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DIREITO, IDENTIDADE E TRANSGENERIDADE: O PRECONCEITO DO MERCADO DE TRABALHO NA CONTRATAÇÃO DE PESSOAS TRANS

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DIREITO, IDENTIDADE E TRANSGENERIDADE: O PRECONCEITO DO MERCADO DE TRABALHO NA CONTRATAÇÃO DE PESSOAS TRANS

LAW, IDENTITY, TRANSGENERITY: THE PRECONCEPTION OF THE FORMAL LABOR MARKET IN HIRING TRANSGENDER PEOPLE

Gustavo Henrique de Araujo Nery Jessica de Araujo do Carmo Simone Maria Palheta Pires

Palavras-chave: Identidade. Transgeneridade. Mercado de Trabalho. Preconceito.

Keywords: Identity. Transgenerity. Labor Market. Preconception.

1 INTRODUÇÃO

Pretende-se analisar a transgeneridade, um tema ainda considerado tabu na sociedade brasileira, bem como o consequente preconceito existente no ambiente do trabalho no Brasil. São tidos como “desviantes”, “homem preso no corpo de mulher” (e vice-versa), “doentes” e “portadores de transtornos mentais”; visto que o “normal” ou “natural” é ser homem ou mulher. Antes de adentrar no foco da pesquisa em si, faz-se imprescindível a distinção entre os conceitos de sexo, gênero e orientação sexual, para que se entenda a conceituação do termo “transgênero”.

Segundo as ciências biológicas, “sexo” refere-se às características biológicas de uma pessoa, em termos físicos, estéticos e genitais. “Gênero”, em linhas gerais, de acordo com Judith Butler (2010, p. 25), é a identidade do que é considerado masculino e feminino, ou seja, é como a pessoa se enxerga e se identifica. Enquanto que, para Sousa Filho (2009, p.73), “orientação sexual” se refere ao tipo de atração que a pessoa sente.

Diante das transformações cada vez mais intensas nas relações entre esses conceitos, tornam-se evidentes os efeitos irradiados sobre o mercado de trabalho. O presente resumo tem o objetivo de avaliar especificamente a resistência e o preconceito ainda enfrentados pelos

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assegurada pela Constituição Federal - demonstra que a realidade enfrentada por esse grupo merece atenção especial, no sentido de garantir o pleno acesso às oportunidades trabalhistas e o efetivo respeito aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A pesquisa é dedutiva, o estudo tem uma abordagem qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica e em pesquisa documental (dados secundários), considerando algumas premissas provisórias.

2 TRANSGENERIDADE

Com a forte influência da Igreja Católica e do cristianismo na formação dos valores e relações sociais, assim como da medicina dos séculos XVIII e XIX, segundo Thomas Laqueur (1992), consolidou-se uma visão dicotômica e binária a respeito do corpo e da sexualidade: homem e mulher. Dessa forma, todos que não se “encaixam” nessa classificação, são considerados incoerentes e/ou anormais.

No entanto, o desenvolvimento de estudos antropológicos, sociológicos e médicos, principalmente no desenrolar dos séculos XIX a XXI, ao estudar acerca dos hijras, intersexuais e hermafroditas, concluíram que as formas de se relacionar sexualmente, de aparentar e de socializar iam muito além do que se conhecia como “macho” e “fêmea”. Foram definidos inúmeros conceitos sobre gênero, ratificando que não há uma naturalidade exclusiva na relação gênero-genital. Se trata de uma identidade, a forma de uma pessoa se reconhecer e de interagir com o meio social.

Assim, mesmo não havendo consenso entre os estudiosos, a Conferência Internacional sobre Direito Transgênero e Política de Emprego (1992) definiu “transgênero” como o indivíduo que se identifica com um gênero diferente daquele que corresponde ao seu sexo biológico, sem necessariamente manifestar desejo de modificar sua anatomia corporal e podendo ser heterossexual, homossexual, bissexual, etc.

Dessa maneira, a comunidade trans, ao assumir uma conduta diferente daquela já estabelecida socialmente, enfrenta dificuldades em seu reconhecimento e na sua socialização, uma vez que o controle da disciplina, conforme Judith Butler (2003, p. 59), estigmatiza e naturaliza estereótipos, viabilizando a marginalização dessas pessoas perante a sociedade.

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Concomitantemente, salienta-se a violência, o preconceito e o bullying, e limita-se o acesso do grupo à educação, à saúde, e à empregabilidade.

3 DISCRIMINAÇÃO DE TRANSGÊNEROS NO MERCADO DE TRABALHO

3.1 A RESISTÊNCIA TRADICIONALISTA DAS ORGANIZAÇÕES

As transformações ocorridas na sociedade exigem mudanças profundas e cada vez mais frequentes no ambiente de trabalho. A pluralidade de pessoas, relacionamentos e culturas exige a adaptação constante das organizações, no sentido de superar modelos gerenciais ultrapassados. Tornam-se visíveis, desse modo, as demandas pretendidas pelas minorias, que lutam por representatividade e pela valorização de suas identidades na esfera profissional.

O aprimoramento de ações e posturas mais democráticas no âmbito interno das organizações pode servir como um meio transformador de toda a cultura organizacional, sendo capaz de gerar impactos diretos na produtividade e na eficiência da empresa. Entretanto, a maioria do mercado não se mostra aberto o suficiente às transformações sociais, usando como justificativas o machismo e a imaturidade dos funcionários e dos clientes em lidar com questões ligadas ao gênero e à sexualidade. Com isso, cria-se um sistema tradicional, com pouca flexibilidade para lidar com as necessidades vindas do ambiente externo.

A dificuldade em lidar com as diferenças faz com que as organizações, ao priorizar pela manutenção de valores tradicionais, submetam a valorização das competências profissionais de seus empregados ao plano secundário. Como ressalta Vasconcellos (2014, p. 9), por não observarmos identidade de gênero, orientação sexual e aparência como fatos determinantes para as competências exigidas nas organizações, conclui-se que a discriminação às pessoas trans decorre unicamente de fatores culturais.

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Para Maria Helena Diniz (2010, p. 135), os direitos de personalidade representam basicamente o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a identidade, a honra e a imagem. Tartuce (2014, p. 119) afirma que esses direitos representam a regulação civilista de valores e garantias previstos pelos direitos fundamentais. Nota-se, com isso, a importância desses valores, a fim de garantir o respeito ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

O artigo 16 do Código Civil determina que toda pessoa tem direito ao nome. Aplicando-se à realidade das pessoas trans no Brasil, visa asAplicando-segurar não só o direito à mudança do nome civil, mas também o respeito ao uso do nome social por parte das pessoas que ainda estão no processo de mudança do nome ou que optaram por não fazê-lo.

Nome social é aquele pelo qual a pessoa se reconhece e prefere ser chamada cotidianamente, podendo ser diferente daquele oficialmente registrado e que não reflete sua identidade de gênero. No âmbito profissional, representa a alteração de tudo que tenha relação com a individualidade da pessoa, como o nome que consta em seu crachá ou o seu endereço de e-mail.

Apesar das garantias legais, muitas empresas ainda se mostram resistentes em aceitar o nome social adotado pelas pessoas trans. A exigência de documentos que “comprovem” a transgeneridade é só uma das medidas usadas para dificultar a aceitação e adaptação do ambiente organizacional com as necessidades suscitadas por esse grupo. Dessa forma, é possível adiar as mudanças pretendidas, conservando o preconceito e o tradicionalismo cultural nos quais as políticas empresariais estão baseadas.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é fundamental que a empresa respeite a decisão do empregado de pertencer a um gênero diferente do sexo atribuído no nascimento. Assim, torna-se desnecessária a exigência de documentos ou explicações que justifiquem as características dessas pessoas. Faz-se necessário o entendimento de que a autodeterminação deve ser suficiente para fundamentar as transformações almejadas.

Como consequência das dificuldades enfrentadas, essas pessoas passam a sentir-se oprimidas e desencorajadas a falar abertamente sobre a visão que têm a respeito de suas identidades. Essa expressão da diversidade humana, quando coibida, torna o ambiente organizacional menos rico e caracterizado por uma homogeneidade artificial, baseada numa

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repressão que pode afetar a todos que se relacionam com a empresa. Além disso, gera impactos negativos no rendimento pessoal desses indivíduos, afetando a produtividade de toda a empresa.

A capacidade de aproveitar as vantagens da diversidade é uma necessidade destacada por Puente-Palacios, Seidl e Silva (2008, p. 87). A pluralidade também pode representar um diferencial competitivo em relação a outras empresas, já que as políticas de inclusão fazem parte de uma cultura organizacional mais flexível ao ambiente externo.

Para Fernandes e Zanelli (2006, p. 69), ao exercer funções baseadas em padrões, os indivíduos passam a não distinguir suas identidades pessoais, ocorrendo a despersonalização de suas relações com o ambiente de trabalho. Por esse motivo, é imprescindível que a organização adote uma postura mais democrática, no sentido de incentivar a autonomia, a criatividade e a identidade de cada um dos seus membros.

3.3 TRANSFOBIA NO AMBIENTE DE TRABALHO E A

VULNERABILIDADE AO HIV

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, “transfobia” é a discriminação, aversão ou violência praticada contra travestis ou transexuais devido a sua identidade de gênero. Ela se manifesta sob a forma de opiniões negativas, de exclusão, de negação do acesso às políticas públicas, de agressões verbais e físicas, ou mesmo de assassinato. Manifesta-se também de forma indireta com a preocupação excessiva em garantir que as pessoas sigam os papéis sociais associados ao seu sexo biológico.

Dessarte, a transfobia está cada vez mais presente no cotidiano dos trangêneros. São frequentes os relatos da recusa de empresas a vagas para esse público, com base em discursos preconceituosos e intolerantes, alegando a “má convivência” entre os colegas de trabalho, e por não terem as “características desejadas” pelas empresas de contratação.

Segundo o Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre Gays, HSH (homens que fazem sexo com homens) e Travesti, os trans são apontados como minorias vulneráveis, pois fatores imbricados, como a exclusão do convívio familiar, a descontinuidade da educação formal, o preconceito e a discriminação, oportunizam a exclusão

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desses à sociedade, levando a serem suscetíveis a contrair doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e o vírus HIV.

Nesse contexto, destaca-se o resultado de uma pesquisa realizada pela ANTRA [Associação Nacional de Travestis e Transexuais], que apontou que mais de 90% de travestis e transexuais vivem unicamente da prostituição, assim como a expectativa de vida deles é de cerca de 35 anos - bem abaixo da média nacional, estimada pelo IBGE, em 2013, em 75,2 anos.

Outrossim, vale frisar que, conforme a Recomendação número 200, sobre HIV e Aids no mundo do trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não deve haver nenhuma discriminação nem estigmatização de trabalhadores, a pretexto de infecção real ou presumida pelo HIV, ou pelo fato de pertencerem a regiões do mundo ou a segmentos da população tidos como de maior risco ou de maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV. Também se deve destacar que o estigma e o caráter, principalmente econômico e social, proporcionam uma baixa qualidade e expectativa de vida, pois a pessoa portadora do vírus HIV, se descoberto o diagnóstico precocemente, pode dar início a um tratamento mais digno e capaz de gerar maiores resultados.

4 RESULTADOS

Diante ao exposto, conclui-se que a transfobia, conforme as suas complexidades, está intrinsecamente ligada a exclusão de pessoas trans no convívio social, dado que o preconceito, a discriminação e a falta de oportunidades consolidam sua marginalização e reproduzem um imaginário pautado em falácias e estereótipos. Transgeneridade não é doença, é uma questão de identidade, sociabilidade, e visibilidade dessas pessoas.

Dito isso, para que se combata esse estigma no ambiente de trabalho, é indispensável que as lideranças e os profissionais da empresa e de organizações busquem amparar e construir seu posicionamento com base na identidade organizacional – missão, visão e valores, bem como no código de conduta e nas políticas relacionadas à identidade e aos princípios éticos na gestão; isto é, os valores e a identidade das empresas devem ter como perspectiva a valorização da diversidade, para que cada competência seja aproveitada ao

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máximo, além de que a pluralidade possa ser um diferencial competitivo no âmbito externo, e possa ampliar o repertório de respostas a possíveis conflitos.

Além disso, para que a luta ao preconceito seja efetiva, faz-se necessária a difusão de uma cultura do repeito, do diálogo, do acolhimento e da colaboração no meio profissional e externo, através de programas de capacitação e de políticas de inclusão que promovam o debate sobre o assunto e sua conscientização, a fim de essa minoria seja reconhecida como pertencente à sociedade (não mais subalterna ou desviante), e que seus direitos inerentes à condição humana, a honra, a imagem e ao corpo, sejam assegurados.

REFERÊNCIAS

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