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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais. De 22 a 26 de julho de 2013.

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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013.

GRAMSCI E SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL: APLICAÇÃO, "TRADUÇÃO", ESPECIFICIDADE OU INACURACIDADE

TEÓRICO-PRÁTICA?

Área Temática: Instituições Internacionais Painel: Novos Aportes Teóricos

Trabalho Avulso

Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

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Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos

GRAMSCI E SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL: APLICAÇÃO, "TRADUÇÃO", ESPECIFICIDADE OU INACURACIDADE

TEÓRICO-PRÁTICA?

Trabalho submetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.

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2013 RESUMO

A hipótese defendida no texto é a existência de uma inacuracidade teórico-prática no uso da categoria de sociedade civil internacional numa chave gramsciana, fundamentada nos seguintes argumentos: a) não existe na obra gramsciana a categoria de sociedade civil internacional; b) a unidade orgânica entre Estado e Sociedade Civil da definição gramsciana no plano internacional teria como consequência teórico-prática um Estado mundial; c) não há um esforço criativo e rigoroso dos intérpretes “neogramscianos” de desenvolver o que Gramsci chamou de “tradução” para sustentar a categoria de sociedade civil internacional.

Palavras – Chave: Gramsci, sociedade civil, sociedade civil internacional, relações internacionais, tradução.

1. Introdução: definição, problema e hipótese

O objetivo do presente texto é apresentar resultados iniciais de pesquisa em torno da abordagem da sociedade civil como categoria gramsciana em sua feição internacional. A disposição do texto está assim composta: um aprofundamento do conceito em pauta com base na obra carcerária, seguido de uma abordagem sobre as possibilidades encontradas na literatura pertinente sobre a variante do conceito no plano internacional e uma discussão metodológica sobre tais possibilidades, com as considerações finais resumindo os argumentos e apontando as possibilidades aprofundamento ulterior da pesquisa.

O conceito de sociedade civil do comunista italiano Antonio Gramsci remete à unidade entre Estado e Sociedade Civil, sendo esses dois planos admissíveis de separação apenas metodologicamente. Ainda que na obra gramsciana o domínio da sociedade civil seja identificado especificamente com aquilo que o comunista italiano chama de “aparelhos privados de hegemonia” que se manifestam no domínio das relações sociais, econômicas ou aquilo que metaforicamente Marx chamou de “estrutura”, a abordagem do comunista italiano é diferente da abordagem marxiana. A unidade orgânica entre os dois âmbitos – chamados por Marx figurativamente de “estrutura” e “superestrutura” - aparece na “fórmula” gramsciana “Estado = sociedade política + sociedade civil, ou seja hegemonia encouraçada de coerção” (GRAMSCI,

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1975: pp. 763-4)1, uma só totalidade dialética e orgânica une sociedade política e

sociedade civil, força e consenso, suas instituições e seus cidadãos nos diversos loci de conflitos políticos (IDEM, IBIDEM: pp. 810-1, 1589-1590). A priori, parece ser a sociedade civil o domínio do consenso por oposição á sociedade políica o campo da força. A unidade dialética entre estes dois âmbitos relativiza tal associação na medida em que é cabível localizar a força na sociedade civil na perspectiva de unidade dialética com o consenso e não como domínio exclusivo e excludente de uma característica em cada nível. Portanto, um ponto central para o argumento é a distinção apenas metodológica entre os dois planos, uma vez que o nexo entre os distintos não permite conceber a força sem o consenso, o consenso sem a força, o poder político sem legitimidade e a legitimidade sem o poder político. O centauro maquiaveliano, fonte lapidar para a elaboração gramsciana, não existe caso sejam separadas a parte ferina e a parte humana, corroborando a já citada unidade dialética entre força e consenso. Evidentemente a que a direção hegemônica2 no interior da

sociedade civil por um grupo ou fração de classe tem o predomínio do consenso mas com o vínculo orgânio com a força.

O primeiro caderno carcerário escrito por Gramsci no cárcere fascista tem no seu parágrafo 150 a primeira formulação referente ao conceito em pauta. Já sugere um entendimento do Estado de modo a não vê-lo somente numa perspectiva estritamente política ou econômica. Estas duas perspectivas se fundem em uma única totalidade. A reprodução do trecho em questão (um texto “A”)3, a despeito de longa, é

de fundamental importância, até porque já põe em evidência o temário internacional:

“Para as classes produtivas (burguesia capitalista e proletariado moderno) o Estado não é concebível como uma forma concreta de um mundo econômico particular, um certo sistema de produção. A conquista do poder e a afirmação de um novo mundo de produção são inseparáveis: a propaganda é a propaganda de um para o outro: na verdade, apenas nesta coincidência reside a origem da classe dominante, que é unificada em

termos econômicos e políticos.

Em vez disso, quando o impulso para o progresso está intimamente ligado

1

Para uma visão mais ampla sobre essa e outras interpretações distintas da obra gramsciana sobre esse tema consultar BIANCHI, 2008: p. 173-198.

2

Uma noção, por assim dizer “multidimensional”: a direção hegemônica é econômica, ético-política, moral, intelectual, cultural.. Os aparelhos privados de exercício e construção de tal hegemonia na sociedade civil são as igrejas, sindicatos, escola, mídias etc.

3 Toma-se como referência a edição crítica dos cadernos do cárcere de Gramsci organizada pela equipe de Valentino Gerratana pela primeira vez em 1975. Nesta edição crítica, foi feita a distinção entre os textos “A” de primeira redação por Gramsci e textos “C”, os quais o autor italiano retomou os mencionados textos “A” com alterações ou não na escrita. Por sua vez, os textos “B” foram aqueles de redação única, sem retomada na escrita.

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ao desenvolvimento econômico local, mas é refletido no desenvolvimento internacional que envia para a periferia suas correntes ideológicas [nascidas na base do desenvolvimento produtivo dos países avançados], então o classe que é a classe das novas idéias dos intelectuais e a concepção de

Estado muda de aspecto” (GRAMSCI, 1975: pp. 132-3)4.

O texto acima – escrito em maio de 1930 (FRANCIONI, 1984: p. 140) - discute numa perspectiva de unidade entre política e economia o nexo entre a unidade entre sociedade política e sociedade civil. Tal linha de raciocínio estabelece um nexo de unidade orgânica com o plano internacional sem que em momento algum seja sugerida algo que remeta a uma sociedade civil internacional, termo que não existe e não é mencionado na obra gramsciana, seja ela pré-carcerária ou carcerária .

Na segunda redação do trecho, o parágrafo 61 do caderno 10 escrito entre fevereiro e maio de 1933 (FRANCIONI, 1984: p. 144) – um texto “C” portanto – é encontrada a seguinte redação:

“Embora seja verdade que as classes fundamentais

de produção (burguesia capitalista e proletariado moderno) o Estado não seja concebível mais do que forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção, não é dito que a relação dos meios e dos fins seja facilmente determinável e assuma a aparência de um esquema simples e óbvio à primeira vista óbvio” (GRAMSCI, 1975: p. 1360).

A passaem citada sugere que a despeito da unidade entre Estado e sociedade civil , políica e economia, não há um automatismo, um fatalismo ou determinismo automático envolvendo ambos. Como sugeriu Alvaro Bianchi, o tempo da modernização de um Estado não acompanha necessariamente o tempo da modernização econômica na formulação acima mencionada (BIANCHI, 2008: p. 174).

Em linha de raciocínio semelhante, Gramsci formulou no parágrafo 2 do caderno 13 que as relações internacionais seguem logicamente as relações sociais fundamentais. Seguir logicamente não significa que se possa conceber o nexo orgânico entre nacional e internacional como se fossem reflexos “automáticos” ou reproduções um do outro. Se é possível conceber distintas temporalidades dentre da

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Doravante, todas as traduções do italiano para o português serão de minha responsabilidade. Reproduzirei também os originais de todos os trechos tomados em outras línguas. Neste o texto italiano é assim formulado: “Per le classi produttive (borghesia capitalistica e proletariato moderno) lo Stato non è concepibile che come forma concreta di un determinato mondo economico, di un determinato sistema di produzione. Conquista del potere e affermazione di un nuovo mondo produttivo sono inscindibili: la propaganda per l’una è anche propaganda per l’altra: in realtà solo in questa coincidenza risiede la origine unitaria della classe dominante che è economica e politica insieme.Invece quando la spinta al progresso non è strettamente legata a uno”.

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unidade entre política e economia, entre Estado e relações sociais, entre o desenvolvimento da estrutura e o da superestrutura, o mesmo pode ser dito quanto aos planos nacional e internacional. Outro argumento que aponta para o cuidado que se deve ter para formular e pensar a categoria de sociedade civil em chave gramsciana para o âmbito internacional.

Todavia, a atenção para uma leitura mais rigorosa da formulação gramsciana de modo a contemplar todos estes aspectos não foi exatamente a Fortuna que os cadernos gramscianos tiveram. Se por um lado as antologias gramscianas de passagens mutiladas e organizadas conforme a uma suposta sistematização dos seus escritos proporcionaram uma enorme repercussão de algumas de suas idéias, por outro as idéias do prisioneiro de Mussolini passaram por um “filtro” que está longe de corresponder a sua formulação originária.

Gradativamente, a popularização da obra carcerária de Gramsci através de uma apropriação viesada e parcial de seus cadernos carcerários em edições mutiladas temáticas, organizadas de modo conveniente á orientação stalinista do Partido Comunista Italiano, caracterizou Gramsci como o teórico da conquista de espaços gradativa por meio da sociedade civil e do consenso, a característica que lhe é peculiar por oposição à coerção da sociedade política, o Estado. Gramsci foi transformado no profeta desarmado da sociedade civil organizada, da conquista de espaços na mesma sociedade em conformidade com muitas abordagens liberais.

O grande impulso das últimas décadas nos estudos internacionalistas e também nas abordagens de algum modo tributárias de Gramsci também deram forte impulso ao conceito na feição internacional, com vários significados. Abordar tal elaboração em termos iniciais é um dos objetivos deste texto, bem como buscar apontar alguns elementos para solucionar uma questão central.

O problema que orienta esta apresentação é o seguinte: tomando por base o conceito de sociedade civil gramsciano cunhado originalmente para o contexto do interior de um Estado: qual a natureza de seu eventual uso no plano internacional?

Dentre as possibilidades de discutir a sociedade civil internacional numa chave gramsciana, elenca-se algumas possibilidades. Elas serão tratadas nesta apresentação. Seriam a de aplicação do conceito para o temário internacional,sua “tradução” – conforme próprio léxico de Antonio Gramsci a ser abordado mais adiante no presente texto -, o conceito visto em especificidade que permite abordá-lo com algumas diferenças para o plano internacional e uma inacuracidade teórico-prática,

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caracterizando a inviabilidade do uso do conceito fora dos limites internos de um Estado.

A hipótese sustentada neste texto se inclina pela última possibilidade mencionada. O conceito gramsciano de sociedade civil é referente especificamente ao plano interno dos Estados e não é pertinente tampouco acurado seu congênere nas relações internacionais. Não se trata de um dogma ou uma definição única, até porque o historicismo absoluto gramsciano de suas categorias é aberto a diferentes possibilidades históricas e culturais de definição de uma mesma categoria. A hipótese se sustenta nas seguintes justificativas. a) não existe na obra gramsciana a categoria de sociedade civil internacional; b) a unidade orgânica entre Estado e Sociedade Civil da definição gramsciana no plano internacional teria como consequência teórico-prática um Estado mundial; c) não há um esforço criativo e rigoroso dos intérpretes neogramscianos de desenvolver o que Gramsci chamou de “tradução” para sustentar a categoria de sociedade civil internacional.

Passemos, pois, a um breve exame que permita apontar para a hipótese anunciada.

2. Sociedade Civil Internacional: aplicação

Conforme abordado, uma possibilidade de abordar o conceito de sociedade cvil além das fronteiras de um Estado remete a uma aplicação. Aplicar o conceito em questão significaria enfatizar o consenso no âmbito de buscar e defender direitos dos cidadãos, buscar compreender os movimentos sociais e organizações que atuam no âmbito global.

Uma possibilidade de aplicação do conceito às relações internacionais remete a contribuições importantes da literatura nacional, embora discutíveis. É marcante a centralidade Gramsci no argumento das mesmas, mas não há sequer referência ao fundados do PCI na bibliografia. Villa enfatiza o sentido gramsciano por trás de uma sociedade civil transnacional que contemple o consenso e os direitos dos cidadãos e que se aproxima do sentido de criar instituições democráticas compatíveis com tais objetivos (VILLA, 2008: p. 114). A filiação gramsciana não é questionada quando se analisa em outras contribuições o vínculo entre que os autores neogramscianos chamam de sociedade civil internacional ou sociedade civil global em conformidade com o pensamento do autor italiano. De novo, não há menção ao autor italiano sequer

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na bibliografia, apesar da expressão “análise gramsciana” constar no título do texto (CRUZ, 2000; BERRINGER, 2012, p. 26).

Aproveitando a menção a tais autores, chama atenção para o fato de que os assim chamados autores “neogramscianos” não se valem dos textos presentes na edição crítica de Valentino Gerratana – disponível nas línguas italiana e espanhola -, o que denota um conhecimento de Gramsci somente em inglês a partir das antologias e edições temáticas dos cadernos carcerários.

As conseqüências disto aparecem em suas contribuições, de modo inclusive que o tema em pauta seja tratado como uma aplicação para ambiente internacional.

Assim os autores “neogramscianos” vêem no conceito em questão várias possibilidades: as organizações internacionais, os movimentos sociais na perspectiva exterior aos Estados.

Aplicar o conceito de sociedade civil ao plano internacional às organizações internacionais é o objetivo da abordagem de Craig N. Murphy. Para ele, Gramsci criou uma síntese entre o pensamento liberal de Croce e sua abordagem marxista combinado com o realismo de Maquiavel para analisar a sociedade civil internacional em termos de uma liderança intelectual e política que se consubstancia nas forças sociais que compõem um dado bloco histórico junto com os Estados, seus instrumentos coercitivos e suas instituições no âmbito do consenso. A sociedade civil internacional seria compreensível a partir de tal quadro, variando historicamente em termos de um perfil que passou das Uniões Internacionais do século XIX até a Grande Guerra, o primado do liberalismo sob a égide das instituições inspirados no ideário da Liga das Nações nos anos 20 e 30 e a hegemonia norte-americana do qual o sistema onusiano fez parte. Força e consenso de alguma forma caracterizaram tal sociedade civil internacional, identificada genericamente com as tais instituições, mas também com as iniciativas organizadas que vão para ao além-fronteiras referentes às demandas organizadas dos cidadão dos diferentes Estados. O sistema de coerção proporcionado por tais instituições internacionais foi um dos principais componentes ausentes de modo a ajudar a explicar o fracasso do conjunto de organizações vinculadas à Liga das Nações e explicar a maior efetividade do período das uniões Internacionais e da ONU (MURPHY, 1994).

O mais conhecido dentre os autores tributários de Gramsci nos estudos internacionalistas é certamente Robert W. Cox. Sua tese de internacionalização do Estado apresentada em famoso artigo em que inaugura sua abordagem teórica

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conhecida como “Teoria Crítica” apresenta a tese de internacionalização do Estado (COX, 1981: p. 144-146) para se referir, entre outros, a aspectos coercitivos da hegemonia norte-americana. Curiosamente ao propor a análise da internacionalização do Estado, Cox não tira conseqüências da definição enunciada corretamente em conformidade com a abordagem gramsciana sobre a convenção errônea de se separar Estado e Sociedade Civil quando aborda o tema da internacionalização do Estado. Em outras palavras, não explica o significado da unidade orgânica entre Estado e Sociedade Civil para o plano internacional. Outro autor neogramsciano, Mark Rupert (2007: p. 155), é quem se refere a tal análise de Cox como referente à emergência de uma sociedade civil global por meio da qual o capital buscou se organizar no além-fronteiras após a Segunda Guerra Mundial. Cox ainda aborda em outro momento de seu opus (COX & SCHECHTER, 2002: p. 92) os movimentos sociais de projeção global com constitutivos de uma sociedade civil transnacional.

Stephen Gill aborda a dificuldade uma hegemonia no plano internacional, haja vista a inexistência de um Estado mundial ou mesmo uma única sociedade civil internacional madura, mesmo que se considere a existência de instituições, organizações, normas formais e informais e uma complexa rede de produção e transações econômicas em alguns casos envolvendo agentes estatais (GILL, 2007: p. 83).

Ao tratar de uma sociedade civil transnacional, Pijl a entende como um conjunto de mecanismos desenvolvidos ao longo dos séculos XIX e XX como um conjunto de forças sociais transnacionais que tiveram papel destacado na mediação entre extremos, organização da vida e da técnica – Igreja Católica, Rotary, judeus – dentro daquilo que o autor chamou de núcleo lockiano (PIJL, 2007: p. 340-341).

A análise de Fred Gale para o conjunto de regras formais e informais, padrões de ação de diferentes atores etc., dentro do que se conceitua como regimes internacionais, consiste naquilo que pode ser chamado de Sociedade civil global.

Fugindo um pouco ao lócus anglo-saxônico mas com resultados semelhantes, a proposição de Giorgio Carnevali dá conta de uma estrutura (sistema da economia mundial) e superestrutura (plano ideológico e militar do qual as instituições internacionais fazem parte) ao nível internacional (CARNEVALI, 2005: p. 48).

A única contribuição que efetivamente chama a atenção para a dificuldade de se tratar do conceito de sociedade civil no além-fronteiras em face da contraparte de um Estado mundial é a de Randall & Germain (1998: p. 15).

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Chama a atenção como todos os outros autores entendem como algo resolvido e passível de conclusão tal aplicação do conceito. Alguns chegam mesmo a referenciar textos de Gramsci, como se o conceito aplicado ao nível exógeno estivesse efetivamente límpido e cristalino. Na verdade, não está e não aparece de modo textual como algumas referências dão a entender.

3. "Tradução", especificidade ou inacuracidade teórico-prática?

Por que as abordagens arroladas acima não poderiam se entendidas como uma especificidade da abordagem internacional da categoria gramsciana em questão ou mesmo uma “tradução”? Não seria a aversão gramsciana a uma perspectiva esquemática, mecanicista do marxismo propensa a uma adaptação para a especificidade internacional nos temos acima esboçados em consonância com a transformação histórica ocorrida desde a morte do comunista sardo?

Em primeiro lugar, abordar-se-á a eventual especificidade que comportaria tais usos. Conforme já foi escrito, Gramsci referiu ao nexo entre local e global de modo a admitir uma relação lógica, não uma mera continuidade ou semelhança com algumas diferenças. Pergunta-se: por que Gramsci vislumbrou em sua obra a categoria de hegemonia para o plano internacional e o nível interno? E por que não fez o mesmo para a categoria de sociedade civil?

Adam Morton (MORTON, 2007: p.1) dá notícia de uma formulação gramsciana na sua obra pré-carcerária da compreensão histórica de um único capitalismo no plano global, mas com diferentes graus de desenvolvimento (GRAMSCI 1919 apud MORTON, 2007: p. 1). Ao mesmo tempo, é o próprio Gramsci quem acentua o papel da geografia e do território para a s diferentes temporalidades de desenvolvimento da vida nos diferentes Estado e até mesmo dentro de um mesmo Estado, como fica claro no seu ensaio inconcluso sobre a questão meridional (GRAMSCI, 2004). À sua época, norte e sul italianos, bem como as ilhas constituíam parte do mesmo território sob um único Estado mas com diferentes tempos de desenvolvimento das forças de produção da vida (GRAMSCI, 1975: 1562). Ora, não são as distintas sociedades civis nos seus respectivos Estados aquelas que portam tais diferenças, tais temporalidades diversas? Como pode então subsistir uma única sociedade civil sem que se expresse as fissuras no seu interior, suas contradições e diferenças atentas às particularidades nacionais?

Por sua vez, o recurso metafórico de Gramsci de “tradução” (GRAMSCI, 1975: 2268) ou tradutibilidade ou traducibilidade é coerente com o historicismo absoluto de

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seu aparato teórico-prático e não parece ser o caso das abordagens arroladas neste texto. Tal como a tradução de uma língua para outra, o sentido de uma formulação só aparece se ela não é feita muitas literal ou mecanicamente. A obra gramsciana consistiu em boa medida de traduções de diferentes categorias e autores para o âmbito do marxismo naqueles pontos que eram incompatíveis com o materialismo histórico. A historicização destas formulações é, em parte, uma tradução. Traduzir gramscianamente não é negar o potencial de uma categoria presente na obra do comunista sardo pelo simples fato dela não constar em seus escritos. Não é tomá-la como escritura sagrada ou dogma. É buscar adequá-la para cada especificidade histórica, social e cultural.

Neste sentido, uma das questões pertinentes a tal recurso metodológico não enfrentado pelos autores “neogramscianos” é: o que necessariamente muda do plano interno para o plano internacional? O que mudou do período da formulação original gramsciana para justificar uma categoria extensiva a todo o capitalismo global na sua nova feição histórica?

4. Considerações Finais

Buscou-se mostrar ao longo do texto que existe uma apropriação mecânica da categoria gramsciana sociedade civil, cunhada originalmente para o plano interno sem uma preocupação com a sua tradução em termos de uma adequação às novas particularidades históricas, sociais e culturais, enfim, distintas temporalidades que ensejam a relação entre os planos interno e externo para os quais Gramsci buscou inclusive atentar.

Longe de se debruçar sobre o movimento interno de elaboração não sistemática disponibilizado pela edição crítica da obra carcerária gramsciana, os autores neogramscianos dão a questão como resolvida mesmo sem um cuidado com a fonte primária da obra do comunista italiano. Assim como Maquiavel, fonte importantíssima do pensamento gramsciano, tudo indica que a obra, a vida e o legado de Gramsci aponta para alguém dotado de Virtú mas desprovido de Fortuna.

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Referências

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