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O PENSAMENTO MEDIEVAL E A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CAVALEIRO: DO CORPO BRUTO AO CORPO DOCILIZADO

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Academic year: 2021

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O PENSAMENTO MEDIEVAL E A CONSTRUÇÃO DO

CONCEITO DE CAVALEIRO: DO CORPO BRUTO AO CORPO

DOCILIZADO

MARRONI, Paula Carolina Teixeira1 OLIVEIRA, Terezinha

Modelos educativos e exemplos de conduta são traços marcantes nas diferentes civilizações (LUPI, 2010). Em diferentes os períodos e locais, observa-se que o fenômeno educativo é convocado para contribuir no processo de transformações sociais. A este fenômeno educativo podem ser consideradas várias ações, desde a transmissão de valores e conhecimentos de forma espontânea no ambiente familiar, religioso e convívio social, entre outros, até a formulação de estratégias de ensino das mais variadas, como a educação por agentes sociais ou por modelos de conduta.

Desta forma, a transmissão de conhecimentos tais como modelos de conduta social a exemplo de um tipo de homem, apresentado em alguns momentos como destemido, valente e protetor, ou ideal por ser responsável por seus atos, e exemplo a ser seguido são existentes em todas as civilizações, apresentando um conceito de herói e, embutido nele, o modelo de conduta social necessário para aquele contexto histórico:

[...] Todas as civilizações praticaram a guerra, e a praticam ainda, e quase todas têm o guerreiro como máximo herói, geralmente no topo das classes sociais e dirigentes. É tido como uma mostra, ou um ícone, da questão de sobrevivência, pela necessidade de usar armas para defender o grupo, a cultura, a civilização ou o império (LUPI, 2010, p. 127)

Considerando-se as afirmações de Lupi (2010) a respeito da existência de modelos de heróis em todas as civilizações, recortando-se o período medieval, principalmente entre os séculos XI e XII, observa-se a constituição de uma figura que

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Aluna do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista CAPES.

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pode ser apresentada como modelo de homem a ser seguido naquela sociedade: o cavaleiro.

Com alguma freqüência é apresentada para nós, nos dias atuais, a imagem idealizada de cavalaria medieval como a de um grupo formado por homens de elevada conduta moral e ética, voltados à proteção dos fracos e oprimidos, com uma fidelidade inabalável ao seu senhor ou rei e à palavra dada em juramento (ARIAS, 2010, p.11).

Além de Arias (2010), Barthélemy (2000) também afirma que até o século XXI a figura do cavaleiro, especialmente o cavaleiro francês, aparece como um modelo de coragem e generosidade. Esta figura idealizada também pode ser, segundo Zierer (2004), em uma perspectiva relacionada aos ingleses, representada pelo Cavaleiro Artur:

Um reino próspero. Um rei justo e perfeito. Uma era de felicidade e abundância. Por que Artur ainda chama tanto nossa atenção? Por que no fundo o desejo de um governante ideal capaz de resolver todos os nossos problemas ainda seja uma realidade (ZIERER, 2010, p.19).

Zierer (2010) observa que existe profunda relação entre Artur e o processo de Cristianização, de relação até mesmo com a vinda do Cristo salvador (SOUZA, 2010, p.253), do rei que ainda se espera que retorne e reine em tempos de paz e prosperidade. Este cavaleiro é apresentado como um modelo do sacerdócio talvez após, para Franco Junior (1983), ligar-se à preceitos da Igreja, que pretendia civilizá-los e moldá-los a uma função, segundo Barthélemy (2002) por um ideal de dignidade, justiça e piedade, com um código de conduta explícito a ser seguido.

Segundo Perin e Oliveira (2002) é necessário observar que nem sempre as características que representavam ao cavaleiro o modelo de educação necessário para um período se apresentam da mesma forma em outro. Para isto, em seu estudo apresentam dois personagens cavaleiros, um no século XII e um no século XV. Nestes, os processos de transformação social sofridos pela sociedade, resultantes das novas relações e dificuldades criadas pelo homem, demonstram em um mesmo modelo de conduta social traços de comportamento e atitudes veneráveis diferentes.

A este exemplo, Perin e Oliveira (2002) apontam que novos conhecimentos estavam sendo necessários ao homem que presenciava o florescimento do comércio, as

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descobertas de longas viagens marítimas, necessidade de comunicação com outras culturas por meio de novas línguas, que geravam angústia, ansiedade, duvidas, uma nova forma de organização social e pensamento. Arias (2010) também salienta que os cavaleiros a partir do século XII enfrentaram períodos de dificuldades e decadência por conta das transformações sociais.

Vale ressaltar que, para Franco Junior (1983), Duby (1989) e Arias (2010) o cavaleiro possuía uma posição social de destaque, superior aos demais, como exemplo de educação a ser seguido. Suas atitudes eram, portanto, admiradas por todos e observadas e ordenadas pelo seu senhor. Porém eram dotados de sentimentos os quais buscavam combater, tais como o ciúme, a vingança, a traição, o amor, as paixões. Desta forma, o cavaleiro apaixonado, destemido, audaz, que não media esforços para defender seu povo e enfrentar os perigos, tais como o cavaleiro Guilherme Marechal, apresentado por Duby (1987) como o Melhor Cavaleiro do Mundo. Em geral, o cavaleiro é apresentado como submisso às ordens do seu senhor, porém forte, fiel, honesto, dotado de uma valentia que encantava as multidões que o procuravam em seus heróis o modelo de homem a ser seguido.

Este encantamento fez surgir mitos de cavaleiros perfeitos, que encarnavam todas as qualidades admiradas na sociedade nesta época. Zierer (2004) retrata de que forma o já citado mito do Rei Arthur, e todas as histórias e novelas de cavalaria criadas a seu respeito, também apontadas por Souza (2010) como Demandas do Santo Graal ou Matéria da Bretanha podem ser considerados expressões desta necessidade de buscar em um herói um modelo de homem a ser seguido. Estas tratam de toda a ficção literária em torno da figura lendária e mítica do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Arias (2010) salienta que além do encantamento produzido por estes personagens sociais, o incentivo às formas literárias voltadas à exaltação de seu modo de vida pode ser considerada uma forma de defesa do grupo cavaleiresco no período de transformações e dificuldades para o grupo que sucede o século XII.

Ariés e Duby (1990 p.115) também apontam, ao citar as lendas representativas da busca pelo Santo Graal, que “à medida que a prosa dá mais substância e presença aos guerreiros legendários, estes adquirem um patrimônio, uma identidade heráldica, uma parentela”. Desta forma, observa-se a produção a respeito das novelas de cavalaria, das

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canções de trovadores (BARTHELEMY, 2000; PERIN e OLIVEIRA, 2002, SOUZA, 2010).

Barthélemy (2000) sugere que este modelo pode ter sido exacerbado e docilizado em seus aspectos comportamentais para que sua figura e representação, de brutal, forjasse um cavaleiro dócil e de bons costumes, próprio da nobreza medieval. A este preceito, Perín e Oliveira (2002) apontam, com base em estudos de Duby (1989) e Ariés e Duby (1990), que os sentimentos mencionados como paixões, traição, vingança e ciúmes, que se tentavam controlar, refletiam sua brutalidade, violência e a ausência de boas maneiras.

A esta brutalidade, Arias (2010) afirma que frequentemente os cavaleiros, em assaltos e saques nem mesmo arrebanhavam em todas as empreitadas seus prisioneiros, pois “na violência dos assaltos, em especial aos castelos e cidades, os incêndios ateados fugiam ao controle e moradias, igrejas e palácios ardiam (ARIAS, 2010, p.16). Esta afirmação vai ao encontro de Ariés e Duby (1990):

Da parte dos homens, o perigo vinha da violência aberta, armada, brotando naturalmente entre esses homens de guerra e de torneio. Era preciso então eliminar constantemente a cobiça e os rancores, reanimar sem descanso a ‘amizade’” – envio de filhos para a cruzada após a cerimônia da sagração como cavaleiro (ARIÉS e DUBY, 1990 p. 87).

Esta busca pelo modelo de generosidade, piedade, dos cavaleiros do século XII tem revelado que a imagem legada em relação aos cavaleiros, segundo Barthélemy (2000). O autor ainda estabelece uma relação com Duby (1989) no que tange a informação de que cerimônias de consagração do cavaleiro eram antes realizadas sem a presença de padres, ou freiras, o que para ele pode sugerir que o cristianismo pretendia tornar dócil a cavalaria, difundindo a moral em detrimento da brutalidade apresentada pelos cavaleiros nos séculos X e XI, chegando mesmo a enviá-los para as Cruzadas.

A esta questão, Duby (1989) salienta que nesta sociedade, os cavaleiros menos obedientes eram destinados às cruzadas, para que lá aprendessem, pela pressão dos acontecimentos, o comportamento difundido como o modelo de conduta próprio a um cavaleiro, a ética cavaleiresca, que englobava também a defesa da Igreja, do território e do povo. Desta forma, a busca era por gestos heroicos, corteses, elitista, cristianizada e

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até mesmo feminina (BARTHÉLEMY, 2000), que poderia ser então representadas pelos contos, novelas e canções de cavalaria já citados. Nestas, o orgulho guerreiro e cavaleiresco eram defendidos com fervor.

Observa-se, portanto, que, neste panorama da sociedade cavaleiresca do sáculo XII, acontecimentos relacionados à docilização dos gestos, disciplina e educação das maneiras para este cavaleiro que pode ter vindo a representar a criação de um personagem que consagrar-se-ia como modelo de conduta social, e neste sentido, modelo de educação a ser seguido.

Partindo dessas considerações, a proposta do presente projeto objetiva investigar a construção do conceito de cavaleiro no período compreendido pelos séculos XI e XII na França e as necessidades sociais que resultaram na transformação deste individuo real em um modelo de conduta a ser exemplo de educação.

Os objetivos específicos sugeridos são, em primeiro lugar, apresentar o cavaleiro medieval como modelo de conduta a ser seguido em termos de educação dos indivíduos medievais no século XI a XII, principalmente na França. Em seguida, investigar como se dava a educação do cavaleiro medieval francês em termos de treinamento corporal e conduta em seu comportamento, modos, cordialidade do século XI a XII.

Em um terceiro momento, investigar de que forma o conceito de cavaleiro influenciava na educação como modelo de conduta a ser seguido na França nos séculos XI a XII e de que forma este modelo de conduta social foi sendo moldado a ponto de servir como personagem constituído ao imaginário de seu tempo e dos tempos seguintes. Em último lugar, complementando o processo, o projeto pretende buscar uma aproximação do conceito de cavaleiro como modelo de conduta social docilizado ao conceito de herói na educação.

Ao traçar o caminho metodológico para a pesquisa, sugere-se para o desenvolvimento da mesma a análise histórica referente à História Social. De forma breve, a História Social é apresentada por Cardoso e Vainfas (1997) entre outras metodologias, como clássica e abrangente.

No Capítulo referente à História Social, Castro (1997) aponta que a historiografia e historia da educação convencional limitava-se, antes da década de 60, a descrever os fatos, de forma acrítica e não problematizadora. Em meados dos anos 60,

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em meio a tentativas de rupturas, novas perspectivas para a historia e historiografia da educação, que além da descrição de fatos problematizavam-no, refletiam acerca do contexto em que estavam inseridos, sugerindo traços de interdisciplinaridade, ocorreram de forma a mudar a concepção que se tinha, e sugerir o que conhecemos hoje por História Social.

Para Castro (1997) uma destas expressões de rotura com a perspectiva de tradicional é o movimento dos Analles (1929) conduzido por Boch e Febvre (CASTRO, 1997, p. 75), que se abriria às demais ciências humanas e possibilitaria um aperfeiçoamento metodológico ao passo que se alargavam as possibilidades de objetos de estudo e interesses históricos.

Neste sentido, Castro (1997) aponta que a História Social passa a ser encarada como perspectiva de síntese, se opondo à historiografia tradicional ao afirmar que “todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam” (CARDOSO e FLAMARION, 1997, p.75). Esta afirmação apresenta a natureza humana inerente à ação social, ou seja, a ação humana faz sentido em seu contexto social, facilitando o entendimento acerca dos comportamentos sociais. Castro (1997) também aponta que a contextualização cultural dos acontecimentos e ações sociais auxiliaria na luta contra o anacronismo.

A Revisão de Literatura pretende versar sobre o conceito de cavaleiro na Idade Média e autores que tanto caracterizam o cavaleiro quanto exploram seu modelo de conduta a ser seguido, quanto pretendem desmistificá-lo enquanto modelo forjado e docilizado do quadro real, criando a representação de uma figura social que continha exemplos a serem seguidos, usados para a educação, de sua criação à sua decadência. Também se faz necessário um conjunto de obras que auxiliem na compreensão do contexto social da Idade Média nos séculos XI e XII.

Referências

ARIAS, Ademir Aparecido de Moraes. A Rapina como meio de vida da aristocracia cavaleiresca: o exemplo da “Gesta dos Lorenos”. n: ZIERER, Adriana (org), SOUZA, Neila, GOMES, Flavia Santos (colab). Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. São Luis: Editora UEMA, p.11 – 18, 2010.

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BARTHÉLEMY, Dominique. La legende dorée dês chevaliers du Moyen Age.

L’Histoire. Puiseaux: n. 224 Juin 2000.

_______________________ La Mutation de l’an mil a-t-elle eu lieu? Paris: Fayard, 1997.

CARDOSO, Maria Abadia. O Campo Da História: Especialidades e Abordagens. Fênix

– Revista De História E Estudos Culturais Julho/ Agosto/ Setembro De 2005 Vol. 2

Ano II Nº 3. Disponível em: www.revistafenix.pro.br Acesso em: 19 Ago 2011

CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro.Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (orgs). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

DUBY, Georges e ARIÉS, Philipe. História da vida privada 2: Da Europa feudal à Renascença. Traduçãod e Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Estampa, 1994.

_____________ O Cavaleiro, a Mulher e o Padre. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1981.

_____________ O ano Mil. Tradução de Tereza Matos. Lisboa: Edições 70, 1992

_____________ A sociedade Cavaleiresca. Tradução de Antônio de Pádua Danesil. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

_____________ Guilherme Marechal ou, o melhor cavaleiro do mundo. Tradução de Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1987.

FRANCO JR, Hilário. O feudalismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

LUPI, João. n: ZIERER, Adriana (org), SOUZA, Neila, GOMES, Flavia Santos (colab).

Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. São Luis: Editora UEMA,

p.127 – 144, 2010.

PERIN, Conceição Solange Bution e OLIVEIRA, Terezinha. A educação de cavaleiros medievais em dois momentos históricos: séculos XII e XV. Acta Scientiarum. Maringá: v. 24, n. 1, p. 115-124, 2002.

SOUZA, Neila Matias de. A demanda do Santo Graal e o melhor dos melhores cavaleiros do mundo. In: ZIERER, Adriana (org), SOUZA, Neila, GOMES, Flavia Santos (colab). Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. São Luis: Editora UEMA, p.247-262, 2010.

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ZIERER, Adriana (org), SOUZA, Neila, GOMES, Flavia Santos (colab). Uma viagem

pela Idade Média: estudos interdisciplinares. São Luis: Editora UEMA, 2010.

ZIERER, Adriana. As mudanças nas Imagens do Mítico Artur: de Dux Bellorum a rei Cristão nas Visòes de Nennius e Geoffrey de Monmouth. n: ZIERER, Adriana (org), SOUZA, Neila, GOMES, Flavia Santos (colab). Uma viagem pela Idade Média: estudos interdisciplinares. São Luis: Editora UEMA, p.19 – 34, 2010.

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