FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA E DESENVOLVIMENTO MORAL
Resumo
O seguinte artigo discute a importância da moral, para a formação universitária do pedagogo, como um momento de grande valor tanto profissional quanto pessoal na vida do educando. Pois a formação universitária deve garantir, uma formação integral, e não apenas instrucional, que almeje o conhecimento e a autonomia dos educandos. Deste modo o objetivo do artigo é refletir sobre a importância da presença dos estudos sobre o desenvolvimento moral, na formação universitária. O trabalho se divide em três partes: na introdução descrevemos as justificativas para pensar o desenvolvimento moral na formação do professor, na segunda parte apresentamos os conceitos chave da teoria de desenvolvimento moral de Jean Piaget, bem como as ideias chaves das teorias de Kohlberg e Lind, como estudiosos da temática, que a partir dos estudos de Piaget, à aplicaram na educação, e na terceira parte discutiram a formação universitária do professor, tecendo críticas e sugestões referentes ao projeto político pedagógico e à formação universitária. Palavras‐chave: Desenvolvimento moral, formação universitária, ambiente acadêmico. Karina Luciane Silva Deolindo Universidade Estadual de Maringá karina_deolindo@hotmail.com
Introdução
Conforme Lawrence Kohlberg (1964 apud LIND, 2000), a competência moral corresponde à capacidade de emitir juízos morais baseados em princípios e agir de acordo com tais juízos. O conceito de Competência Moral foi elaborado por Lawrence Kohlberg (1984) e se refere à capacidade dos indivíduos para emitir um juízo moral e agir de acordo com tal juízo. As teorias do desenvolvimento cognitivo e moral desenvolvida com base no trabalho de Jean Piaget compreendem que os indivíduos evoluem de um estágio de anomia (ausência de regras), até a uma autonomia em seus julgamentos morais. A evolução da capacidade de juízo moral se dá a partir dos chamados conflitos cognitivos, que determinam a necessidade de elaboração de novas estruturas cognitivas que viabilizem respostas às novas situações. Assim, para os teóricos deste referencial, uma das funções do aparelho escolar seria provocar esses conflitos cognitivos, que possibilitem o desenvolvimento moral dos indivíduos.
Conforme Lawrence Kohlberg (1964), embora a construção dessa competência se dê ao longo da vida, a formação universitária teria como parte de seus objetivos influenciar os futuros profissionais no desenvolvimento da capacidade reflexiva por meio da teoria e da técnica trabalhadas, ao longo dos anos de estudo, ou seja, a formação do educador deveria contemplar não apenas o conteúdo e a técnica, mas também a reflexão a respeito da sua prática. No caso da formação do professor, essa necessidade é ainda mais premente, posto que é ele o profissional, que trabalhará mais diretamente com a formação de crianças e adolescentes que constituirão a sociedade do futuro. Os currículos acadêmicos tradicionais não contemplam a construção da competência moral, embora essa preocupação esteja presente entre autores de diferentes abordagens que pensam a formação do educador.
Deste modo podemos citar Saviani (1996), por exemplo. O autor formula os saberes necessários ao educador como sendo de cinco naturezas distintas: atitudinal, crítico‐contextual, específico, pedagógico e didático‐curricular. O âmbito atitudinal inclui a necessidade da revisão dos próprios valores e da tradução de tais valores em práxis. A formação do educador em termos do saber atitudinal diz respeito à construção da ética, entendida como capacidade reflexiva do sujeito autônomo. O professor é o profissional
“reflexivo, racional que toma decisões, emite juízos, tem crenças e gera rotinas próprias do seu desenvolvimento profissional" (Clark; Yinger, 1979). Isso implica num ser autônomo que tem a capacidade de ajuizar, agir e criticar sua própria ação. O saber atitudinal pode ser compreendido como próprio do sujeito autônomo porque se define como a predisposição para a ação frente a situações que exigem tomadas de decisões, ou seja, um profissional competente.
Fazendo então uma relação entre a formação dos professores, e suas competências, Morosini, Cabrera e Felicetti (2011) identificam cinco competências que os pedagogos precisam possuir, o primeiro seria: conhecimento da área de atuação, o segundo: ação didático‐pedagógica, o terceiro: ação investigativa, o quarto: gestão de processos educativos e o quinto e último: exercício da cidadania. Portanto entende‐se que os Pedagogos necessitam de uma formação de qualidade, que vise sua formação integral, que forme profissionais realmente qualificados para que possam atender às necessidades que imperam no meio educacional e na sociedade
Por isso, acreditamos que o Projeto Político Pedagógico da instituição tem por objetivo expor uma visão de mundo e traçar as diretrizes e métodos que pretende desenvolver na proposta de formação do alunado. Segundo Libâneo (2004, p. 152) na sua elaboração deve‐se considerar o que já está instituído (legislação, currículos, métodos, conteúdos, clima organizacional, etc.); e, ao mesmo tempo, instituir, estabelecer e criar objetivos, procedimentos, instrumentos, modos de agir, estruturas, hábitos e valores, ressignificando a própria cultura escolar. Desse modo, é possível concluir que as práticas que envolvem oportunidades de assunção de responsabilidades e reflexão dirigida estejam explicitadas nesse documento.
Dessa forma entendemos que é necessário que a universidade pleiteie esses momentos de construção da competência moral, com discussões, tomadas de perspectiva e vivência das diversas atividades que esse profissional irá enfrentar como professor. Com isso o seguinte trabalho busca essa analise, de quão importante é esse ensino para desenvolver a moralidade nos alunos. Pois ser competente moralmente, é ser um profissional de qualidade.
Desenvolvimento Moral, Juízo Moral e Competência Moral
Os estudos sobre desenvolvimento moral na psicologia levaram à construção de
modelos explicativos em várias abordagens: psicanálise, aprendizagem social, psicologia genética, sociocultural e ecológica são algumas das mais reconhecidas. Destacaremos nesse trabalho as pesquisas realizadas na abordagem da psicologia genética a partir de Piaget (1932/1994) e derivadas dessa abordagem, como a de Kohlberg chamada de cognitivo‐desenvolvimentalista (1984) e de Lind chamada de teoria do duplo aspecto do desenvolvimento moral (2000).
Para Piaget (1932/1994), a moral é “um sistema de regras e a moralidade consiste
no respeito que o indivíduo adquire por essas regras” (p.7). A partir daí já fica anunciada a relevância de se discutir a reflexão a respeito de regras instituídas, ou seja, não basta a obediência ao sistema de regras existente para se falar em autonomia moral, mas a reconstrução das regras pelo indivíduo. Quando pensamos no processo da educação, a compreensão do educador a respeito do que significa a formação moral é fundamental, ou seja, o objetivo final de sua prática não é fazer com que as crianças e adolescentes respeitem as regras mediante a presença de um adulto “mais forte” e pelo medo do castigo e da punição, mas sim com que construam princípios coerentes sobre a existência das regras e o porquê de seu cumprimento e que atuem segundo esses princípios internos.
Piaget (1932/1994) afirma que o desenvolvimento moral, é um processo de
construção, ou seja, é preciso que a criança construa para si as regras, e não adianta a acumulação de informações a respeito de regras e deveres, ou seja, é preciso que cada um possa construir, a partir de sua interação com o meio, seus princípios morais. A moralidade não é ensinada, mas sim vivida e experimentada pelos indivíduos. Para tanto não devemos encarar a moralidade como ensino verbalista, traduzindo para a criança o que é certo ou errado dentro de determinada sociedade.
Nas palavras do próprio Piaget, “a regra coletiva é inicialmente exterior ao
indivíduo e sagrada. Pouco a pouco vai se interiorizando e aparece como livre resultado do consentimento mútuo e da consciência autônoma” (PIAGET, 1932/1994, p.34). Segundo Piaget, há dois tipos de moralidade: a heterônoma, em que a regra é externa,
imposta pelos adultos, na qual o autoritarismo e a obediência cega se encontram; e a autônoma, ligada à cooperação e à responsabilidade subjetiva que considera além das aparências, as intenções e motivos dos sujeitos. Como a criança passa da anomia (ausência de regras) para a heteronomia e autonomia? Em que medida o ambiente escolar pode ou não contribuir com isso? Desde a educação infantil, devemos pensar nessa educação moral que em nada se assemelha ao ensino de uma moral específica ou a doutrinação. Devemos analisar o desenvolvimento da criança em seus aspectos cognitivo, afetivo e social para entender como melhor intervir.
Menin (1996, p. 54) acentua que “(...) precisamos viver, também, relações de
igualdade com os outros para que saibamos construir ou compreender regras já construídas, mais do que, somente, obedecer a regras impostas”. É preciso que saibamos viver em relação de igualdade com o nosso próximo, e construamos junto com esses nossas regras, e com essas compreendidas possamos viver em harmonia sem a obediência cega.
Portanto, não adianta que os professores apenas trabalhem conteúdos morais,
como histórias, cantigas, lendas e projetos, se estes não vivenciam dentro da sala de aula conjuntamente com seus alunos momentos de reflexão sobre as práticas que estes têm com seus colegas, a reflexão sobre infrações vale muito mais do que “respostas prontas”. Essa oportunidade que o professor oferece ao seu aluno num ambiente saudável de cooperação, faz com que este transforme o seu sentimento de respeito unilateral em respeito mútuo.
Piaget influenciou diversos pesquisadores, com suas pesquisas e descobertas, e
dentre esses pesquisadores podemos ressaltar, Lawrence Kohlberg, que com seus estudos, nos apresentou um conceito mais preciso de estágios de desenvolvimento moral, que perpassam desde a heteronomia até a autonomia. O autor relata em suas pesquisas, que as pessoas evoluem em níveis morais, com o decorrer do tempo, a partir de suas experiências e vivencias, se defrontando assim com problemas, que a mesma terá que resolver.
(...) tanto Kohlberg como Piaget ressaltam a importância do trabalho intelectual em comum, isto porque para haver o desenvolvimento moral é necessário que haja, simultaneamente, o desenvolvimento cognitivo. Não se pode haver a construção de uma moralidade autônoma sem o desenvolvimento da inteligência. A moralidade está repleta de racionalidade, pois exige uma reflexão continua. Porém, apenas o progresso intelectual não basta não é suficiente para que a moralidade se desenvolva.
É necessário que as crianças tenham um desenvolvimento intelectual, para então
desenvolver o moral, mas o primeiro não garante o segundo, de forma que o desenvolvimento intelectual se constitui como condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento moral. O que encontramos muitas vezes nas escolas é uma preocupação grande com o desenvolvimento intelectual das crianças, e um muito pequeno, quase inexistente com o desenvolvimento moral destas.
Quando Lawrence Kohlberg se propôs a compreender a elaboração do juízo
moral, apoiado em Piaget, realizou estudos que o fizeram perceber que o indivíduo moralmente maduro é aquele que não apenas reconhece as regras e as respeita, mas também percebe que justiça não é o mesmo que lei, e que algumas leis, por diversos motivos, podem estar moralmente erradas. Essa percepção muda com o tempo e com o tipo de sociedade em que o indivíduo está inserido, sendo também um processo evolutivo.
Aranha (2006) evidenciou que nas pesquisas de Kohlberg, ele mostrava que
mesmo as pessoas agindo de maneiras semelhantes poderiam ter intenções diferentes, ou seja, enquanto umas tentavam em determinadas situações, serem justas e garantir uma boa relação interpessoal com outras pessoas, outras tinham tais atitudes como meios de escapar de punições, ou mesmo para se dar bem em outras ocasiões.
Kohlberg (1984) definiu três níveis de desenvolvimento moral, sendo cada nível
subdividido em dois estágios. São os níveis: pré‐convencional (estágios 1 e 2), convencional (estágios 3 e 4) e pós‐convencional (estágios 5 e 6). A sequência de estágios seria a mesma em todas as culturas, e refletem maneiras de raciocinar. Nos estágios 1 e 2 ainda não ocorreu a internalização dos princípios morais, o que só ocorrerá na fase convencional (estágios 3 e 4). O nível pós‐convencional (5 e 6) é considerado por
Kohlberg como o estágio mais avançado no desenvolvimento do juízo moral. Aqui o indivíduo já tem os princípios internalizados, agindo de acordo com eles, e mais ainda, percebe que algumas leis podem estar erradas, o que ocasiona o questionamento das mesmas (BIAGGIO, 2002).
É preciso salientar que o juízo moral, não se relaciona necessariamente à ação
moral, de forma que o sujeito pode pensar moralmente, mas não agir. Araújo (1996, p. 110) afirma que somente “quando o sujeito se sentir obrigado racionalmente, por uma necessidade interna, a agir moralmente, de acordo com os princípios universais de justiça e de igualdade”, é que será possível identificar tanto o juízo moral, quanto a ação moral.
Nas escolas, é frequente encontrarmos uma preferência pelo currículo tradicional,
deixando‐se até certo ponto em segundo plano a educação moral. Professores e pais sentem dificuldades em transmitir os princípios e valores morais por eles considerados importantes, e essa transmissão pode não garantir que as crianças e adolescentes se comportem de acordo com o esperado, apesar de conhecerem os valores e regras. Para tanto, é necessário que esses alunos adquiram competências e habilidades que os capacite a por em prática esses ideais.
As competências morais são entendidas por Kohlberg (1964 apud LIND, 2000),
como a capacidade do individuo tomar decisões morais com base em seus princípios internos, que foram constituídos, por suas ideias e vivencias (aspecto afetivo) no decorrer de sua vida. Nesse sentido o aspecto emocional do individuo, do seu comportamento moral, está estreitamente ligado aos seus princípios morais, regras, normas, dentre outras determinações internas que este desenvolveu. Já o aspecto cognitivo do comportamento moral está interligado com o motivo moral particular. É essa estrutura do processo de julgamento, que é definido por Lind como competência de juízo moral.
Georg Lind, pesquisador da Universidade de Konstanz (Alemanha) desde os anos
70 iniciou seus estudos sobre o desenvolvimento moral e a partir da ideia lançada por Kohlberg (1964 apud LIND, 2000) a respeito da possível relação entre juízo e ação, anunciada no conceito de competência moral, ou seja, emitir juízos baseados em princípios e agir de acordo com tais juízos. Esse pesquisador desenvolveu duas linhas de
pesquisa: a primeira a respeito das condições necessárias para a construção dessa competência, pensando especificamente na questão educacional, e a segunda a respeito de como mensurar os resultados de processos de intervenção para a construção da competência moral.
Para Lind (2006), o mundo atual apresenta sérios desafios para os indivíduos com
relação ao comportamento moral. Segundo o autor, uma democracia pode perecer caso seus membros não saibam viver em grupo, aceitando opiniões diversas das próprias, recorrendo a métodos não violentos de solução de problemas e participando ativamente das demandas da sociedade. É, portanto, dever dos pais e educadores auxiliar as crianças e os adolescentes nesta difícil tarefa, para que não se detenham inutilmente em conflitos não solucionados.
Quando pensamos especificamente na formação do educador (aquele que
promove a formação do outro), a importância da dimensão competência torna‐se ainda maior. Para o profissional docente que tem como fundamento de sua prática a relação com o outro como base do processo de construção do ensino‐aprendizagem, é fundamental a reflexão a respeito da esfera ética. O vínculo que se estabelece entre professor e aluno que subsidia todo o processo de ensino‐aprendizagem deve ser baseado na confiança entre ambos, na coerência entre princípios anunciados e prática.
Segundo Schillinger (2006), a teoria de Lind é diferente das outras quando o autor
não difere no desenvolvimento, o afetivo e o cognitivo; Lind acredita que estes são inseparáveis, mas distintos aspectos do comportamento, que devem ser investigados como tais, pois os dois fazem parte do desenvolvimento moral do indivíduo.
Como Lind (1985 apud SCHILLINGER, 2006, p. 21) afirma:
(...) por um lado, o comportamento moral pressupõe uma estrutura cognitiva: princípios, normas e valores têm de ser equilibrados uns contra os outros e à luz das circunstâncias específicas de uma situação de decisão moral. Por outro lado, a competência de juízo moral — isto é, a capacidade de integrar e diferenciar os princípios morais e aplicá‐las a decisões todos os dias — tem um caráter de desenvolvimento e por isso deve ser colocado em referência à experiência de vida do indivíduo e às estratégias socialmente desenvolvidas para resolver problemas (tradução minha).
O desenvolvimento moral não termina na infância e nem na adolescência, como era pensado anteriormente, mas chega também à idade adulta. Segundo Schillinger (2006) Lind (1999), Kohlberg e Higgins (1984), a interação com o ambiente em que as pessoas vivem, influenciam os seus processos de desenvolvimento, mesmo o sujeito estando na idade adulta. Uma questão importante a ser levantada é: será que os alunos são influenciados moralmente dentro da universidade? Será que eles percebem um ambiente cooperativo? Ou coercitivo? A questão que se coloca é se o ambiente acadêmico seria capaz de desenvolver a competência moral dos alunos.
Schillinger (2006) considera que para o sujeito continuar a se desenvolver
moralmente e cognitivamente, dentro da universidade, é preciso que este tenha dentro do seu “currículo escolar”, oportunidades de assunção de responsabilidade. A autora usa a expressão role taking, a partir dos trabalhos de Sprinthall e Thies‐Sprinthall(1993), Reiman (2000), Lind (1996) e Herberich (1996) que se baseiam em considerações de Kohlberg e Selman sobre a importância de atividade para o desenvolvimento moral (SCHILLINGER, 2006). Sendo assim, o aluno deve ter oportunidade de “tomadas de responsabilidade”, ou seja, o discente deve ter dentro do seu quadro de atividades como aluno, a oportunidade de se colocar no lugar do outro, para então discutir e refletir sobre problemas e dificuldades que poderá ou não encontrar em sala de aula. Um outro fator importante é a reflexão dirigida, ou seja, ir para a prática profissional (estágios, por exemplo) e voltar para a universidade com relatos para reflexão. Dessa forma, buscar um ambiente “saudável” para se vivenciar oportunidades de cooperação, faria toda a diferença para o desenvolvimento moral.
Para que isso aconteça é preciso que os estudantes das universidades tenham
acesso a essa educação de qualidade. Uma educação fomentada na ideia de ensino‐ pesquisa‐extensão, em que o aluno não seja mero coadjuvante, mas sim ator principal, que faz as mudanças acontecerem de forma real na sua vida. O role‐taking, não busca apenas uma tomada de perspectiva, ele busca proporcionar ao aluno, momentos de participação ativa, onde ele possa expressar suas opiniões e questionamentos, que possa tomar decisões, e que seja responsável pela criação de um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual dos alunos.
A universidade deve proporcionar aos seus alunos, nos estágios, por exemplo, a reflexão dirigida, para que esses alunos possam se apoiar no professor para então refletirem conjuntamente, sobre as situações assistidas dentro das escolas visitadas. Esse momento de reflexão dirigida deve ocorrer realmente, não somente nos estágios, mas em todos os momentos da relação ensino‐aprendizagem dentro da universidade.
Matérias, conteúdos, não formam professores qualificados, e muito menos
competentes moralmente. O que forma esses professores são momentos de reflexão dirigida, conjunta entre alunos e professores, de cooperação dentro da sala de aula, de estudos e observações que determinam um bom aprendizado.
A ausência de reflexão a respeito de teorias e conceitos cria entre os alunos um
indiferentismo moral. Por outro lado, a forma como estes são transmitidos impõe todo um cuidado para que não assumam um caráter ideológico e, consequentemente, induzam os futuros professores à alienação e à heteronomia. O educador, como orientador e mediador em relação à disseminação de conteúdos e desenvolvimento da competência moral, deve se constituir membro de um contrato social democrático e se inserir na comunidade acadêmica não só com a função de transmitir informações aos alunos, mas, sobretudo, comprometer‐se com o desenvolvimento da capacidade reflexiva.
Tendo colocado a importância do desenvolvimento da competência moral para
que os professores consigam trabalhar de modo mais coerente com o princípio da educação moral com seus futuros alunos, passaremos a examinar a importância do Projeto Político Pedagógico e a formação universitária.
Formação do Educador
Quando tratamos da formação universitária, estamos nos referindo a um
momento muito importante, pois se diferencia da prática isolada, descontextualizada ou da mera aplicação de técnicas. Tal formação deve ser, portanto, integral, e não apenas instrucional, particularmente. Pensando em nossos futuros professores, Goméz (1992 apud CUNICO FURLANETTO, 2010) ressalta que de acordo com a concepção de escola,
currículo, ensino, aprendizagem e formação, o professor pode ser considerado como um transmissor de conhecimentos, um modelador de comportamentos, um técnico, um planejador, ou alguém que resolve problemas. As transformações do mundo e da sociedade exigem que a concepção de homem seja revista e que a complexidade e incerteza sejam levadas em conta.
Frente a essa transformação, a abordagem interdisciplinar não é suficiente e
impõe‐se a necessidade de uma visão transdisciplinar. A autora propõe com base em suas pesquisas anteriores que a dimensão do professor interno (inconsciente) seja trabalhada durante a formação do educador. Isso nos dá a dimensão da amplitude das necessidades e reflexões em torno da tarefa de formar aquele que forma. A universidade deve garantir os princípios básicos para essa formação, e o aluno como estudante ativo tem que lutar por estes princípios e usufruir os mesmos. A função do aluno na universidade é refletir, questionar as teorias apresentadas em sala de aula, e buscar soluções reais para os problemas de ensino/aprendizagem que irá enfrentar futuramente na função de professor.
O trabalho de educação continuada também deve ser pensado como espaço de
formação, uma vez que o caráter de inacabamento da constituição do professor não é algo que se esgote, ou seja, superado na graduação. Paiva (2002, p. 98), concordando com essa ideia afirma: (...) tão importante quanto saber que competências e saberes os futuros professores precisam para se constituir como profissionais é saber como é que eles se constroem e desenvolvem durante a sua formação, isto é, é durante o curso que se forma um profissional comprometido ou não com a sua prática. O saber, deste modo, é aquele, que é construído pelo sujeito na sua interação com o meio, e por intermédio do estudo e pesquisa, dessa forma, vale ressaltar a importante relação que existe entre o ensino, a pesquisa e a interação com o meio, que o aluno deve ter, para então sair da universidade preparada para atuar nas escolas. Os conhecimentos construídos pelos docentes em sua formação inicial através da
planejamento, de elaboração de aulas e experiências adquiridas por esses de forma que esse conhecimento também é temporal, pois deve ser renovado sempre, com novas experiências e atitudes que melhorem a cada dia tal conhecimento.
Com isso fica claro que é essencial, dar valor e investir, na formação desses futuros
professores como cidadãos atuantes na sociedade, e também no trabalho em equipe desses futuros professores. Os referenciais teóricos para esse conhecer, individual e coletivo da equipe de docentes deverão se constituir a partir de temas que estão presentes na realidade escolar como as relações de gênero e sexualidade, as relações étnico‐raciais, as práticas de inclusão, e o desenvolvimento moral, dentre outras que poderão estar presente nas escolas, dependendo da sua realidade social. Para que esses temas gerem de fato reflexão e ações positivas devem ser contempladas no Projeto Político Pedagógico da instituição, pois ele é o documento norteador no âmbito educacional.
Dessa forma, as atividades de ensino deverão estar permeadas por discussões, de
todo gênero, abrangendo a concepção de ensino/aprendizagem, do aluno como ser ativo em suas decisões como sujeito, nas relações políticas e sociais, e também nas concepções de aula, e nas suas praticas educativas. Bello e Breda (2006, p. 13), exemplificam que:
(...) essas atividades de ensino deverão resgatar, de alguma forma, a participação e a responsabilidade dos professores das escolas no processo de formação de professores por parte da universidade. As atividades de extensão, às quais nos referimos, deverão reforçar o mútuo compromisso político‐social entre universidade e escola, principalmente, através da implementação de ações a favor da formação e do desenvolvimento profissionais que valorizem e evidenciem relações ético‐profissionais.
Projeto Político Pedagógico
A elaboração de um Projeto Político‐Pedagógico (PPP) consistente, amplo e
democrático pelas instituições educacionais é algo essencial para uma formação de qualidade dentro das instituições de ensino, de modo que o planejamento educacional é fonte necessária para bons resultados. Neste podemos encontrar valor inestimável, pois reflete a identidade da escola e tem a capacidade de resgatar em cada um dos educadores participantes da elaboração do PPP os anseios, desejos e esperanças em
relação à escola e aos alunos. O PPP transcende um simples documento que concentra planos de ensino e atividades. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos por todos os membros envolvidos neste processo.
Para Veiga (1995, p. 13), o PPP:
(...) busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade [...] Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade.
Dessa forma podemos verificar que a ação em conjunto de todos, docentes,
discentes, funcionários, para a construção do PPP, é essencial para que o mesmo cumpra com todas as suas exigências e deveres, e possa dessa forma, formar discentes da melhor maneira possível. Quanto à finalidade do PPP, Marin (1995) afirma que tem por objetivo reorganizar as ideias e fatos relativos ao trabalho educativo. Sugere modificações substanciais no que se refere ao planejamento, execução e avaliação das atividades docentes e discentes. É um instrumento que garante que um determinado conjunto de temas e questões levantados pela instituição escolar como importantes na formação de seus alunos sejam abordados, tendo‐os como eixos orientadores, mesmo que se depare com as diversidades inerentes a diferentes profissionais. Cação (2010) analisa a Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a educação básica, mas faz importantes considerações que são pertinentes para a educação superior. Coloca que o PPP é a consubstanciação do currículo que por sua vez não é um conceito, mas,
(...) construção social, itinerário formativo, organização e articulação interna de um curso de estudos no seu conjunto, no âmbito do qual devem colocar‐se organicamente os currículos específicos, tendo em vista o projeto político pedagógico construído pela escola, o orientador e organizador de todas as práticas educativas que se desenvolvem no
interior da instituição escolar. É ele que confere organicidade, sentido e o horizonte a ser atingido pela totalidade dos agentes educacionais, considerando as finalidades da educação, a filosofia e objetivos da escola (p. 382).
No âmbito universitário, espera‐se que o PPP, seja emancipador, democrático, e
que de toda forma transforme socialmente os discentes e docentes ao qual o mesmo é ligado. Para tanto, a coletividade deve ser contemplada na hora do planejamento. A participação da coletividade é fundamental na construção de qualquer PPP, mas poderíamos dizer que na universidade isso é ainda mais premente, uma vez que o objetivo maior dessa área é uma formação emancipatória, cidadã, tanto profissional como de forma pessoal, na transformação social do mesmo; e se não houver participação na construção do curso, não há como formar cidadãos capacitados a também construir.
Almeida (1995, p. 16) afirma ainda que é necessário que para construção do PPP
que ocorram discussões entre todos os presentes no curso, que seja uma decisão coletiva, com a ajuda dos docentes e discentes do curso.
Para ele:
O projeto pedagógico é a identidade do curso. Nele se estabelece o que todos os cursos têm em comum e se explicitam as peculiaridades que os distinguem dos outros os tornando únicos. Ele deveria servir de base para o estabelecimento das prioridades no âmbito da pesquisa e nortear os critérios para admissão dos docentes, mas como, em grande parte dos cursos, o projeto pedagógico não está explícito, as prioridades de pesquisa se sobrepõem ao ensino e os critérios para a admissão de docentes são fixados pelos departamentos e não pelos cursos. (ALMEIDA, 1995, p. 18‐19, grifo do autor).
Além da participação docente, deve‐se ressaltar a importância da consideração
pela participação ativa do corpo discente em sua própria formação, ou seja, a formação do cidadão participativo pressupõe um ambiente democrático e não totalmente pré‐ determinado. Dentre as atividades acadêmicas, o ensino tradicional tende a valorizar apenas as tarefas pré‐determinadas pela grade curricular, mas é importante lembrar que para além dessas atividades, a formação acadêmica deve contar com as atividades semi‐ curriculares (como optativas, monitorias, atividades de pesquisa e projetos de iniciação científica) e extracurriculares (grupos realizados na universidade com caráter artístico,
político, estudo de temas sociais etc.) (SCHILLINGER, 2006). É no conjunto de todas as atividades propostas que se pode atingir o objetivo de formação do cidadão participativo e democrático.
Essa relação entre a universidade e a escola, deve ser efetiva, pois uma
complementa os saberes da outra, essa troca de conhecimentos faz novas teorias surgirem e guiarem os futuros professores. Seria necessário ampliar este contato entre ambas, de forma não sejam vistas como opostas, mas sim, como semelhantes, pois o ensino permeia as duas, pois buscam formar cidadãos para mudar a sociedade.
Devemos ver a Pedagogia como ciência prática, seu objetivo de estudo é uma
prática educativa que ocorre na sociedade. Uma prática em transformação. Seu papel é contribuir para a análise teórica e a orientação dessa prática em transformação. O estágio assim das universidades devem garantir toda essa bagagem teórica e prática, para que os seus alunos saiam efetivamente formados, e que estes possam proporcionar aos seus futuros alunos oportunidades de assunção de conhecimentos, e que por fim os formem pessoas autônomas, para que assim possam elas modificar a sociedade que nos rege. O estágio para o aluno de Pedagogia deve ser muito mais do que uma observação, deve ser um momento de reflexão, desde a sua ida até as escolas, até suas suposições dentro da sala, sobre um bom ensino para as crianças. Portanto, compreendemos que o Projeto Político Pedagógico, precisa contemplar
a reflexão docente, que seja um espaço de discussões, e que além de tudo, seja um espaço que contemple a dimensão moral, pensando e planejando as relações na sala de aula bem como as propostas de reflexões sobre os valores morais, que são fundamentais na educação. Pois se espera formar profissionais competentes em todas as esferas, sendo elas educacionais e morais, já que é este o profissional que irá formar os cidadãos que constituirão a sociedade do futuro.
Considerações Finais
Entendemos assim que a educação tem o papel de desenvolver o potencial reflexivo que levará o sujeito à crítica de sua práxis. Nesse sentido, esse estudo
pretendeu relacionar a competência moral com o Projeto Político Pedagógico buscando identificar quais são os planos colocados nos Projetos Políticos Pedagógicos em termos de construção do sujeito reflexivo e se tais planos têm surtido efeito no desenvolvimento dessa competência fundamental que é a competência moral. Dessa forma pretendeu‐se avaliar a competência moral interligada a formação do educador de modo analisar que o ambiente universitário que conjuga ensino, pesquisa e extensão favorecesse o desenvolvimento da capacidade reflexiva. Avaliando assim a importância da construção do Projeto Político Pedagógico como fonte de conhecimento tanto para os alunos como para os professores, pois visa assim uma autorreflexão sobre o que se espera teoricamente e o que devemos fazer na prática, fazendo assim a práxis dentro da universidade, explicitando assim nossa preocupação com assunção de responsabilidade e reflexão dirigida, que devem ser essenciais dentro do ambiente universitário.
A boa formação não é só direito do aluno, mas um dever das instituições de ensino
que pleiteiam uma boa educação. Uma boa educação vai muito além de conteúdos passados, uma boa educação é a vivência destes conteúdos, é a experimentação que deve ser oferecida nas universidades. A universidade é espaço privilegiado para a construção da democracia e cidadania. Investir na universidade, na boa formação é investir no futuro da sociedade.
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