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O COTIDIANO DOS MONGES DA ORDEM MILITAR DE SANTIAGO NA IDADE MÉDIA

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Academic year: 2021

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O COTIDIANO DOS MONGES DA ORDEM MILITAR DE

SANTIAGO NA IDADE MÉDIA

MAIA, Wendell Ramos (UEM) REIS, Jaime Estevão dos (UEM)

INTRODUÇÃO

Em princípios do século XI deu-se uma transformação na estrutura da sociedade ocidental européia, com a afirmação de uma nova classe, a dos cavaleiros que, teoricamente, ocupava um espaço situado entre o clero e os trabalhadores. Essa sociedade tripartida aos poucos foi se assentando em bases religiosas, foi se justificando. E esse formato parecia ser o designado por Deus afinal, como a hierarquia celeste, ela estava divida em três ordens cada uma com sua função, e isso para o bem de todos (LE GOFF, 1993, p. 79-80).

Claro que, de início, essa cavalaria causou muitos transtornos, promoveu a violência e a desordem social. A Igreja logo se manifestou e buscou mecanismos para disciplinar essa cavalaria, tentando assim mantê-la sob seu controle.

Dito de outro modo, o que a Igreja pretendia era conter toda violência promovida pelos cavaleiros. E o fez proibindo derramamento de sangue em datas específicas do calendário cristão, como Quaresma, Páscoa e Natal. Só que o fez sustentando um discurso de que esse seu esforço era para proteger aqueles que não tinham como se defender sozinhos, ou seja, os próprios clérigos,

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camponeses, mulheres e crianças. E já que era essa a idéia, nada mais natural do que dar esse encargo a essa nova cavalaria.

Segundo Alain Demurger, a partir desta concessão criou-se todo um ideal de cavaleiro que tinha uma missão designada por Deus, uma vez que os cavaleiros serviam a Cristo por meio de sua Igreja, submetendo-se sempre às normas religiosas. Essa nova cavalaria, diferentemente da anterior, de caráter belicoso e sem vínculos religiosos, estava a serviço de Cristo e em defesa dos interesses da Igreja e da Cristandade, em última instância (DEMURGER, 2002, p.20).

Essa ideologia se afirma a partir de 1095, com a prédica da Primeira Cruzada pelo Papa Urbano II. A cruzada, entendida como uma peregrinação armada com objetivo de libertar Jerusalém do domínio dos infiéis, agregava ao valor penitencial da peregrinação, a ideologia de movimentos de paz (DEMURGER, 2002, p.23). Ou seja, criou-se uma justaposição de idéias: a da peregrinação, o que as cruzadas não deixavam de ser, mas com um objetivo totalmente distinto da comum, aquela que se fazia com o intento de pagar promessas ou de se aproximar de um lugar sagrado. Essa nova peregrinação buscava recuperar a Terra Santa para os cristãos.

É nesse contexto e com esse fim que surgiram, em Jerusalém, a Ordem do Templo e a do Hospital. A Ordem do Templo foi criada em 1119, por Hugo de Payns, que buscava implantar uma milícia permanente na Terra Santa, cujo objetivo era proteger as fronteiras dos reinos cristãos surgidos ali depois da Primeira Cruzada, bem como os cristãos que viessem peregrinar em Jerusalém. Num primeiro momento seus cavaleiros realmente viveram honrando o voto de pobreza, obediência e castidade ― usavam túnica branca para demonstrar isso ― e assim sobreviviam da caridade dos fiéis. Posteriormente eles receberam terras e bens e acabaram alojados no palácio do rei de Jerusalém, Balduíno II, sob o Templo de Salomão.

Em 1128, Hugo de Payns com o apoio de São Bernardo ― a autoridade da Igreja que contava com maior prestígio à época ― no Concílio de Troyes, tentou

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conseguir a aprovação da Regra da Ordem. Isso só aconteceu um ano depois. Desse modo, o Templo foi a primeira ordem militar-religiosa com essa característica; antes dela, nenhuma outra existiu (DEMURGER, 2002, p.9).

Já os hospitalários surgiram a partir de uma irmandade de homens leigos ― mas também cumpridora de votos monásticos ― que controlava um hospital em Jerusalém dedicado a São João Batista, atendendo a pobres e enfermos. Em 1113, o Papa Pascoal II, por meio da bula Pie Postulatio Voluntatis, acabou por reconhecer a Ordem do Hospital como instituição e a colocou sob sua própria proteção. Assim, como os templários, os hospitalários, tornaram-se uma força militar.

Nesse sentido, seguramente, a formação das Ordens Militares na Península Ibérica teve inspiração nas Ordens do Templo e do Hospital, tendo sido, então, criadas num momento particular dos reinos ibéricos, caracterizado pelo acirramento da luta contra os mulçumanos.

Com o enfraquecimento do poderio árabe após a crise do Califado de Córdoba em 1031, os reis de Castela e Leão deram prosseguimento ao processo de expansão territorial iniciado pelos reis asturianos logo após a invasão. Ao longo do século XI e durante o século XII, os conflitos estabeleceram-se não somente entre cristãos e muçulmanos, mas também entre os reis castelhanos e leoneses e os representantes dos reinos de Navarra e Aragão, recém formados.

Essas disputas entre os reinos cristãos tiveram uma conseqüência: acabaram enfraquecendo-os também. Com isso a Reconquista sofreu um revés quando os almôadas, árabes vindos do norte da África, entraram na península para auxiliar os chefes árabes da região, uma vez que estes se encontravam enfraquecidos politicamente, e reunificaram todo domínio mulçumano na região sob um novo império.

O Império Almôada passou, então, a ser encarado como uma ameaça efetiva aos reinos cristãos. E para fazer frente a essa ameaça foram criadas as ordens militares religiosas ibéricas, ditas “nacionais” — Calatrava, Alcântara, Santiago e Avis — com o objetivo exclusivo de combater os mulçumanos.

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Como qualquer um dos demais reinos, o de Leão tinha seus interesses voltados para a expansão territorial frente ao poder do Islã na península. Tendo isso em vista, Fernando II (1157-1188), criou, em 1170, a Irmandade de Cárceres — cidade perto do rio Tejo, portanto, perto da área mulçumana — que tinha como missão combater e dar prosseguimento ao processo de expansão territorial do reino.

Todavia, tratava-se de um processo delicado. Fernando II precisava de uma estratégia que legitimasse essa expansão, e que, ao mesmo tempo, o defendesse dos interesses de Portugal e Castela que avançavam constantemente as suas fronteiras. A maneira encontrada foi conseguir um “advogado” para sua causa. Foi assim que o Arcebispo de Santiago de Compostela, Pedro II, acabou envolvido nos interesses políticos de Leão e, depois, evidentemente, da ordem militar criada por ele.

O arcebispo aderiu ao projeto e no ano seguinte ao da fundação da Confraria de Cárceres, o prelado entrou em contato e transformou-a em milícia, consagrando-a ao Apóstolo Tiago. Nascia assim, a Ordem de Santiago da Espada.

No meio tempo entre a sua fundação e sua institucionalização, os reis de Portugal, Afonso I (1140-1185) e o de Castela, Alfonso VIII (1158-1214), entraram em cena, tentando atraí-la para a esfera da sua influência. Com isso, travou-se uma disputa entre as coroas ibéricas que, ao fim, culminou com a ordem acabando por fixar-se em território castelhano, na cidade de Uclés, onde os cavaleiros santiaguistas receberam uma fortaleza. Em 1175 a Regra da ordem fora aprovada pelo papa Alexandre III. Estava ela, portanto, oficializada e institucionalizada. Essa Regra aborda diversos aspectos da sua organização. Abarca tanto assuntos que vão desde a administração, passando pelas funções espirituais até costumes e práticas a serem desenvolvidos pelos seus membros. Isso, tanto para os monges quanto para os cavaleiros ou milites.

Assim, e é importante atentarmos a esse detalhe: a ordem comporta dois tipos de freis. E ambos sectores se complementaban y eran expresión de una

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dualidad intrísecamente característica de las órdenes militares (AYALA MARTÍNEZ, 2003, p.168). Por mais que suas funções fossem contrastantes, o argumento religioso, o da cavalaria de Cristo, salvaguardava essas ordens e os freis, afinal, antes da criação dessa ideologia essa possibilidade era impensável.

De acordo com o direito canônico um religioso era proibido de derramar sangue cristão, pois se o fizesse, estaria derramando o sangue do próprio Cristo — tanto era assim que os monges evitavam andar com objetos pontiagudos que pudessem ferir — a questão era que, esse cavaleiro, dessa ou de outra ordem, estava ligado não à cavalaria mundana, mas a de Cristo.E nessa há salvação. Assim, tanto o frei que vivia no mosteiro e levava uma vida casta e de orações quanto o cavaleiro que combatia os mulçumanos, viam-se ligados a uma instituição legitimada por essa ideologia.

Em nossa pesquisa, daremos ênfase à vida conventual dos chamados freis que viviam sob as rígidas normas impostas pela Regra. Os monges professos faziam votos de obediência, castidade e pobreza. A idéia era abandonar completamente as tentações mundanas, passando a viver de um modo casto, dedicando-se por inteiro a uma rotina que combinava orações, trabalho, silêncio e estudos.

REFERENCIAL TEÓRICO

A historiografia relativa às Ordens Militares na Península Ibérica é relativamente abundante. No que se refere à Ordem de Santiago, os estudos recaem, em sua quase totalidade, nas relações da ordem com os reis de Castela, Leão e Portugal, e sua inserção no contexto da Reconquista.

Nesta perspectiva inserem-se os trabalhos de autores como Carlos Ayala Martínez, Las órdenes militares hispánicas en la Edad Media (2003) e Las órdenes militares en la Edad Media (1998), que estudou e analisou a vida conventual, além de outros aspectos da ordem, como os seus estabelecimentos e suas propriedades. Merece igualmente destaque o trabalho de José Luis Martin,

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Orígenes de la Orden Militar de Santiago: 1170-1195 (1974). Além destes aspectos outros temas têm sido estudados, como a organização institucional da Ordem de Santiago, suas propriedades, o cotidiano e a vida comunitária dos monges. Nesse sentido, dependendo da fonte que se tem em mãos, pode-se fazer um trabalho focado nesse ou naquele ponto. O estudo a que nos propomos poderá contribuir para um maior entendimento do funcionamento, da dinâmica e da organização interna da Ordem de Santiago, com destaque para a vida conventual dos monges.

Neste aspecto, aproximamos nossa análise de investigações clássicas desenvolvidas por autores como Georges Duby em sua obra História da Vida privada (1990) e C. H. Lawrence, O monacato medieval (1999), que estudaram a vida conventual dos monges na Idade Média.

OBJETIVOS

Estudo da Ordem Militar de Santiago da Espada, o seu surgimento no contexto da Reconquista Ibérica, sua organização institucional e o seu funcionamento, com ênfase na vida cotidiana dos monges.

METODOLOGIA

O estudo sobre a vida conventual dos monges da Ordem Militar de Santiago da Espada, na Idade Média, será elaborado por meio do diálogo com a historiografia relativa às ordens militares ditas “universais”, como as dos Templários, Hospitalários e Teutônicos e, notadamente, a historiografia relativa às ordens hispânicas, em especial a de Santiago.

De fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa será utilização de fontes que nos forneça informações acerca da origem da ordem, sua organização institucional, seu funcionamento e, principalmente, aspectos da vida cotidiana dos monges. Nesse sentido, a principal fonte de nossa pesquisa

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será a Regla y Establecimiento de la Orden de la Cauallería de Santiago del Espada, editada por Antonio Ruiz de Morales no século XVI, a partir dos manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid.

Para Ayala Martínez, a Ordem de Santiago teve uma importante atuação no contexto da Reconquista e a complexidade de sua organização institucional exige, para o entendimento de seu funcionamento, uma análise dos seus mais variados aspectos, inclusive deste que nos propomos a estudar.

Conforme já afirmamos, o estudo a que nos propomos terá, além da fonte citada, outras auxiliares que serão utilizadas, entre elas, a Regra de São Bento, isso devido a sua influência na Regla de Santiago, bem como alguns documentos anexados na obra de J.L. Martin, já indicada. As fontes deverão nos fornecer as informações que, confrontadas com a historiografia, darão luz às nossas observações.

Para desenvolver o seu trabalho o historiador necessita de fontes, ou seja, daquilo que sobreviveu, isto é, o que ficou de herança do passado (LE GOFF, 1996, p.525). Assim, precisamos da documentação porque ela é a ponte que nos liga ao passado. Ela se torna o elo entre o historiador e o seu objeto, pois, conforme afirma Henrri Marrou, não podemos alcançar o passado diretamente (1978, p.55). E não podemos porque não somos testemunha. A testemunha é a fonte, é nela que o historiador vai encontrar as informações que precisa para desenvolver o seu trabalho. Nesse sentido, cabe ao historiador interrogar a fonte, ir além dela, e com esse exercício obter o conhecimento histórico.

CONCLUSÃO

Esta pesquisa encontra-se em fase inicial.No momento estamos fazendo a leitura de fontes e da historiografia relativa a Ordem Militar de Santiago, na Península Ibérica, o que justifica sua inserção na categoria pôster.

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AYALA MARTÍNEZ, Carlos de. Las ordenes militares hispánicas en la Edad

Media (siglos XII-XIV). Madrid: Marcial Pons/Latorre Literária, 2003.

DEMURGER, Alain. Os Cavaleiros de Cristo: Templários, Hospitalários,

Teutônicos e outras ordens militares da Idade Média (séc. XI-XIV). Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

DUBY, Georges. História da Vida Privada, 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

FERNANDEZ LLAMAZARES, José. Historia de las quatro órdenes militares:

Santiago, Calatrava, Alcántara y Montesa. Madrid: Espuela de Plata, 2005.

FLORI, Jean. A cavalaria: a origem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005.

GARCÍA-GUIJARRO RAMOS, Luis. Papado, cruzadas y ordenes militares:

siglos XIXIII. Madrid: Cátedra, 1995.

LAWRENCE, C.H. El Monacato Medieval: formas de vida religiosa em

Europa Occidental durante la Edad Media. Madrid: Gredos, 1999.

MARROU, Henri-Irennée. Sobre o Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

MARTIN, J.L. Orígenes de la Orden Militar de Santiago (1170-1195). Barcelona: CSIC. n 4, v.181.1967.

REGRA DE SÃO BENTO: Latim-português. Rio de Janeiro: Lumer Christi: 2003.

RODRÍGUEZ BLANCO, Daniel. La reforma de la Orden de Santiago. In: La

España Medieval. Madrid: Editorial de la Universidad Complutense. 1986,

p.929-960. Tomo V.

RUIZ DE MORALES, Antonio. La Regla y Establecimento de la Orden de la

Cauallería de Santiago del Espada, con la hystoria del origen y princípios

della. Leon: Universidad de Leon, 1998.

VALDERÓN BARUQUE, Julio. La Reconquista. El concepto de España:

Referências

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