interno Bruto (PIB), Produto Nacional Bruto (PNB) ou da renda nacional per capita) com modernização tecnológica. Ele não só abrange o aspecto quantitativo, mas também o aspecto qualitativo, que é uma crescente complexidade da estrutura da economia, traduzindo-se no aumento da produtividade média do trabalho.

Quanto aos marxistas, sua percepção do desenvolvimento era de forma cíclica e com conflito distributivo, sendo o progresso técnico criador de períodos de prosperidade, enquanto as contradições internas do modo de produção provocavam crises periódicas cada vez mais prolongadas, exacerbando os conflitos sociais. Para Marx, o conflito distributivo ocorre entre os capitalistas e os trabalhadores detentores da força de trabalho. A acumulação de capital determina o ritmo do desenvolvimento, mas ela depende tanto dos lucros como de um impulso psicológico que leva a classe empresarial a investir. Contudo, o extraordinário crescimento das economias capitalistas, em um mundo cada vez mais globalizado, tem elevado os indicadores de desenvolvimento no conjunto dos países. Isso tenderia a mostrar que o socialismo não seria necessariamente um estágio do capitalismo, mas um substituto para ele, pelo menos enquanto não houvesse atingido o estado estacionário. A busca do lucro levou os indivíduos e as empresas a desenvolverem novos processos de produção e a abrirem novos mercados nas mais distantes regiões do planeta.

Sem crescimento econômico não há emprego, renda e desenvolvimento. Não há dignidade sem o ganho do sustento pessoal. Para haver desenvolvimento deve haver melhoria dos indicadores econômicos e sociais, que hoje envolvem também a questão da preservação do meio ambiente.

Para entender o conceito de desenvolvimento econômico com maior profundidade, é preciso ampliar o olhar para a melhoria das condições de vida da população, que, não necessariamente, cresce com a melhoria das condições econômicas, pobreza, desemprego, desigualdade, saúde, nutrição, educação e moradia. Um dos principais índices capazes de se aproximar da compreensão dos estágios de desenvolvimento humano e de condições de vida é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Trata-se de um indicador do nível de atendimento das necessidades humanas básicas, em uma determinada sociedade.

Para Sen (2000), o crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento. Este implica a expiação e a reparação de desigualdades existentes, criando uma conexão capaz de preencher o abismo civilizatório, sendo preciso criar um equilíbrio entre as minorias ricas modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta dos trabalhadores pobres. O autor defende

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que a economia e o crescimento econômico não são finalidades, mas meios que não podem nem devem escamotear questões decisivas a respeito da qualidade de vida dos indivíduos, da distribuição da renda e do uso que uma sociedade faz de sua riqueza.

Não existe uma definição universalmente aceita de desenvolvimento, entretanto, o conceito mais amplamente difundido tem como referência a comissão Brundtland, sendo descrito como um processo “capaz de atender às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas necessidades” (ONU, 1987), consolidando o conceito de desenvolvimento, aliado agora ao qualitativo “sustentável”, cuja principal motivação é a percepção dos limites ambientais frente à expansão do crescimento econômico.

Os problemas ambientais começaram a chamar a atenção da humanidade e merecer sua preocupação a partir de 1960. A humanidade passou a tomar consciência do fato de que as raízes dos problemas ambientais deveriam ser buscadas nas modalidades de desenvolvimento econômico e tecnológico, e de que não seria possível confrontá-los sem uma reflexão e uma ação sobre essas modalidades de desenvolvimento adotadas, somente após a década de 70. Isso a levou a repensar a sua forma de desenvolvimento essencialmente calcada na degradação ambiental e fez surgir uma abordagem de desenvolvimento sob uma nova ótica, conciliatória com a preservação ambiental. Assim, surge o desenvolvimento sustentável, o qual primeiramente tinha sido denominado como eco-desenvolvimento.

O desenvolvimento sustentável pode ser desdobrado em dois conceitos-chave: justiça social e natureza sistêmica (SACHS, 2004; CMMD, 1987). A justiça social se expressa na satisfação das necessidades e aspirações humanas, na distribuição de riquezas e de oportunidades para todos satisfazerem suas aspirações por uma vida melhor de forma justa e equitativa.

Sachs (2004) acrescenta que desenvolvimento que promove justiça social é aquele que provoca a igualdade e a inclusão social justa por meio do trabalho decente e da implementação de direitos básicos (educação, saúde, água potável, etc.) reduzindo e erradicando a pobreza. Já a natureza sistêmica do desenvolvimento sustentável está retratada na indivisibilidade das dimensões social, ambiental e econômica na promoção do desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento social só ocorre quando se estabelece políticas que aperfeiçoem a forma como os componentes de um conjunto interagem entre si com o meio externo. Entende- se como conjunto uma pequena comunidade rural, um centro urbano ou, inclusive, uma nação

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inteira. O desenvolvimento social consiste na evolução dos componentes da sociedade, capital humano e na maneira como estes se relacionam com o capital social. Para Franco (2002, p. 5), “todo desenvolvimento é desenvolvimento social”, e acrescenta que não há desenvolvimento sem que se altere tanto o capital social como o humano.

Criado em 1990, pelos economistas Amartya Sen e Mahbud ul Haq, o IDH vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para qualificaro desenvolvimento no seu relatório anual. O IDH é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” e para separar os países desenvolvidos (muito alto desenvolvimento humano), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo).

Um fator imprescindível para a operacionalização do conceito de desenvolvimento é a integração das decisões sociais, econômicas e ambientais por meio da utilização de indicadores que mensurem o desenvolvimento sustentável. Questão esta justificada pela compreensão de que o principal papel da mensuração da sustentabilidade é indicar o progresso ou retrocesso frente às suas metas a fim de informar e orientar as ações dos administradores e do público em geral (DELAI; TAKAHASHI, 2008).

O IDH é utilizado na publicação Desenvolvimento Humano: Informe 1990, e, segundo Gall (1990, p.5),

(...) nele se qualifica a condição humana e se classifica os países em função de seu êxito em remediar as necessidades humanas. (...) o resultado é um panorama novo e objetivo de como as vidas dos seres humanos se vêem enriquecidas ou empobrecidas em todo o mundo, tanto nos países ricos como nos países pobres.

Os indicadores sociais tiveram uma boa aceitação desde seu surgimento e estão inseridos no planejamento governamental da maioria dos países. A partir de 2010, o IDH combina três dimensões:

a) uma vida longa e saudável - expectativa de vida ao nascer;

b) acesso ao conhecimento - anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade;

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1.2 SUSTENTABILIDADE: DIMENSÕES, ABORDAGENS E CONFLITOS

O debate sobre sustentabilidade está marcado por uma diversidade muito grande de perspectivas epistemológicas e teóricas de abordagem, sendo considerada uma inovação discursiva emprestada às ciências biológicas (ACSELRAD, 2004). Nesta perspectiva, a noção de “sustentabilidade” da Biologia trata os sistemas vivos como um “capital/estoque” a reproduzir que gera um “excedente/fluxo” de biomassa, passível de ser apropriado para fins úteis sem comprometer a massa de “capital” originário. A transposição desse conceito para situações complexas como o desenvolvimento determina um entendimento, por vezes nebuloso, da sustentabilidade.

O autor atenta para o fato de que o debate sobre sustentabilidade tem se pautado predominantemente pelo recurso a categorizações socialmente vazias. Ou seja, as noções evocadas costumam não contemplar a diversidade social e as contradições que perpassam a sociedade quando está em jogo a legitimidade de diferentes modalidades de apropriação dos recursos do território. Os diagnósticos e as definições têm se situado no campo técnico, muitas vezes distantes da dinâmica da sociedade.

Dessa forma, é necessário concentrar esforços para trazer a discussão de sustentabilidade para o campo das relações sociais. Acselrad (2004) enfatiza que não há sentido falar de natureza sem sociedade, uma vez que a sociedade só existe em relação com a natureza. A sustentabilidade remete a relações entre a sociedade e a base material de sua reprodução. “Portanto, não se trata de uma sustentabilidade dos recursos e do meio ambiente, mas sim das formas sociais de apropriação e uso desses recursos e deste ambiente” (p. 4).

De todo modo, em que pese os múltiplos entendimentos do conceito, pode-se considerar que a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se mantenham no futuro. Seguindo o conceito de que tudo o que se faz no “planeta” impacta na natureza.

Entretanto, Veiga (2007) chama a atenção para o fato de que, na abordagem convencional sobre o crescimento econômico, a natureza jamais constituirá sério obstáculo à expansão. No longo prazo, os ecossistemas não oferecerão qualquer tipo de limite, seja como fontes de insumos, ou assimiladores de impactos. Os recursos naturais que se mostrarem limitantes ao processo produtivo, tendem a ser substituídos, graças a mudanças na combinação entre seus três fatores fundamentais: trabalho social, capital produzido e recursos

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naturais, tendo por pressuposto o otimismo no progresso científico tecnológico, responsável por introduzir inovações que substituam a eventual escassez, ou comprometimento, do terceiro fator, mediante inovações dos outros dois, ou de algum deles. Esta concepção tem sido denominada de “sustentabilidade fraca”.

No limite, o estoque de recursos naturais pode até ser exaurido, desde que esse declínio seja progressivamente contrabalançado por acréscimos proporcionais, ou mais do que proporcionais, dos outros dois fatores-chave – trabalho e capital produzido – muitas vezes agregados na expressão “capital reprodutível”. Importa aqui, garantir para as gerações futuras a capacidade de produzir. É uma visão na qual a idéia de desenvolvimento sustentável acaba sendo absorvida e reduzida a crescimento econômico (VEIGA, 2007).

Em oposição, a “sustentabilidade forte” fundamenta-se em essência na concepção de que o critério de justiça intergerações não deve ser a manutenção do capital total, mas, sim, sua parte não reprodutível, o “capital natural”. Dessa forma, os danos ambientais provocados por certas atividades deveriam, de alguma forma, ser compensados por outras. Capital natural e capital produzido não são substitutíveis e sim, complementares.

A problemática da sustentabilidade assume um papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram assumindo um caráter diretivo na evolução dos debates sobre seus rumos. Nesse contexto, o conceito de ecodesenvolvimento, difundido por Sachs (1993), caracteriza uma concepção alternativa de política de desenvolvimento explicitando sua fundamentação na consideração de cinco dimensões, de caráter indissociável: sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural, introduzindo um importante dimensionamento da sua complexidade.

A sustentabilidade econômica leva em conta a eficácia da gestão dos recursos naturais, caracterizada pela regularidade das movimentações de investimentos públicos e privados e pela produtividade e qualidade de produtos, aliada ao aperfeiçoamento das relações entre crescimento econômico, desenvolvimento social e manutenção dos recursos naturais; ou seja, um crescimento da economia geral que atenda às exigências sociais da geração de trabalho adequado e promova uma distribuição de renda mais justa.

A sustentabilidade social realça o papel dos indivíduos e da sociedade e está intimamente ligada à noção de bem-estar. Os princípios da sustentabilidade social clarificam o papel dos indivíduos e a organização da sociedade, tendo por objetivo a estabilidade social.

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A sustentabilidade ambiental está ligada à manutenção da capacidade de sustentação dos ecossistemas, ou seja, à capacidade desses de absorção e recomposição face às interferências humanas. Em outras palavras, o consumo dos recursos renováveis não pode exceder a taxa de reposição, o consumo de recursos não-renováveis não deve exceder a capacidade de desenvolvimento de outros que sejam renováveis e que a emissão de poluentes não pode ser maior à capacidade de transformação ou absorção por parte do planeta.

Provavelmente a maior virtude do ecodesenvolvimento seja que, além de incorporar definitivamente os aspectos ecológicos no plano teórico, enfatiza a necessidade de inverter a tendência autodestrutiva dos processos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza.

Levantar a bandeira da sustentabilidade do meio ambiente e promover nas comunidades rurais o pensamento de que essa é a única forma viável de manter suas atividades econômicas em condições de gerar riquezas por muito mais tempo e de forma continuada, são os desafios mais pungentes dos governos e das organizações ambientais dos tempos atuais. O aquecimento global e o desequilíbrio que provocam a aparição de pragas e de catástrofes climáticas passam, em parte, pelo desrespeito e más práticas em relação ao meio ambiente.

Preservação ambiental e desenvolvimento econômico têm se materializado, por excelência, um campo de conflitos. O principal equívoco frequentemente presente nos conflitos envolvendo o uso do ambiente é limitar-se ao dilema entre o social e ambiental, como se uma equação que conseguisse reduzir um pouco o crescimento para preservar um pouco mais o meio ambiente bastasse.

A mundialização da sociedade, no início do século XXI, desenvolve-se por meio de um processo de constituição de formas sociais marcadas pelos efeitos excludentes das políticas neoliberais. As populações mais diretamente atingidas pela globalização têm como traço comum as desigualdades de oportunidades de vida nas áreas de saúde, habitação, trabalho, educação, segurança e participação política.

Nesse contexto, os conflitos ganham novos contornos, passando a disseminar-se amplamente por toda a sociedade e configurando o que se chama de processo de dilaceramento da cidadania.

O conflito surge quando há a necessidade de escolha entre situações que podem ser consideradas incompatíveis, sendo a incompatibilidade social um fator gerador de conflito, mascaradas pelas desigualdades sociais. Todas as situações de conflito se mostram contrárias e perturbam a ação ou a tomada de decisão por parte da pessoa ou de grupos. As situações de

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conflito podem ser resultado da concorrência de respostas incompatíveis, ou seja, um choque de motivos, ou informações desencontradas.

A teoria do conflito é uma das principais correntes teóricas da sociologia que tem o positivismo na sua origem. A sociologia percorre diferentes caminhos para a explicação da realidade social. Essa teoria vê o mundo social segundo suas contradições, que se manisfestam em formas distintas de conflitos, sendo a “desigualdade” a força que move o conflito.

Uma orientação de conflito que saliente interesses comuns, busca o crescimento do poder em conjunto e define o conflito como um problema mútuo. Está mais propensa a ter um andamento construtivo do que uma orientação que enfatiza interesses antagônicos, busca maximizar as diferenças de poder e define o conflito em termos de ganhar ou perder.

A superação dos conflitos passa por reconhecer a necessidade de alteração dos estilos materiais do crescimento - e de consumo, para que se alcance a sustentabilidade. O que está em jogo é a contradição da qual começa a emergir, lenta e conflituosamente, o esboço daquilo que é mais importante no futuro da humanidade: uma nova relação entre natureza e cultura (VEIGA, 2007).

1.3 CAPITAL SOCIAL, CULTURA E DESENVOLVIMENTO

Para que exista sustentabilidade no desenvolvimento é básico que se deva ocupar-se com problemas sociais, tendo em vista que do seu cuidado, de sua equidade, depende a estabilidade política da sociedade. De acordo com Kliksberg (2001), o Banco Mundial considera quatro formas básicas de capital, que são: o capital natural, material constituído pela dotação de recursos naturais com o que conta um país, (solo) água, natureza; o capital

construído, gerado pelo ser humano, que inclui diversas formas de capital, como

infra-estrutura, bens de capital financeiro, capital intangível (marcas); o capital humano, determinado pelos graus de nutrição, saúde, educação de sua população e o capital social, de onde nascem as atitudes, os valores, da cultura, da visão, da cooperação, da integração dos diversos atores sociais, de uma comunidade que resulta na fortaleza do tecido social interno de uma sociedade.

Uma sociedade cuja cultura pratica e valoriza a confiança interpessoal é mais propícia a produzir o bem comum, a prosperar. A cooperação voluntária, assentada na

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confiança, por sua vez, só é possível em sociedades que convivem com regras de reciprocidade e com sistemas de participação cívica.

A confiança, componente básico do capital social, pode derivar, segundo Putnam (2003), de duas fontes: regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Na comunidade cívica o contrato que mantém a cooperação é um contrato moral. A sanção para quem não cumpre normalmente não é penal, mas de sua exclusão da rede de sociabilidade e de cooperação. O capital social esta definido por três fatores inter-relacionados quais sejam: confiança, normas e cadeias de reciprocidade.

Os diversos atores que compõem esta sociedade: pessoas, famílias, grupos, são todos componentes na construção do que o autor chama de capital social. O comportamento, as atitudes de cooperação e valores, tradições, visão da realidade, que são sua própria identidade é o que pode ser considerado como os aspectos culturais de uma sociedade.

O capital social pode ser visto como um fenômeno subjetivo composto de valores e atitudes que influenciam como pessoas se relacionam entre si. Inclui confiança, normas de reciprocidade, atitudes e valores que auxiliam as pessoas a transcender relações conflituosas e competitivas para conformar relações de cooperação. Constitui-se num sistema de comunicação que mantém as instituições em contato entre si e as vincula ao cidadão visando à produção do bem comum. O capital social precisa ser visto como uma ferramenta imprescindível para integrar, auxiliar a sociedade civil, a iniciativa privada e o governo, a resolverem problemas sociais relevantes.

Segundo Abramovay (2000), a noção de capital social permite entender a interdependência do agir dos indivíduos, cujos objetivos não são estabelecidos de maneira isolada e nem sempre têm caráter estritamente egoísta. Sendo assim, as estruturas sociais devem ser vistas como recursos, um ativo de capital de que os indivíduos podem dispor como um importante instrumento no processo de desenvolvimento.

A materialização de qualquer projeto remete à importância da compreensão do papel dos diferentes atores que estão implicados em um foco comum e do processo de cooperação de todos os envolvidos. O objetivo central da ação está na tentativa de alcançar a cooperação de todos os atores. Sem esta cooperação, dificilmente será possível criar as condições sociais e coletivas necessárias ao desenvolvimento sustentado (FLIGSTEIN, 2001).

De forma análoga, Baquero (2003) ensina que o capital social reside nas relações e não no indivíduo sozinho. É construído em coletividades institucionalizadas nos mais diversos segmentos sociais, universidades, corporações, governos, associações informais de pessoas,

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em que o conhecimento e as visões de mundo formam-se e são transferidas. É preciso reconhecer que desenvolvimento, produção de riquezas e crescimento não dependem apenas de recursos naturais, financeiros, científicos, uma vez que são basicamente as pessoas que constroem resultados, daí a capacitação humana ser fundamental para a construção dos resultados.

1.4 TEORIA DA COMPLEXIDADE

A multiplicidade de fatores que caracterizam as sociedades, combinados aos múltiplos processos de desenvolvimento, remetem à necessidade de formas de abordagem que superem o reducionismo frequentemente adotado para tratá-lo.

A complexidade e suas implicações são as bases do denominado pensamento

complexo de Edgar Morin, que vê o mundo como um todo indissociável e propõe uma

abordagem multidisciplinar e multireferefenciada para a construção do conhecimento. Contrapõe-se à causalidade linear por abordar os fenômenos como totalidade orgânica.

Segundo Morin,

em uma de suas abordagens, a complexidade (complexus: o que é tecido em conjunto) é um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Em outra abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal. Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem no caos, da ambiguidade, da incerteza. Daí a necessidade, para o conhecimento, de por ordem nos fenômenos ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambiguidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar. Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornar cega se eliminarem os outros caracteres do complexus; e efetivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos.(MORIN, 1990, p. 17-19).

Também segundo o mesmo autor,

complexidade, a primeira vista, é um fenômeno quantitativo, a extrema quantidade de interações e de interferências entre um número muito grande de unidades. Mas a complexidade não compreende apenas quantidades de unidade e interações que desafiam nossas possibilidades de cálculo: ela compreende também incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios. A complexidade num certo sentido sempre tem relação com acaso. Assim a complexidade coincide com uma parte de incertezas, seja proveniente dos limites de nosso entendimento, seja inscrito nos fenômenos. Mas a complexidade não se reduz á incerteza, é a incerteza no seio de sistemas ricamente organizados. Ela diz respeito a sistemas semi-aleatórios cuja ordem é inseparável dos acasos que os concernem. (Morin, 2005, p.35).

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A ideia de complexidade está muito mais presente no vocabulário corrente do que no vocabulário científico. Ela traz sempre uma conotação de conselho ao entendimento, uma observação de cuidado contra a clarificação, a simplificação, o reducionismo excessivo.

A nova necessidade de explicação para avaliação de resultados no mundo contemporâneo mobiliza o saber científico tradicional para a busca de resultados e dados estatísticos, que proporcionem o acúmulo de informações lógicas.

A ideia de que o mundo tecnológico e pragmático possa explicar e criar um conhecimento preciso e absoluto sem reconhecer os fatores históricos e culturais envolvidos, e sem a subjetividade do mundo emocional, significa, na essência, ignorá-lo.

Para Morin, o conhecimento depende do contexto, da globalidade, da multidimensionalidade: é biológico, psíquico, social e afetivo. A sociedade tem dimensões históricas, sociológicas, econômicas e religiosas. Especialidades que são estudadas de forma isolada, eliminando o observador como variável, levam a uma espécie de círculo vicioso capaz de aprisionar o pensamento.

Dessa forma, fica evidente a insuficiência da visão cartesiana para interpretar os fenômenos complexos da contemporaneidade. Descarte separou, de um lado o campo do sujeito, reservado à filosofia, à meditação interior, e, de outro lado, o campo do objeto em sua extensão, do conhecimento científico, da mensuração e da precisão. Ele separou cada vez mais a ciência da filosofia; ao fazê-lo criou um problema, porque a primeira cultura baseada na reflexão, não pode mais se alimentar nas fontes do saber objetivo. A segunda cultura, baseada na especialização do saber, não pôde refletir nem pensar por si própria.

A busca da verdade cartesiana sempre está atrelada a um “método”. Mas é preciso estar aberto ao novo conhecimento sem, no entanto, engessá-lo nesta sua busca. Antonio Machado (1875-1939), poeta espanhol, em verso diz “Caminante, son tus huelas el camino, y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar.”

Por isso, para Morin, em um processo transformador, para haver aprendizagem, não é possível excluir o erro: “O único conhecimento válido é o que se alimenta da incerteza, assim como o único pensamento que vive é o que se mantém na temperatura de sua própria destruição” (MORIN, 2002, p. 39).

Como se pode ousar rotular a capacidade final realizadora de qualquer ser humano, apenas com base em avaliações propostas pela análise lógica de testes formulados quanto a sua inteligência, quando estes quase poucas vezes conseguem prever resultado final como qualidade de vida desta pessoa.

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A relação antroposocial, segundo o princípio hologramático, é complexa, porque o todo está na parte, que está no todo. Desde a infância, a sociedade, enquanto todo entra no ser humano, inicialmente através das primeiras injunções familiares, a escola, a religião, a mídia. Estes fatos contribuem para formação da criança de hoje que será o adulto de amanhã. Para Freud, a essência da formação de crenças, valores e cultura, tem sua formação dos 0 aos 14 anos, algo próximo a 80% em cada indivíduo.

O princípio “a ninguém é permitido ignorar a lei”, impõe a presença forte do todo social sobre cada indivíduo, mesmo se a divisão do trabalho e a fragmentação de suas vidas fazem com que ninguém possua a totalidade do saber social.

Não se pode conceber o todo sem as partes e não se pode conceber as partes sem o todo. É possível perceber que o adquirido no conhecimento das partes volta-se sobre o todo. O que se aprende sobre as qualidades emergentes do todo, é que tudo não existe sem organização.

Segundo o princípio dialógico, os seres humanos são duais, em razão de como orientam seu pensamento formador das suas ações, podem construir coisas consideradas boas para si, ou para o bem coletivo, como podem pensar de forma inversa e produzir coisas ruins, problemas e prejuízos, a si próprios ou à sociedade. A esse tipo de atitude chama-se de bons ou maus pensamentos.

Isso analisado dentro do campo familiar pode significar que o próprio ser humano pode se opor violentamente a sua família e dar preferência a seu interesse frente ao de seus filhos ou seus pais. Há uma dialógica entre estes dois princípios. A contestação da verdade da outra parte.

O que se pode pensar a respeito da ordem e da desordem, pode ser concebido em termos dialógicos. Para Morin, eles são dois inimigos: um suprime o outro, mas ao mesmo tempo, em certos casos, eles colaboram e produzem a organização da complexidade.

Um segundo princípio refere-se à recursão organizacional, em que um processo onde os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores do que os produz. A sociedade, assim como as suas leis, é produzida pela interação entre os indivíduos, mas a sociedade, uma vez produzida, retroage sobre os indivíduos e os produz. É um imbricado processo de ida e volta, onde cada momento do turbilhão é, ao mesmo tempo, produto e produtor. A ideia recursiva é, pois, uma ideia em ruptura com a ideia linear de causa e efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, já que tudo o que é produzido volta-se sobre o que o produz num ciclo ele mesmo auto-constitutivo, auto-organizador e auto-produtor.

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2 PROJETO ÁGUA LIMPA: CONTEXTUALIZAÇÃO E ASPECTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, pretende-se explanar o contexto no qual emerge o projeto de recuperação ambiental direcionado à recuperação da qualidade da água e manejo das Áreas de Preservação Permanente (APP’s) e a o percurso metodológico utilizado que resultou no processo de construção dos alicerces do projeto. Apresentam-se, ainda, os aspectos históricos e culturais da comunidade de Horizontina, os parceiros do Projeto Água Limpa, bem como as interfaces entre a legislação ambiental e as ações do projeto.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DO MUNICÍPIO DE HORIZONTINA

A história da colonização do Brasil e seus imigrantes teve início no ano de 1824, com a nova lei de terras. A partir daí, o governo brasileiro desencadeia um plano estratégico geopolítico de ocupação de território, para impedir o avanço castelhano, garantindo a sua posse. Para isso, precisava desenvolver uma nova força econômica baseada na agricultura. Sua estratégia voltou-se à pequena propriedade dividida em colônias4, em contraponto ao latifúndio, até então restrito ao abastecimento de subsistência (BONES, 2005, p. 22-23).

No início do século XX, Santo Ângelo era um dos maiores municípios do Estado e suas terras estendiam-se até as margens do Rio Uruguai. Com sua emancipação político-administrativa em 1872, foram criados vários distritos, dentre eles o de Santa Rosa. A região alcançou um rápido crescimento econômico e Santa Rosa emancipou-se de Santo Ângelo em 1931.

O município de Horizontina teve o início da sua colonização no ano de 1927, sob a liderança do engenheiro alemão Frederico Jorge Logemann, e vinte e sete anos depois, em 18 de dezembro de 1954, foi criado o município de Horizontina, sendo eleito o primeiro Prefeito da cidade, seu filho, o engenheiro Jorge Antonio Logemann.

A madeira era o primeiro capital de quem comprava um lote. O colono derrubava e vendia as árvores, sendo este o primeiro recurso que obtinha. Balsas transportavam essa riqueza pelas águas do rio Uruguai até a bacia do Prata, onde ficavam os centros de consumo

4 Área rural dividida em lotes geralmente. com as instalações necessárias para receber lavradores; a povoação

resultante da absorção desses lavradores. Cada colônia media aproximadamente 25 hectares (250.000 metros quadrados).

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em que essas madeiras eram comercializadas. A partir da derrubada da floresta, começa o plantio de milho, feijão-preto, mandioca, usando como ferramentas a enxada e a cavadeira.

Criam-se porcos para abastecimento e renda, e gado para obter leite e puxar arado. As primeiras ferramentas usadas no início da colonização foram instrumentos de uso manual, como foice, machado, enxada, saraquá, samburá, triturador, manguá, plantadeira manual, grade niveladora, máquina de matar formiga, desnatadeira e outros (BONES, 2005, p. 33). O milho era colhido manualmente, arrancando as espigas e conduzindo-as em grandes cestos ou carroças até os galpões, onde era debulhado com máquinas manuais.

Primeiro o milho e depois a soja, plantados em consórcio, eram os produtos escolhidos para tratar os porcos. Essa dinâmica predomina até os anos 60, quando começa a transformação da lavoura de serviço braçal para semi-mecanizado. No ano de 1971 foi autorizado pelo governo os desmates das florestas, sendo instaurada em Horizontina a lei de destocamento5, que encontrou no Banco do Brasil seu grande fomentador e formador de culturas. Financiava as empresas e agricultores, ajudando, assim, no progresso da cidade, gerando emprego e renda.

Uma colonização sempre tem a cara de seu líder, e assim foi com o engenheiro alemão Frederico Jorge Logemann, conhecedor de tecnologias avançadas e um homem extremamente diferenciado para a época. Na sua liderança tem início o modelo industrial, que teria um grande diferencial em relação às demais cidades da região, que tiveram simplesmente sua emancipação político-administrativa. Logemann foi o fomentador da cidade, doando terrenos para criação de escolas, igrejas, hospital, e também foi o fundador, em 14 de julho de 1945, da Schneider e Logemann, depois SLC. Depois de sua morte, é sucedido por seu filho Jorge, um homem igualmente líder, visionário, diplomata e negociador. Inicia-se, a partir de então, a história de umas das maiores indústrias de máquinas agrícolas do Brasil.

A SLC, como passa a ser conhecida a Schneider e Logemann, tem um marco histórico na agricultura brasileira por ser a empresa a fabricar a primeira colheitadeira automotriz, lançada nacionalmente em 1965. Neste mesmo ano, Horizontina foi marcada por dois acontecimentos inesquecíveis, a primeira nevasca em 20 de agosto, e o lançamento da primeira colheitadeira em novembro.

5 Lei municipal n° 392 de 29 de julho de 1971, criada na gestão do prefeito Walter Bündchen, dizia que o

executivo municipal autorizava a prestação de serviços de destocamento e terraplanagem em propriedades de agricultores neste município, com tratores da prefeitura, para imcremento da mecanização na lavoura e construção de modernas pocilgas.

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A Empresa SLC projetou Horizontina ao nível nacional e posteriormente mundial. Em 1978 faz uma Joint Venture com a Empresa John Deere, que perdurou até 29 de julho de 1999, por ocasião de sua venda a este grupo.

Horizontina tem sua base histórica construída nas suas religiões, fato este percebido pela sua colonização por imigrantes alemães, italianos e poloneses.

Neste estudo, analisando a formação da cidade, percebe-se uma tendência normal migratória campo/cidade no início da década de 70. No caso de Horizontina, município agrícola, que tinha o serviço braçal das famílias como mão-de-obra nas propriedades, quando da mecanização da agricultura, as famílias numerosas precisaram repensar sua forma de sobrevivência, daí o início deste grande deslocamento do campo para a cidade.

No capítulo introdutório da obra de Bones (2005), observa-se na formação do município uma semelhança entre os escritos weberianos da ética protestante e o espírito do capitalismo, pela grande descendência de alemães na cultura da região. Weber demonstra que há uma preferência educacional dos católicos por traços ascéticos, por uma formação humanista tranquila, com menos impulso aquisitivo, resignada à recompensa na vida após a morte, enquanto os protestantes preferem uma formação mais intelectual e profissional, e analisa a contribuição do luteranismo, que ao contrário da concepção católica, deixa de ter o sentido de um chamado para a vida religiosa ou sacerdotal e passa a ter o sentido do chamado de Deus para o exercício da profissão no mundo do trabalho (WEBER, 2004).

A religião evangélica Luterana, constituída em 8 de outubro de 1928, e a religião católica, implantada em 15 de agosto de 1949, tiveram expressiva participação na formação cultural de crenças e valores no município de Horizontina. Nessa época, era normal que a área educacional, no início da colonização, fosse atendida pelos colégios particulares criados pelas organizações religiosas. Começa aí a construção mais significativa do pensamento existente em Horizontina, a Escola Frederico Mentz, depois Frederico Jorge Logemann, de origem protestante. Tem no seu modelo educacional a ideia de escolas técnicas, sendo sua primeira criação o Técnico de Contabilidade que, desde sua fundação até o ano de 2009, formou 1.085 profissionais nessa área. Também a escola Técnico Mecânica, a partir de um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), formou 1.313 técnicos em Usinagem para todo o Brasil até 2009. Depois surgiu a Escola Técnica de Informática e hoje a Faculdade de Horizontina (FAHOR), que oferece os cursos de Economia e Engenharia Mecânica.

Já a comunidade católica segue outro viés. Mantida pelo Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata, a sua contribuição no campo educacional, voltada mais à filosofia

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e ao ensino, a partir da sua fundação até o ano de 2010, formou 1.034 alunos nos Cursos Normal de Nível Médio e Ensino Médio (PEIES).

Hoje as organizações religiosas no município de Horizontina têm a seguinte participação: Comunidade Evangélica de Confissão Luterana (1.601 famílias); Comunidade Católica (3.400 famílias); Comunidade São Lucas (520 famílias); Comunidade Assembleia de Deus (330 famílias); Outras Religiões e sem credo (1.000 famílias).

A partir dos anos 50, período em que acontece a emancipação política e administrativa de Horizontina, acontece um fenômeno em razão da transformação de um Brasil agrícola para um Brasil industrial, o que é possível acompanhar a partir dos dados estatísticos campo e cidade, conforme Quadro 1.

ANO AREA URBANA AREA RURAL TOTAL

1950 654 15.050 15.704 1960 2.802 16.770 19.572 1970 4.562 16.451 21.013 1980 11.756 12.709 24.465 1991 12.474 4.549 17.023 2000 13.698 3.972 17.670 2010 16.500 1.850 18.350

Quadro 1: Dados estatísticos da transformação de um Brasil agrícola para um Brasil industrial, 2010. Fonte: IBGE

Esta dinâmica histórica só mudará quando o ciclo, iniciado em 1965, chegou ao fim em 1980. No ano de 1965 estrategistas do regime militar criam o Sistema Nacional de Crédito Rural e regulam a propriedade da terra, as relações de trabalho no campo através do Estatuto da Terra e de um grosso corpo de leis e normas que permitem tornar mais eficaz a estratégia de modernização agrícola, em particular, o estímulo ao sistema cooperativista rural e as subsequentes políticas agrícolas de custeio e investimento.

O ciclo de crescimento nacional e local, conhecido como ciclo da Revolução Verde, iniciou em 1965 e terminou em 1980. O crescimento do período só foi possível em virtude de crédito barato, ofertado através de políticas públicas do governo central.

(33)

Logo após este período, a situação da produção nacional, entretanto, tornara-se tão grave, que se temia uma crise de desabastecimento. A demanda de alimentos acabou se convertendo em um dos fatores mais importantes da inflação. O governo Sarney, ao tentar uma estratégia de controle da inflação, controle e estabilização de preços e retomada do desenvolvimento, através do Plano Cruzado, acabou derrotado pelo desabastecimento interno, em parte provocado pela especulação, embora esta só pudesse operar por força da oferta insuficiente.

A crise, porém, não era só nacional. Era, antes de qualquer coisa, uma crise mundial que, em sua raiz, continha o esgotamento do longo ciclo de desenvolvimento iniciado no fim do século XIX, ciclo conhecido pelos economistas como de duração secular, também assim denominado por historiadores da economia de Segunda Revolução Industrial.

Esse novo paradigma não estava disponível para livre acesso como estivera, por exemplo, todo o “pacote tecnológico” da Revolução Verde. Este saber, seus produtos e processos, estavam sob o controle de empresas privadas que dele detinha propriedade exclusiva protegido por patentes.

Horizontina, que juntamente com os demais municípios da região viu deterioradas suas condições de desenvolvimento, recorreu a um trunfo que estava à mão, ou seja, associar sua indústria de máquinas colheitadeiras com a empresa líder em inovação tecnológica, a transnacional norte-americana de máquinas agrícolas, John Deere.

A associação com a John Deere, uma Joint Venture, foi temporária. Os sócios brasileiros acabaram vendendo suas ações e a remanescente SLC definitivamente desapareceu. A cidade de Horizontina cresceu e viveu do dinamismo induzido pela indústria de máquinas, que atraiu trabalhadores de longe em busca de emprego.

O mesmo, entretanto, não aconteceu com a agricultura familiar dos colonos de Horizontina e da região. Eles não tiveram condições de acesso ao novo “pacote tecnológico”, que exigia grandes montantes de investimentos de custeio e de capital. Os filhos numerosos de outrora, que eram o motor do trabalho e do modelo de agricultura familiar, reduziram-se e abandonam a agricultura tão logo estavam em condições de sair em busca de um emprego urbano. Fechou-se, dessa forma, o ciclo histórico de desenvolvimento da agricultura familiar. Pela primeira vez na história da agricultura familiar, a conjuntura global, o modelo de desenvolvimento baseado em alta tecnologia e a crise financeira e econômica que devasta grandes regiões do globo a partir de meados de 2007, deixaram a agricultura familiar

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completamente sem horizonte aparente de saída e de alternativas para sua sobrevivência e reprodução.

Mas, apesar de tudo, e levando em conta esse quadro, pode haver alguma alternativa de sobrevivência desses e para esses sujeitos sociais tão importantes, tanto na história do Rio Grande do Sul como no desenvolvimento da agricultura brasileira? É possível encontrar uma alternativa local, nascida da iniciativa local, que envolva de forma partilhada esforços nos sentido de encontrar uma nova viabilidade para esses agricultores, uma condição sustentável de sua existência como sujeitos sociais importantes?

2.2 O PROJETO ÁGUA LIMPA E SEUS PARCEIROS

O Projeto Água Lima, animado pela Família Bündchen, foi proposto no momento em que a comunidade do município de Horizontina, de forma participativa, resolveu discutir questões relativas ao desenvolvimento local, levantando novas possibilidades para o município fazer frente aos novos desafios que se impõem no contexto atual do desenvolvimento.

Ao pensar ações práticas para que suas ideias pudessem ser realizadas, a família manifestou interesse em contribuir, procurando um canal para fazer esta comunicação de forma oficial. Nesse sentido, foi procurado o Conselho Municipal de Desenvolvimento (COMUDE) 6, uma vez que o órgão tinha o fim precípuo de organizar, através das forças vivas do município e da região, um planejamento de curto, médio e longo prazo definindo estratégias para tornar isso possível. Entre as muitas questões apontadas, mereceu atenção especial da família, os assuntos relativos à água potável.

Contudo, no âmbito do Projeto Água Limpa, não se imaginava que cuidar da água e trabalhar na sua recuperação fosse algo bem mais complexo do que plantar árvores nativas para recuperação de APP’s.

Com a visão de cumprir o que havia sido proposto, definiu-se como missão do Projeto Água Limpa “sensibilizar e integrar a sociedade civil, com as entidades públicas e

privadas na organização de políticas ambientais sustentáveis”.

A partir de então, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), criada em 1999, órgão central do Sistema Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (SISEPRA), responsável

6 O COMUDE foi implementado pela Lei 11.451, de 28 de outubro de 2000, tendo por objetivo coordenar as

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